TÍTULO: “As Cooperativas de Geração de Emprego e Renda”. AUTORA: Sandra Maria Zanello de Aguiar. CREDENCIAIS DO AUTOR: Mestre em Serviço Social-PUC/São Paulo; Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Centro-Oeste-UNICENTRO, Guarapuava-Pr.; pesquisadora do CNPQ vinculada ao Projeto “Desemprego e Cooperativas de Trabalho- arranjos e sistemas produtivos centrais”, sob a coordenação da Profa. Dra. Bernadete Wrublevski Aued, do Curso de Pós-Graduação, Doutorado em “Sociologia Política”, da Universidade Federal de Santa Catarina. SINOPSE De forma a ampliar e aprofundar a compreensão sobre o “trabalho” e os seus desdobramentos nas expressões individuais e coletivas do segmento dos trabalhadores desempregados, usuários das políticas públicas das organizações governamentais (org) e não-governamentais (ong) que se constituem em campos de estágio do Curso de Serviço Social da UNICENTRO da cidade de Guarapuava, está sendo desenvolvido o Sub-Projeto de Pesquisa- “As cooperativas de geração de emprego e renda”- que tem alguns encaminhamentos fundamentais iniciais: o primeiro, é identificar a existência de cooperativas de trabalho, o “modo de ser” destes trabalhadores na consideração das suas representações e percepções sobre o trabalho e, o segundo, é a inserção de alunos no processo ensino/investigação para que vivenciem esta unidade no Serviço Social, como elementos necessários para a objetivação da prática profissional. No movimento interno dos dois encaminhamentos iniciais, encontramos os objetivos desse estudo: a) Analisar as implicações sociais das políticas públicas de geração de emprego e renda no Município de Guarapuava, assim como a verificação da existência de cooperativas de geração de emprego e renda vinculadas a organizações governamentais e não-governamentais, do Município de Guarapuava. b) Identificar, através de mapeamento, a existência de projetos de pesquisa e de extensão sobre cooperativas de geração de emprego e renda, nos diferentes cursos da Universidade Estadual Centro-Oeste-UNICENTRO, de Guarapuava, bem como o mapeamento do Município de Guarapuava para conhecimento da existência de cooperativas de geração de emprego e renda em diferentes instâncias da sociedade. c) Proceder investigações sócio-econômicas e culturais, através de entrevistas biográficas, combinada com a análise longitudinal, em diferentes bairros do Município de Guarapuava, de maneira a conhecer o modo de vida das populações. d) Identificar, através das investigações sócio-econômicas e culturais, a população desempregada e seu modo de vida. e) Investigar as políticas públicas na consideração da sua efetividade e da emancipação de quem a elas recorre, através de pesquisa documental, entrevistas. f) Acompanhar algumas trajetórias de vida de usuários das políticas públicas que estejam em estado de desemprego, as quais serão documentadas de dois em dois anos, ao longo de uma década. De forma a explicitar estes objetivos, elencou-se alguns questionamentos que nortearão a direção dessa investigação: a) Qual a concepção das políticas públicas para o usuário? b) O trabalho se caracteriza como “momento predominante” no processo evolutivo do trabalhador desempregado, usuário das políticas públicas das org e ong, da cidade de Guarapuava? c) De que modo este trabalhador representa o “trabalho” no cotidiano da sua vida? d) O “trabalho” faz parte do cotidiano destes trabalhadores? e) Quais as atividades laborativas identificadas como “trabalho” para o trabalhador desempregado usuário das políticas públicas das org e ong, da cidade de Guarapuava? f) Quais os tipos de trabalho que desenvolve? g) Qual a origem desse trabalho? h) Quais as habilidades que esse trabalho solicita? i) Esse trabalho possibilita o atendimento das necessidades básicas? j) Onde se localiza esse trabalho? k) O que significa o desemprego? l) Quais as estratégias de sobrevivência? O SER SOCIAL, O TRABALHO E A MODERNIDADE As profundas e alternantes mutações no mundo do trabalho, resultantes das políticas de globalização dos mercados e do desenvolvimento progressivo técnico-científico, têm provocado um afastamento temporário, tão longo, do processo das relações sociais de produção da classe trabalhadora que geralmente, acaba transformando-se em definitivo caracterizando assim, o desemprego. O estado de desemprego coloca homens e mulheres à mercê de determinações que os degradam na relação com a natureza, já que esta relação homem-natureza é condição “sine qua non” para a satisfação das necessidades básicas, para a construção e reconstrução da sua essência social. O trabalho é a primeira forma de expressão do indivíduo em coletividade. Quem pensa “trabalho”, pensa homens interagindo conhecimentos, experiências. Isto faz parte da essência enquanto ser social. Ele ainda se constitui em necessidade de “primeira ordem”ao ser humano, especialmente, quando consideramos este ato na perspectiva da “preservação das funções vitais” deste ser, ou seja, a íntima relação que estabelece com a natureza, pois é parte constituinte da mesma. Como, então, conceber-se o homem apartado da sua natureza? Da impossibilidade de estar construindo mediações para o desenvolvimento da sua liberdade e autonomia já que se encontra distanciado do trabalho? É só através do trabalho que o homem busca a produção e a reprodução da sua vida em sociedade e a luta pela sua sobrevivência, criando e recriando novas formas de existência, segundo as suas necessidades cotidianas. O trabalho é produto de um “pôr teleológico”, isto é, a “ideação” construída na consciência do ser social. É a objetivação das finalidades previamente ideadas. É um processo contínuo que busca sempre novas alternativas e, é isto que o diferencia de outros animais que, ao realizarem meios para a sua sobrevivência, os fazem de modo meramente biológico, sem qualquer intencionalidade, apenas a de sobreviver. Esta posição teleológica se dá em função do resultado de uma necessidade humana e social, que é impulsionada pela contínua realização de necessidades, da produção e reprodução da vida em sociedade. O trabalho, então, é elemento de mediação inserido “entre a esfera da necessidade e a da realização desta...”(Antunes, p.137, 2001), o que determina um comportamento consciente sobre a espontaneidade do instinto biológico (elemento constituinte dos outros seres vivos), no momento em que o trabalho intervém como mediação entre necessidade e satisfação imediata, pois a vida dos homens que trabalham é constituída de pleno sentido, promovendo a sua autodeterminação, humanização e autonomia. O processo de mediação, de intermitente metabolismo entre o homem e a natureza, leva-o à necessidade de criar produtos que sejam úteis ao seu uso constante. Este movimento do ato laborativo, nas considerações limitada e primitiva, tem um sentido genérico e abstrato, produzindo valores de uso. Já em outras formas mais desenvolvidas, mesmo aliada à relação homem e natureza, explicita inter-relações com outros seres sociais também intencionando a produção de valores de uso, emergindo uma práxis social interativa carregada de intersubjetividades. Em razão das profundas transformações no mundo do trabalho, as considerações sobre o trabalho concreto, aquele que cria valores de uso porque atividade vital, “necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio entre o homem e a natureza” (Marx p.50, 1971), acaba tomando uma dimensão, tão somente, abstrata, pela natureza do metabolismo social do capital que faz o trabalho tomar uma forma “(...)assalariada, fetichizada e estranhada ( dada a necessidade de produzir valores de troca para a reprodução ampliada do capital)...” (Antunes, p.167, 2001). Mas isto, não representa a derrocada do trabalho concreto, pois sem ele não haverá espaço para o metabolismo social do capital expandir-se. Robert Castel (1997), parece demonstrar o metabolismo social do capital através da desagregação da sociedade salarial, ou seja, uma intervenção antecipada com a instalação de mecanismos imediatos, de forma a estancar provisoriamente a aceleração do processo do não-emprego, o que vem agravar “(...) a ruptura entre trabalhador e proteção”(Castel, p.182, 1997), pois, na ótica do autor, é do trabalho e de sua proteção que se organizam o direito social, a seguridade social, a sociedade e as suas demandas. Estes mecanismos oriundos das políticas públicas tomam uma forma de “políticas de inserção” que tem como foco principal, a ação social voltada para um determinado aspecto, expressando-se como “(...) essencialmente operações de reposição para preparar dias melhores” (Castel, p.25, 1997), reduzindo, assim, a necessidade de uma intervenção macroestrutural, de fundo político-econômico e, o que é de suma importância: a consideração do ser social na dinâmica da cotidianidade do trabalho. O trabalho é, efetivamente, a expressão das finalidades humanas constituído de intrínseca dimensão teleológica, mostrando experiências básicas da vida cotidiana, nas soluções que oferta aos carecimentos e necessidades sociais. A vida cotidiana é ponto de partida para a genericidade para-si dos homens que vivem numa dinâmica intermitente de trocas e que segundo Lukács, esta dinâmica que se faz no interior da sociedade que, “ só pode ser compreendida em sua totalidade, em sua dinâmica evolutiva, quando se está em condições de entender a vida cotidiana em sua heterogeneidade universal. A vida cotidiana constitui a mediação objetivo-ontológica entre a simples reprodução espontânea da existência física e as formas mais altas de genericidade agora já conscientes, precisamente porque nela, de forma ininterrupta, as constelações mais heterogêneas fazem com que os dois pólos humanos apropriados da realidade social, a particularidade e a genericidade, atuem em sua inter-relação imediatamente dinâmica. Conseqüentemente, um estudo apropriado dessa esfera da vida pode também lançar luzes sobre a dinâmica interna do desenvolvimento da genericidade do homem, precisamente por tornar compreensíveis aqueles processos heterogêneos que, na realidade social, dão vida às realizações da genericidade” (Lukács in Antunes, p. 168-69, 2001). É ineliminável a possibilidade de compreender o trabalho sem a ligação dele com a vida cotidiana, correndo-se o risco de desconhecer-se a esfera ontológica que a compõe e assim, inviabilizando o entendimento das formas da consciência do “ser-social-que-vive-dotrabalho”, em seus complexos movimentos existentes no trânsito entre as formas mais próximas da imediatidade, da “genericidade em-si”, até aquelas formas mais autênticas, mais identificadas com a “genericidade para si”(Antunes, p.170-71, 2001). Na perspectiva de Lukács, a vida cotidiana está colada à história dos homens. Não há sociedade sem cotidianidade, não há homem sem vida cotidiana. Lukács (1979) traz determinações fundamentais para apreensão da cotidianidade: a “heterogeneidade”, a “imediaticidade” e a “superficialidade extensiva”. A vida cotidiana é heterogênea, sobretudo, no que se refere ao seu conteúdo e à sua significação das atividades do ser social; não são definitivas e imutáveis, pois depende de uma hierarquia que subentende o sistema de organização, por exemplo, as classes sociais, o seu cotidiano e o modo de ser. Ela “(...) constitui um universo em que, simultaneamente, se movimentam fenômenos e processos de natureza compósita (linguagem, trabalho, interação, jogo, vida política e vida privada, etc.) (Netto, p. 67, 1996). Esta movimentação inclui a manipulação das coisas que assimiladas individualmente, processam a “assimilação das relações sociais” que possibilitam o “amadurecimento para a cotidianidade”, assim como, a “assimilação imediata” adquirida através de pequenos grupos: família, escola, vizinhança, etc. “E esses grupos face to face estabelecem uma mediação entre o indivíduo e os costumes, as normas e a ética de outras integrações maiores” ( Heller, p.19, 2000) que o levarão a imprimir “valor” sobre as suas atividades individuais e as mediações que empreendeu, tornando-o consciente dos valores das integrações maiores que realizou. Aí, pode-se considerar este indivíduo maduro e apto a mover-se no ambiente da sociedade geral. A “superficialidade extensiva” significa que a vida cotidiana “mobiliza em cada homem todas as atenções e todas as forças, mas não toda a atenção e toda a força; a sua heterogeneidade e imediaticidade implicam que o indivíduo responda levando em conta o somatório dos fenômenos que comparecem em cada situação precisa, sem considerar as relações que o vinculam” (Netto, p.67, 1996). Isto quer dizer que, o cotidiano deve se constituir de ações menos imediatas e de menos instrumental, pois a heterogeneidade e a imediaticidade retira do homem o atributo da “particularidade” “espaço de mediação entre o singular e o universal (...)” (Netto, p.69,1996). Considerando os momentos que constituem a vida cotidiana e a necessidade de promover a sua superação para dar espaço à questão da “homogeneidade”, Netto apresenta três procedimentos indicados por Lukács: “o trabalho criador, a arte e a ciência(...). A dialética cotidianidade/suspensão é a dialética da processualidade da constituição e do desenvolvimento do ser social”(Netto, p.69-70-71, 1996). Estas reflexões, ainda que superficiais, vem confirmando a necessidade de efetivar este estudo à busca por elementos que constróem a vida cotidiana das políticas públicas e dos usuários desempregados para conhecimento da estrutura organizacional e da política das instituições encarregadas de prover serviços de assistência social, executoras das políticas públicas cujas intervenções seguem determinações postas pelas alterações no “mundo do trabalho”. Bem como para desmistificar a profissão do Serviço Social direcionada a uma prática meramente imediata e reiterativa que, sem o conhecimento e apreensão do movimento interno do cotidiano não há como livrar-se do “racionalismo limitado(positivismo)” e da “derivação irracionalista(fenomenologia)”(Netto, p.65, 1996), que em algumas instâncias, mesmo isoladas, encaminham o processo do ensino e da pesquisa no Serviço Social à estas perspectivas. É neste contexto que os trabalhadores desempregados usuários das políticas públicas das organizações governamentais e não-governamentais, campos de estágio do Curso de Serviço Social da UNICENTRO, da cidade de Guarapuava, e sujeitos deste estudo, estarão inseridos e explicitando as suas concepções como “classe-que-vive-do-trabalho”, ou seja, trabalhadores produtivos e improdutivos que constróem o seu “modo de vida” na cotidianidade do seu trabalho e das determinações políticas e econômicas de um capitalismo em crise. A QUESTÃO METODOLÓGICA Será priveligiada a pesquisa qualitativa, uma vez que o uso da instrumentalidade do trabalho recairá, mais significativamente, em gravações de depoimentos, de narrativas, de entrevistas biográficas e de análises longitudinais do cotidiano dos sujeitos envolvidos na investigação. Para tanto, explicitamos alguns passos para a materialização dos objetivos: 1) Por meio da análise, o conhecimento das implicações sociais das políticas públicas de geração de emprego e renda no Município de Guarapuava, como representam-se à população e como objetivam-se. 2) A investigação da existência de cooperativas de geração de emprego e renda e sua origem, através de pesquisa documental, de levantamentos “in loco”. 2.1 A investigação para mapeamento da existência de projetos de pesquisa e de extensão nos diferentes cursos da UNICENTRO, que tratem de cooperativas de geração de emprego e renda. 2.2 A investigação para mapeamento da existência de projetos de pesquisa e de extensão, nas diferentes instâncias da sociedade. 3) Investigação do modo de vida dos sujeitos participantes do estudo, nas considerações do desemprego, das condições sócio-econômicas e culturais que desenvolvem para o enfrentamento desta situação. 4) Investigação, através do uso de entrevistas, da efetividade das políticas públicas, no que se refere ao subsidiamento de condições de emancipação e autonomia dos sujeitos que a ela recorrem. 5) Acompanhamento de algumas trajetórias de vida de sujeitos dependentes das políticas públicas que se encontrem em situação de desemprego, cujas histórias serão gravadas e documentadas durante dois anos. 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