ESCOLARIZAÇÃO EM MINAS GERAIS NA PERSPECTIVA DAS ESTATÍSTICAS
OFICIAIS (1889-1940)
Sandra Maria Caldeira 1(ufmg)
Luciano Mendes Faria Filho 2 (ufmg)
O trabalho de pesquisa ora apresentado3, pretende compreender a constituição do
campo pedagógico em Minas Gerais em fins do século XIX até meados do século XX, através
das estatísticas escolares dos estabelecimentos públicos primários no que se refere a
matrícula, freqüência, e conclusões de curso, no período de 1889 a 1940.
Um dos objetivos da pesquisa é entender as modificações no movimento de
escolarização das primeiras letras, compreendendo os momentos e as causas que resultaram
nos aumentos e recuos do número de alunos que se matricularam nos estabelecimentos.
Localizando nas fontes, aquilo de mais significativo que contribuiu para que a educação fosse
considerada uma instituição capaz de impulsionar o progresso, já de muito desejado pelos
intelectuais e políticos da época. Procuramos entender, na perspectiva dos números, o que
significa um Estado que tem poucas escolas no início do século XIX ter aumentado
visivelmente seu aparelho educativo, numa clara alusão ao discurso proposto pela
modernidade.
Esta investigação tem nos possibilitado pensar de maneira mais reflexiva sobre a
construção do conhecimento estatístico que da maneira como é colocado hoje parece ser tão
familiar, portanto natural. Nesse sentido, o questionamento que fizemos foi um esforço para
enxergar o conhecimento estatístico como algo que é construído culturalmente com uma
intencionalidade e imbuído de um discurso que legitima-o e faz com que os números hoje
sejam vistos como verdades inquestionáveis, únicas. Como esta realidade tem reflexos na
produção da cultura escolar, como podemos apreender algo que está no mundo das idéias e
que não tem um caminho pré determinado, portanto não é uma construção maquineísta, mas é
produzido ao longo da modernização social? Neste momento, surge a necessidade do sistema
estatal dar a ver, dar inteligibilidade às suas realizações e se fortalecer enquanto nação, assim
a mensuração torna-se uma constante. Tal problema demanda escolhas, assim o que irá ser
mostrado, o que deve ou pode ser mostrado? É interessante do ponto de vista político dar a
1
Graduanda do curso de Pedagogia, bolsista de Iniciação Científica e integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa
em História da Educação FaE/UFMG.
2
Professor Dr. do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação, FaE/UFMG.
3
Esta pesquisa integra o Projeto de pesquisa denominado “Escolarização, culturas e práticas: investigação sobre
a instituição do campo pedagógico em Minas Gerais (1820-1950)”, coordenado pelos professores doutores
Luciano Mendes de Faria Filho, Cynthia Greive Veiga e Maria Cristina Soares de Gouvêa.
1
ver os problemas da educação? Pensamos que estas questões faziam parte do imaginário dos
governos da época, interessava à eles mostrar o quão importante era a civilidade, processo
possível através da escolarização, da implementação de uma forma escolar desejada pelos
intelectuais influentes na sociedade mineira, brasileira.
A modernidade em Minas Gerais, para João Antônio de Paula (2000) “...significou a
emergência de instituições, de valores, de concepções, de atitudes, de modos específicos de vivência
do tempo, de apropriações do espaço, de produção e reprodução material, de organização da vida
política, de vivências subjetivas, que redefiniram de fato, o projeto civilizatório ocidental.” (p.15) Isto
implica numa organização muito específica do poder, assim é importante discutir a produção
das estatísticas nesse cenário, de construções político-sociais. Estudar os dados escolares é
importante pelo fato da estatística ser um componente do Estado no seu processo de
fortalecimento, e no percurso da legitimação da escolarização. Na estruturação do Estado um
dos seus componentes é a construção de dados para a possibilidade de agir na população. A
estatística também pode ser investigada para conhecermos melhor um serviço público, que ao
mesmo que é estruturado pelo Estado também lhe estrutura, numa via de mão dupla. A
estatística pode ser entendida como uma representação social que dar a ver ideários, conceitos
e modos de vida na República. Entender a estatística é compreender uma representação que
lhe é dada na Educação. Os dados são importantes na medida em que nos informa qual
magnitude se deu o processo de escolarização em Minas Gerias, entendendo que aspectos isso
proporcionou na cultura, na sociedade, na produção de um público escolarizado.
A partir do recolhimento de algumas fontes documentais4 no Arquivo Público
Mineiro, e posterior leitura, uma das necessidades latentes foi a construção de tabelas5 – que
nos permitisse compreender com maior propriedade, o movimento de escolarização em Minas
Gerais através dos números educacionais – avaliando os registros quantitativa e
qualitativamente, estabelecendo comparações e relações entre seus vários campos. Para tratar
dos números da Educação em Minas Gerais, como também em boa parte do Brasil, um
obstáculo comum diz respeito às fontes, pois são poucas aquelas que trazem os dados
estatísticos sistematizados, fundamentais ao que propomos no estudo do processo de
escolarização do final do século XIX a meados do século XX. Nesta perspectiva, poucas
4
As fontes subsidiárias deste trabalho foram as Mensagens dos presidentes do Estado de Minas Gerais (18891940), o Anuário Vida Escolar (1915-1925), a Organização do Ensino Primário e Normal- MG (1942) e
Aspectos Estatísticos de Minas Gerais (1943).
5
Algumas destas tabelas estão inseridas ao longo do texto.
2
foram as fontes que, mesmo tratando da História da Educação, trouxesse como abordagem
principal as estatísticas educacionais6.
Durante a pesquisa, percebemos que cada fonte tem uma maneira peculiar de tratar a
Educação, dado o objetivo de cada uma delas e, levando em conta o momento histórico em
que foram produzidas. Este aspecto de diferenciação de datas serviu para preencher as séries
estatísticas, por ano, no intervalo pesquisado, além de ser um detalhe enriquecedor da análise
pois permite traçar um perfil evidente de como a fonte aborda a educação. Neste texto
privilegiamos a análise de uma das fontes – Mensagens dos Presidentes do Estado de Minas
Gerais- certos de que esta elucida os principais aspectos da vida escolar e administrativa de
Minas Gerais no período.
As Mensagens dos Presidentes do Estado de Minas Gerais
Foram consultadas todas
que retratam o período de 1889-1930. Estes documentos eram escritos pelos presidentes do
Estado e enviados ao Congresso Mineiro, relatando com minúcias as ocorrências que faziam
parte da administração pública estadual, contendo descrições sobre diversos assuntos. Tais
como: tesouro do Estado; tribunal da Relação; força policial; obras públicas; instrução
pública; estradas de ferro; navegação dos rios; questão dos limites geográficos; indústria;
situação climática; saúde pública; magistratura; Secretaria do Interior (pasta à qual pertencia a
instrução pública); estatísticas de distâncias; Secretaria da Agricultura; estatística da
exportação; serviço de estatística; dívida externa; imprensa oficial, etc.
Quanto à estrutura presente nas mensagens, em primeiro lugar os presidentes
cumprimentam o congresso mineiro sempre exaltando a República, a democracia e sua alegria
em governar o Estado. Em seus discursos, as palavras são bem escolhidas para melhor efeito
retórico.
Em todos os relatórios, os presidentes se remetem à instrução, fazendo pouca ou muita
referência ao setor. Sendo que todos os presidentes atribuem à educação a única saída para o
progresso no Estado, o investimento financeiro, neste setor é alto, destacando a preocupação
do Estado com a construção da nação escolarizada. Sobre esta importância atribuída à
educação no que diz respeito ao gasto financeiro, o trecho abaixo diz:
A manutenção dos grupos e escolas existentes, a creação sucessiva, imposta pelo dever de
disseminar o ensino, de novos grupos e de novas escolas, reclamam só por si avultada quantia,
que cresce de anno para anno; leve-se em conta, ao lado desse factor de despesa, a nessecidade
de instalação condigna de taes estabelecimentos de ensino, e se concluirá que é de grande vulto
6
Cf. RESENDE, Fernanda. FARIA FILHO, Luciano M.
, 195, 1999.
3
a somma dos recursos pecuniarios exigidos por esse relevante serviço publico. (Mensagem do
presidente Antonio Carlos, 1927, pág. 24).
A discussão sobre estatística na fonte aparece com muita freqüência, os presidentes
utilizam os dados escolares como instrumento para conhecer e agir, propondo mudanças que
viessem colaborar para escolarização de toda a sociedade mineira. A educação nas Mensagens
enviadas ao Congresso Mineiro é apresentada de forma bem peculiar, pois sendo um relatório
enviado ao congresso revela um discurso de preocupação com a modernização via escola, por
isto a instrução demanda grande número de páginas nos relatórios. Nesta fonte, a estatística é
apresentada ano a ano, não é comum construir tabelas para comparações com os dados de
vários anos, como ocorre no Anuário Vida Escolar. No corpo das
, é corrente a
seguinte apresentação para os dados:
Estatística escolar
Foi de –138.719 alumnos o movimento dos grupos e escolas publicas estadoaes em 1912,
contra 122.976 em 1911, havendo um salde de 15.748 alumnos em favor de 1912. A esse
numero de138.719 alumnos devemos addicionar o movimento das escolas primarias
municipaes e particulares espalhadas pelo estado,e, feita essa operação- teremos:
Movimento dos grupos e escolas estaduaes.......................138.719
Moviemnto das escolas municipaes...................................16.227
Movimento das escolas particulares...................................15.102
............................................................................................170.048
Só 75 municipios, dos 176 existentes, enviaram dados estatísticos sobre o movimento
das escolas municipios e particulares; 100 municipios deixaram de manda os informes
insistentemnete pedidos pela secretaria, (Mensagem do Presidente Julio Bueno Brandão, 13 de
julho de 1913, pag. 19-20).
Notamos que no momento em que pretendem demonstrar um crescimento no número de
alunos, fazem-no textualmente, não em tabelas comparativas como ocorre hoje.
No discurso dos presidentes é constante a utilização de números e tabelas, o que visa
demonstrar a mensurabilidade das ações. Indica ainda, a utilização da estatística como prova
do relato. A estatística vai ganhando importância e espaço na administração pública, sendo
visível nas mensagens.
Depois de explanar sobre a fonte e os discursos nela presente, passemos à sua análise.
ANO
Matrícula do 2º
Freqüência
N.º Cadeiras
semestre
Fem
Mas
Conclusão
Grupos
providas
Total
Fem
Mas
Total
%
urba
Dist
nos
1890
20567
36001
56568
10841
17207
28048
17.8
1570
2418
4
1899
1900
1901
1222
12647
18421
1902
31068
5557
7556
13113
1348
32121
1302
52400
1394
1903
1904
1905
1492
1906
54815
36072
1430
1907
1908
1909
95574
35084
47868
82952
1910
94089
1911
122976
1912
29
21333
24995
46328
37,4
78
44
1438
72
63000
55
1520
84
138719
83306
62,87
110
1913
144728
83892
57,96
85
13
1914
149720
86982
58,09
94429
58,13
109
20
23
1915
71706
90733
162439
43420
51009
1916
161315
2365
113
1917
169225
2539
141
1918
21
153
1919
164269
81238
49,45
3974
162
1920
171462
87611
51,09
3974
131
31
1921
188382
96255
51,09
4492
1922
89399
110775 200174
48543
54332
102875 51,39
4836
148
36
1923
90432
110766 201198
50514
56566
107080 53,22
5914
149
35
1924
90183
109400 199583
113089
6033
165
23
173
23
186
25
190
26
1925
211257
1926
106850 133028 239878
1927
129837 161537 291374
65891
76349
142240 59,29
156725
62,2
151118 184180 335298 106442 124255 230697
68,8
11608
1928
1929
Fonte: Mensagens dos Presidentes de Minas Gerais.
A tabela tem como fonte as
no período de 1889-1930, apresentando os dados dos Estabelecimentos Escolares Estaduais
Primários de Minas Gerais e foi estruturada utilizando: o número de matrícula, a freqüência,
as cadeiras providas, os grupos (urbanos, distritais) e as escolas isoladas (urbanas, distritais,
5
rurais e noturnas). A imagem que se cria da educação para o Estado está muito vinculada aos
números e tem o papel de evidenciar, dar
aos números da Instrução Pública.
É visível no item Matrícula, a necessidade de apresentar os números, tal fato se
intensifica a partir da década de 1910. Se olharmos mais atentamente, podemos notar que
estes dados não crescem numa progressão contínua, ocorrendo quedas nas matrículas nos
períodos: 1908-1909, 1915-1916, 1917-1919,1923-1924. Não sendo minuciosos nas
observações, podemos perceber um aumento na taxa de freqüência ao longo de 40 anos
(1889-1929), que vai de 17,8% em 1890 para 68,8% em 1929. Não há nos documentos uma
preocupação quanto aos decréscimos, porque para os presidentes, estes números apontam para
uma vitória contra o analfabetismo em Minas Gerais, revelando sempre a idéia de progresso
na educação.
Apresenta-se também, a dificuldade de realizar uma estatística mais segura. Fato este
agravado, segundo o presidente, pelos professores e pais que são cúmplices da ausência dos
alunos na escola, o que torna necessário a formulação de uma lei que obrigue o ensino às
crianças.
Da liquidação de mappas existentes na Secretaria do Interior; apresentados pelos próprios
professores e competentemente visados pelos inspectores escolares, verificou-se que em 338
escolas primárias não havia frequencia legal; por ahi pode-se calcular o numero que deve
existir de outras nas mesmas condições.Esta falta de frequencia nas escolas, si por um lado não
pode deixar, no grande numero de casos, de ser attribuida à falta de habilitações e de
cumprimento de deveres por parte dos respectivos professores, por outro revela também, em
muitos casos, a desidia por parte dos paes em mandarem seus filhos às escolas o que demonstra
a indeclinavel necessidade de ser effectiva no Estado a obrigatoriedade do ensino (Mensagem
do presidente Silviano Brandão, 1899, pag.19)
Podemos dizer que mesmo havendo uma preocupação dos Presidentes com relação à
freqüência dos alunos na escola, isto não implica necessariamente, em medidas que visassem
combater essa infreqüência da
maioria das crianças. Esta situação se agrava pela
impossibilidade da Secretaria do Interior (mais especificamente sua pasta que trata da
instrução pública) em receber os mapas escolares de matrícula e freqüência.
Na tabela, estão discriminados os dados de todas as escolas do Estado,
contabilizando um total de 5926 estabelecimentos de ensino em 1929, atendendo a 230697
crianças em idade escolar. Mesmo com este número de escolas e o constante investimento na
construção de mais estabelecimentos, seu número é insuficiente para atender a todas as
crianças na idade escolar. Segundo o Presidente Francisco Sales, em 1904, o gasto financeiro
do governo com a instrução chegava a 38:480$000, o que significa o 2º maior investimento
do Estado, e nem por isso, atingia todos os objetivos desejados. Quanto a isto, João Pinheiro
6
já em 19087 afirma: “(...) das 800 mil creanças do Estado, em edade escolar, a 700.000 não se dá ainda o
devido ensino”(pag.40).
Depois de 12 anos a situação não se modifica, como afirma o presidente
Artur Bernardes, em 1920: “O numero de nossas escolas é de flagrante insufficiencia para a extensão do
Estado e a sua população escolar”, (pág.31).
Mesmo reconhecendo que já houve um grande avanço
na popularização do ensino, não há o que comemorar. Os dados que se apresentam para a
conclusão de curso primário são desanimadores, porque dos 142.240 alunos que freqüentam a
escola, apenas 8% em 1926, concluíram o ensino primário. Isso implica dizer que 92% das
crianças que freqüentam a escola, não chegam a concluir o ensino primário. Reafirmando a
impossibilidade da escola e do Estado desenvolver uma política que garanta a permanência dos
alunos que se matriculam na escola.
É ainda comum nos relatórios, trazer os números para dar inteligibilidade às
realizações do presidente, certamente essa forma denota visibilidade ao seu discurso e
demarca a utilização da estatística, delineando-o com maior segurança, quando este se
apresenta incrustado aos números. Para exemplificar, tomamos como referencial um trecho
das Mensagens dos Presidentes que ilustra bem esta outra forma de compreender os números,
quadros e textos como uma forma que possibilita diversas leituras numa linguagem própria de
representação e significação. O quadro que apresentamos foi retirado como no original.
Foi o seguinte o movimento dos grupos escolares e escolas singulares do Estado, no decorrer
do anno de 1918:
ESPECIFICAÇÕES
Grupos em
Urbanos
1º SEMESTRE
126
-----
2º SEMESTRE
128
-----
funcionamento
Distritais
25
151
26
154
Escolas Isoladas
Urbanas
258
-----
248
-----
Distritais
871
-----
848
Rurais
363
-----
380
-----
----Noturnas
Matriculas grupos e escolas Alunos
26 1518
83706
-----
29
1505
92791
-----
Alunas
freqüência grupos e escolas
67426
151132
74700
167491
Alunos
43079
-----
43503
-----
Alunas
37835
80914
37954
81457
Porcentagem da Frequencia
7
É interessante lembrar que em 1908 João Pinheiro funda os grupos escolares. Este fato contribuiu para que em
1927 somassem 216 estabelecimentos para o desenvolvimento do ensino primário no Estado, afirmando uma
nova concepção de espaço para se ministrar o ensino das primeiras letras. Consequentemente, aumentando o
número de alunos matriculados nestes novos espaços de instrução.
7
sobre a matricula
-----
Aprovados
1º Ano
Grupos/Escolas
2º Ano
53,53%
-----
-----
---3º Ano
48,63
16148
-----
- 11029
----
----
4º Ano
-----
----- 6353
----
----
----- 3688
37218
----
Fonte: Mensagem do presidente Artur Bernardes – 1919 (pag.36)
Funcionaram tambem no Estado, em 1918, 426 escolas municipaes, com 17337 alumnos
matriculados, e 426 particulares, com 15155. Faltam dados relativos a estabelecimentos dessa
natureza em 78 municipios, dados não remettidos á secretaria, apesar de insistentemente
reclamados.
Mesmo assim, porem, sommmadas as matriculas acima, dos grupos e escolas officiaes (média
do anno) e das escolas municipaes e particulares, tem-se um total de 191803 alumnos
recebendo instrução, naquelle anno, em Minas.
Cumpre ainda salientar que influiu bastante na depressão da freqüência nos estabelecimentos
officiaes, no 2º semestre acima referido, a pandemia grippal que assolou todo o Estado,
determinando a suspensão do ensino nos mesmos, no fim do anno lectivo, nas proximidades
dos exames. (pag.36-7)
Esta passagem em que os números funcionam como uma das possibilidades textuais,
pode ser entendido como uma tentativa de organizar o discurso, tendo como base os números,
apresentados como verdades absolutas e inquestionáveis, pois este era a retórica da República
“educar para o progresso da nação”. Portanto, os números eram “responsáveis” pela
divulgação progressiva da escola, instituição responsável pela modernização do país.
Segundo o discurso da época, o progresso da escola seria possível pela assiduidade dos
alunos, fato que não se constata nos documentos, pois é comum a baixa freqüência nas
escolas. Porém o Presidente Artur Bernardes se defende:
Revela observar que o methodo adaptado de se apurar a frequencia em nossas
escolas consiste em só se considerar frequente o alumno que assista no
minimo 15 lições por mês ou a 75 no semestre, methodo este mais rigoroso
que o usado em outros estados e segundo o qual se contam todas as presenças
durante o mês e se divide a somma pelo numero de dias de aula,
representando o quociente a media da frequencia em relação ao numero de
matriculados.
D’ahi a percentagem apparentemente baixa da nossa frequencia escolar,
apesar de andarem nossas escolas quasi sempre superlotadas. (pág.52).
Neste sentido, o que significa a infreqüência, qual é o sentido dado ao termo? Percebese que há diversos modos de ver o fenômeno. O significado que pode ser atribuído para a
infreqüência vai depender da maneira como se usa, ou se articulam os números que podem
ser manipulados de acordo com a vontade que se deseja trazer ao conhecimento da população.
Para solucionar o problema da baixa freqüência, Raul Soares recomenda que:
8
Não parece que por meios coercitivos, como a prisão de paes ou responsaveis
instituida na lei n º .800, de 19208, se obtenha assiduidade dos alumnos. As
penas severas caducam por inaplicação e desuso.
A frequencia se conseguirá antes por esforço educativo constante,
penalidades brandas e meios suasorios endiretos. A incuria e a inaptidão
didactica do professor, bem como o desapparelhamento de material de
ensino, afugentando também a população escolar.” (pág. 228).
Para atrair os alunos e consequentemente garantir a freqüência, o governo incentiva a
promoção de festas nas escolas principalmente em datas comemorativas. É comum nos
relatórios os relatos das festas que o grupo ou a escola promoveram. Neste sentido, quando da
entrega dos diplomas era feito com sessão solene. Nesta data, ocorria a entrega de prêmios
como estímulos a todos os alunos que compareciam na festa de encerramento das aulas.
Aqueles que se distinguiam entre seus colegas pela freqüência e excepcional aproveitamento,
era oferecido prêmios.
Convém ressaltar que todas as explicações encontradas nos discursos dos presidentes
na tentativa de justificar a baixa freqüência nas escolas, revela apenas uma das possibilidades
para a persistência de tal problema. Para enriquecer esta discussão seria preciso analisar
outras fontes e apreender novas causas da infreqüência escolar, decorrendo recortes para
pesquisas posteriores.
O objetivo de civilizar e, portanto, educar o povo é delegado à escola. Havia na crença
dos intelectuais e políticos, segundo os discursos encontrados nos documentos, a certeza da
produção de um Estado republicano está na possibilidade do sujeito freqüentar um
estabelecimento de ensino público, ou seja a escola aparece como um recurso civilizatório.
Algumas considerações
Em síntese, podemos dizer que as idéias do Estado para a Educação se produz no
processo de construção das estatísticas. É uma questão interna à legitimação do Estado, a
estatística não é criada para atender uma demanda do Estado, mas este ao se legitimar produz
estatísticas, por esta e outras causas, é que se faz importante o estudo da abordagem
8
A lei n.º 800 de 27 de setembro de 1920, reorganiza o ensino primário mineiro. O art.31 refere-se à
infreqüência , afirmando “O professor inscreverá no livro da matrícula todos os menores de 7 annos completos a
14, não possuidores do certificado de approvação no curso primario, promoverá o seu comparecimento e
frequencia à escola e explicará aos responsaveis por elles as penas em que incorrem pela sua desidia de educalos” (pag. 74). O artigo 33 do 1º ao 3º § especifica as penalidades para aqueles pais e tutores que não mandarem
seus filhos à escola, como multa e efetiva ordem de prisão. Já no art. 65 a lei determina as penalidades para os
alunos (utilizam o termo “ menor”) que forem encontrados vagando pela rua.
9
quantitativa na história da Educação, pois os números estão inseridos em um sistema de
significações e são, portanto inteligíveis, dando sentido ao movimento da escolarização.
A estatística pode ser entendida como uma forma de conhecer, produzir categorias,
tais como: as regiões, a noção de nação e de Estado. Corrobora para pensar o Estado e a
Educação, produzindo uma idade escolar, e dividindo a população em categorias etárias,
através da organização de quadros, revela uma noção de cultura, daquilo que concebem do
que é social. A vinculação dos dados propõe uma idéia de escola, de classe, ainda da noção de
público e privado transparecidos nos questionários, nas tabelas, ou seja a estatística pode ser
entendida como um instrumento de produção de uma dada realidade social. Como exemplo,
pode-se citar a representação da freqüência, da matrícula estes são conceitos construídos pelas
estatísticas como forma de representar e de conhecer uma organização da cultura escolar.
É importante ressaltar que as análises apresentadas apontam a necessidade de darmos
continuidade às investigações sobre a utilização da estatística na educação brasileira e
mineira, pois percebemos que de fato ela constituiu-se como um dos instrumentos mais
importantes no processo de construção de uma visibilidade e de produção do campo da
educação no final do século XIX e ao longo do século XX. Esta investigação demonstra as
inúmeras possibilidades de investigar esse tema e as fontes utilizadas, tanto pelo seu volume
quanto pela riqueza de seu conteúdo e que devem ser melhor aproveitados e divulgados em
nossos trabalhos.
Referencias Bibliográficas
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