A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENFRENTAMENTO DA CRISE SOCIOAMBIENTAL: CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Gladis Teresinha Slonski Professora do IFSC Campus Florianópolis-Continente e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. RESUMO: Este artigo tem como objetivo refletir sobre como a Educação Ambiental pode contribuir para a ruptura com a lógica do capital e consequentemente para a emancipação humana. É também identificar as propostas de Educação Ambiental que possam subsidiar a Educação Profissional e Tecnológica para que possa ir além da lógica de mercado que lhe é imposta e contribuir no enfrentamento da crise socioambiental vigente. Os documentos oficiais, tanto dos Institutos Federais, como do Instituto Federal de Santa Catarina, indicam um modelo institucional ligado às questões da inovação e transferência tecnológica sem deixar de lado a dimensão cultural e a busca do equilíbrio entre desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental. Estes se propõem a um novo modelo de Educação Profissional e Tecnológica onde se comprometem com questões ambientais, com a formação integral do sujeito, com visão crítica e, sobretudo, atuante na sociedade. Acreditamos que a Educação Ambiental pode contribuir para a ruptura com a lógica do capital, para a emancipação humana e para a construção de uma nova sociedade ambientalmente sustentável, sendo sua vertente crítica uma opção teórica crítica, transformadora e emancipatória. Compreendemos que o trabalho a partir dos temas geradores na concepção educacional freireana pode ser um aporte teórico-metodológico para o desenvolvimento da Educação Ambiental em uma perspectiva Crítico-Transformadora na Educação Profissional e Tecnológica. PALAVRAS-CHAVE: Educação profissional, educação ambiental, crise socioambiental. 1. Introdução Vivemos hoje uma crise socioambiental que já é um consenso mundial. Trein (2012) defende que existe uma relação entre a crise econômica, que marca as duas primeiras décadas do século XXI, a crise que se abate sobre o mundo do trabalho em escala planetária e a crise ambiental. Para o enfrentamento desta crise é necessária a superação da lógica desumanizadora do capital que, como salienta Mészaros (2008), tem seus fundamentos no individualismo, no lucro e na competição. O autor afirma que mudar essas condições exige uma intervenção consciente em todos os domínios e em todos os níveis da nossa existência individual e social. Neste enfrentamento a educação é essencial, mas é necessário romper com a lógica do capital. Neste momento histórico, pensar na superação da lógica capitalista é pensar em estratégias para transformar a reprodução material e social da vida de forma radical e também transformar as visões de mundo que dão sustentação política e ideológica, científica e tecnológica ao sistema que mercantiliza todas as dimensões da vida (SOUZA E GALIAZZI, 2012). Segundo Trein (2012) a educação desempenha papel fundamental neste processo já que é espaço concreto de ação-reflexão, com potencial para a formação integral dos sujeitos sociais. Nesse contexto, nosso o objetivo é refletir como a Educação Ambiental pode contribuir para a ruptura com a lógica do capital e consequentemente para a emancipação humana. É também identificar as propostas de Educação Ambiental que podem contribuir para que a Educação Profissional e Tecnológica possa ir além da lógica de mercado que lhe é imposta. Loureiro (2012) afirma que é absolutamente crucial para a concretização de um novo patamar societário que a produção em Educação Ambiental aprofunde o debate teórico-prático acerca daquilo que pode tornar possível ao educador discernir uma concepção ambientalista e educacional conservadora e tradicional de uma emancipatória e transformadora, e as variações e nuances que em ambas se inscrevem, problematizando-as, relacionando-as e superando-as permanentemente. 2. A Crise Socioambiental Entendemos trabalho, assim como Trein (2012), como a transformação material da natureza, do ambiente em que estamos inseridos, de forma a garantir a nossa sobrevivência individual e de nossa espécie. Nessa medida, também transformamos nossas relações sociais e a nós mesmos. Por isso nos questionamos, assim como Trein (2012), sobre o que há de comum entre as questões que afetam o mundo do trabalho e as que afetam o ambiente. De que forma articulamos historicamente os processos crescentes de dominação da natureza e em que medida estabelecemos uma estreita relação entre esses processos e a exploração dos próprios seres humanos, sob o modo particular de organização material e social da vida que se conformou como o modo de produção capitalista (TREIN, 2012). Tanto os recursos do planeta, quanto sua capacidade de absorver resíduos é limitada. E estes limites, segundo Vasconcellos et al (2010), aliados à forma como os recursos naturais são explorados na sociedade atual, podem acarretar o fim das condições de sustentabilidade da vida, especialmente a humana. Segundo os autores, também existe a possibilidade de que o perigo do esgotamento dos recursos e da poluição gerada pela forma como eles têm sido utilizados seja um dos elementos desencadeantes de uma crise estrutural no capitalismo. Segundo Mészáros (2002 apud Vasconcellos et al, 2010): [...] O discurso de defesa da necessidade de ‘conviver com os limites’ erra completamente de alvo. De um lado, os indivíduos que aceitam (como se espera) a estrutura do sistema capital como seu horizonte de reprodução, pelo mesmo motivo condenam-se à impotência total para consertar a situação. Ao mesmo tempo o capital [...] não teria apenas de ser diferente, mas diametralmente oposto ao que pode e deve ser, para ser capaz de sair do seu desastroso rumo fatal de desenvolvimento e ‘restringir-se’ para funcionar ‘dentro de limites racionais’. Ele teria de ‘renunciar ao valor de troca pelo valor de uso e passar de forma geral da riqueza para uma forma específica e tangível desta’, o que não se concebe que possa fazer sem deixar de ser capital – ou seja: modo alienado e reificado do processo de controle sociometabólico, capaz de seguir o rumo inexorável de sua própria expansão (sem preocupação com as conseqüências) justamente porque rompeu as restrições do valor de uso e da necessidade humana. (MÉSZÁROS, 2002 apud VASCONCELLOS, 2010, p.4). O que observamos hoje é que os limites do desenvolvimento do capitalismo se agravaram para além da contradição fundamental entre capital e trabalho. A crise ambiental interdita caminhos para o desenvolvimento econômico capitalista de forma ainda não vivenciada, pois hoje atinge dimensões planetárias (TREIN, 2012). Na origem desta crise socioambiental, segundo Antunes (2000), estão as mediações de primeira ordem, estabelecidas entre os indivíduos e no intercâmbio e interação com a natureza, que foram alteradas e subordinadas aos imperativos de reprodução do capital com a introdução de elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabólico. Assim, para converter a produção do capital em propósito da humanidade foi preciso separar valor de uso e valor de troca, subordinando o primeiro ao segundo. Para o autor, esse metabolismo social totalizante e incontrolável, assume cada vez mais uma lógica essencialmente destrutiva, acentuada no capitalismo contemporâneo. A tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, ao reduzir sua vida útil tem se constituído num dos principais mecanismos, tanto para o capital atingir seu incomensurável crescimento ao longo da história, quanto para alcançar sua crise estrutural. Antunes (2000) argumenta que: O aprofundamento da separação entre a produção voltada para o atendimento das necessidades humanas e as necessidades de auto-reprodução do capital levaram a destruição e precarização, sem paralelos em toda era moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do meio ambiente. Assim, práticas obviamente devastadoras envolvidas no processo produtivo são plenamente justificadas, desde que sintonizadas com critérios como eficiência, racionalidade e economia capitalistas (ANTUNES, 2000). Então, sob as condições de uma crise estrutural do capital, segundo Antunes (2000), seus conteúdos destrutivos aparecem em cena ativando o espectro de uma incontrolabilidade total, em uma forma que prefigura a autodestruição, tanto do sistema reprodutivo social como da humanidade em geral. Sua continuidade, vigência e expansão não podem mais ocorrer sem revelar uma crescente tendência de crise estrutural que atinge a totalidade de seu mecanismo. Assim a crise socioambiental que vivemos hoje já é um consenso mundial, e a divergência é, segundo Guimarães (2011), quanto à intensidade e gravidade dessa crise e, principalmente, quanto às medidas corretivas a serem tomadas. Para uns, a crise será superada por pequenos acertos a serem realizados sobre o atual modo de produção, e esses acertos poderão ser viabilizados pela própria lógica de mercado. Harvey (2008), discutindo as tensões e contradições do neoliberalismo, exemplifica o que acontece quando os indivíduos ou empresas externalizam os custos de produção, ou seja, evitam pagar todos os custos que lhes cabem, causando degradação ambiental devido à poluição ou até mesmo afetando a saúde humana com a exposição a substâncias perigosas ou riscos físicos no local de trabalho. Para os neoliberais o problema existe e, se forem necessárias intervenções, estas devem operar por meio de mecanismos de mercado com a imposição de taxas, incentivos ou até mesmo a venda de direitos de poluir. Temos como exemplo disso o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo que é um dos mecanismos de flexibilização criados pelo Protocolo de Quioto para auxiliar o processo de redução de emissões de gases do efeito estufa ou de captura de carbono por parte dos países industrializados. Para outros, trata-se de uma crise civilizatória de um modelo de sociedade e seu modo de produção. Guimarães (2011) afirma ainda que, sendo a educação um potencial motor das dinâmicas do sistema social, a participação de educadores nesse debate e na construção de proposta para o enfrentamento dessa crise é fundamental. 3. O enfrentamento da crise socioambiental, a Educação Profissional e a Educação Ambiental Apesar da urgência em se instituir uma radical mudança estrutural que nos leve para além do capital, no sentido genuíno e educacionalmente viável do termo, Mészáros (2008) destaca é preciso romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente, pois para o autor, no reino do capital, a educação é, ela mesma, uma mercadoria. Uma das funções principais da educação formal em nossas sociedades, segundo Mészáros (2008), é produzir tanta conformidade ou consenso quanto for possível por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados. Mészáros (2008) considera que o impacto da incorrigível lógica do capital sobre a educação tem sido grande ao longo do desenvolvimento do sistema e, com o tempo, o que mudou foram as modalidades de imposição dos imperativos estruturais no âmbito educacional. Por isso o autor defende que: [...] o sentido da mudança educacional radical não pode ser senão o rasgar da camisa de força da lógica incorrigível do sistema: perseguir de modo planejado e consistente uma estratégia de rompimento do controle exercido pelo capital, com todos os meios disponíveis bem como com todos os meios ainda a ser inventados, e que tenham o mesmo espírito (MÉSZÁROS, 2008, p.35). Neste contexto, segundo Kuenzer (2007), na história da educação profissional no Brasil, sempre foi bem demarcada a trajetória educacional dos que iriam desempenhar as funções intelectuais ou instrumentais, em uma sociedade cujo desenvolvimento das forças produtivas delimitou claramente a divisão social e técnica do trabalho. Para a autora, a educação profissional, desde sua implantação até os dias atuais, passou por uma série de transformações, mas a difícil superação desta dualidade estrutural se mantém até hoje. Vários autores como Manfredi (2002), Frigotto e Ciavata (2004), Kuenzer (2007) entre outros, destacam que historicamente o ensino profissionalizante no Brasil serviu mais para instrumentalizar e alienar o indivíduo do que efetivamente para outros fins. Por este motivo Souza e Galiazzi (2012) identificam que os profissionais que atuam na Educação Profissional e Tecnológica estão hoje diante de um dilema. Por um lado, se preocupam com a inserção do trabalhador no mercado de trabalho e com o atendimento das exigências deste mercado. Por outro, lidam com pessoas, com sujeitos que precisam aprender a refletir criticamente sobre as situações, para assim fazer escolhas e utilizar sua criatividade na produção de sua vida. Se vivemos em condições de exploração e alienação tanto da natureza quanto dos seres humanos, como forma necessária de reprodução do capital, é necessário para a superação destas uma ação consistente dos sujeitos. Para Trein (2012) isso implica em uma mudança radical, em uma nova forma de ser no mundo, reestruturando o metabolismo da reprodução material e social da vida. A autora identifica, assim como Mészáros (2008), que não é suficiente que a crítica se faça apenas enquanto negação do existente, mas é importante que se faça também como anuncio de outra direção, como a criação de uma alternativa abrangente concretamente sustentável ao que já existe. Assim, concordamos com Trein (2012) quando afirma que: [...] se almejamos que a produção material e social da vida se dê em outras bases ontoepistemológicas não podemos prescindir de uma Educação Ambiental crítica que contribua para transformar as relações sociais de produção em direção a um outro projeto civilizatório (TREIN, 2012, p. 314). Para Torres et al (2014), a Educação Ambiental crítica pode ser compreendida como uma filosofia da educação que busca reorientar as premissas do pensar e do agir humano, na perspectiva de transformação das situações concretas e limitantes de melhores condições de vida dos sujeitos, o que implica em mudança cultural e social. Dessa forma, ler a realidade de forma crítica nos ajuda a entender de forma mais clara as relações sociais mercantilizadas e alienantes que perpassam a forma uniforme e homogênea de organizar a sociedade. Assim, a Educação Ambiental que se pretenda crítica deve estar vinculada à prática social, contextualizada na realidade socioambiental, não podendo ficar restrita à mera transmissão de conhecimento ou voltada simplesmente para a mudança de comportamentos individuais, esperando que a soma de mudanças individuais resulte na transformação automática da sociedade (GUIMARÃES, 2011). Tozoni-Reis (2007) defende que, como atividade da prática social, a educação e, portanto, a Educação Ambiental são eminentemente políticas, o que não quer dizer necessariamente críticas e transformadoras. Podem ser também, porque políticas, não-críticas e reprodutoras. Enquanto prática social construída historicamente, a educação é espaço de disputa entre diferentes concepções de mundo, de homem e de sociedade. A autora situa a educação crítica no horizonte da ação política da educação se voltada para a transformação social. Para a sociedade, a Educação Ambiental, segundo Layrargues (2012), aparece como uma práxis unidimensional, indistinta, que tem como função óbvia a criação da “consciência ecológica nas pessoas”, seja por meio do encantamento com a natureza, seja por meio das mudanças de comportamentos individuais diante do consumo e da geração de resíduos. Ela vem se disseminando cada vez mais no ambiente escolar nos últimos anos e, para Guimarães (2011), essa crescente inserção vem em resposta às expectativas que a sociedade projeta na escola. Os professores estão se sentindo compelidos, por toda uma demanda social e institucional, a inserir a dimensão ambiental em suas práticas pedagógicas. Mas o autor considera que essa ação educativa reconhecida como Educação Ambiental geralmente se apresenta fragilizada. Os professores, mesmo quando sensibilizados e motivados a inserir a dimensão ambiental em suas práticas educativas não conseguem ir além de uma proposta de educação conservadora. Gelsleichter e Slonski (2013) em uma pesquisa com os professores do PROEJA do IFSC verificaram que estes possuem uma visão predominantemente naturalista, em que o meio ambiente é visto como sinônimo de natureza. Analisando as concepções de Educação Ambiental expressas pelos professores percebe-se que a maioria são conservadores na abordagem do meio ambiente. Neste contexto, o movimento em torno do processo de delimitação e legitimação do campo de pesquisa em Educação Ambiental na última década fortificou-se e vários pesquisadores (GUIMARÃES, 2004; VASCONCELLOS e cols, 2010; LOUREIRO, 2007; TORRES, 2010, entre outros) vêm buscando o devido embasamento teórico-metodológico para seus estudos, tendo em vista a superação da vertente conservadora de Educação Ambiental, de cunho naturalista, que, predominantemente, foi instaurada no contexto brasileiro desde a origem do movimento ambientalista (TORRES, 2010). Guimarães (2004) denomina de Educação Ambiental Conservadora a concepção de educação que se coloca inapta a transformar uma realidade (para qual é ela própria um dos mecanismos de reprodução), conserva o movimento de constituição da realidade de acordo com os interesses dominantes: a lógica do capital. Para o autor, a vertente conservadora de Educação Ambiental se alicerça na visão de mundo que fragmenta a realidade, simplificando e reduzindo-a: [...] é uma compreensão de mundo que tem dificuldades em pensar o junto, conjunto, totalidade complexa. Focado na parte, vê o mundo partido, fragmentado, disjunto. Privilegiando uma dessas partes, o ser humano, sobre as demais, a natureza, estabelece uma diferença hierarquizada que constrói a lógica da dominação. Pela prevalência da parte na compreensão e na ação sobre o mundo, desponta características da vida moderna que são individuais e sociais: sectarismo, individualismo, competição exacerbada, desigualdade e espoliação, solidão, violência. (GUIMARÃES, 2004, p.26). Para Loureiro (2004), a Educação Ambiental Conservadora ou Convencional está centrada no indivíduo, no alcançar a condição de ser humano integral e harmônico, pressupondo a existência de finalidades previamente estabelecidas na natureza e de relações ideais que fundamentam a pedagogia do consenso. Focaliza o ato educativo como condição para a mudança de comportamentos compatíveis com padrão idealizado de relações corretas com a natureza, reproduzindo o dualismo natureza-cultura, tendente a aceitar a ordem social. Lima (2004) afirma que a matriz conservadora de Educação Ambiental entende o atual estado das relações sociais globais e das relações entre a sociedade e o ambiente satisfatório ou, pelo menos, o melhor concebível e praticável. Trata-se de reproduzir o status quo e dar continuidade ao modelo de sociedade e de desenvolvimento que tem hegemonizado o mundo ocidental capitalista. A grande crítica que se faz à Educação Ambiental Conservadora é sua despolitização e a não contextualização social, econômica e cultural. Guimarães (2004) vislumbra necessário re-significar a Educação Ambiental como “crítica” em face das contribuições da diferenciação de uma ação educativa para a transformação da realidade que, historicamente, se coloca em uma grave crise socioambiental. Para avançarmos na superação da crise ambiental, é imprescindível uma nova postura diante da natureza e das relações que tecemos com ela. Desta forma, uma Educação Ambiental que se propõe crítica deve trazer à tona a história das relações do homem com a natureza e não apenas o tempo presente, pois isto levaria, certamente, a uma análise apenas local e comportamental. Guimarães (2004) entende a Educação Ambiental Crítica não como uma evolução conceitual ou desenvolvimento metodológico em relação a que ele chama de Educação Ambiental Conservadora, mas coloca como uma contraposição que, a partir de um referencial teórico, subsidia uma leitura de mundo mais complexa e instrumentalizada para uma intervenção que contribua no processo de transformação da realidade socioambiental, que é complexa. A vertente crítica de Educação Ambiental tem como um de seus pilares básicos a Teoria Crítica do Conhecimento, que toma a educação como elemento de transformação social, com base em princípios como: diálogo, cidadania, compreensão do mundo em sua complexidade, superação da dominação do modelo capitalista, entre outros (TORRES, 2010). Sua gênese, segundo Loureiro (2006 apud Torres, 2010), está vinculada às reflexões e formulações dos representantes da Escola de Frankfurt, que se utilizaram da teoria e do método dialético elaborado por Karl Marx, tendo em vista a construção de uma visão integradora de ciência e filosofia e de uma atuação transformadora das relações sociais. Logo, na Educação Ambiental, segundo a perspectiva marxiana, pensar em mudar comportamentos, atitudes, aspectos culturais e formas de organização, significa pensar em transformar o conjunto das relações sociais nas quais estamos inseridos, as quais constituímos e pelas quais somos constituídos, o que exige, dentre outros, ação política coletiva, intervindo na esfera pública, e conhecimento das dinâmicas social e ecológica (Loureiro, 2007). Observando a Educação Ambiental a partir da noção de Campo Social, pode-se dizer, de acordo com Layrargues e Lima (2011), que apesar de ser composta por uma diversidade de atores, grupos e instituições sociais que compartilham um núcleo de valores e normas comuns, tais atores também se diferenciam em suas concepções sobre meio ambiente e questão ambiental, e nas suas propostas políticas, pedagógicas e epistemológicas que defendem para abordar os problemas ambientais. Em seus estudos os autores identificaram três macro-tendências convivendo e disputando a hegemonia simbólica e objetiva do campo da Educação Ambiental no Brasil: conservacionista, pragmática e crítica. A vertente conservacionista, que se expressa por meio das correntes conservacionista, comportamentalista, da Alfabetização Ecológica e do autoconhecimento, segundo Layrargues e Lima (2011): [...] apoia-se nos princípios da ecologia, na valorização da dimensão afetiva em relação à natureza e na mudança dos comportamentos individuais em relação ao ambiente baseada no pleito por uma mudança cultural que relativize o antropocentrismo como paradigma dominante. É uma tendência histórica, forte e bem consolidada entre seus expoentes, atualizada sob as expressões que vinculam Educação Ambiental à “pauta verde”, como biodiversidade, ecoturismo, unidades de conservação e determinados biomas específicos, mas não parece ser a tendência hegemônica no campo na primeira década do século XXI (LAYRARGUES E LIMA, 2011, p. 9). Na vertente pragmática, que está despontando como a tendência hegemônica na atualidade, percebe-se o meio ambiente destituído de componentes humanos, como uma mera coleção de recursos naturais em processo de esgotamento, aludindo-se então ao combate ao desperdício e à revisão do paradigma do lixo, que passa a ser concebido como resíduo, ou seja, que pode ser reinserido no metabolismo industrial. Essa Educação Ambiental, segundo Layrargues e Lima (2011), será a expressão do Mercado, na medida em que ela invoca o bom senso dos indivíduos para que sacrifiquem um pouco do seu padrão de conforto e chama a responsabilidade das empresas para que renunciem a uma parte de seus benefícios em nome da governabilidade geral. Para os autores, as vertentes conservacionista e pragmática representam duas tendências e dois momentos de uma mesma linhagem de pensamento que se foi ajustando às injunções econômicas e políticas do momento até ganhar essa face modernizada, neoliberal e pragmática que hoje a caracteriza. Consideram que “a vertente pragmática representa uma derivação da vertente conservadora, na medida em que é sua adaptação ao novo contexto social, econômico e tecnológico, ainda sem considerar a articulação com a questão da desigualdade social” (LAYRARGUES E LIMA, 2011, p.10). Layrargues e Lima (2011) salientam que há um forte viés sociológico e político na vertente crítica da Educação Ambiental e, em decorrência dessa perspectiva, são introduzidos no debate desses campos alguns conceitos-chave como os de Cidadania, Democracia, Participação, Emancipação, Conflito, Justiça Ambiental e Transformação Social. Desta forma, apóia-se com ênfase na revisão crítica dos fundamentos que proporcionam a dominação do ser humano e dos mecanismos de acumulação do Capital, buscando o enfrentamento político das desigualdades e da injustiça socioambiental. Procura contextualizar e politizar o debate ambiental, articular as diversas dimensões da sustentabilidade e problematizar as contradições dos modelos de desenvolvimento e de sociedade que experimentamos local e globalmente. A Educação Ambiental Crítica cresceu significativamente na última década e tem mostrado uma vitalidade que a torna capaz de sair da condição de contra-hegemonia e ocupar um lugar central no campo (LAYRARGUES E LIMA, 2011). No âmbito da vertente crítica de Educação Ambiental, Torres et al (2014) defendem que uma educação escolar voltada para a formação de sujeitos críticos e transformadores requer a consideração com a não neutralidade dos sujeitos escolares no processo de ensino e aprendizagem onde estão inseridos. Para as autoras, o sujeito crítico e transformador é formado para atuar em sua realidade no sentido de transformá-la, se constituindo como sujeito no mundo, consciente das relações existentes entre sociedade, cultura, e natureza, entre homens e mundo, entre sujeito e objeto, se reconhecendo como parte de uma totalidade e como sujeito ativo do processo de transformações sócio-histórico-culturais. Nesta direção, Torres et al (2014) defendem a importante contribuição que o trabalho a partir dos temas geradores, na concepção educacional freireana pode propiciar. Para as autoras isto acontece porque: [...] a Pedagogia Freireana está voltada à efetivação de uma Educação Libertadora mediante a obtenção de temas geradores que sintetizam os conflitos e as contradições provenientes das relações homens-mundo (FREIRE, 1987) - as quais, por sua vez, julgamos abarcar as relações existentes entre sociedade, cultura e natureza - , tendo em vista desencadear processos pedagógicos de conscientização dos educandos que, ao reconhecerem sua vocação ontológica e histórica de ser mais no mundo, poderão atuar de forma crítica e consciente para a transformação das situações-limite (FREIRE, 1987) por eles vividas (TORRES et al, 2014, p.15). 4. Considerações finais A lei 11.892/2008 que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia define que eles têm como uma de suas finalidades e características promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente (BRASIL, 2008a). Na construção de seus projetos pedagógicos, visando o cumprimento da missão para que foram criados, deverão adotar como uma de suas diretrizes: a sintonia dos currículos com as demandas sociais, econômicas e culturais locais, permeando-os das questões de diversidade cultural e de preservação ambiental, pautada na ética da responsabilidade e do cuidado (BRASIL, 2008b). O documento que trata da concepção e de suas diretrizes afirma ainda que a educação para o trabalho deve estar voltada para a construção de uma sociedade mais democrática, inclusiva e equilibrada social e ambientalmente (BRASIL, 2008b). Nesse contexto incorporar a dimensão ambiental na Educação Profissional e Tecnológica é expressar o caráter político, social e histórico que representa a relação que os seres humanos estabelecem com a natureza mediada pelo trabalho. Por isso, apesar de que historicamente o ensino profissionalizante no Brasil serviu principalmente para instrumentalizar e alienar o indivíduo, concordamos com Snyders (1981) quando afirma que ainda que a escola seja simultaneamente reprodução das estruturas vigentes, correia de transmissão da ideologia oficial, domesticação, também ameaça à ordem estabelecida e é possibilidade de libertação. A Educação Ambiental pode contribuir para a ruptura com a lógica do capital, para a emancipação humana e para a construção de uma nova sociedade ambientalmente sustentável, sendo sua vertente crítica uma opção teórica crítica, transformadora e emancipatória. Acreditamos que o trabalho a partir dos temas geradores na concepção educacional freireana pode ser um aporte teórico-metodológico para o desenvolvimento da Educação Ambiental em uma perspectiva Crítico-Transformadora na Educação Profissional e Tecnológica. Referências ANTUNES, R. O sistema de metabolismo social do capital e seu sistema de mediações. In: _____Os sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2 ed. São Paulo: Boitempo. p. 19-28, 2000. BRASIL. Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, DF, 2008a. _______. MEC/Setec. 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