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Garotas do Alceu: a civilidade na coluna Garotas da Revista O
Cruzeiro (1950-1964).
IV Mostra de Pesquisa
da Pós-Graduação
PUCRS
Daniela Queiroz Campos, Maria Lúcia Bastos Kern (orientador)
Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,
Resumo
“A revista contemporânea dos arranha-céus”. A frase estava impressa em milhares de
papéis picados que foram jogados do alto de edifícios da Avenida Rio Branco, na cidade do
Rio de Janeiro, no dia 5 de dezembro de 1928. O slogan acompanhou a famosa revista O
Cruzeiro durante os seus mais de 40 anos de publicação1. Revista cujas tiragens eram
surpreendentes para o Brasil de outrora, 750.000 exemplares por edição semanal em meados
da década de 1950, época em que a população brasileira não ultrapassava os 50 milhões de
habitantes. Foi um dos mais importantes meios de comunicação de meados do século XX no
Brasil. Na revista circulou a coluna Garotas do Alceu, objeto investigado.
As Garotas do Alceu estamparam as páginas em formato tablóide de O Cruzeiro de
1938 até 1964, foram editadas semanalmente por 26 anos no mesmo periódico. Consistia em
uma coluna ilustrada de mocinhas, sobre suas vidas cotidianas, naquele Rio de Janeiro dos
meados de século XX. Os textos eram vinculados aos desenhos de Alceu Penna, estes
assinados por 5 diferentes escritores2 ao longo dos anos de edição da coluna. Todavia a
titularidade da coluna sempre foi de Alceu Penna. Ele não foi o mentor da criatura, mas foi
seu “pai”. Alceu Penna era considerado o pai das Garotas – e, apesar de não ter sido seu
mentor, foi ele que deu forma e vida à idéia de Alccioly Netto. No ano de 1938, Alccioly
Netto encomendou à Alceu a criação de figuras femininas semelhantes às do The Saturday
Evening Post, as Gilbson Grils. Assim, Alceu Penna deu forma e vida a idéia de uma coluna
Pin-ups3 de Alccioly.
1
Ver mais em: MORAIS, Fernando. Chatô: O rei do Brasil, vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia
das Letras, 1994.
2
NETTO, Alccioly. O Império de Papel - Os bastidores de O Cruzeiro. Porto alegre: Editora Sulina, 1998.
3
“Pin-ups” quer dizer literalmente garota colada na parede.
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A baliza temporal da pesquisa é de 1950 até 1964. A definição do período ocorreu em
virtude do tema a ser problematizado, a civilidade. As normativas de civilidade começam a
ser difundidas em impressos que não mais os Manuais de Civilidade, no Brasil,
principalmente na década de 1950. E 1964, foi o ano em que a coluna Garotas para de
circular na revista O Cruzeiro.
Regras de bem portar-se circularam e ainda circulam em inúmeros impressos. Dos
Manuais de Civilidade e Etiqueta às narrativas de Romances e a imprensa periódica4. Nem
mesmo as divertidas páginas de humor assinadas por um dos mais renomados estilistas
brasileiros de meados do século XX abandonaram a afamada etiqueta. Em meio às ilustrações
e textos da coluna emergiam ensinamentos de condutas para jovens mulheres do Brasil de
outrora. Em meio aqueles traços e letras estavam reverberadas as antigas normas dos manuais.
Ensinamentos bem mais diluídos e palpáveis, todavia não menos rigorosos. Ensinamentos que
buscavam formar aquelas jovens garotas em indivíduos que soubessem portar-se meio as teias
sociais. A permeabilidade de normas de condutas e de boas maneiras em impressos que não
Manuais de Civilidade é, no entanto, não uma característica exclusiva da Coluna estudada, e
sim uma tendência de época, notada no Brasil principalmente a partir de meados do século
XX. No Brasil daqueles anos um maior aparecimento das chamadas regras de civilidade
transversalizada em discursos (textuais e iconográficos) de um impresso, que não seria
intitulado de Manuais de Civilidade, cruza-se com uma relativa queda nas edições e nas
reedições desses Manuais.
O conceito, o significado e a noção da palavra civilidade podem ser considerados
experiências históricas que foram sendo construídas ao longo de séculos. (CHARTIER, 2004)
Chartier ao analisar a palavra em três diferentes dicionários no período de 15 anos, o Richard
em 1680, o Furetière em 1690, o Dicionário da Academia em 1694.5 Ao analisar as definições
da palavra civilidade, nos três dicionários citados, o historiador percebe vários traços em
comum que marcam seu conteúdo. Em primeiro lugar, o conceito aparece como
próximo/sinônimo de honesto e de honestidade. Em segundo lugar, a civilidade é reconhecida
nas ações e na conversação. E, por último, a civilidade é colocada como algo ensinado e
aprendido, desde a infância. Civilidade e urbanidade são termos/conceitos considerados
homônimos por Guereña, mesmo cientes de suas variações lingüísticas. Uma vez que se
4
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a Moda: novas pretensões, novas distinções – Rio de Janeiro,
século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
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referem às (GUEREÑA, 2005) “pessoas cultas da cidade”, às “pessoas que têm boas
maneiras”, pois a “Civilidade se insere numa série de adjetivos designando as virtudes
mundanas visíveis nas cidades/urbes”.
Na coluna pesquisada, Garotas, os ensinamentos de civilidade encontram-se envoltos
as historietas narradas e vividas pelas personagens de Alceu Penna. Durante os 15 anos
recortados por esta pesquisa, 1950-1964, se catalogou um montante de 850 colunas6, entre
estas apenas 2 tratam exclusivamente da civilidades. Todavia, nas colunas sobre banho de
mar, passeios, viagens, festas, namoros as normativas de etiqueta e civilidade se fizeram
presentes. Os ensinamentos e condutas difundidos por aquelas bonecas são no mínimo mais
permissíveis. A coluna trazia preceitos modernos e ousados, as mocinhas gozavam de uma
liberdade ímpar para os padrões da época. Essa liberdade era possível, principalmente, por
quatro fatores. A juventude, a classe social elevada, o humor e o fato de não serem garotas de
carne e osso, e sim personagens.
Referências
BASSANEZI, Carla Beozzo e URSINI, Lesley Bombonatto. O Cruzeiro e as Garotas. In:
Cadernos Pagu (4) 1995.
BONADIO, Maria Claudia. O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos (19391945). IX Congresso Internacional Brazilian Studies Associaciation (BRASA). Tulane
University, New Orleans, 27 a 29 de março de 2008.
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras Criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo:
Editora Senac, 2001.
CHARTIER, Roger. Distância e divulgação: a civilidade e seus livros. In: Leituras e leitores
na França no Antigo Regime.Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora Unesp, 2004.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador.v.1. Uma história dos costumes. 2ªd.RJ: Jorge Zahar
Editor, 1994.
ELIAS, Norbert. O Processo civilizador. v.2. Formação do Estado e Civilização. Jorge Zahar
Editor, 1994.
GUEREÑA, J. L. El alfabeto de las buenas maneras. Los manuales de urbanidad em la
España Contemporaneia. Madrid: Fundación Germán Sánchez Ruipéres, 2005.
MORAIS, Fernando. Chatô: O rei do Brasil, vida de Assis Chateaubriand. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
NETTO, Alccioly. O Império de Papel - Os bastidores de O Cruzeiro. Porto alegre: Editora
Sulina, 1998.
SERPA, Leoní. A máscara da modernidade: A mulher na revista O Cruzeiro (1928-1945).
Passo Fundo: Editora UPF, 2003
PENNA, Gabriela Ordones. Vamos Garotas! Alceu Penna, moda, corpo e emancipação
femininas (1938-1964). Dissertação de Mestrado em Moda, Cultura e arte. Centro
Universitário SENAC, 2007.
6
As colunas foram catalogadas e digitalizadas apartir de dois acervos pesquisados. Biblioteca Pública do Estado
de Santa Catarina e Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa.
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