Neste tratado, Aristóteles empreende
uma digressão sistemática sobre a estru­
tura lógica da linguagem. Ancorado na
linguagem natural - mais concretamente
no grego clássico
estuda a proposição -
passando, antes, pela análise e pela com­
preensão dos termos dessa estrutura funda­
mental para a lógica e para o pensamento.
Nessa empreitada, é certo que o autor
não prescinde de apurada exploração gra­
matical - como evidencia, por exemplo, o
brilhante capítulo dedicado ao verbo. Mas
é na história da lógica que a obra fulgura,
célebre. A apresentação dos discursos
dedaratórios, a afirmação e a negação,
e da conexão dessas com o problema da
verdade, constitui perene contribuição
do estagirita. Nesse e em outros pontos,
o texto de Da Interpretação é fonte ines­
gotável de reflexão e suporte do diálogo
de Aristóteles com o pensamento lógico
contemporâneo.
Ainda sob esse aspecto, a centralidade
deste ensaio está especialmente atestada
por seu famoso capítulo IX, onde se cuida
do tratamento lógico do recorte do tempo
a que chamamos de futuro. Aristóteles
mostra que o futuro exige uma lógica
peculiar, e, a partir dessa demonstração,
dá origem a um novo campo, a lógica dos
operadores modais, ou, simplesmente,
“lógica modal”.
a Interpretação
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
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Mário Sérgio Vasconcelos
Diretor-Presidente
José Castilho Marques Neto
Editor-Executivo
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Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan
Nilson Ghirardello
Vicente Pleitez
Editores-Assistentes
Anderson Nobara
Jorge Pereira Filho
Leandro Rodrigues
A R IS T Ó T E L E S
Da Interpretação
Tradução e comentários
José Veríssimo Teixeira da Mata
editora
unesp
2013 © Editora Unesp
Título original: ΠΕΡΙ ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
Texto original grego reproduzido a partir da edição Aristotle: Categoriae et Liber de
Interpretatione, estabelecida por L. Minio-Paluello (Oxford Classicals Texts 1949),
com permissão da Oxford University Press.
Direitos de publicação reservados à:
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CIP-Brasil. Catalogação na publicação
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A75i
Aristóteles
Da Interpretação/Aristóteles; tradução José Veríssimo Teixeira da
Mata. - l.ed. - São Paulo: Editora Unesp, 2013.
Tradução de: ΠΕΡΙ ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
ISBN 978-85-393-0405-9
1. Filosofia antiga.
I. Título.
13-00056
CDD: 183.2
CDU: 1(38)
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A s s o c ia ç ã o B r a s i le i r a d e
E d ito r a s U n iv e r s itá r ia s
Agradecimentos
Ao professor Francis Wolff, pelas indicações bi­
bliográficas; ao professor Paulo Marcelino e a
Herondes Cezar, pela ajuda na correção do texto.
Sumário
Da Interpretação . i
Comentários . 6j
Referências bibliográficas . 183
índice onomástico . 189
SIGLA
in adnotatione libri De Interpretatione adhibita
n = cod. Ambrosianus L 93, saec. ix
n' = manus recentior quae 22^4.-32 (eivai) supplevit
B = cod. Marcianus 201, saec. x
T * = translationes antiquae:
A = Arménia (olim Davidi adscripta), saec. v
2 = Syra anonyma (?e Graeco exemplari saeculo vi antiquiore)
A — Latina Boethii, c. jl.d. 510
F = Syra Georgii Arabum episcopi (|a.d. 724)
a — Ammonii recensio, saec. v (ex editione Academiae Borus8Ícae) :
conBensus codd. A et F (Busse)
a ° = loci ab Ammonio in commentario allati
ad =c consensus a et o°
oA, aF, aoA, acF, adA, adF — cod. A vel F in a, ac, ad
s = Stephani Alexandrini commentarium, saec. vii (ex editione Academiae
Borussicae): lemmata
sc = loci in commentario allati
sd = consensus s et s°
* a ° s sc n1 = lectio quam in textum recepimus etiam in a c, s, s°, n‘
invenitur
[ r ‘], [-Si1]) etc. = quid translatores legerint ignoramus
(4 ), (A), (s), etc. = non omnes codices translations A vel A, non omnes
loci in S) etc.
i — fortasse
... = usque ad
-f = addit, addunt (e.g. aura+ourcuj n/lad — post ai5rd addunt
ovrios n/lad)
/ = rasura unius litterae
In textu uncis quadratis [ ] expunximus, acutis (
nostra vel aliorum coniectura.
2
) supplevimus vel
Aristóteles
[ΠΕΡΙ ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ]
1
Π ρώ τον
δ ε ι θεσθαι τ ί
Άνομα κ α ί τ ί ρήμα,
επ ειτα
τί 16a
εστιν άπόφασις καί κατάφασις καί απόφανσής καί λόγος.
'Έ σ τ ι μεν οΰν r à êv τ ή φωνή rw v iv τ ή ψνχή παθη­
μάτω ν σύμβολα, καί τα γραφόμενα τω ν iv τη φωνή.
καί ώσπερ ούδε γρά μμ α τα π ά σ ι τα αυτά, ούδε φωναί at, 5
αύταί- δίν μέντοι ταϋτα ση μ εία πρώ τω ν, ταύτά πάσι, π α ­
θήματα τή ς φνχήε, καί S v ταϋτα ομοιώ ματα πράγματα
ήδη ταύτά. περί μ εν οΰν τούτω ν εϊρ ητα ι εν toîs π ερί φυχ ή ς, -άλλης γάρ πρ α γμ α τεία ς · - εστι δε, ώσπερ eV τη φυχή
orè μεν νόημα ανευ του άληθεύειν η φεύδεσθαι ότε δέ ηδη ίο
ω ανάγκη τούτω ν ύπάρχειν θάτερον, οϋτω κ α ί εν τ η φωνή­
ν epi γάρ σύνθεσιν καί διαίρεσίν εσ τι το φεΰδός τ ε κ α ί το
αληθές, τα μ εν οΰν ονόματα αυτά καί τα ρήματα εοικε
τω ανευ συνθεσεως καί διαιρέσεω ς νοήματι, οΐον το άνθρω­
πος τ) λευκόν, οταν μ η προστεθή τι- οϋτε γάρ φεΰδος 15
ούτε αληθές πω . αημειον δ’ εσ τί τοΰδε· καί γάρ ό τραγέλα­
φος σημαίνει μ εν τ ι, οϋττω δε αληθές η φεΰδος, εάν μ η το
εΐναι ή μ η εΐνα ι προστεθή ή απλώς ή κατά χρόνον.
2
"Ονομα μ εν οΰν εστί φωνή σημαντική κατά συνθήκην
ανευ χρόνου, ής μηδέν μέρος εστί σημαντικόν κεχω ρ ι- 2ο
σμ ενον εν γάρ τω Κ άλλιππος το ίππος ούδεν καθ' αυτό
σημαίνει, ώσπερ èv τω λόγω τω καλάς ίππος, ού μ η ν ούδ'
ώσπερ εν τ ο ίς άπλοΐς όνόμασιν, ούτως ε χ ε ι κ α ί εν το ις
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ Δ a c : ΑΡΙΣΤΟ ΤΕΑΟΥΣ Π. ΕΡΜ. nBoF : L IB E R
Π. ΕΡΜ. Λ : simtlia Σ Γ ς
i6 a5 αυτά-\- οΰτως nAaß: + καί ουτωι Σ
6 πρώτως
: πρώτον α ^ - ί,ίΣ
ταύτά] ταϋτα Γ , Herminus
teste Boethio
7 ταιίτά Alex. Aphrod. teste Boethio
8 ταΰτα
B(/l), Herminus teste Amm,
8-9 περί μεν . . . πραγματείας post αληθές
(13) poni vult H. Maier
9 πραγματείαν] ταΰτα πραγμ, ώΣ : πραγμ.
τσΰτο α ^ ,ίΓ
12—13 αληθές . . . ψεύδος Δα^α.α
12 τε om.
:
*s: [Γ 5]
13 avrà om. η,}ΣΓ·. *ac : [/I]
14 καί] η ηΓαΑ
1 5 το λευκόν Ea^s : [ΔΣΛ]
15 -16 αληθές . . . ψευδός Σ Α Γ
21
αντό Ba1' : [A]
2
D a Interpretação
I
Primeiro, há necessidade de precisar o que é o nome e o
que é o verbo, depois o que é a negação e a afirmação, a declaração e
o discurso.1 Há os sons pronunciados que são símbolos das afecções
na alma, e as coisas que se escrevem que são os símbolos2 dos sons
pronunciados. E, para comparar, nem a escrita é a mesma para
todos, nem os sons pronunciados são os mesmos, embora sejam
as afecções da alma - das quais esses são os sinais3 primeiros idênticas para todos, e também são precisamente idênticos os
objetos de que essas afecções são as imagens.
A respeito dessas coisas já se falou no livro Da Alma,4
cujo objeto de estudo é distinto. Há, por conseguinte, na alma,
tanto o pensamento sem o ser falso ou o ser verdadeiro, quanto o
pensamento em que é necessário que subsista um ou outro desses,
e da mesma maneira em relação aos sons pronunciados. O falso e o
verdadeiro existem na composição e na separação.5 Os nomes e os
verbos, por eles mesmos, parecem o pensamento sem composição
ou separação, como homem ou branco, quando não se anexa
alguma coisa a eles. Pois, de qualquer modo, nem são falsos nem
verdadeiros. E, com efeito, o bode-cervo6 significa alguma coisa,
ainda que nem verdadeira nem falsa, se não se anexar a ela o ser ou
o não ser, ou absolutamente, ou segundo o tempo.
II
O nome é um som articulado e significativo, conforme
convenção7 e sem o tempo, e do qual nenhuma parte separada é significativa. Por exemplo, em kallippos, o hippos por si mesmo nada
significa, como significa na expressão kalos hippos.&Todavia, o que
ocorre com os nomes simples não ocorre com os nomes complexos.
Naqueles, com efeito, de nenhum modo a parte é significativa. Nos
últimos, ela quer dizer alguma coisa, mas, separada, nada significa,
como a palavra keles na expressão epaktrokeles.9
3
16a
l
5
10
15
20
25
Aristóteles
16»
Π ΕΡΙ ΕΡΜ ΗΝΕΙΑΣ
πεπλεγμενοις·
εν έκείνοις μεν γ ά ρ ούδαμώ ς τ ο μέρος ση-
2 S μαντικόν, èv δέ τ ο ύ τ ο κ βούλεται, μεν, άλλ' ονδενός κεχ ω ρι-
αμένον, οΐον èv τ ω
ènτακτροκελη ς τ ο
κελης.
το
δέ κατά
συνθήκην, o n φ ύσει τω ν ονομάτω ν ovSév εστιν, άλλ'
οταν γ ένη ται σ ύ μ βολον irrel δηλοΰσί γ έ τ ι κ α ι οί α γ ράμ ­
μ ατοι
ψόφοι,
οΐον
θηρίων,
&ν
ovSev
έσ τιν
δνομα.—το
30 8 ’ ούκ άνθρω πος ούκ δνομα- ον μην ούδε κ ε ΐτ α ι όνομα ο
τ ι S eî καλ εΐν α υ τ ό , - ο ν τ ε γ ά ρ λόγος ούτε άπ όφ ασίς ε σ τ ιν άλλ' εσ τω δνομα αόριστον, τ ο δ ε Φίλωνος ή Φίλωνι κ αι ο σ α
16b τ ο ια ΰ τ α ούκ ον όμ ατα αλλά π τ ώ σ εις ονόματος, λόγος δε
έστιν α ύ τοΰ τ α μεν άλλα κ α τ ά τ α α υ τά , δ τι δε μ ετά τοϋ
εστιν ή ήν ή ε σ τ α ι ούκ αληθεύει η ψ εύδεται, - τ ο δ ’ δνομα
ά ε ί , - οΐον Φίλωνός εστιν η ούκ εστιν· ούδεν γ ά ρ -πω ούτε άλη5 θεύει οϋ τε ψεύδεται.
'Ρ ή μ α δ ε εσ τ ι τ ο π ροσ ση μ αινον χρόνον, ον μέρος ούδεν 3
σημαίνει χωρίς· εσ τ ι δέ τω ν κ α θ ’ έτερον λεγάμενων σημεΐον.
λέγω δ’ δ τ ι προσση μ αίνει χρόνον, οΐον ΰ γ ίεια μεν δνομα, το
δ’ ύγιαίνει ρήμα· π ροσ ση μ αίνει γ ά ρ τ ο νυν νπάρχειν. κ α ι α εί
ίο τω ν υπαρχόντω ν ση μειόν εστιν, οΐον τω ν καθ' υποκείμενόν.
—το δέ ούχ υγιαίνει κ α ι τ ο ού κάμ νει ού ρή μ α λέγω·
π ροσ ση μ αίνει μεν γ ά ρ χρόνον κ α ι ά ει κ α τ ά τίνος υπάρχει,
τη διαφ ορά δέ δνομ α ού κ εΐτα ι- άλλ' εσ τω αόριστον ρή μ α,
15 ο τ ι ομ οίω ς έφ' ότονονν υπάρχει, κ α ί δντος κ α ι μη δντος.
ομ οίω ς
δέ καί το
ύγίανεν
ή το
ύ γιανεϊ ού ρή μ α,
αλλά
π τ ώ σ ις ρήματος' διαφ έρει δε του ρή μ α τος, δ τι το μεν
τον π α ρ όν τα προσση μ αίνει χρόνον, τ α δέ τον π έρ ιξ .—
αυτά
μεν
οΰν
καθ'
20 εσ τ ι κ α ι ση μαίνει τ ι,
αυτά λεγάμενα τ α ρ ή μ α τ α όνόματά
- ϊσ τ η σ ι γ ά ρ <5 λ ίγ ω ν την διάνοιαν,
24 το μέρος οιιΒαμώί Β
3° κΐϊται+ y e α : [Τ1]
32 αόριστον-]·
(ex ΐό*315 ) οτι ομοίως . . . μη όντας ο ! *ο°
όσο-)- άλλα Δ(s)
16^7
εστι Sè] ko! êoriv ôeî ΒΔΣΛασ
ίο υπαρχόντων] καθ' érépov λεγομένων
nB<d2M a^: *s, Porph. teste Amm,
I l ύττακαμίνου-τη èv ύποκαμένω
ηΒΓ'α^: “Porph. teste Amm.
13 Sè διαφορά BadF: [Τ'*]
16
ύγιανεϊ . . . ύγίανεν Λ
4
D a Interpretação
A expressão “conforme convenção”10 quer dizer que nada
por natureza pertence aos nomes, mas vem a pertencer quando se
lorna símbolo, uma vez que mesmo os sons inarticulados, como
os das feras, revelam algum significado, ainda que nenhum deles
seja um nome. O não homem não é um nome. Com efeito, não
30
está instituído o nome a que caberia denominar isso. Em verdade,
|o não homem] nem é primeira unidade do discurso nem é negação,
mas seja ele, então, um nome indefinido. A expressão “de Filão”,
ou “a Filão” e todas quantas são desse tipo não são nomes, mas 16b l
casos do nome.11 E também em relação aos casos, todos os outros,
a definição deles é a do nome. Com o “é”, o “foi”, ou o “será”, [o
discurso] não é nem verdadeiro nem falso, por exemplo: o discurso
“de Filão é ou não é” ainda não tem nada nem de verdadeiro nem
de falso.12 Todavia, o nome13 [com o verbo] é sempre [discurso]
verdadeiro ou falso.
5
III
Verbo é o que agrega àquilo que ele próprio significa o
tempo e cujas partes nada significam isoladamente. E sempre é sinal
das coisas que são ditas de outra coisa. Digo que agrega àquilo que
ele próprio significa o tempo, como no exemplo seguinte: a saúde é
nome, mas “tem saúde” é verbo. Agrega, com efeito, ao que significa
o fato de agora subsistir.14 E sempre é sinal das coisas subsistentes,
por exemplo, das coisas ditas de um sujeito. A expressão “não tem
saúde” ou a expressão “não apresenta fadiga” não chamo de verbo,
ainda que agregue à sua própria significação o tempo e subsista
sempre em alguma coisa, não está instituído o nome para essa
diferenciação.15 Porém, seja isso um verbo indefinido, porque
subsiste16 de maneira semelhante em qualquer coisa, tanto no que é
quanto no que não é. E, de maneira semelhante, a expressão “tinha
saúde” ou a expressão “terá saúde” não são verbos, mas casos do
verbo. Elas diferem do verbo porque este agrega ao que ele próprio
significa o presente, e elas, o que está ao redor dele.17 Aquelas que
chamamos de verbos são, elas próprias e por si mesmas, nomes e
significam alguma coisa. O que os diz expõe o pensamento, e o que
ouve deteve o seu. Todavia, isso ainda não significa se [a coisa] é
J
io
15
20
Aristóteles
I6t>
Π ΕΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
και
ο
άκού σας
ήρεμησεν,— άλλ'
el
εστιν
ή
μή
οϋηω
σημαίνει· ού γ ά ρ το είν αι ή μη eivai σ η μ εΐόν εσ τ ι τοΰ
■πράγματος, οι5δ’ εάν τ ο ον ειπ η ς φιλάν, αύ τό μεν γάρ
ούδεν εστιν, π ρ ο σ σ η μ α ίν α
δε σύνθεσίν
τινα, ήν άνευ τω ν
συγκείμενω ν ούκ εσ τ ι νοήσαι.
25
4-
Λ όγος δε εσ τ ι φωνη ση μ αντική , ής τω ν μερώ ν τ ι ση ­
μαντικόν εσ τ ι κεχω ρισμενον, ώ ς φ άσις άλλ’ ούχ ώς κ α τ ά φ ασις.
λέγω δε, οΐον άνθρωπος· ση μ αίνει τ ι, άλλ' ούχ
δ τι εστιν η ούκ εστιν (άλλ' ε σ τ α ι κ α τ ά φ α σ is ή ά π ό φ ασις εάν τ ι ττροστεθη)· άλλ' ούχ ή τ ο ΰ άνθρω πον συλ- 3°
λαβή μία- ονδε γ ά ρ εν τ ω μΰς· τ ο νς ση μαντικόν, άλλα
φωνη ε σ τ ι νυν μόνον, εν δ ε ro t? δ ιπ λοΐς ση μ αίνει μεν,
άλλ’ ού καθ' αύ τό, ώ σ π ερ εϊρ η τα ι. εσ τ ι δέ λόγος ά π α ς μεν
ση μαντικός, ούχ ώ ς οργανον δε, άλλ’ ώ σ π ερ εϊρ η τα ι κ α τ ά 17a
συνθήκην άπ οφ αντικός δέ ου π α ς , άλλ' εν φ τ ο άληθευειν
ή φ εύδεσθαι υ π ά ρ χ ει· ούκ εν ά π α σ ι δέ υ π άρ χ ει, οΐον
ή εύχή λόγος μεν, άλλ' οΰτ' αληθής οϋ τε ψευδής,
oi
μεν ουν άλλοι άφ είσθω σαν, -ρη το ρικ ή ς γ ά ρ η π οιη τι- 5
κής ο ίκ ειο τερ α ή σ κεφ ις,— ό δέ απ οφ αν τικ ός της νυν
θεω ρίας.
5
"Ε στι δε εις π ρ ώ το ς λόγ ος απ οφ αντικός κ ατάφ ασ ις,
εΐτ α ά π όφ α σ ις· ο ί δέ άλλοι συνδεσμω εϊς.
ανάγκη δέ
π ά ν τα λόγον αποφ αντικόν ε κ ρ ή μ α το ς
εΐν αι ή π τ ώ σ εω ς - 10
κ α ι γ ά ρ ο τοΰ άνθρω πον λόγος, εάν μή τ ο εστιν ή
ε σ τ α ι ή ήν ή τ ι τοιοΰ το π ρ ο σ τεθ η , οϋπω λόγος απ οφ αντικός
(διότι δε εν τ ί εστιν άλλ' ού π ο λ λ ά τ ο ζω ον π εζόν δίπουν,
22 ού] ουδέ ηΒα^: °Porph.: [Δ]
ή μή ΐϊναι post πράγματος (23)
pos. ^4aFa°,?jT
23 eíwijs+aürò a Fa c : + καθ' atírò η27; -f-αύτό καθ’
αύτό
26 Sé om. 27a^(s)
28 <τημαίνα-\-μεν ΔΣ;
*acs
3 ° °νχ v] °νκ « Δ : ούχι Β α ,ΐΣ Δ Γ : *α°
33
προείρηται
ηΒΔ
I 7 a9 άλλοι-\-ττάντίς ΊίΔΣα^
ίο τηώσεως-\·ρήματος
ηΒΣα
II λόγος om. Boethii exemplar: βα®9
ίστιν-\-·η το ούκ
eanv Σ α ° : es
12 fjv ή εσται Βα^; ίσ τ α ιΑ : *s
13 δή aF, ί Σ ;
om. Γ·. \
6
D a Interpretação
ou não é.18 Com efeito, [dizer] o ser ou o não ser não é sinal19 do
que subsiste20 nem mesmo se dissesses simplesmente aquilo que
é. De fato, por ele próprio o ser não é nada, mas agrega àquilo
que ele já significa alguma composição, a qual é impensável sem
os componentes.
IV
O discurso é som articulado e significativo; uma de suas
partes, separadamente, é significativa, como expressão, mas não
como afirmação21 [ou negação]. Digo, por exemplo, que a expressão
“homem”22 significa alguma coisa, mas não que é ou não é (todavia,
será afirmação ou negação se alguma coisa lhe for aposta). Porém,
uma sílaba da expressão “homem” não tem significado, nem na
expressão “rato” ou “to”, mas é simplesmente um som articulado.
Nas palavras compostas, a sílaba tem significado, mas não por
si mesma, conforme já tinha sido dito. Todos os discursos são
significativos, não como ferramenta,23 mas, como já tinha sido
dito, por convenção; nem todo discurso é declaratório,24 mas
apenas aquele em que subsiste o ser verdadeiro ou o ser falso. Com
efeito, [o ser verdadeiro ou o ser falso]25 não subsiste em todos.
Por exemplo, a prece é discurso, mas não é nem verdadeira nem
falsa. Deixemos os outros discursos, pois o exame deles é mais
próprio da retórica e da poética. Porém, o declaratório é próprio
deste estudo.
V
É a primeira unidade de discurso declaratório26 a afirmação,
em seguida a negação. Todos os outros discursos [declaratórios]
são unos pela ligação entre aqueles.27 Há necessidade de que todo
discurso declaratório decorra do verbo ou de um caso dele. Com
efeito, o discurso do homem, se não lhe for aposto o “é”, o “será”
ou o “foi”,28 ou alguma coisa desse tipo, ainda não é discurso
declaratório (e por que29 é um o animal-pedestre-bípede e não
múltiplo? Com efeito, não é pelo fato de as expressões terem sido
ditas na sequência que constituem um mesmo discurso). Todavia,
cabe a outra disciplina tratar disso.30
Aristóteles
17*
- ο ν γ ά ρ δη τ ω
ΠΕΡΙ
ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ
σύνεγγυς ειρή σθ αι εΐς εσται.,- εστι δε άλλης
εσ τ ι δέ εΐς λόγος αποφ αντικός fj
6 ev δηλων ή 6 συνδέσμψ εΐς , πολλοί δε ο ΐ π ολλά καί
μη εν η ο ί ασύνδετοι, τ ο μεν οδν ονομα κ α ί τ ό ρή μ α φάσις
εσ τ ω μόνον, έπ εί ούκ εστιν είπ εΐν οίίτω δηλονντά τ ι τη φωντ)
ώ α τ άπ οφ αίνεσθ αι, η έρω τώ ντός τίνος, η μη άλλ* αυτόν
20 προαιρούμενον. τούτω ν δ* ή μεν απλή εστιν άπ όφ ανσις, οΐον
15 τοϋ το π ρ α γ μ α τ εία ς είπεΐν).
τ ι κ α τ ά τινός η τ ι α π ό τινός, η δ ’ εκ τούτω ν συγκείμενη,
οΐον λόγος τ ις ηδη σύνθετος.
Ε σ τ ι δ’ η
μεν απλή άπ όφ ανσις φωνή σημαντική π ερί
του ει υ π άρ χ ει τ ι η μη υ π άρ χ ει, ώ ς οί χρόνοι διήρηνται·
25 κ α τά φ α σ ις δ ε εστιν άπ όφ ανσις τίνος κ α τ ά τινός, ά π ό - 6
φ ασις δ ε εσ τιν άπόφ ανσις τίνος ά π ό τινός. έπ εί δέ εσ τ ι κ αί
τ ό ύπαρχον άπ οφ αίνεσθαι ώ ς μ~η ύπαρχον κ α ί τό μη
ύπαρχον ώ ς ύπαρχον κ α ί τ ό ύπαρχον ώ ς ύπαρχον κ αί
τ ό μη ύπαρχον ώ ς μη ύπαρχον, κ α ί π ερ ί τους εκ τός δέ
30 του νΰν χρόνους ώ σ αύ τω ς, ά π α ν αν ένδέχοιτο κ α ί δ κατέφ ησέ
τ ις άπ οφ ή σ αι κ α ί δ άπ εφ η σε κ αταφ ή σ α ι· ώ σ τ ε δήλον
δ τ ι π ά σ η κ α τ α φ ά σ ει εστιν άπ όφ α σ ίς άντικειμένη κ α ί πάση
ά π οφ ά σ ει κ ατάφ ασ ις. κ α ί εσ τω άντίφ ασις τοΰ το, κ ατάφ ασις κ α ί άπ όφ α σίς α ι άντικείμεναι' λέγω δέ άντικ εΐσ θα ι
35 την του α ύ τοΰ Κ ατά τον αν τοΰ , -μ η όμωνύμως δέ, κ α ί οσα
αλλα τω ν τοιούτω ν
ενοχλήσεις.
π ροσ διοριζόμ εθ α
προς
τάς
σοφ ιστικάς
Έ π ε ι δ έ εσ τ ι τ ά μεν καθόλου τω ν π ρα γ μ ά τω ν τ ά δε 7
κ α θ ’ έκ α σ το ν , - λ έγ ω δέ καθόλου μεν δ επ ί πλειόνω ν πέφ υκε
4ο κ α τη γ ο ρ εΐσ θ α ι, κ α θ ’ έκαστον δέ ο μή , οΐον άνθρω πος μέν
171> τώ ν καθόλου Κ α λ λ ίας δ ε τω ν καθ' έ κ α σ τ ο ν ,- ανάγκη δ’
14 -15 τοΰτο ante άλλη; pos. ΣαΡ: post πραγματεία! Β : : [ΛΓ\
Iζ
ηοια.Λ Γ·. #ocs
17 «αϊ]η B Ji?r'a d
alt-τό om. B J a d : [ΣΛΓ]
ι8
cttciSt) : [Τ ']
23 μεν om, Γ,ΪΑΛ
24 «om . BdAa: *ac
ΰπάρχειν
bis Β, : *ac : [yl]
25 Se . . . άττόφασις om. n
26 εστιν om. AT
30 χρόνου nBaA
31 άπέφησε+τκ nAA
17^1 S'] fSr/ Β Γ:
om. ΑΣ
D a Interpretação
O discurso declaratório ou expressa uma única coisa, ou
é um pela conjunção, mas os discursos múltiplos são aqueles que
expressam muitas coisas e não uma única coisa, ou são aqueles
que são assindéticos.31 Seja, portanto, apenas uma fórmula de
expressão o nome e o verbo, uma vez que não é possível, por sons
articulados, a exprimir somente um deles, assertar de maneira
que se chegue a um discurso declaratório, como quando alguém
pergunta ou não, mas um outro dá o seu próprio julgamento.
Dos discursos declaratórios, uma parte é declaração sim­
ples, como dizer alguma coisa de alguma coisa ou negar alguma
coisa de alguma coisa; a outra parte é a composição destas últimas,
por exemplo, um discurso já composto.
E é a simples declaração com som articulado e significativo
a respeito do seguinte: se alguma coisa subsiste ou não subsiste [em
outra coisa] conforme os intervalos do tempo.32
VI
A afirmação é a declaração de que alguma coisa se refere
a alguma coisa e a negação é a declaração de que alguma coisa
está fora da relação com alguma coisa. Como é possível também
declarar o que subsiste como não subsistente, o que não subsiste
como subsistente, o que subsiste como subsistente e o que não
subsiste como não subsistente (e da mesma forma a respeito do
tempo exterior ao que é agora),33 tudo aquilo que se afirmou poderia
ser negado e tudo aquilo que foi negado alguém poderia afirmar.
Por conseguinte, é evidente que, para toda afirmação, há uma
negação que se lhe opõe, e para toda negação, há uma afirmação.
Seja a contradição isto: a afirmação e a negação que se opõem.
Digo que se opõem [como discursos declaratórios34 afirmar e
negar] a mesma coisa de uma mesma coisa; não homonimamente,
e [considerando] todas as outras restrições que tais35 por onde
afastamos os embaraços sofísticos.
VII
Mas, uma vez que, dentre as coisas existentes, umas são
universais, outras singulares, denomino de universal aquilo que
9
20
25
30
35
Aristóteles
17b
ΠΕΡΙ ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
άπ οφ αίνεσθ αι ω ς υπάρχει, τ ι ή μ η , ό τ ε μεν τω ν
καθόλου
τινί, ό τ ε δε τω ν καθ' έκαστον, èàv μεν οΰν καθόλου άποφ αίνητ α ι in i του καθόλου ό τ ι υ π άρ χ ει η μ η , εσ ο ν τα ι εναντίαι
απ οφ άνσεις, -λ έγ ω δέ επ ί τ ο ΰ καθόλου άπ οφ α ίνεσ θ αι κ αθ - 5
όλου, οΐον π α ς άνθρω πος λευκός, ούδείς Άνθρωπος λευκός·οταν 8è επ ί τω ν καθόλου μ εν, μη καθόλου δ έ, ούκ είσίν
εν αντίαι, τ α μ έντοι δηλούμενα εστιν είν αι εν αντία, -λ εγ ω
dè τ ο μη καθόλου άπ οφ αίνεσθαι επ ί τω ν καθόλου, οίον εσ τ ι
λευκός Άνθρωπος, ούκ εσ τ ι λευκός Άνθρωπος· καθόλου γ ά ρ οντος
τ ο ΰ Άνθρωπος ούχ ώ ς καθόλου χ ρ ή ται τη άποφ άνσει· το
γ ά ρ π α ς ού τ ο καθόλου σημαίνει αλλ’ ο τ ι κ α θ ό λ ο υ ε π ί δε το ΰ
κατη γορουμένου r ò καθόλου κ ατη γ ορ ειν καθόλου ούκ εστιν αλη­
θές· ού δεμ ία γ ά ρ κατάφ ασ ις εσ τ α ι, εν fj τ ο ΰ κ ατη γορου ­
μένου καθόλου τ ο καθόλου κ ατη γ ορ η θ η σεται, οΐον έσ τ ι π α ς
Άνθρωπος π α ν ζωον.
Ά ν τικ είσ θ αι μεν οΰν κ α τά φ α σ ιν άττο-
χο
ΐ5
ι6
ι6
φ ά σ ει λ έγω άντιφ ατικω ς την τ ο καθόλου σημαίνουσαν τω
αύ τω ο τ ι ού καθόλου, οΐον π α ς Άνθρωπος λευ κ ός - ού π α ς
Άνθρωπος λευκός, ούδείς Άνθρωπος λευκός —εσ τ ι τ ις Άνθρω­
π ο ς λευκός· εναντίω ς δ ε την το ΰ καθόλου κ α τά φ α σ ιν κ α ί 20
την τ ο ΰ καθόλου άπ όφ ασιν, οΐον π α ς Άνθρωπος δ ίκ α ιο ς - ούδείς
Άνθρωπος δίκαιος· διό τ α υ τ α ς μεν ούχ οϊόν τ ε Άμα αλ η θείς ε ί­
ναι, τ ά ς δ ε άντικειμ ένας α ύ τ α ΐς εν δέχ ετα ι ε π ί τ ο ΰ αύτοΰ,
οΐον
ού
λευκός.
καθόλου,
πας
Άνθρωπος
λευκός,
καί
εσ τ ι
ο σ α ι μεν οΰν αντιφ άσεις τω ν
ανάγκη την ετέραν άληθη εΐν αι
τ ις
Άνθρωπος ζ5
καθόλου είσ ί
η φευδη, κ α ί
3 αΰν om. n.Tas
4 iiráp\ei-\-n nBas
5 a‘ άττοφάνσας a*'s i
[.S/LT]
άποφαίνίοθαι] άπάφανσιν
7 ante ούκ add. αΰται
μάν ηΒαΑ: as
8 ίναντία] ττοτε έναντ. Σας : ίναντ. -ποτέ Β 1 1 κέχρηται Βα: [7^]
άποφάσα ηα^
13 κατηγορουμένου-^- καθόλου
Λας
alt. καθόλου om. α : ° s
14 κατάφασκ-Ι-άληθής aAs : *sc
15 κατηγορείται ΒΔΛα^·. *s
17 άντίφαντίκως η: άποφαντ. quidam
teste Porph. : *ac
19 &m om. Γ
ai ή iras . . . rfj oiSels n
23
ένίέχΐται.'-}-wore ηαΑ: *n°
aùroû-\-άληθεναν α
οΐον om. ΔΣ
26 etm-f-íúr Γ : βα°
ΙΟ
Da Interpretação
naturalmente é predicado em muitas coisas, e de singular aquilo
que não é, por exemplo: homem pertence às coisas universais e
Cálias às singulares. Também é necessário declarar que alguma
coisa subsiste ou não subsiste, ora em alguma coisa universal ora
em alguma coisa singular.36 Se, portanto, for declarado, de maneira
universal, a respeito do universal,37 que [nele alguma coisa] subsiste
ou não subsiste, serão declarações contrárias.
Digo que se declara do universal universalmente [que nele
alguma coisa subsiste ou não subsiste], como no caso seguinte: “todo
homem é branco”38 // nenhum homem é branco; mas, quando as
declarações a propósito do universal não são feitas universalmente,39
elas não são contrárias, a despeito de as coisas reveladas poderem
ser contrárias.40 Digo que não se faz declaração, de maneira
universal, a respeito do universal, nos exemplos seguintes: “um
homem é branco” // “um homem não é branco”.41 Com efeito,
mesmo sendo universal, o homem não é utilizado universalmente
na declaração. Com efeito, o todo não significa o universal, mas
[que o universal] é considerado de maneira universal.42
Não é verdadeiro atribuir o universal43 universalmente
ao predicado. Com efeito, não haverá nenhuma afirmação na
qual o universal será atribuído universalmente ao predicado, por
exemplo: todo homem é todo animal.
Digo, portanto, que a afirmação44 e a negação se opõem de
modo contraditório, quando a [primeira] significa a coisa universal
[tomada universalmente], em face do mesmo aspecto, enquanto
na segunda [a mesma coisa universal é considerada de maneira
não universal em face do mesmo aspecto], por exemplo: “todo
homem é branco” //“nem todo homem é branco”; “nenhum homem
é branco” // “algum homem é branco”. Chamo de afirmação do
universal e negação do universal [opostas] de modo contrário, por
exemplo: “todo homem é justo” //“nenhum homem é justo”. Por isso
essas [declarações] não podem ser simultaneamente verdadeiras,
ainda que as que a elas se opõem possam ser verdadeiras
simultaneamente em relação a uma mesma coisa, por exemplo:
“nem todo homem é branco” //“algum homem é branco”. Quando
todas as contradições45 são sobre coisas universais e de maneira
11
40
17b 1
5
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25
Aristóteles
17b
Π ΕΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ
ο σ α ι έπ ί τω ν κ α θ ’ εκ α σ τ α , oîov έσ τ ι Σ ω κ ρ ά τ η ς λευκός
έσ τ ι Σ ω κ ρ ά τ η ς λευκό?· δ σ α ι δ’ επ ί τω ν καθόλου μη
30 όλου, ούκ ά ε ί ή μεν αληθής ή δέ ψευδής· - άμα γ ά ρ
θές εσ τιν ehretu ό τ ι έστιν άνθρω πος λευκός κ α ι ό τ ι ούκ
- ούκ
καθαλη­
εστιν
άνθρω πος λευκός, κ α ϊ έσ τιν άνθρω πος καλός κ α ί ούκ έστιν άν­
θρω π ος καλός· ei γ ά ρ αισχ ρός, κ α ί ού καλός· κ α ί εΐ γίγ νεταί
τ ι, κ α ί ούκ ε σ τ ιν .- δ όζ ειε δ ’ αν έζαίφνης άτοπον εΐναι δ ιά το
35 φ αίνεσ θαι σημαίνειν τ ό ούκ εσ η ν άνθρω πος λευκός ά μ α κ αι οτι
ού δείς άνθρω πος λευκός· τ ό δέ οΰτε ταύ τόν ση μ αίνει οΰθ’ άμ α
ε ξ ανάγκη ς.—φανερόν δ’ ο τ ι κ α ϊ μ ία άπ όφ ασις μ ια ς καταφ άσεω ς·
τ ό γ ά ρ αυ τό δ ε ι άπ οφ ή σαι την άιτόφασιν όπ ερ κατέφ ησεν
40 ή κ α τ ά φ α σ ις , κ α ί άπ ό τ ο ΰ αύτοΰ, ή τω ν κ α θ ’ εκ α α τ ά
l 8 a τίνος ή α π ό τω ν καθόλου τινός, ή ώ ς καθόλου ή ώ ς μή καθόλου·
λ έγω δ ε οΐον έσ τι Σ ω κ ρ ά τη ς λευκός —ούκ έσ τ ι Σ ω κ ρ ά τ η ς λευ­
κός (èàv δε άλλο τ ι ή α π ’ άλλου τ ο αύ τό, ούχ ή άντικειμένη άλλ' έσ τ α ι εκείνης έτ ερ α ), τη δε π α ς άνθρω πος λευκός
5 ή ού π α ς άνθρω πος λευκός, τη δε τι? άνθρω πος λευκός ή ούδε'ις άνθρω πος λευκός, τη δε εστιν άνθρω πος λευκός ή ούκ εστιν
άνθρω πος λευκός.
"Ο τι μεν οΰν μ ία κ α τά φ α σ ις μ ια ά π ο φ ά σ ει άν τίκ ειται
άν τιφ ατικ ω ς, κ α ι τίνες είσιν au rai, ε ’ί ρη ται, κ α ι οτι a i
ίο εν αντίαι άλ λ α ι, κ α ι τίνες είσιν α ΰ τ α ι, κ α ί ο τ ι ού π ά σ α
αληθής η ψευδής αντίφ ασις, κ α ι διά τ ί, κ α ί π ό τ ε αληθής
ή ψευδής, μ ία δ έ έσ τι κ α τά φ α σ ις κ α ι άπ όφ ασις ή εν κ α θ ’ ενός 8
ση μ αινου σ α, ή καθόλου οντος καθόλου ή μή ομ οίω ς, οΐον πας
5 άνθρω πος λευκός εστιν - ούκ έσ τ ι π α ς άνθρω πος λευκός, εστιν
άνθρω πος λευκός - ούκ εστιν άνθρω πος λευκός, ούδείς άνθρωπος
λ ευκός - έσ τ ι τ ις άνθρω πος λευκός, ei τ ό λευκόν εν σημαίνει,
ei δ έ Sveîv êv δνομα κ ειτ α ι, έξ &ν μή εστιν έν, ού μ ία κ α τ ά 2 g καθόλου μίν (μεν om. a oF) μη καθόλου Sé ηΒα^
i 8 al μη ώϊ η Γ :
*α°: [Λ]
8 μια καταφάαα μία άπόφασις Σ : μία άπάφ. μια καταφ. Δ :
μια άποφ. μία κατάφ. Λα^
ιο αΰται-\-εϊρηται ηΒ2 : *α°
ι 8 οι!]
ot5/c εστιν ης,?Λ κατάφασις-}- ούδί άπόφασις μία ΔΣαΡ
11
D a Interpretação
universal, é necessário que uma das declarações seja verdadeira e
a outra, falsa, e, da mesma forma, em relação às coisas singulares:
“Sócrates é branco” // “Sócrates não é branco”.
Quanto a todas as declarações referentes a coisas universais
e não consideradas de maneira universal,46 não se lhes aplicará
sempre o verdadeiro e o falso. Simultaneamente é verdadeiro
dizer que “um homem é branco” e que “um homem não é branco”,
e que “um homem é nobre” ou que “um homem não é nobre”. Com
efeito, se o homem é vil, ele também não é nobre; e se ele está se
tornando alguma coisa, ele não é essa coisa. Poderia parecer, em
uma momentânea consideração, um disparate [isso que se disse]
pelo fato de “um homem não é branco” parecer significar, ao mesmo
tempo, que “nenhum homem é branco”. Mas [essas declarações]
não significam o mesmo nem são simultâneas necessariamente 47
É evidente que uma negação corresponde a uma afirmação.
Com efeito, é necessário a negação negar a mesma coisa que a
afirmação afirma e da mesma coisa [sujeito], ou de alguma das
coisas singulares ou de alguma das universais, ou consideradas
universalmente ou não consideradas universalmente.48 Digo, por
exemplo, “Sócrates é branco” //“Sócrates não é branco” (se a mesma
coisa49 - ou uma outra coisa - fosse negada de uma outra coisa, não
haveria declaração oposta, mas uma negação diferente daquela).
A declaração “todo homem é branco” é oposta à declaração “nem
todo homem é branco”; as declarações “um homem é branco” e
“nenhum homem é branco” se opõem; por sua vez se opõem “o
homem é branco” e “o homem não é branco”.
Já se tinha dito, portanto, que uma afirmação se opõe
à negação contraditoriamente e quais declarações são essas, e
que as contrárias são distintas e quais são essas, e que nem toda
contradição encerra uma declaração falsa e outra verdadeira,50 e
por quê, e quando encerra uma declaração falsa e outra verdadeira.
VIII
Há apenas uma afirmação51 ou negação [contraditórias]
para significar uma coisa de uma coisa,52 sendo o universal
considerado universalmente ou não sendo dessa forma, por
exemplo: “todo homem é branco” // “nem todo homem é branco”;
Aristóteles
Π Ε ΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
18*
φασις· οΐον ε ϊ τ ις θ εΐτο ονομα ίμ άτιον ΐπ π ψ κ α ί άν­
θρω πο), τό έστιν ίμ άτιον λευκόν, αυτή αν μ ία κ α τά φ α σ ις 2 ο
[ουδέ άπ όφ α σ ις μ ία ]· αΰδέν γ ά ρ διαφ έρει τ οΰ το είπ εΐν
η 'έστιν Ιππος κ α ι ά ν θ ρω π ο ί λευκό?, τον το δ’ ούδέν διαφ έρει
τον είπ εΐν έστιν ίπ π ος λευκός κ α ι έστιν άνθρω πος λευκό?, εί
οΰν α ΰ τ α ι π ολ λ ά σημαίνουσι καί είσ ι πολλαί, δήλον οτι κ α ι
η π ρώ τη ή τοι π ολλά η ούδέν σημαίνει, -ον ' γ ά ρ έστιν τ ις ζ$
άνθρω πος ίπ π ο ς ·- ω σ τ ε ούδ’ εν τ α ύ τ α ις ανάγκη την μεν αληθή
την δε φενδή είν αι άντίφασιν.
Έ π ϊ μ εν οΰν τω ν οντων καί γενομένων ανάγκη την κ α τ ά φασιν ή την άπ όφ ασιν αληθή ή φενδή είναι- κ α ι επ ί μεν
τω ν καθόλον ώ ς καθόλον α ε ί την μεν αληθή την δέ φενδή 3°
κ α ι επί των
καθ' έ κ α σ τ α , ώ σ π ερ εϊρη ται· επ ί δέ
τω ν
καθόλον μή κ α θ όλ ον λεχθέντων ονκ ανάγκη· εϊρ η τα ι δέ καί
π ε ρ ί τού τω ν.—έπ ι δέ τω ν κ α θ ’ έκ α σ τ α καί μελλόντω ν ούχ
ομ οίω ς, εί γ ά ρ π ά σ α κ α τά φ α σ ις ή άπ όφ ασις αληθής τ) φενδής,
κ α ι άπ αν ανάγκη ή ύπαρχειν ή μή ύ π αρ χ ειν· ε ί γ ά ρ ό μεν 35
φήσει
εσ ε σ θ α ί τ ι ό δέ μή φήσει τ ό αυτό τ ο ν τ ο , δήλον οτι
ανάγκη άληθεύειν τον έτερον αύτω ν, εί π ά σ α
κ α τά φ α σ ις
άληθής ή φενδής· άμ φ ω γ ά ρ ούχ υ π άρ ξει ά μ α έπ ι τ ο ΐς
τοιού τοις.
εί
γάρ
αληθές
είπεϊν ο τ ι λευκόν ή
ον
λευκόν έσ τιν,
άνάγκη είν αι λευκόνή ον λευκόν, κ α ι εί 18*5
έ'στι λευκόν ή
ον λευκόν, αληθές ήν φ άναι ή άποφ άναι·
και
εί μή ν π ά ρ χ ει, ψ εύδεται, κ α ί εί ψ εύδεται, ούχ υπάρχει·
ω σ τ ’ άνάγκη την κατάφ ασ ιν ή την άπ όφ ασιν αληθή είναι.
ούδέν
ά ρ α ού τε εστιν οϋ τε γ ίγ νεται ού τε
από τύχη ς οϋθ' 5
οττοτςρ €τυχεν, ουο ζσ τα ι η ονκ βσται, αλλ εξ αναγκη ς ατταν19 θείη το Βα°Α: [Τ*]
2 2 τ)] η ότι Β,ί Γ : ότι Δα^: οιη. αΑ: [£]
25 ήτοι] ή α ; [Τ*]
2η άντίφασιν εΐναι τια^^ΔΛ
29 καί οιη.
ΓοΑ3° ώί καθόλον οιη. ηΓ1:*®0
φευδτ/-{-είναι
Β
32 λεχθέντων
μη καθόλου Δα
ληφθεντων η
34
ή] και
: βα^Α
35
ρΓΐιΐ3 η οιη. ηΒα^;
εί να/)] εί &η α \ }Δ: εί δε : ώστε εί ηΒ ; ίουτωϊ
εΙΣ
37 κατάφασις-\-η (και Δ) άπόφασις: ΔΣα
39 ί+ ό τι ηΒ
18*^2 ήν-\-ή Σ Λ : *α°
4 ο-νάγκη+ή ΣΛ(α°Α·)
είναι+ή ψευδή ηΒΔΣα^
Η
D a Interpretação
“o homem é branco” // “o homem não é branco”; “nenhum homem
é branco” // “um homem é branco” - se o branco significa nessas
proposições sempre um mesmo. Porém, se um mesmo nome que
se coloca tem duas acepções, as quais não remetem a uma mesma
coisa, não há apenas uma afirmação. Assim, se se aplicar o nome
him átion 53 a cavalo e a homem, então “é o himátion branco” não
significa apenas uma única afirmação (nem uma única negação).
Com efeito, dizer isso em nada difere de dizer que o cavalo e o
homem são brancos, e dizer isso também em nada difere de dizer
que o cavalo é branco e que o homem é branco. Se então essas
[proposições] significam várias coisas e são [proposições] diversas,
é evidente que a primeira significa ou várias coisas ou nada, pois
não existe um homem cavalo. Por conseguinte, nesses casos não é
necessário que a contradição encerre o verdadeiro e o falso.
20
25
IX
A respeito das coisas que são ou que já foram, é necessário
que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira ou falsa. Quanto
às proposições universais, se consideradas universalmente, sem­
pre [é necessário] que uma seja verdadeira e a outra, falsa.54
30
O mesmo ocorre com as singulares.55 Isso conforme já se dissera.
Todavia, no que concerne às coisas universais, desde que não
sejam ditas universalmente, não é necessário que isso ocorra.
Também a respeito disso já se tinha falado. Esse não é o caso das
coisas singulares que acontecerão. Se, com efeito, toda afirmação
(ou toda negação) ou é verdadeira ou é falsa, é necessário que
toda coisa subsista ou não subsista. Se, com efeito, fulano disser
35
que uma certa coisa ocorrerá, e se sicrano disser que essa mesma
coisa não ocorrerá, é evidente que um dos dois está com a verdade,
necessariamente - afinal, toda afirmação é verdadeira ou falsa. No
que concerne a tais coisas, ambas, com efeito, não podem subsistir
simultaneamente. Com efeito, se é verdadeiro dizer que o branco
ou o não branco é, é necessário que o branco ou o não branco seja, 18b l
e se é branco ou não branco, era verdadeiro afirmá-lo ou negá-lo.
E se o branco não subsiste, há erro na proposição; e se há erro, o
branco não subsiste. Por conseguinte, é necessário que a afirmação
(ou a negação) seja verdadeira.
l5
Aristóteles
18^
Π Ε ΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ
τα κ α ί ούχ όπότερ' ετυχεν (η γ ά ρ ο φας αληθεύει ή ό άττοφάς)· ομ οίω ς γ ά ρ αν εγίγνετο η ούκ ίγίγνετο- το γ ά ρ όπότερ'
ετυχεν ούδεν μάλλον ούτω ς ή μη ούτω ς 'έχει ή εξει.—ετ ι εί Ισ τ ι
ίο λευκόν νυν, αληθές ήν είπειν π ρότερον ό τ ι εσ τ α ι λευκόν, ώ σ τε ά εί
αληθές ήν είπ ειν ότιοϋν τω ν γενομένων ότι εσται· εί δ’ α εί
αληθές ήν είπ ειν ότι έστιν ή εσ τ α ι, ούχ οΐόν τ ε τ οΰ το μη είναι
ούδέ μη εσ εσθ αι. ο δε μη οΐόν τ ε μη γενέσθαι, αδύνατον μη
γενέσθαι- ο δ ε αδύνατον μη γενέσθαι, ανάγκη γενέσθαι· άπ α ν τα
15 οΰν τά έσ όμ ενα άναγκαΐον γενέσθαι. ούδέν ά ρ α ο π ό τ ερ ’ ετυχεν
ούδ' α π ό τύχη ς εσται· εί γ ά ρ α π ό τύχης, ούκ έ ξ ανάγκη ς.—
αλλά μην ούδ' ώ ς ούδέτερόν γ ε αληθές εν δέχεται λέγειν, οΐον ότι
οϋ τ ε σ τ α ι ούτε ούκ εσ τα ι. π ρώ τον μεν γ ά ρ οϋσης της κ α τ α φ ά σεω ς φευδοΰς ή άπ όφ ασις ούκ αληθής, κ α ί ταυ τη ς φευδοΰς
2 ο οϋσης την κατάφ ασιν σ υμβαίνει μη αληθή είναι, κ α ί π ρος τουτοις,
εί αληθές ε'ιπεΐν ότι λευκόν κ α ί μέλαν, δ ε ι άμφω ύ παρχε ιν, εί
δε ύ π άρξειν εις αϋριον, υ π ά ρ ξει εις α ϋ ρ ιο ν ει δε μ ή τ εσ τ α ι
μ ή τε μή εσ τ α ι αϋριον, ούκ αν εϊη τ ο όπότερ' ετυχεν, οΐον ναυ25 μαχία· δέοι γ ά ρ άν μ ή τε γενέσθαι ναυμαχίαν μ ή τε μή γενέσθαι.
Τ ά μεν δη συμβαίνοντα ά τ ο π α τ α ΰ τ α κ α ί τοιαϋθ' έτερα,
εΐπ ερ π ά σ η ς κ αταφ άσ εω ς κ α ί άπ οφ άσεω ς, ή επ ί των κ αθ ­
όλου λεγομένω ν ώ ς καθόλου ή επ ί των καθ' ε κ α σ τ α , ανάγκη
τω ν αντικειμένω ν είναι την μεν αληθή την δ ε φευδή, μηδέν
3ο δε όπ ότερ' ετυχεν εΐναι εν τ ο ΐς γιγνομένοις, άλλα π ά ν τα
εΐναι κ α ί γίγνεσθαι έξ ανάγκης, ώ σ τε αΰτε β ουλευεσθαι δέοι
άν οϋ τε π ρ α γ μ α τεό εσ θ α ι, ώ ς εάν μεν τ ο δ ί π οιή σω μ εν, εσ τ α ι
το δ ί, εάν δ ε μή το δ ί, ούκ εσ τα ι. ούδέν γ ά ρ κω λύει εις
μ υριοστόν ετο ς τον μέν φ άναι το ΰ τ εσ εσθ αι τον δέ μή φ ά7 αληθεύσει α ά
II γινομένων ηα: [Τ']
15 άναγκαΐον-\-ήν
ηΔ,ίΛ
20 καί πρόί] ττρόΐ δέ η: [ΔΛ]
2 1 μέγα ηΒΛα
22
ύπάρξαν] -ξα Λα: [Β.ΣΓ]
νπάρξει] ~ξαν 4αΛ: -χαν Λ : [Β£Γ]
23
άς αϋριον ΔΣα? ·. #α°
2 ζ γίγνεσθαι 1)13 η : [Τ’]
ναυμαχίαν
+ αϋριον α
βΐί. να>εσ0οι+ ναυμαχίαν ΔΛΓ'
2 & λεγομένων
ή
ροδ. Σ
έκαστον Β; [Τ’]
33 «τται+τοδί ΒααΓΑ
κωλΰει-τκαι
Βα:·[Τ*]
ι6
D a Interpretação
Nada, então, é nem surge por acaso56 e nada poderia ser
de uma maneira indefinida, em que fosse e não fosse, mas todas
as coisas aconteceram da necessidade e não de uma maneira
indefinida (ou o que afirma diz a verdade, ou o que nega), como
uma coisa que poderia ter ocorrido ou não ter ocorrido. Com
efeito, a expressão “ocorrer de uma maneira indefinida” nada mais
[significa] que [alguma coisa] pode ser ou poderá ser dessa forma
ou de outra forma.
Demais, se existe o branco agora, seria verdadeiro dizer
anteriormente que ele existirá, de modo que fosse então sempre
verdadeiro dizer antes das coisas já terem acontecido que serão.
Porém, se fosse sempre verdadeiro dizer que alguma coisa é ou
será, isso não pode não ser nem não vir a ser. E se alguma coisa não
pode não acontecer, é impossível que não aconteça. Aquilo que é
impossível não acontecer, é necessário que aconteça. Portanto,
todas as coisas futuras necessariamente acontecerão. Nada, por
conseguinte, poderia suceder de uma ou de outra forma, nem nada
virá a ser pelo acaso. Com efeito, se sucede pelo acaso, não sucede
da necessidade. Todavia, pode-se dizer que nenhuma das duas
hipóteses é verdadeira, por exemplo: que será ou que não será.
Primeiramente, mesmo sendo falsa a afirmação,57 a negação não
é verdadeira, e, sendo esta falsa, sucede não ser a afirmação ver­
dadeira. Além disso, se é verdadeiro dizer que uma coisa é branca
e negra,58 é necessário que ambas [as cores] subsistam em um
mesmo. E se subsistirão amanhã, será verdadeiro dizer que subsis­
tirão amanhã. E se nem será nem não será amanhã, não se poderia
dizer que aquilo pudesse suceder de uma maneira indefinida como
uma batalha naval. Com efeito, seria necessário que nem pudesse
acontecer a batalha naval nem pudesse não acontecer.
Essas e outras coisas desse gênero são os absurdos que
sucedem, se de fato é necessário ser uma das opostas verdadeira e a
outra, falsa (para toda afirmação ou negação, quer a propósito das
coisas ditas universais e tomadas universalmente, quer a propósito
das coisas singulares), e nada pudesse acontecer de uma ou de
outra forma no vir a ser, mas todas as coisas serem e virem a ser da
necessidade. Por conseguinte, nem seria necessário deliberarmos,
Aristóteles
Π Ε ΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
18b
ναι, ώ στε εξ ανάγκη ς εσ εσ θ α ι οπ ότερον αυτώ ν αλη θές ήν 35
είπ ειν τότε. άλλα μην ουδέ τοϋ το διαφ έρει, ε ΐ n v e s ehrav
την άντιφ ασιν ή μη εΐιτον· δήλον γ ά ρ ο τ ι ού τω ς εχ ει τα.
π ρ ά γ μ α τ α , καν μή δ μεν καταφ ή ση ό δε άττοφήστ/· ού γ ά ρ
δ ιά το κ α τ α φ ά ν α ι ή άττοφάναι ε σ τ α ι ή ούκ εσ τ α ι, ού δ’ εις
μ υριοστόν έτος μάλλον η εν όττοσωοϋν χρόνοι, ω α τ εί εν άτταντι 19*
τω χρόνω οϋ τω ς εΐχ εν ώ στε τό έτερον άλη θεύεσθαι, άν α γ κ αΐον
ήν τοντο γ ενεσ θαι, κ α ί έκ α σ τ ο ν τω ν γενομένων α ε ί ο ΰ τω ς εχειν
ώστε? εξ ανάγκη ς γενεσθαι· ο r e γάρ αληθώ ς ε ίπ ε τ ις ο τ ι
εσ τ α ι, ούχ οΐόν τ ε μη γενεσθαι· κ α ί τ ο γενόμενον αληθές ήν 5
είπ ειν α ε ί ο τ ι εσ τα ι.
Ε ί δή τ α ϋ τ α αδ ύ νατα, -όρ ώ μ εν γ ά ρ ο τ ι εσ τιν αρχή
τω ν έσομένω ν κ α ί α π ό τον β ου λεύ εσθαι κ α ί από τ ο ν π ρ α ξ α ΐ
τ ι, κ α ί ο τ ι δλω ς εσ τιν εν τ ο ις μή α εί ενεργοΰσι τ ό δυνατόν
εΐναι κ α ί μ ή , εν ο ϊς αμ φ ω εν δέχ εται κ α ί τό είν α ι κ α ί τ ό ίο
μή εΐν αι, ώ σ τ ε κ α ί τ ό γ εν εσ θ α ι κ α ί τ ό μή γενεσθαι·
κ αί π ολλά ή μϊν δή λά εσ τιν οϋ τω ς εχοντα, οΐον ο τ ι τ ο υ τ ί τό
ίμ ά τιον δυνατόν έ σ τ ι διατμ η θή ναι κ α ί ού δ ιατμ η θ ή σ εται, άλλ’
έμ προσθεν κ α τα τρ ιβ ή σ ετα ι· ομ οίω ς δε κ α ί τ ό μή δ ια τμ η θήναι δ υ ν α τ ό ν ου γ ά ρ αν υπή ρχε τ ό εμ προσθεν αύ τό κ α τ α - ϊ 5
τριβή ναι, ε ’ί γ ε μή δυνατόν ήν τ ό μή διατμηθήναι· ώ σ τε κ α ί
επ ί τω ν άλλων γενέσεω ν, ο σ α ι κ α τ ά δύναμιν λ έγ ον τα ι τήν
τοιαντη ν— φανερόν ά ρ α ο τ ι ούχ ά π α ν τ α εξ ανάγκη ς οϋ τ εστιν
οΰτε γ ίγ ν ετα ι, άλλα τ ά μεν όπ ότερ' ετυχε κ α ί ούδέν μάλλον
ή ή κ α τ ά φ α σ ις ή ή άπ όφ α σ ις αληθής, τ ά δε μάλλον μ εν κ α ί αο
ώ ς επ ί τ ό πολύ θάτερον, ού μήν άλλ’ εν δέχ εται γ εν εσ θ α ι κ α ί
θάτερον, θάτερον δ ε μή.
Τό μεν ούν εΐνφι τ ό ον 'όταν fj, κ α ί τ ό μή ον μή εΐναι
35 όποτερονοΰν Β : [Τ1]
fy αύτων άληθ& α
3^ καταφήσγι+η
ΒΓα&·
39 ~Φ&θτ}ναι bis η : άποφάναι y καταφάναι (-φανθηναι bis Β)
Β/1Γ
ι ga2 τω οιϊι. Βα ί [Τ']
\ ο τε] οτε 'Γ*
ς γινόμενον Βα^:
[Τ 1]
8 alt. άπο τον om. ΐϊΛ : * a c
10 μή-^-όμοΙως Β 27α
alt. το
om. η : βα ° : [Λ]1 3 « m om. Γ ,ίΣ
15 κατατριβήναι αύτό noF :
[Γί]
20 prius rj om. ηΒα
ζι το om. oF,?B: [Τ1]
141-58
F
ΐδ
Da Interpretação
nem nos esforçarmos de maneira que, se fizéssemos isso, isso
viesse a acontecer, mas se não fizéssemos isso, isso não acontecesse.
Com efeito, nada impede que alguém possa predizer dez
mil anos antes que isso acontecerá e fulano que isso não acontecerá,
de modo que fosse verdadeiro dizer, já naquele momento, que uma
35
das proposições viria a acontecer necessariamente. Também não
importa o seguinte: se se assertam proposições contraditórias ou
não. Com efeito, é evidente que as coisas existem de uma maneira
tal, mesmo que alguém não as afirme ou negue. Com efeito, não
é pelo afirmar ou pelo negar que serão ou não serão, nem que [se
afirme ou se negue] dez mil anos antes ou em qualquer outro tempo. 1 9a 1
Por conseguinte, se durante todo o tempo essas coisas existiam
assim, de modo que uma das duas contraditórias era verdadeira,
era necessário isso acontecer e cada um dos eventos sempre se dar
de modo que se produzisse da necessidade. Com efeito, aquilo que
alguém disse verdadeiramente que será não pode não acontecer e
5
o que já aconteceu era verdadeiro dizer anteriormente sempre que
«·
/»CQ
isso sera.
E se essas coisas são absurdas, vemos, com efeito, que o
princípio das coisas futuras em parte é proveniente do deliberar
e do agir e que, de maneira geral, nas coisas que não são sempre
em ato60 existe sempre o ser possível e o não ser possível, nelas
10
ambos podem ser: tanto o ser quanto o não ser, por conseguinte
também o que acontecerá e o que não acontecerá, e vemos que são
assim muitas coisas evidentes para nós, por exemplo, [vemos] que
esta roupa aqui se pode cortar em dois pedaços, embora não venha
a ser cortada, pois antes disso será usada. Da mesma maneira, é
15
possível não ser cortada. Com efeito, não haveria como ela própria
ser usada, se não fosse possível que ela não estivesse cortada.
Assim também no que concerne aos outros acontecimentos, todos
os que são ditos conforme tal possibilidade. É evidente, então, que
nem todas as coisas são nem acontecem da necessidade, mas umas
sucedem de uma forma ou de outra, e aqui não é mais verdadeira
20
a afirmação ou a negação, ainda que, quanto a elas, também uma
das duas ocorra mais, como na maior parte dos casos; todavia, é
possível uma das duas acontecer ou não acontecer.
'9
Aristóteles
19*
ΠΕΡΙ
ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ
όταν μη fj, ανάγκη· ού μ ίν το ι ο ντε τό δν artαν ανάγκη είναι ovre
25 τ ό μη ον μη είναι· -ο ύ γ ά ρ ταύ τόν εσ τ ι το δν ατταν είν αι εξ
ανάγκη ς o r e εστιν, κ α ί τ ό απ λ ώ ς είναι εξ ανάγκης· ομ οίω ς
δε κ α ί 67τί τον μη ό ν τ ο ς - κ α ί έπ ΐ της άντιφ άσεω ς ό αυτός
λόγος· είν αι μεν η μη είναι ατταν ανάγκη, κ α ι 'έσεσθαί γ ε
η μή· ού μ εντοι διελόντα γ ε ειπ εΐν θάτερον άναγκαΐον.
λέγω
30 δε ο Ιον ανάγκη μεν εσ εσ θ α ι ναυμ αχίαν αΰριον η μη εσ εσθ αι,
ού μ εντοι γ ενέσ θαι αΰριον ναυμαχίαν άναγκαϊον ούδε μη
γενεσθαι· γ εν εσ θα ι μ εντοι η μη γενεσθαι άναγκαϊον. ώ σ τε,
ε π εϊ ομ οίω ς ο ί λόγοι αλη θείς ώ σ π ερ τ ά π ρ ά γ μ α τα , δήλον δ τι
ό σ α οϋ τω ς 'έχει ώ σ τ ε δ π ότερ’ ετυ χ ε κ α ι τ ά εναντία ενδέχεσθαι,
35 ανάγκη ομ οίω ς έχειν κ α ι την άν τίφ α σ ιν δπ ερ συμβαίνει επ ί
τ ο ΐς μη α ε ί οΰσιν η μη αεί μη οΰσιν· τούτω ν γ ά ρ ανάγκη μεν
θάτερον μόριον τη ς άντιφ άσεω ς αληθές είναι η φεΰδος, ού
μ ένται τόδε η τ ό δ ε άλλ’ ό π ό τ ερ ’ ετυχα>, κ α ί μάλλον μεν
άληθή την ετέραν, ού μ εντοι ήδη αληθή η ψευδή, ώ στε δήλον
19b ότι ούκ ανάγκη π ά σ η ς κ α τ α φ ά σ εω ς κ α ί άπ οφ ά σεω ς τω ν αντι­
κείμενω ν την μεν αληθή την δε ψευδή είναι· ού γ ά ρ ώ σ π ερ
επ ί τω ν οντω ν οΰ τω ς 'έχει κ α ί επ ί τω ν μη οντων, δυνατών
δ ε είναι ή μη είν αι, άλλ’ ώ σ π ερ εΐρη τα ι.
5
'Ε π εί δε εστι τΐ κ α τ ά τινός ή κατάφ ασ ις σημαίνουσα, 10
τοΰ το δ' εσ τιν ‘η όνομα ή τ ό ανώνυμον, εν δ ε δ ε ι είναι κ α ί κ α θ ’
ενός τό εν τ ή κ α τ α φ ά σ ει (τό δέ δνομ α εϊρη τα ι κ α ί τό άνώνυμον
π ρ ό τ ερ ο ν τ ό γ ά ρ ούκ άνθρω πος όνομ α μεν ού λέγω αλλά αό­
ριστον όνομ α, -e v γ ά ρ π ω ς σημαίνει α ό ρ ισ τ ο ν ,- ώ σ π ερ
ίο κ α ί τ ό ούχ υγιαίνει ού ρή μ α), έσ τ α ι π α σ α κ ατάφ ασ ις
ή ε ξ ονόμ ατος κ α ί ρή μ ατος ή ε ξ αορίστου ονόματος καί
24
λ όγος
μ ε ν τ ο ι] μ η ν
om . η
3°
χ ία ν α ΰ ρ ιο ν η Α Σ α
ό η ό τερ ο ν Β :
η : [Γ ]
η μ η ε ίν α ι
όνομα
[ Τ ']
Δ Σ α ,ά
α ό ρ ισ τ ο ν ο
Β : [Τ ’]
2 5
fte v + ^ n
33
ο ν -\-α ν ά γ κ η Δ Σ Λ α .
γ ο ’έ σ θ α ΐΐ ϋ σ ε σ ΰ α ί γ ί
34
ο ίλ ό γ ο ι ο μ ο ίω ς η
ig b i
g
μ η
31
κ α ϊ\ η
Δ Σ Λ
.6
α ό ρ ισ τ ο ν
κ α τ ά φ α σ ις -] - κ α ι ( η Σ ) ά ν ό φ α σ ις
20
ο αΰτο Γ
να υμ α­
ε τ υ χ ε + ε ίν α ι Λ α
p r iu s η o m . Δ Γ : * α °
σ η μ α ίν ε ι- ] - κ α ιτ ό Β Σ α ° : - ] τ τ ό
ΙΟ ρ ή μ α - } - ά λ λ ’
2 7 —8
Β : [ Τ ']
α : [Δ Λ Γ ]
ρήμ α
Β Σ Λ :
Β Δ Σ α^: *oc
3
α ό ρ ισ τ ο ν
λ έγω
^
κ α ί]
άλλ'
D a Interpretação
E necessário então ser isso o que é, quando é, e o que não é
25
não ser, quando não é. Em verdade, não é absolutamente necessário
nem o que é ser nem o que não é não ser. Com efeito, não é o
mesmo dizer que tudo o que é, necessariamente, é, quando é, e
dizer que o ser simplesmente é, de maneira necessária.61 E o mesmo
ocorre ao que não é. Demais, cabe o mesmo discurso sobre o par
de proposições contraditórias. Necessariamente, tudo é ou não é,
e será ou não será. Em verdade, não é em dividir62 que se pode
dizer que uma das duas alternativas é necessária. Digo, por exemplo,
30
que, necessariamente, acontecerá uma batalha naval amanhã ou
não acontecerá; em verdade, nem acontecerá necessariamente
a batalha naval amanhã, nem necessariamente não acontecerá.
Todavia, acontecerá ou não acontecerá necessariamente. Por con­
seguinte, uma vez que os discursos63 verdadeiros são, de uma
maneira semelhante, conforme os fatos, é evidente que todos esses
são de um modo tal que sucedam de uma maneira ou de outra e que
35
os contrários possam admitir-se. E o mesmo se deve passar com a
contradição [ou o par de proposições contraditórias] ,64 Exatamente
isso é o que sobrevêm às coisas que nem sempre são ou às coisas
que nem sempre não são.65 A propósito dessas coisas, é necessário,
com efeito, que uma ou outra parte do par de contraditórias
seja verdadeira ou falsa. Em verdade, não é esta ou aquela, mas
poderia suceder qualquer uma das duas, mesmo que uma seja mais 19b 1
verdadeira66 do que a outra, não é ainda absolutamente verdadeira
ou falsa. Por conseguinte, é evidente não ser necessário que, de toda
afirmação e negação, que se opõem entre si, uma seja verdadeira e
a outra seja falsa. Com efeito, como já se dissera, para as coisas que
podem ser e não ser, não se aplica o que se aplica às coisas que são
e não são.67
X
Portanto, é a afirmação o que significa alguma coisa [dita]
de alguma coisa, e esta é ou um nome ou o que não tem nome. No
que concerne à unidade,68 é necessário, na afirmação, que a coisa
una seja [dita] de uma coisa una (anteriormente, já se dissera o que
é o nome e o que é que não tem nome. Com efeito, digo que não
2l
5
Aristóteles
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ
ρή μ ατος,
19^
άνευ Sè ρ ή μ α το ς ού δ εμ ία κ ατάφ ασ ις οΰδ’ άπάφ ασις-
το γάρ εστιν η έσ τ α ι ή ήν ή γ ίγ νεται ή ο σ α άλλα τοια ΰ τα ,
ρ ή μ α τα έκ τω ν κειμένω ν ε σ τ ίν π ρ οσ αη μ αίνει γ ά ρ χρόνον, w are
πρώ τη κατάφ ασ ις κ α ί ά π άφ ασ ις το εστιν άνθρω πος - ούκ
εστιν άνθρω πος, ε ΐτ α εστιν ούκ άνθρω πος - ούκ εστιν ούκ άνθρω ­
π ος, πάλιν εσ τι π α ς άνθρω πος - ούκ εσ τ ι π α ς άνθρω πος, εσ τι π α ς
ούκ άνθρω πος - ούκ εσ τ ι π α ς ούκ άνθρωπος· κ α ί επ ί τω ν εκ τός δε
χρόνων ο αυ τός λόγος.
"Ο ταν δε το εστι τρίτον π ρ ο σ κ α τη γ ορηθη, δίχω ς λέγονται a t αντιθέσεις, λέγω Sè oîov εσ τ ι
δίκαιος άνθρω πος, τ ο εσ τ ι τρ ίτον φημί σ υ γ κ εΐσ θ α ι ονομα η
ρή μ α έν τη κ α τα φ ά σ ει. ώ στε δ ιά τοΰ το τ έτ τ α ρ α έσ τ α ι ταΰτο.,
ων τα μεν δύο π ρος την κ ατάφ ασ ιν κ α ί άπ όφ ασιν εξ et κ α τ ά
Χ5
ig
ig
ζο
τ ο στοίχουν ώ ς a i σ τερή σ εις, τ α Sè δύο ον· λέγω Sè οτι τ ο έατιν
η τφ δ ικ αίω π ρ ο σ κ είσ ετ α ι ή τ φ ού δ ικ α ίω , ώ στε κ α ί ή α π ό - 25
φ ασις. τ έ τ τ α ρ α ούν έσ ται. νοω μεν δ ε τ ο λεγόμενον εκ τω ν υπ ο­
γεγραμ μ ένω ν■ έ ο τ ι δ ίκ α ιο ς άνθρω πος —ά π άφ ασ ις τού τον , ούκ
εσ τ ι δ ίκ α ιο ς άνθρωπος' έα τιν ού δ ίκ α ιο ς ά ν θ ρ ω π ο ς -τ ο ύ τ ο υ ά π ό φ ασις, ούκ έα τιν ού δ ίκ α ιο ς άνθρω πος, το γ ά ρ έατιν ένταΰθα κ αί
το ούκ εστιν τ ω δ ικ αίω κ α ί τ φ ού δ ικ α ίω π ρ ό σ κ ειτ α ι. τ α ν τ α μεν 30
οΰν, ώ σ π ερ εν to Js Ά ναλ ντικ οϊς λ έγ εται, οΰτω τ έτ α κ τ α ι.
ομ οίω ς δε έχ ει καν καθόλου τ ο ΰ ονόμ ατος rj ή κ ατάφ ασ ις, oîov
π ά ς έστίν άνθρω πος δ ίκ α ιο ς - [άπ ά φ α σ ις] ού π α ς εστίν άνθρω πος
δίκ αιο ς, π ά ς εστίν άνθρω πος ού δ ίκ α ιο ς - ού π α ς έστίν άνθρω πος
ού δίκαιος, πλήν ούχ ομ οίω ς τ ά ς κ α τ ά διάμ ετρον εν δέχ εται 35
συναληθεύεσθαι, εν δέχ εται δε π ο τ έ . α ΰ τ α ι μεν οΰν δύο άντί-
12 οΰδ’] rj Δ Σ Λ : *α °: [-Γ]
15 πρώτ-η-χΕσται Β
ι8 Sè om.
η,ίΔ Λ Γ
ig προακατηγορηται ήδη ΒΑΣα^ς
22 ταΰτα (σται α ’\}/\ΑΓ
2ζ et 30 δικαίω (quater)] ίνϋρώπω Alex. Aphr., Herminus, Porph. teste
Boethio, multi teste Amm. : *s
26 νοοΰμα> Β / 1αΑ ; \ΔΣΓ]
30
προσκείσεται (ante και pos. ΒαΑ)Β/Ι
3 1 λέγεται] είρηται !Λ , ?Philop. :
V
32
α: *s
33~4 tis δίκαιος άνθρωπος η
33 άπάφασις
-{'τούτον ΒΡα : om. Λ
36 συναληθευειν aacAs : άληθεΰεσθαι nacF:
[Τ1]
άντίκεινται (-κειται B'l-j-aAArjAais Σ : *α°
22
D a Interpretação
liomem não é nome mas nome indefinido; com efeito, significa
alguma coisa de alguma maneira indefinida, como também o
não gozar de boa saúde não é um verbo), por conseguinte toda
afirmação será oriunda de um nome e verbo ou de um nome e
verbo indefinidos. Sem verbo, não há nenhuma afirmação nem
negação.
Das explicações já postas, verbo é o “é”, o “será”, o “tor­
nar-se” e todos quantos são desse tipo, pois eles, para além do
que significam, marcam o tempo. Por conseguinte, é a afirmação
primeira (e a negação): “o homem é” // “o homem não é”; depois,
“o não homem é” // “o não homem não é”; em seguida, “todo ho­
mem é” // “todo homem não é”; “todo não homem é” // “todo
não homem não é”.69 E cabe o mesmo discurso para as construções
fora do tempo [presente].
Sempre que o “é” seja atribuído como o plus, como o
terceiro [termo],70 as oposições são expressas de duas maneiras.
Ao declarar, por exemplo, que o homem é justo, considero ser o
“é” o terceiro a compor a afirmação, quer seja nome ou verbo. Por
conseguinte, por isso, quatro são as proposições, das quais duas se
referem à afirmação ou à negação, segundo uma sequência, como
as privações, mas as outras duas não. Digo que o “é” se acresce ao
justo ou ao não justo, e da mesma forma ocorre a negação. Quatro
são, dessa maneira, as proposições. Compreendemos o que está a
ser dito pelo que está exposto abaixo:71
(a) “O homem é justo” - e sua negação (b) “O homem não
é justo”
(c) “O homem é não justo” - e sua negação (d) “O homem
não é não justo”.
Aqui o “é” e o “não é” se acrescem ao justo ou ao não justo.
Portanto, essas proposições são arrumadas da mesma forma que
estão expressas nos Analíticos .72
Igualmente há de suceder se a afirmação for universal no
que concerne ao nome, por exemplo:
(a) “Todo homem é justo” - [e sua negação] (b) “Nem todo
homem é justo”
Aristóteles
19»
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑΣ
κειντα ι, άλλαι δέ Ttpos τό ούκ άνθρωπος ώς υποκείμενόν τι.
προστεθέντος * Han δίκαιος ούκ άνθρω ποί - ούκ έστι δίκαιος ούκ
άνθρωπος, έστιν ού δίκαιος ούκ άνθρωπος - ούκ έστιν ού δίκαιος
2 0 a ούκ άνθρω πος, πλείον$ 8e τού τω ν ονκ £σονται αντιθέσεις' α ν τα ι
§€ χ ω ρ ίς
εκείνων αύταΐ καθ’ αύτάς είσιν, ώ ς όνόματι τω
3 ούκ άνθρωπος χρώ μεναι.
» ΤΆ! » «
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1
Μ
\ <
/
&φ οσων όε το εσ τι μ η αρματτει,
οΐον επ ί του ΰγιαίνειν κα ί β α δίζειν, ε π ί τούτω ν το αυτό π ο ιεΐ
5 οΰτω τιθέμενα ώς αν ε ί τό εστι προσήτττετο· οΐον υγιαίνει π ας
3
άνθρωπος - ούχ υγιαίνει πας άνθρωπος, υγιαίνει πας ούκ άν­
θρωπος - ούχ υ για ίνει πας ούκ άνθρωπος· ού γάρ εσ τι τό ού πας
άνθρωπος λεκτέον, άλλα. τό οϋ, την άπόφασιν, τω άνθρωπος
προσθετέον τό γάρ πας ού τό καθόλου σημαίνει, άλλ’ οτι καθιο όλου- δήλον δέ εκ τοΰδε, υ για ίνει άνθρωπος - ούχ υγιαίνει άν­
θρωπος, υγιαίνει ούκ άνθρωπος —ούχ υγιαίνει ούκ άνθρωπος·
ταντα γάρ εκείνων διαφέρει τω μ ή καθόλου· ώ στε τό πας
η μ ηδείς ούδεν άλλο προσσημαίνει η οτι καθόλου τοΰ ονόματος
κατάφησιν η άπόφησιν· τά οΰν άλλα τά αύτά δ ε ι προστι15 θέναι.
Έ π ε ι δ’ εναντία άπόφασίς εσ τι rfj άπαν έσ τι ζωον δ ί­
καιον ή σημαίνουσα ότι ούδέν έσ τι ζωον δίκαιον, αΰται μεν φα­
νερόν ότι ούδέποτε έσονται οϋτε αληθείς άμα οϋτε έπ ι τοΰ αύτοΰ,
α ί δέ αντικείμεναι ταύταις έσονται ποτέ· οΐον ού παν ζωον
so δίκαιον και έστι τ ι ζωον δίκαιον, άκολουθοϋσι δ’ αϋται, τ β μεν
πας έστίν άνθρωπος ού δίκαιος ή ούδείς έστιν άνθρωπος δίκαιος,
37 δ^+διίο BaF : ° a cs ,
3^ προατεθέντος (-\-iotov ΑΛ)] -Βίν/// ηΒ:
-Bivres s : -Θ4ν aF : “ α °: [ΔΣΓ]
20*I ΐίοιν ηΑΓ: *ο°
2 hcetvw
χωρίς η : [Τ ']
eaovrai ΒΑα
3 προσχρώμεναι Έί^αΑ·: [ΣΛΓ] 4 νγιαίνα
. . . βαδίζει Β : 0g: [ΔΣΓ]
το om. η : *s
5 ’Π-θίμενον ΒΑΣς
οΐον
-\rianv ύγιαίνων πας άνθρωπος ηα^
6 prius άνθριovos-\-ΐστιν ούχ
ύγιαίνων nas άνθρωπος
ηαΑα°
13 τό μηδείς Σ ι *α °: [Λ]
ονό­
ματος-}-ή ΒΑΛα^14 bis -φήσειν a,^F: }-φάναι
Δ : -φααιν ΣΓα^:
-φασις α°^
οδί>] Se
Β 71 17 ζψόν ecm η
20—1 η . . . τρ ϊΊ
21 ούδάς . . . δίκαιοί . . . ttS s . . . ού δίκ. ηΑαprius earlv ante ή
pos. BA
24
D a Interpretação
(c) “Todo homem é não justo” - [e sua negação] (d) “Nem
lodo homem é não justo”.
Não é admissível aqui - pelo menos da mesma maneira que
anteriormente - que as proposições em diagonal sejam verdadeiras
ambas, mas isso pode ocorrer alguma vez. Essas, portanto, se
opõem como dois pares, mas outras há quando se junta alguma
coisa ao não homem na condição de sujeito:
(a) “O não homem é justo” - [e sua negação] (b) “O não
homem não é justo”
(c) “O não homem é não justo” - [e sua negação] (d) “O não
homem não é não justo”.73
Não existirão mais oposições que essas. As últimas são, por
elas próprias, distintas das outras pelo fato de se servirem do não
homem como nome.74
Em todas as proposições às quais o “é” não se ajusta, por
exemplo, no caso de alguém convalescer ou caminhar, [a expressão]
assim colocada produz75 o mesmo efeito do “é” como se ele fizesse
a ligação. Por exemplo:
(a) “Todo homem convalesce” - [e sua negação] (b) “Todo
homem não convalesce”
(c) “Todo não homem convalesce” - [e sua negação] (d) “Todo
não homem não convalesce”.
Com efeito, não é o não todo homem que deve ser dito,
mas o não, a negação, que deve ser acrescentado ao homem. Com
efeito, o todo não significa o universal, mas que esse é considerado
universalmente. Isso é evidente no seguinte:
(a) “O homem convalesce” - [e sua negação] (b) “O homem
não convalesce”
(c) “O não homem convalesce” - [e sua negação] (d) “O não
homem não convalesce”.
Essas proposições diferem das outras pelo fato de não
serem consideradas universalmente. Por conseguinte, o todo ou
o nenhum não significam nada mais senão que a afirmação ou a
negação do nome [sujeito] são consideradas universalmente.
Iodas as outras partes da proposição devem ser acrescentadas
permanecendo as mesmas.
Aristóteles
Π ΕΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
20*
rfj δε ε σ η n s δίκαιο? άν θ ρ ω π ο ί ή άντικειμένη ο τ ι ού π α ς
εστιν άνθρω πος ού δίκαιος· ανάγκη γ ά ρ είν α ι τινα. φανερόν δε
ο τ ι κ α ι ε π ί μεν τω ν καθ' έκ α σ τ ο ν , ε ί αληθές ερω τη θ εντα ά π ο φ ή σαι, ο τ ι κ α ι κ αταφ η σ αι αλη θές, οΐον α ρ ά γ ε Σ ω κ ρ άτη ς 25
σ οφ ό ς; οϋ· Σ ω κ ράτη ς ά ρ α ον σοφ ός, επ ί δε τω ν καθόλου ούκ
αληθής ή ομ οίω ς λεγομενη, αληθής δε η άπ όφ α σ ις, ο ΐο ν αρ ά
γ ε π α ς άνθρω πος σ οφ ό ς; ον- π α ς ά ρ α άνθρω πος ού σοφόςτ οΰ το γ ά ρ φεΰδος, αλλά το ού π α ς ά ρ α άνθρω πος σοφός
αΰτη δε εστιν ή άντικειμ ένη , εκείνη δε η εναντία.
A i δ ε κ α τ ά τ α α ό ρ ισ τ α άντικ είμ εναι ον όμ α τα κ α ι ρή ­
μ α τ α , οΐον επ ί του μη -άνθρωπος κ α ί μη δ ίκ αιο ς, ώ σ π ερ α π ο ­
φ άσεις άνευ ονόματος κ α ί ρή μ α το ς δόξαιεν αν εΐναι· ούκ είσί
δε- ά ε ί γ ά ρ άληθευειν ανάγκη η φ εύδεσθαι την άπόφ ασιν,
ό δ ’ είπ ώ ν ούκ άνθρω πος ούδεν μάλλον το ΰ άνθρω πος
άλ λα κ α ί ήττον ήλήθευκε τ ι η εφ ευ σ τα ι, εάν μή τ ι προστεθη .
ση μ αίνει δ ε τ ο εσ τ ι π α ς ούκ άνθρω πος δ ίκ α ιο ς ού δ εμ ιά εκείνων
ταύ τόν, οΰδ’ ή άντικειμένη τ α ν τ η ή ούκ εσ τ ι π α ς ούκ άνθρωπος
δίκαιος· τ ο δε π α ς ού δ ίκαιος ούκ άνθρω πος τ ω ού δείς δίκαιος
ούκ άνθρω πος ταύ τόν σημαίνει.
Μ ετατιθέμ ενα δε τ α ο ν ό μ α τα κ α ί τ α ρ ή μ α τ α ταύτόν
3°
35
4°
20*1
ση μαίνει, οΐον εσ τι λευκός άνθρω π ος —εστιν άνθρω πος λευκός·
εί γ ά ρ μή τοϋ τό εστιν, τ ο ΰ α ύ τοΰ πλείους εσ ο ν τα ι απ οφ άσεις,
άλλ’ εδ έδ εικ το ο τ ι μ ία μ ιας. τ ο ν μεν γ ά ρ εσ τ ι λευκός άνθρω ­
π ο ς άπ όφ ασις τό ούκ εσ τ ι λευκός άνθρω π ος■ το ΰ δε εστιν άν- 5
θρω πος λευκός, εί μή ή αυτή ε σ τ ι τη εσ τ ι λευκός άνθρωπος,
εσ τ α ι άπ όφ ασις ή τοι το ούκ εσ τιν ούκ άνθρω πος λευκός ή τό
ούκ εστιν άνθρω πος λευκός,
άλλ’ ή έτ έρ α μεν εστιν ά π ό -
φ ασις του εστιν ούκ άνθρω πος λευκός, ή ετ ερ α δε τοΰ
εσ τ ι λευκός άνθρω πος, ω σ τ ε εσ ο ν τα ι δυο μ ιας. οτι μεν ίο
22 άνθρωποί δίκαιοί
23 άνθρωποί ècrnv ΒΔ : *α°
24
καί ότι ηα: ότι s,?/!
piv ?om. Τ ' : #s
ίκ α σ τ α Βα^: *s: [Τ’]
29
άρα οιώ. η
3° Sf-|-ye η : [Τ']
35
εΐ-πόντοί Δ ΣΓ
$6 prius
τι om. Λα
39~4° °ϊ’κ άνϋρω -nos δίκαιοί ηΣ
20*^4 δ έδ α κ τα ι α : [Τ']
7 1J άπόφασίί η: [Τ']
8 λευκοί άνθρωποί ΔΣΓα
ζ6
f
D a Interpretação
Uma vez que a negação contrária à proposição “todo
animal é justo” é a que diz que “nenhum animal é justo”, fica
evidente que elas não serão jamais verdadeiras simultaneamente,76
a respeito de um mesmo aspecto, mas as opostas alguma vez. Por
exemplo, “nem todo animal não é justo” e “algum animal é justo”.77
20
E as proposições se seguem da seguinte maneira: à proposição
“todo homem é não justo” segue-se “nenhum homem é justo”.
À proposição “algum homem é justo” segue-se a oposta “nem
todo homem é não justo” (com efeito, é necessário que exista
um).78 É evidente também a propósito dos [sujeitos] singulares79
que, ao se colocar uma pergunta, se é verdadeiro negar, também
será verdadeiro afirmar, por exemplo: “Sócrates é sábio?” “Não.
25
Sócrates é não sábio”.
Quanto aos sujeitos universais, se a pergunta80 for colocada
de maneira semelhante, a afirmação não será verdadeira, mas a
negação será verdadeira, por exemplo: “Todo homem é sábio?”
“Não. Todo homem é não sábio”. Com efeito, essa resposta é falsa,
mas a seguinte: “Nem todo homem é sábio”81 é verdadeira. Essa é a
30
oposta; aquela, a contrária.
As expressões opostas formadas por nomes ou verbos
indefinidos, como não homem ou não justo, poderiam passar por
negações sem nome ou sem verbo. Todavia, não são isso. Com
efeito, é necessário a afirmação ser sempre ou verdadeira ou falsa.
Aquele que não disse nada mais que não homem, se não tiver
35
acrescido alguma expressão,82 não terá dito alguma coisa menos
verdadeira ou menos falsa do que aquele que disse apenas homem.
A proposição “todo não homem é justo” não significa o mesmo
que nenhuma das proposições anteriores, nem a sua oposta “nem
todo não homem é justo”.83 Porém, “todo não homem é não justo”
significa o mesmo que “nenhum não homem é justo”.84
40
Os nomes e os verbos, até quando são trocadas as suas 20b l
posições, significam o mesmo, por exemplo: “o homem é branco” e
“branco é o homem”. Com efeito, se não é isto, existirão negações85
a mais para uma mesma afirmação, mas já ficou demonstrado que
é uma para cada uma. É, pois, a negação de “o homem é branco”, “o
homem não é branco”; e de “branco é o homem”, se não é a mesma
5
27
Aristóteles
20b
ΠΕΡΙ
ΕΡΜ ΗΝ ΕΙΑΣ
ούν μ ετατιθεμ ένου το ΰ ονόμ ατος κ α ι του ρ ή μ α το ς ή αύτή
γ ίγ ν εται κατάφ ασ ις κ α ι άπ όφ α σις, δήλον. τ ο δέ εν κ α τ ά I I
πολλών η π ολλά καθ' ενός κ αταφ άναι ή άπ οφ άναι, εάν
μη ev τ ι η τό εκ τω ν πολλώ ν συγκείμενον, ούκ εσ τ ι
ΐ5 κα τά φ α σ ις μ ία ούδε α π ό φ α σ ή , λέγω δέ εν ούκ εάν ονομα
εν fj κείμενον, μη η δε εν τ ι ε ξ εκείνων, οΐον 6 άνθρωπος
Ίσως εσ τ ι κ α ι ζωον κ α ί δίπουν κα'ι ήμερον, άλλα και
εν τ ι γ ίγ ν εται εκ τ ο ύ τ ω ν εκ δε τοΰ λευκοΰ κ α ί τον ανθρώπου
κ α ι το ΰ β αδίζειν ούχ εν. ώ σ τ ε οϋ τ’ εάν εν τ ι κ α τ ά τούτων
ζο καταφ ή ση τ ις μ ία κ α τ ά φ α σ ις , άλλα φωνη μεν μ ία κ α τ α ­
φ άσεις δε π ολλαί, οϋ τ εάν κ α θ ’ ενός τ α ΰ τ α , άλλ’ ομ οίω ς
τΤολλαί. εί οΰν η ερώ τη σις ή διαλεκτική ά π οκ ρίσ εώ ς εστιν α ’ί τη σ ις, ή τής π ρ ο τ ά σ εω ς rj θατέρου μορίου τή ς άντιφ άσεω ς, ή
δε π ρ ό τ α σ ις άντιφ άσεω ς μ ια ς μόριον, ούκ αν είη μ ία ά π ό 25 κρισ ις π ρος ταΰτα· ούδε γ ά ρ η ερώ τη σις μ ία , ouS’ αν fj αλη­
θής. εϊρ η τα ι δε εν τ ο ΐς Τ οπ ικ οΐς π ερ ί αύτώ ν. ά μ α δέ δήλον
ότ ι ούδε τ ό τ ί εστιν ερώ τη σ ις εσ τ ι διαλ εκ τική · δει γ ά ρ δεδόσθαι
εκ τή ς έρω τή σεω ς έλ έσ θαι όπ ότερον β ού λ εται τή ς άντιφ άσεω ς
μόριον άποφ ήνασθαι. αλλά δεί τον ερω τώ ν τα π ροσ διορίσ αι
30 π ότερον τ ά δ ε εστιν ο άνθρω πος ή ού τούτο.
'ΕττεΙ
δε τά
μεν
κ α τ η γ ο ρ εΐτ α ι
συντιθέμενα,
ώς
εν το
παν κατη γόρη μ α τω ν χω ρίς κατηγορουμένω ν, τ ά δε ον, τ ις ή
δ ια φ ο ρ ά ; κ α τ ά γ ά ρ τ ο ΰ ανθρώ που αληθές είπ εΐν κ α ι χω ρίς
ζωον
και
χω ρίς
δίπουν,
και
ώς
εν,
και
άνθρωπον
κ αι
35 λευκόν, κ α ι ταυ θ’ ώ ς ε ν άλλ’ ούχί, εί σκυτεύς κ α ι αγαθός,
κ α ι σκυτεύς αγαθός, εί γ ά ρ , ο τ ι εκάτερον, κ α ι τό συνάμ φ ω , πολλά κ α ι ά τ ο π α εσ τα ι.
κ α τ ά γ ά ρ το ΰ ανθρώ­
π ο υ κ α ι τ ό άνθρωπος αληθές κ α ί τ ό λευκόν, ώ σ τ ε κ α ι τό
ά π α ν πάλιν εί τό λευκόν, κ α ϊ τ ό άτταν, ώ σ τ ε εσ τ α ι άν-
13
η
14 συγκείμενον] δηλοΰμενον Β : om. Λ : βα°
ι ζ~ι6
(V όνομα η ,ίΑ : *α°
ι8 τοΰ bis om. η : [Τ*]
20 καταψί) η:
[Τ']
24 άττόκριαις μία ΉΔΣαΑ
34 a^· και-\-ταΰτα ΒΣΓα
36
διότι nci: [Τ*]
εκάτερον-\-iiariv Δ :
εστιν π: -l-dM/Of's είναι Sei
ΒΣα^: -J- ?λέγεται Λ
39 λευκόν-{· αυτό Βα τά παν Β : [Τ']
ζδ
D a Interpretação
de “o homem é branco”, a negação será ou “branco não é o não
homem” ou “branco não é o homem”, mas uma das proposições
é a negação de “branco é o não homem”, a outra de “o homem é
branco”, por conseguinte haverá duas [opostas contraditórias]
para cada uma [afirmação].86 É evidente, portanto, que a mesma
afirmação e a mesma negação se produzem, quando são trocadas
as posições do nome e do verbo.
XI
Afirmar ou negar o uno a partir do múltiplo, ou o múltiplo
a partir do uno, não é afirmação una nem negação una, se o que
se forma do múltiplo não for alguma coisa una.87 Não digo haver
o uno, quando o nome posto for uno, se não houver alguma coisa
una formada pelas outras. Por exemplo, o homem é igualmente
animal, dípode e social,88 mas alguma coisa una se produz desses
[predicados]. Do branco, do homem e do caminhar não se forma
alguma coisa una. Por conseguinte, se deles alguém afirma alguma
coisa una, não se produz afirmação una, mas apenas há expressão
vocal una e várias afirmações; e mesmo que esses predicados
sejam ditos de uma mesma coisa, não se produz afirmação una,
mas igualmente se produzem várias. Se, portanto, o método de
interrogação dialética é pergunta por uma resposta, ou de uma
proposição ou de uma parte do par de contraditórias (a proposição
é também uma parte do par de contraditórias), não poderia haver
apenas uma resposta nesses casos. Com efeito, nem a interrogação
é una, mesmo que seja [a resposta] verdadeira. Já se comentara isso
nos Tópicos.89 Ao mesmo tempo, é evidente não ser “o que é” uma
questão dialética.90 É necessário, com efeito, ser permitido, pelo
método de interrogação, escolher qualquer uma das partes do par
de contraditórias que se queira enunciar. Porém, cabe àquele que
pergunta dar preliminarmente as definições, e então perguntar:91
“Isto é o homem?” ou “o homem não é isto?”
Portanto, em relação às coisas que são predicadas sepa­
radamente, umas são predicadas de forma compósita, o todo como
apenas um predicado, mas outras não. Qual é a diferença? Com
efeito, é verdadeiro dizer do homem tanto animal, separadamente,
z9
10
15
20
25
30
Aristóteles
20^
ΠΕΡΙ ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
θρω πος λευκός λευκό?, καί ταν το
εις
ά π ε ιρ ο ν
κ α ί πάλιν 40
μ ου σικός λειικός β αδίζω ν, κ α ι ταΰτα π ολ λ άκ ις π επ λεγμ ένα. 2 1 °
«τι et ό Σ ω κ ρ ά τη ς Σ ω κ ρ ά τη ς κ α ι άνθρω πος, κ α ί Σ ω κ ρ ά τη ς
άνθρω πος, κ α ι εί άνθρω πος κ α ί δίπ ονς, κ α ί άνθρω π ος δίιτους.
"Οτι μεν ονν, et τις απ λ ώ ς θή σει τ ά ς συ μ π λ οκ άς γ ί- 5
γνεσθ αι, π ολλά συμβαίνει λεγειν ά τ ο π α , δήλον- δπ ω ς δέ θετέον, λέγομ εν νΰν. τω ν δή κατη γορουμ ένω ν, κ α ί έφ ’ οΐς κ α τ η γ ο ρ εΐσ θ α ι συμβαίνει, όσα μεν λ έγ ετ α ι κ α τ ά συ μ βεβηκός ή
κ α τ ά τ ο ΰ αύτοΰ η θάτερον κ α τ ά θ ατέρου, τ α ΰ τ α ούκ έσ τ α ι
εν- οΐον άνθρω πος λευκός εσ τ ι κ α ί μ ου σικός, άλλ’ ούχ εν το ίο
λευκόν κ α ί τ ό μ ο υ σ ικ ό ν σ υ μ β εβ η κ ότα γ ά ρ άμ φ ω τ ω αντω .
ούύ' εί τ ό λευκόν μουσικόν αληθές είπ εΐν, δμ ω ς ούκ έσ τ α ι τό
μουσικόν λευκόν εν τι· κ α τ ά συ μ β εβ η κ ός γ ά ρ τ ό μ ουσικόν λευ­
κόν, ώ σ τ ε ούκ έ σ τ ά ι τό λευκόν μ ουσικόν, διό αύ δ’ 6 σκυτεύς
άπ λώ ς α γ αθ ό ς, αλλά ζφον δίνουν· ού γ ά ρ κ α τ ά συμ βεβη- ΐ 5
κός. έ τ ι οι5δ’ ο σ α ενυπάρχει εν τ ω έτέρω - διό οϋ τε τό λευκόν
π ολ λ άκ ις οϋ τε 6 άνθρω πος άνθρω πος ζωον η δ ίπ ο υ ν ενυπ­
άρ χ ει γ ά ρ εν τ ω άνθρώ πω τ ό δίπουν κ α ί τ ό ζωον. αληθές
δ’ έσ τίν είπ εΐν κ α τ ά το ΰ τινός κ α ί άπ λ ώ ς, οΐον τον τιν ά
άνθρωπον άνθρωπον η τον τιν ά λευκόν άνθρω πον λευκόν· 2 ο
ούκ α ε ί δ έ, άλλ’ όταν μεν εν τ ω π ροσκείμ ενοί τω ν αν τικ ει­
μένων τ ι ενυπάρχω οΐς έ π ετ α ι άντίφ ασις, ούκ αλη θές άλλα
φεΰδος, - ο ΐο ν τον τεθ νεώ τα άνθρω πον άνθρω πον ε ίπ ε ΐν ,- όταν
δε μη
ενυπάρχη , αληθές,
η όταν μέν ένυπάρχη ,
α εί ούκ
, όταν δ έ μή ένυπάρχη, ούκ α ε ί αληθές· ώ σ π ερ “Ο μηρός 25
ε σ τ ί τ ι, οΐον ποιητής· ά ρ Ί οΰν κ α ί εστιν, η ο υ ; κ α τ ά συμβεβηκός
21 αι πολλά η : *α°
2 εί om. ηΓ
tert. Σωκράτη;-}-Σωκράτης
j Φη°ει B<da
11 τό om. η ; [Τ’]
A ,iaF
εί om, η(Δ)ΣΓ
συμβεβηκε η : [Ζ1]
13 λευκόν (-(-καί Σ ) μουσικόν bis ηΣ, alt.
14
λευκόν-)-και ΒΑ
μουσικόν-}-εν ηΣ·. -\-ev τι ΒΔα
ο om. παΑ ! [Τ']
Ιξ αγαθός άπλως α,ΪΣΛ
αγαθόν η: [ΔΣΓ]
1 J άνθρωπος semel om.
ΒΣΓα.
ζωον] εστι ζωον αΑ : ζ. εστιν Β
η om. η
ι8 ζω ον. . . δίπουν
ΒαΑ
19 εστιν om. η Λ : *α°
2 0 tcrl. άνθρωπον-}-άνθρωπον Βα
21
προκειμένω Bad
22 φ Βα: *ac
23 άνθρωπον semel om. η
24
η\ καί Δ : η και Λ
3°
D a Interpretação
quanto dípode, separadamente, como é verdadeiro dizê-los de
modo uno,92 e também [se pode dizer separadamente] homem e
branco, e também dizê-los de modo uno. Mas daqui não se segue,
se é sapateiro e bom, que é sapateiro bom. Se, com efeito, pelo fato
de se admitir que cada um desses predicados existe, também se
admitir a unidade dos dois, muitos serão os absurdos. Com efeito,
do homem é verdadeiro dizer tanto o homem como o branco, por
conseguinte também é verdadeiro o todo93 [compósito]. Por sua
vez, se há o branco e o todo [compósito], há também “o homem
branco branco”, e assim até o infinito. Por sua vez, músico, branco 2ia
e caminhante, também eles podem ser articulados muitas vezes. E,
ainda, se o Sócrates é Sócrates e homem, também ele é Sócrates-homem, e se é homem e dípode, também é ele homem-dípode.
É evidente, portanto, que alguém vai dizer muitos absurdos,
se supuser que as complexões sucedem absolutamente. De que
maneira isso deve ser, é o que agora vamos dizer. Em relação aos
predicados e àquelas coisas que os recebem, todas as coisas quantas
se dizem acidentalmente,94 seja de uma mesma coisa seja de uma
em referência a outra, não serão uma unidade. Por exemplo, o
homem branco é músico, mas o branco e o músico não constituem
uma unidade. Com efeito, ambos são acidentes em referência à
mesma coisa. E se for verdadeiro dizer que o branco é músico,
não serão, ainda assim, esses [predicados] alguma coisa una. Com
efeito, o músico é branco por acidente, de maneira que não será
o branco músico [uma unidade]. Por conseguinte, também não
é o sapateiro, absolutamente, bom, mas o animal é dípode e, com
efeito, não por acidente.
E, demais, isso também não sucede para todas aquelas
coisas que subsistem uma na outra.95 Por isso não se diz o branco
inúmeras vezes nem se diz ser o homem homem animal ou homem
dípode. Com efeito, o dípode e o animal subsistem no homem.96
É verdadeiro falar de um caso particular, mesmo de maneira abso­
luta. Por exemplo, o homem individual é homem, o homem indi­
vidual branco é branco, mas isso nem sempre é verdadeiro, como
quando naquilo que se acrescenta subsiste algum dos opostos aos
quais se vincula a contradição. Não é verdadeiro, mas falso, dizer, por
Aristóteles
21“
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ ΗΝΕΙΑΣ
γ ά ρ κ α τ η γ ο ρ εΐτ α ι το ίσ τ ιν τ ο ν Ό μ η ρ ο ν ό τ ι γ ά ρ π οιη τή ς εατιν,
άλλ’ ον καθ' αυ τό, κατη γορεΐται. κ α τ ά το ΰ Ό μ η ρ ο υ το έστιν.
ω σ τ' εν ο σ α ις κ α τ η γ ο ρ ία ν μ ή τε εναντιότης ένεστιν, εάν λόγοι
ονομ άτω ν λ έγ ω νται, κ α ί καθ' α υ τ ά κ α τη γ ορ η τα ι κ αί
30 άν τ
μη κ α τ ά σ υμ βεβ η κός, επ ί τούτω ν τ ο τ ΐ κ α ί απ λ ώ ς αληθές
ε σ τ α ι ειπ εΐν. τ ο δε μη ον, ο τ ι δοζαα τόν, ούκ αληθές ειπεΐν ον
£//*
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ί/ »
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τ ι· οοςα γαρ αντου ουκ εστιν ο τι ςστιν, αλλ οτι ουκ ζστιν.
Τ ούτω ν δε δ ω ρ ισ μ έν ω ν σκεπ τέον οπ ω ς εχουσιν α ί ά π ο - 12
35 φ άσεις κ α ι κ α τ α φ ά σ εις π ρ ο ς άλλήλας α ί το ΰ δυνατόν είναι
κ α ι μη δυνατόν, καί. ενδεχόμενον κ α ί μη ενδεχόμενον, κ α ί
π ε ρ ί τ ο ΰ αδυνάτου τ ε κ α ί αναγκαίου· εχ ει γ ά ρ α π ο ρ ία ς τινάς.
εί γ ά ρ τω ν συμπλεκόμενω ν α ΰ τ α ι άλλήλαις άντίκ εινται α ί αν­
τιφ άσ εις, ο σ α ι κ α τ ά τ ό είν αι κ α ί μη είναι τ ά τ τ ο ν τ α ι, οΐον
21ι>τ ο ΰ εΐν α ι άνθρω πον άπ όφ α σις τ ό μη είναι άνθρω πον, ού τό είν αι
μη άνθρω πον, κ α ί τοΰ εΐναι λευκόν άνθρωπον τ ό μη εΐναι λευ­
κόν άνθρω πον, άλλ’ ού τ ό εΐναι μη λευκόν άνθρω πον, - ε ί γ ά ρ
κ α τ ά π α ν τό ς η κ ατάφ ασ ις η η άπ όφ α σις, τ ό ζύλον εσ τ α ι
5 αληθές
ειπ εΐν
εΐναι
μη
λευκόν
ά ν θ ρω π ο ν
εί
δε
ούτω ς,
κ α ί οσ ο ις τ ό εΐναι μη π ρ ο σ τίθ ετ α ι, τ ό αυ τό π ο ιή σ ει τ ό αντί
τ ο ΰ εΐν α ι λεγόμενον, οΐον τ ο ΰ άνθρω πος β α δ ίζ ει ον τ ό ούκ άν­
θρω π ος β α δ ίζ ει άπ όφ ασις, άλλα το ού β α δ ίζ ει άνθρωπος·
ούδέν γ ά ρ διαφ έρει ειπ εΐν άνθρωπον β άδιζειν η άνθρωπον β α ­
τό δίζοντα ε ΐν α ι·- ω σ τ ε εί ον τω π ανταχ οΰ, κ α ί τ ο ΰ δυνατόν εΐναι
ά π όφ α σ ις τ ό δννατόν μη εΐναι, άλλ’ ού τ ό μη δννατόν
είναι, δ ο κ ε ΐ δέ τό αύ τό δννασθαι κ α ί εΐν αι κ α ί μη εΐναι·
π α ν γ ά ρ τ ό δυνατόν τέμ νεσ θαι η β αδίζειν κ α ί μη β αδίζειν
27
τοΰ' Ομήρου το ίστιν ΒΣα^
32 εοται] ΙστινΔα/^ ·. οπι. ηΣα?
33
ρπιιε ούκ «ττιμ] έστϊν ούχ Βαα0^: *5
34
η! [^']
34~5 καταφάσας καί αποφάσεις ιιΔΣ: αποφ. (?)
3^ αι<οιη· ΒαΛαοΙ?: [Τ*]21^4
παντός + 7 ΑΣ:
ζ ειπεΐν αληθές η: * ς : [Τ’]
δέ (δή αα,ίΣ Γ)
+ τ οΰτο Β(/!)αΡ: -{-μη Σ
8 άπόφασκ-\-έστιν
?ΣΛ: -{-εσται ηΒ
II άπΛφααις-{-εστι }Σ: -{-ίσται ΒΔΑα^
τό δυνατόν . . . μή δυνατόν] ού
τό μη δυν. εΐναι άλλα το δυν. μη α?αα,ίΔ
άλλ’] καιΣ : οπι. ηΓ
13 -14
μη τέμνεσθαι και μι) βαδίζειν ιιΓα?
J2
D a Interpretação
exemplo, que o homem morto é homem. Porém, quando não sub­
siste [o oposto], é verdadeiro.97
21 a 24 - Ou, se subsistir [o oposto naquilo que se acres­
centa], sempre não será verdadeiro [dizer a proposição], e se não
subsistir, nem sempre será verdadeiro [dizê-lo].98 Seja, a título de
ilustração, Homero é alguma coisa, por exemplo, poeta; será, então,
que ele é ou não é [absolutamente] ? " O “é”, com efeito, é dito apenas
por acidente de Homero aqui. Com efeito, o “é” é dito de Homero
porque ele é poeta, mas não por si mesmo.100 Por conseguinte,
em todas as atribuições101 onde não existe contrariedade, se as
definições102 forem ditas no lugar dos nomes, e [as coisas] forem
reconhecidas por si mesmas e não por acidente, nesses casos será
verdadeiro dizer que uma coisa103 é absolutamente. E a respeito
daquilo que não é, sobre o que se pode opinar, não é verdadeiro
dizer que é alguma coisa. Com efeito, a opinião a propósito dela
não é que ela é, mas que não é.
25
30
XII
Depois que essas coisas já foram esclarecidas, deve-se
examinar como são, umas em relação às outras, as negações e as
35
afirmações a respeito do “é possível” e do “não é possível”, e do
“é admissível” ou “não é admissível”104 e do “é impossível” e do “é
necessário”. Com efeito, há aqui algumas dificuldades.
Com efeito, se [se pode dizer], a propósito das coisas que se
articulam por complexão, que elas (todas quantas se determinam
consoante o ser e o não ser) se opõem entre si como pares de
contraditórias, então, a negação de “o homem é” é “o homem não 2lb l
é”, mas não “o não homem é”. De “o homem é branco” a negação é
“o homem não é branco”, mas não “o homem é não branco”. Se, com
5
efeito, é verdadeira a afirmação ou a negação de um modo total,
será verdadeiro dizer que a madeira é o homem não branco.105
Se é assim, para as proposições onde não se aplica “o ser”, o
que se diz no lugar do ser produz o mesmo resultado, por exemplo,
a negação de “o homem caminha” não é “o não homem caminha”,
mas “o homem não caminha”. Com efeito, em nada difere dizer “o
liomem caminha” ou “o homem é caminhante”.106 Se isso ocorre em
10
33
Aristóteles
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
21b
κ α ί μή τέμ ν εσ θαι δ υ ν ατόν λόγος δ’ ότι άπ αν τ ο ον τω δυνα­
τόν ούκ d ei ενεργεί, ώ σ τ ε υ π άρ ξει αύ τω κ α ί ή άπόφ ασις· is
δυν αται γ ά ρ κ α ί μη β αδίζειν το β αδ ισ τικ όν κ α ί μη όρασ θαι
τ ό ορατόν,
άλλα μην αδύνατον κ α τ ά του α ύ τοΰ άλη θεύεσθαι
τα? αν τικ είμ εν α ; φ ά σεις’ ούκ α ρ α αϋτη duτόφασις· συμβαίνει
γ ά ρ εκ τού τω ν τ) το αυ τό φάναι κ α ί άποφ άναι α μ α κ α τ ά το ΰ αύτοΰ, 20
η μη κ α τ ά το εΐναι κ α ί μή εΐναι τ α π ροσ τιθέμ ενα γίγ νεσ θαι φ ά­
σ εις κ α ί ' απ οφ ά σεις, εΐ υΰν εκείνο άδύνατον, το ΰ τ αν ειη α ι­
ρετόν. εστιν α ρ α άιτόφασις τοΰ δυνατόν είναι τ ο μή δυνατόν ε ί­
ναι. ό δ ’ αυτός λόγος κ α ί π ερ ί τοΰ ενδεχόμενον εΐναι· κ α ί γάρ
τού του άπ όφ α σ ις τ ο μή ενδεχόμενον· εΐναι. κ α ί επ ί τω ν άλλων 25
δέ όμ οιο τρ όπ ω ς, οΐον αναγκαίου τ ε κ α ί αδυνάτου, γ ίγ ν ετα ι γάρ,
ώ σ π ερ ε π ’ εκείνων τ ο είναι κ α ί μή εΐναι π ρο σ θ έσ εις, τ α δ ’
υ π οκείμ εν α π ρ ά γ μ α τ α το μεν λευκόν το òè άνθρω πος, οΰτω ς
εν ταύθα το μεν εΐναι ώ ς υποκείμενον γ ίγ ν ετ α ι, τ ο δε
δύνασθαι κ α ί ένδέχεσθαι π ροσ θέσ εις δ ιορίζου σ αι, ώ σ π ερ επ' 3°
εκείνω ν τ ο εΐναι κ α ί μή εΐναι το αληθές, ομ οίω ς α ν τα ι
έπ ί το ΰ εΐν αι δυνατόν κ α ί εΐναι ου δυνατόν.
Τ οΰ δ ε δυνατόν μή εΐναι άπ όφ ασις το ού δυνατόν μή εΐναι.
διό κ α ί άκολονθεΐν αν δόξαιεν άλλήλαις a i δυνατόν ε ΐν α ιδυνατόν μή είν α ι· τό γ ά ρ αύτό δυνατόν είναι κ α ί μή εΐναι· αύ γ ά ρ
35
αντιφ άσεις άλλήλων a i τ ο ια ΰ τα ι. άλλα τό δυνατόν εΐναι κ αί
μή δυνατόν εΐναι ού δέπ οτε αμ α· άντίκεινται γάρ. ου δ έ γ ε τό 2 2 a
14- παν ns : [Τ ']
15 ή άπόφασις αυτω η Σ
κα'ι am. η ,ΐΑ Σ Γ
ι8
αΰτη άπόφασις] ταΰ δυνατόν είναι άπόφασις (άπόφ. om. Σ ) εστι τό δυνατόν μη
etvai
αΰτη άπόφασις Σ ) Β Σ α
20 ά μα +κα ΐ Β
23 alt. ίΓμαι+αλλ’
ού το Swaròv μή eivai Δ α ?
26 αδυνάτου τε και αναγκαίου Δ
27 ΗΟί
+ τό Β α : ®s: [ΔΑ ]
πρόσθιοι; ΑΓαΡς
28 Aetwdç η : [Δ Σ Γ ]
ούτως
-(-καί 2Μ α*
29 εΙναι-\~ και μή είναι ΒΑΣα
3° τό ^νδέχεσθαι Β α^ ,?Σ :
[ΔΑ]
3 * άληθές-\-και τό φεΰδος ΒΑΣα
33 άπάφασις-\-ού τό αν
SwarA» είναι αλλά (Δ)α
alt. δυνατόμ-)- είναι (μή civ. (id)) άλλ’ où το
δυνατόν (Δ)Σ
3 5 ~^ αί" ( + τί> α^) δυνατόν είναι (-(-καί τό αΑ, -(-καί
Σ) Swv. μή civ. om. ΒΔΛ
3(ι ΤΟ . . . μή eivai om. η
3? τοιαΰται
-(-δυνατόν (το δυν. ΑΣ) εΐναι (-(-καί Δ(Λ)) δυν. μή είν. Α Σ(Α )Γ
καί
+ τό η Σ : [ΑΛ]
22aI άμα] άλλα Γ : επί τοΰ αύτοΰ άμα (άμα ante cm
pos. n aF) αληθεύονται (-frai n) n B J Z a
34
D a Interpretação
todos os casos, a negação do que é possível ser é o que é possível não
ser, mas não o que não é possível ser. Parece ser possível que a mes­
ma coisa seja ou não seja. Com efeito, tudo o que pode ser cortado ou
caminhar pode não ser cortado ou não caminhar. A razão é que tudo
15
o que é assim em potência nem sempre é em ato, por conseguinte
também a negação aqui subsistirá. Com efeito, é possível que não
caminhe aquele que pode caminhar, e também é possível que
não veja aquele que pode ver (todavia, é impossível, em relação a
uma mesma coisa, que as fórmulas proposicionais em oposição
sejam verdadeiras).107 Evidentemente, esta última proposição não é
a negação da primeira. Sucede, portanto, do que foi exposto, que
20
ou a mesma coisa é afirmada e negada simultaneamente de um
mesmo, ou não é porque se acresce “o ser” e “o não ser” que se
produzem fórmulas proposicionais e [suas] negações. Se, portanto,
aquela alternativa é impossível, esta é a eleita. Será, dessa maneira, a
negação de “é possível ser” “não é possível ser”.
O mesmo raciocínio se aplica ao que “é admissível ser”.
Com efeito, a negação disto é o que “não é admissível ser”.108 E,
25
a respeito de outras proposições, sucede da mesma maneira, por
exemplo, a propósito do necessário e do impossível. Com efeito,
como naqueles casos anteriores em que se acrescenta o ser e o não
ser, sucedem aqui sujeitos atuais,109 o branco e o homem. Agora,
da mesma maneira, o “ser isso” se torna o sujeito, e o “é possível” e
30
o “é admissível” definem os acréscimos (como naqueles casos em
que 0 “é” e o “não é” definem o verdadeiro). Assim também são
esses [acréscimos] do ser possível e do não ser possível.
A negação de “é possível isso não ser” é “não é possível isso
não ser”. Por isso [as proposições] “é possível isso ser” e “é possível
35
isso não ser” pareceriam seguir uma da outra. Com efeito, é possí­
vel que uma mesma coisa seja e não seja. E [essas proposições]
não constituem contradições entre si. Porém, “é possível isso ser”
e “não é possível isso ser” jamais existirão simultaneamente. Com 22a 1
efeito, elas se opõem.110 E também “é possível isso não ser” e “não é
possível isso não ser” não existem jamais simultaneamente.
E, de maneira semelhante, a negação de “é necessário
isso ser” não é “é necessário isso não ser”, mas “não é necessário isso
33
Aristóteles
22“
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
δυνατόν μή ίΐν α ι κ α ί ού δυνατόν μη εΐναι ου δέπ οτε άμ α.
ομ οίω ς δέ καί τοΰ άναγκαϊον eiva ι άπ όφ ασις ού τό
άν α γ καΐον μη εΐναι, άλλα τ ό μή άναγκαΐον eiv a r τοΰ
5 Sè άν α γ κ αΐον μή εΐν αι τ ό μή άναγκαΐον μή είναι,
καί
το ΰ άδννατον εΐναι ού τό άδύνατον μή εΐναι, αλλά τό μή
αδύνατον εΐναι· τοΰ δέ άδύνατον μή εΐναι τ ό ούκ άδννατον μή
eiv aι.—καί καθόλου δέ, ώ σ π ερ εϊρη τα ι, τ ό μεν εΐναι κ α ι μή
εΐναι δ ε ι τιθεναι ώς τ α υποκείμ ενα, κατάφ ασ ιν δέ κ α ι άπ όιο φασιν τ α ΰ τ α π οιοΰ ντα ίrpòs τ ό εΐναι κ α ι μή εΐν αι σννάπτειν.
κ α ι τ α ύ τ α ς ο ΐεσ θ α ι χρή εΐναι rà s άντικειμένας φ άσεις, δυ­
νατόν - ον δυνατόν, ενδεχόμενον - ούκ ενδεχόμενον, άδύνατον ούκ άδύνατον, άναγκαΐον - ούκ άναγκαΐον, άληθές —ούκ αληθές.
Κ α ι α ι ακολουθήσεις δε κ α τ ά λόγον γίγνονται οΰτω τ ιθ ε- 1 3
μεν γ ά ρ δυνατά) εΐναι τό ένδέχεσθαι εΐν αι, και
15 μένοις· τ ω
τοΰ το εκείνω αντιστρέφ ει, κ α ι τ ό μή άδύνατον εΐν αι κ α ι τό μή
άν α γ κ αΐον εΐναι· τ ω δέ δυνατω μή εΐναι κ α ι ενδεχομένω μή
εΐναι τ ό τ ε μή άναγκαΐον μή εΐναι κ α ι ούκ άδύνατον μή εΐναι,
τ ω δέ μή δυνατω εΐναι κ α ι μή ενδεχομένω εΐναι τ ό άναγ20 κ αΐον μή είναι κ α ι τ ό άδύνατον εΐναι, τω δέ μή δυνατω μή
εΐναι καί μή ενδεχομένω μή εΐν αι τό άνα γ κ αΐον εΐναι και
τ ό άδύνατον μή εΐναι. θεω ρείσθω δέ εκ τής υπογραφ ής ώς
λ έγ ο μ εν
25
δυνατόν εΐναι
ενδεχόμενον εΐναι
ούκ αδύνατον είναι
ούκ άναγκαΐον εΐναι
δυνατόν μη εΐναι
ενδεχόμενον μη είναι
ούκ àSiWrov μη είναι
ούκ άναγκαΐον μη εΐναι
ού δυνατόν eivai
ούκ ενδεχόμενον είναι
αδύνατον είναι
άναγκαΐον μη eivat
ού δυνατόν μη εΐναι
ούκ ενδεχόμενον μη εΐναι
άδύνατον μη είναι
άναγκαΐον είναι.
2 άμα-f- επί τοΰ αύτοΰ άληθεύονται Βα
8 prius καί om. η
9 κα~
τάφααιν] φάσιν η Γ : *ac : [Λ]
ιο και μη εΐναι om, iΓ ,!Λ
συντάττειν
ΒΣαΑ : [JP ]
H άντικειμένας φάσεις] αντιθέσεις άντικειμένας Σ : αντι­
θέσεις η
ι 8 τε οιη, Βα: [Τ']
κοί+τό ΒΣα; [ΑΑ]
tert. μη om, η
24-31 tabulam in textu pos. Σα, in marg. nsc (ένχδέεται quater sc:
36
D a Interpretação
ser”.111 De “é necessário isso não ser”, “não é necessário isso não ser”.
E a negação de “é impossível isso ser” não será “é impossível isso
não ser”, mas “não é impossível isso ser”.112 De “é impossível
isso não ser” a negação será “não é impossível isso não ser”. E, de
maneira universal, conforme já foi dito, deve-se colocar “isso ser”
e “isso não ser” como sujeitos e agregar as expressões há pouco
referidas [é necessário, é possível...] ao isso ser ou ao iss'o não ser,
de maneira que produzam afirmação e negação. E cabe considerá-las serem fórmulas opostas: “é possível” // “não é possível”;
“é admissível” // “não é admissível”; “é impossível” // “não é
impossível”; “é necessário” // “não é necessário”; “é verdadeiro” //
“não é verdadeiro”.
XIII
E as inferências113 acontecem conforme uma razão pelo
fato de as proposições estarem dispostas como as seguintes: de “é
possível isso ser” segue, com efeito, “é admissível isso ser”114 (e esta
é simétrica daquela) e também seguem “não é impossível isso ser”
e “não é necessário isso ser”. Por sua vez, de “é possível isso não ser” e
de “é admissível isso não ser” segue tanto “não é necessário isso não
ser” quanto “não é impossível isso não ser”. Por seu turno, de “não
é possível isso ser” e de “não é admissível isso ser”115 seguem “é
necessário isso não ser” e “é impossível isso ser”. Também de “não
é possível isso ser” e de “não é admissível isso não ser” seguem “é
necessário isso ser” e “é impossível isso não ser”. Observe-se o que
vimos expondo pelo quadro seguinte:
E possível isso ser
É admissível isso ser
Não é impossível isso ser
Não é necessário isso ser
Não é possível isso ser
Não é admissível isso ser
E impossível isso ser
E necessário isso não ser
E possível isso não ser
É admissível isso não ser
Não é impossível isso não ser
Não é necessário isso não ser
Não é possível isso não ser
Não é admissível isso não ser
E impossível isso não ser
E necessário isso ser.
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Aristóteles
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
22“
To μ εν οΰν αδύνατον καί ούκ αδύνατον τ ω ενδεχομενω καί δυνατά) καί ούκ ένδεχομένω καί μ η δννατω ακολουθεί
μεν άντιφ ατικώ ς, άντεστραμμένωs δε' τω μεν γάρ δυνατω ε ί­
ναι ή άπόφασις του αδυνάτου, τ η δε άποφάσει η κατάφασις- 35
γάρ où δυνατώ είνα ι το αδύνατον είναι· κατάφασις
γάρ το αδύνατον εΐνα ι, το §è ονκ αδύνατον άπόφασις.
Το δ’ άναγκαΐον π ω ς, οπτεον. φανερόν δη οτι ούχ οΰτω ς,
άλλ’ αί' εναντίαι επονται, α ί δ’ αντιφάσεις χω ρίς, ού γά ρ εστιν
άπόφασις του ανάγκη μη εΐναι το ούκ ανάγκη εΐναι· ενδέχεται 2 2 ι
γάρ άληθεύεσθαι επ ί το ν αύτοΰ άμφοτέρας- το γάρ άναγκαΐον
μη εΐναι ονκ άναγκαΐον είναι, α ίτιο ν δε του μ η άκολουθεΐν
ομοίως τ ο ΐς ίτέρ οις οτι εναντίως το αδύνατον τ ω άναγκαίω
τω
άποδίδοται, το αυτό δυνάμενον εΐ γάρ αδύνατον είνα ι, 5
άναγκαΐον τοΰτο ούχί εΐνα ι άλλα μη εΐναι· t εί δέ αδύνα­
τον μ η εΐνα ι, τοΰτο ανάγκη εΐναι· ωστ
εί εκείνα ομ οίω ς τω
δννατω κα ί μ ή , ταντα εξ εναντίας, έπ εί σημαίνει γ ε ταύτόν
τό τ ε άναγκαΐον καί το αδύνατον, άλλ ’ ώσπερ είρ η τα ι, άντεατραμμένω ς. η άδύνατον οντω κεΐσθαι τάς τοΰ αναγκαίου άντι- ίο
φ άσεις; το μ εν γάρ άναγκαΐον εΐναι δυνατόν εΐναι· ε ί γάρ
μ ή , ή άπόφασις άκολουθησει· άνάγκη γάρ η φάναι ή άποφά ναι· ώ σ τ’ εί μή δυνατόν εΐνα ι, άδύνατον εΐναι· αδύνατον άρα
εΐναι το άναγκαΐον εΐνα ι, οπερ ατοπον, αλλά μ η ν τ ω γ ε δυ­
νατόν εΐνα ι το ούκ άδύνατον εΐναι άκολουθεί, ταύτώ 8 έ το μ ή 15
άναγκαΐον είναι- ω στε συμβαίνει το άναγκαΐον εΐνα ι μ ή άναγ­
καΐον εΐνα ι, οπερ άτοπον. άλλα μήν ούδε το άναγκαΐον εΐναι
ανάγκη bia in alt. col. η) : uno tenore ϋΔΣ (Svv. elv., ένδεχ. eh. , . . ovtc
άναγκ. μί) eh., ού Sw. eh. . . . άναγκ. εΐν, B : δυν. eh., δνν. μη eh., οι5 διν.
etv., ού δυν. μη elv., ένδεχ. eh. . . . άδιίν. eh. . . . άναγκ. μη ch., ούκ άναγκ.
μη eh., άναγκ. eh., ούκ άναγκ. eh. Σ [qui haec post tabulam addidít] Δ
[partim aliter disposita]) : ora. ΓΛ (habet tarnen Boethius in comm., aliter
disposita)
33 μή] ού η : [Τ 1] άκολουβοΰσι nt [ΔΓ]
35
άδννάτου-j- chai ΙιΔΣ
$6 άδύνατον] δυνατόν η
37 °'’κ άδύ>'αταρ-(elvai Σ
3® εχ« post irais add. n F, post ούτως B : *g
22^3
άκολονθεΐν-^τό άναγκαΐον a : *s
5-6. el bis] δ α
6 οΰχί] ούκ αΑ :
[Τ ’]
8 á rd + o v ΒΔΣα: *η>
D a Interpretação
“É impossível isso ser” e “não é impossível isso ser”, seguem,
portanto, por contradição e conversão, respectivamente, de “é
admissível isso ser” e “é possível isso ser”, e de “não é admissível
isso ser” e “não é possível isso ser”.116 Com efeito, a negação de
“é impossível isso ser” [segue] de “é possível isso ser”; e também
35
a afirmação segue da negação. Com efeito, “é impossível isso ser”
segue de “não é possível isso ser”; ora, é afirmação “é impossível
isso ser”, mas é negação [disso] “não é impossível isso ser”.
Deve-se observar como são as proposições que encerram
o necessário. É evidente que elas não são como as proposições
anteriores, mas aqui as contrárias se seguem, e as contraditórias
são separadas. Com efeito, não é a negação117 de “é necessário 22b l
isso não ser” a proposição “não é necessário isso ser”. Com
efeito, admite-se ambas serem verdadeiras a respeito da mesma
coisa, pois “é necessário isso não ser” não é “é necessário isso
ser”. A causa,118 graças à qual o “é necessário” não segue de igual
maneira as outras expressões, é que o “é impossível” equivale, de
maneira invertida, ao “é necessário”, pois valem igualmente.119
5
Se, com efeito, “é impossível isso ser”, “é necessário isso ser” não
cabe, mas cabe a proposição seguinte: “é necessário isso não ser”.
Se “é impossível isso não ser”, “é necessário isso ser”. Se, com
efeito, aquelas proposições seguem, de maneira semelhante, de “é
possível” e de “não é possível”, essas, de modo contrário, uma vez
que o “é necessário” e o “é impossível” significam o mesmo, mas,
como se acabou de dizer, de modo inverso.
10
Seria impossível que as contraditórias referentes ao “é ne­
cessário” fossem dispostas de tal maneira? Com efeito, a proposição
“é necessário isso ser” supõe “é possível isso ser”. Com efeito, se
não for assim, a negação seguirá,120 pois é necessário afirmar ou
negar. Por conseguinte, se “não é possível isso ser”, “é impossí­
vel isso ser”. Então, “é impossível isso ser” é o mesmo que “é ne­
cessário isso ser”, o que é absurdo. Porém, da proposição “é possível
isso ser” segue a proposição “não é impossível isso ser”, e desta,
15
“não é necessário isso ser”. Por conseguinte, sucede que [a proposi­
ção] “é necessário isso ser” é o mesmo que “não é necessário isso
ser”, o que é absurdo. Porém, nem a proposição “é necessário
39
Aristóteles
22b
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
α κολ ουθ εί τ ω Svvaròv είναι, ovSè τό άναγκαΐον μη είναι· τ ω μέν
γάρ άμ φ ω εν δεχ εται συμβαίνειν, τούτω ν δ* όπ ότερον αν άλη 20 θες η, ο ύ κ ίτ ι ε σ τ α ι εκ είν α αληθή■ ά μ α γ ά ρ δυνατόν είναι κ α ί
μη είναι· εί δ’ ανάγκη eivai η μη είν αι, ούκ εσ τ α ι δυνατόν
αμ φ ω . λ ε ίπ ε τ α ι τοίνυν τό ούκ άναγκαΐον μη είν αι άκολουθεϊν
τ ω δυνατόν elvat· τοΰ το γ ά ρ άληθες κ α ι κ α τ ά του άναγκαΐον
eiv aι. κ α ι γ ά ρ αντη γ ίγ ν ετα ι α ν τίφ ασ ή τη επόμενη τ ω ού δυνα25 τ ω είναι· εκείνα> γ ά ρ ακ ο λ ο υ θ εί τό αδύνατον είν αι κ α ι άνα γ ­
καΐον μη είν α ι, ου άπ όφ ασις τό ούκ άν α γ καΐον μη είναι, ά κ ο λουθοΰσιν ά ρ α κ α ι α ΰ τ α ι α ί αντιφ άσεις κ α τ ά τον είρημενον
τρόπ ον, κ α ι ούδεν αδύνατον συμβαίνει τιθεμενων ούτω ς.
Ά ττορησειε δ’ αν τ ις ε ί τ ω άναγκαΐον είναι τό δυνατόν
3 ο είναι επ ετ α ι. ε ί τε γ ά ρ μη επ ετ α ι, ή άντίφ ασις ακολουθή σει, τό
μη δυνατόν είναι· κ α ι ε ϊ τις ταύτην μη φήσειεν είν αι άντίφ ασιν, ανάγκη λεγειν τ ό δυνατόν μη είναι· άτrep αμ φ ω φενδή
κ α τ ά το υ άν α γ κ αΐον είναι, άλλα μην πάλιν τ ό αύ τό είναι
δ ο κ εΐ δυνατόν τεμ νεσ θαι κ α ι μη τεμ νεσ θαι, κ α ι είναι κ α ι μη ε ΐ35 ναι, ώ στε εσται τ ό άνα γ καΐον είναι ενδεχόμενον μη είν α ι· τοΰ το
δε ψευδός. φανερόν δη ότι ού π α ν τ ό δυνατόν η είναι η β ά δ ι­
ζε ιν κ α ί τα. αντικείμ ενα δύν αται, άλλ’ εστιν εφ’ ων ούκ άληθες·
π ρώ τον μεν επ ί τω ν μη κ α τ ά λόγον δυνατών, οΐον τ ό πΰρ θερ­
μαντικόν καί εχ ει δύναμιν άλογον, - α ί μεν οΰν μ ε τ ά λόγου
23a δυνάμεις α ί αύ ταί πλειόνων κ α ί τω ν εναντίων, α ί δ’ aAoyoi
ού π ά σ α ι, άλλ* ώ σ π ερ εϊρ η τα ι, τ ό πΰρ ού δυνατόν θερμαίνειν
κ α ί μ η , ούδ’ ο σ α άλλα εν εργεί αεί· ενια μ εντοι δύν αται κ α ί
τω ν κ α τ ά τ ά ς àAoyou? δυνάμεις ά μ α τ α αντικείμ ενα· άλλα.
ι8 δυνατω Β : [Τ ']
19 âv om. η ': [Τ ']
20 άμα] άμφω Δ :
-{•αμφω Σ : ° η '
24 Ttjs επομένης η'Σ Λ : [Δ]
δυνατόν α^: βη ' :
[Τ ']
26 άκολουθοΰσιν+τε Β : βη ' : [Τ']
ζ8 ίοντωΐ τιθέμενων Τ ! :
hic eandem tabulam ac 22a24~31, sed ούκ άναγκ. etv. et ούκ άναγκ. μν
elv. loco mutato, habent n' 27sc,?aC
30 άπόφασις n‘ 3 1 μή ταΰτην α^,ίΔΑΓ : °η'
i/njaj) η ': [Τ ']
άπόφασιν η '
3 2 λέγαν om. η'
άπερ άμφω] άμφω Sè ηΔΣ
33- 4 δοκεΐ είναι η : [Σ Λ Γ] 3® prius
η om. ΔΣαα
23a! αί ? om. ΔΑ
2 άλλ’ om. Σ Γ
4
κείμενα+δέξασθαι BaacA
40
Da Interpretação
isso ser” nem a proposição “é necessário isso não ser” seguem de
“é possível isso ser”.121 A essa proposição ambas aquelas duas se
admite sucederem, mas, se qualquer uma das duas fosse verdadeira,
a outra não poderia mais ser verdadeira.122 Simultaneamente, com
efeito, é possível isso ser e não ser. E se é necessário isso ser ou não
ser, não é possível que ambas as proposições sejam.
Resta, então, que a proposição “não é necessário isso
não ser” segue de “é possível isso ser”. Com efeito, esta também
[segue] como verdadeira de “é necessário isso ser”. E ela [não é
necessário isso não ser] aparece como contraditória da que segue
de “não é possível isso ser”. Com efeito, dessa segue a proposição
“é impossível isso ser” e a proposição “é necessário isso não ser”,
cuja negação é “não é necessário isso não ser”. Seguem, portanto,
as contraditórias, conforme já se dissera anteriormente, e se forem
assim dispostas, nenhum absurdo sucede.123
Alguém se encontraria em aporia se “é possível isso ser” se
vinculasse a “é necessário isso ser”. Se, com efeito, não se vincula a
[essa], seguirá a contraditória “não é possível isso ser”. E se alguém
dissesse não ser essa a contraditória, seria necessário dizer ser “é
possível isso não ser”; precisamente ambas são falsas [quando ditas
seguirem] da proposição “é necessário isso ser”. Porém, de novo
parece ser o mesmo “poder isso ser cortado” e “não poder isso
ser cortado”, e “poder isso ser e poder não ser”, por conseguinte a
proposição “é necessário isso ser” será o mesmo que “é admissível
isso não ser”. E isso é falso.124 É evidente que nem tudo o que pode
ser ou caminhar pode receber contrários. Há casos para os quais
os opostos não são verdadeiros. Primeiramente, falemos das coisas
que podem ser sem o emprego da razão, por exemplo, o fogo, que
produz aquecimento e tem potência onde não intervém a razão.
As potências125 onde se emprega a razão admitem, na maioria dos
casos, contrários; porém nem todas as potências sem [intervenção]
da razão126 o podem, mas sucede aqui conforme já fora exposto:
nem é possível o fogo aquecer e não aquecer, nem todas as coisas
quantas são sempre em ato assim se comportam. Em verdade,
algumas das coisas com potências [sem intervenção] da razão
podem receber simultaneamente opostos. Mas o que também já
41
20
25
30
35
23a l
Aristóteles
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜΗΝΕΙΑΣ
23“
τοΰτο μεν τούτου χάριν εΐρ η τα ι, o n ου π ά σ α δύναμις τω ν αντί- 5
κειμένων, ουδ’ ο σ α ι λέγονται κ α τ ά τ ο αυτό ε ίδ ο ς ,- eviai δέ
δυνάμεις ομώ νυμοί ε ίσ ιν τ ό γ ά ρ δυνατόν ούχ άπ λώ ς λ έγ εται,
άλλα τ ο μεν οτι άληθες ώ ς ενεργεία ον, olov δυνατόν
β αδ ίζειν ό τ ι β α δ ίζ ει, κ α ι δλω ς δυνατόν είναι ο τ ι ήδη εσ τι
κατ' ενέργειαν δ λ έγ ετ α ι δυνατόν, το δε οτι ένεργήσειεν ίο
αν, ο Ιον δυνατόν β α δ ίζ ειν ο τ ι β αδ ίσ ειεν άν. κ α ι αΰτη μεν
επ ί τ ο ΐς κινη τοις ε σ τ ι μ όνοις ή δύναμις, εκείνη δε κ α ί επ ί
t o î s άκινητοις· άμ φ ω δέ άληθες είπ εΐν τό μη αδύνατον είναι
β αδίζειν η είναι., κ α ί το β α δ ίζ ον ήδη κ α ί ενεργούν κ α ί το β α διστικόν. τό μεν οΰν οϋ τω δ υ ν α τόν ούκ άληθες κ α τ ά το ΰ άναγ- 15
καίου άπ λ ω ς είπ εΐν, θάτερον δ ε αληθές, ω σ τ ε, επ εί τω εν μ έρ ει τό καθόλου έπ ετ α ι, τ ω ε ξ ανάγκη ς οντι επ ετ α ι τό δύνασ θαι είν α ι, ου μέν'τοι παν. κ α ί εσ τι δή άρχή 'ίσως τό άναγκ αΐον κ α ί μή άνα γ καϊον π ά ντω ν η εΐν αι ή μή είναι, κ α ί
τ α άλ λα ώ ς τού τοις άκολουθοΰντα επ ισ κ ο π εΐν δει.
ζο
Φανερόν δή εκ τω ν είρημένω ν ό τ ι τ ό εξ ανάγκη ς δν κατ'
ενέργειαν εστιν, ω σ τ ε εί ττρότερα τ α ά ίδ ια , κ α ί ενέργεια δυνάμ εω ς π ρ ο τέρ α . κ α ί τα μεν άνευ δυνάμεω ς έν έργ ειαί είσιν,
οΐον a i ιτρώ ται ού σ ία ι, τ ά δ ε μ ε τ ά δυνάμεω ς, â τη μεν φύ­
σ ει π ρ ό τ ερ α , τ ω χρόνω δέ υ σ τέρ α , τ α δέ ου δέπ οτε έν έργειαί 25
είσιν άλ λ α δυνάμεις μόνον.
14
Π ότερ ον δε εναντία εσ τίν ή κ α τά φ α σ ις τη άπ οφ ά σει ή
ή κ ατάφ ασ ις τη κ α τ α φ ά σ ει, κ α ί ο λόγος τ ω λόγω ό λέγων
οτι ττάς άνθρω πος δ ίκ αιο ς τ ω ούδείς άνθρω πος δ ίκ αιος, ή τ ό
π α ς άνθρω πος δ ίκ αιο ς τ ω π α ς άνθρω πος ά δ ικ ο ς ; οΐον εσ τ ι 30
Κ αλλίας δ ίκ αιο ς - ούκ εσ τ ι Κ α λ λ ία ς δ ίκ αιο ς - Κ α λ λ ίας άδικός
8 ivépyeia η ν ot> om. ηαΛ, ί ο
λ^γεται-\-etvai ΒΑΣΛα^
ιι
δυκατόι>+eîrat Β/Ια^·
13 μτ) αδύνατον] Βννατόν ΑΣα?α° ; “ quidam teste
Amm. : [Ζ1]
14 τό èvepyow ΒαΛ,?/ϋ7: [Λ ]
16-17 τό «< μερει τφ Β
19 prius καί+τό α ,ίΛ
2ο eandem tabulam ac 22a2'4~ 3 i) sed aliter
dispos., habent ι\Σ$°
23 ενεργείς B A A : °a cs
24 â om. Α Σ : *s
25 δε χρόνο) Bs : [Τ’ *]
ενεργείς BAA
26 δυνάμει AΑ Γ
3 ο άδικος;
οΓοί'] άδmós έστιν, nA
3 o-1 Καλλίας Sixaws εστιν ηΑΣΑα^
31
Καλλίας δίκαιος ούκ εατιν AAaF
42
D a Interpretação
se acabou de dizer a propósito dessa matéria é que nem toda
potência concerne aos opostos, nem todas quantas são se dizem de
uma mesma forma [referente aos contrários]. E algumas potências
são homônimas.
Com efeito, o “é possível” não se diz de maneira absoluta,
mas é verdadeiro o que é em ato, por exemplo, é possível caminhar
aquele que caminha, e, de maneira geral, é possível ser aquele que
já é em ato, o qual se diz ser possível, e também o que seria em ato,
por exemplo, é possível caminhar aquele que caminharia. E esta
potência127 pertence somente às coisas móveis; aquela, também às
coisas imóveis. Em relação a ambos os seguintes casos - ao que já
caminha e é em ato e àquele que pode caminhar - é verdadeiro dizer
que não é impossível poder caminhar ou ser. Desse modo, não é
verdadeiro dizer o possível do que é absolutamente necessário,128
mas é verdadeiro dizê-lo em relação a uma outra necessidade. Por
conseguinte, uma vez que o universal se vincula ao particular, o “é
possível isso ser” se vincula ao que é necessariamente, mas não em
todo caso.129
E é igualmente o necessário e o não necessário princípio de
todas as coisas - quer o que seja quer o que não seja - e é preciso
observar como o restante das coisas deles segue.
É evidente, a respeito das coisas já ditas, que o que ne­
cessariamente é,130 é em ato, por conseguinte se as coisas eternas
são anteriores, o ato é anterior à potência. Umas coisas são em ato
sem potência, por exemplo, as substâncias primeiras;131 outras com
potência, as quais são anteriores pela natureza e posteriores pelo
tempo; há ainda aquelas que jamais são em ato, mas são apenas
potências.
XIV
Quais das duas são contrárias?132 A afirmação à negação? A
afirmação à afirmação? A proposição “todo homem é justo” será con­
trária à proposição “nenhum homem é justo”, ou a proposição “todo
homem é justo” será contrária à proposição “todo homem é injusto”?
Por exemplo, “Cálias é justo” //“Cálias não é justo” //“Cálias é injusto” quais dessas duas proposições são contrárias?133 Se, com efeito,
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Aristóteles
23a
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
εστιν, π ο τέρ α εναντία τούτων;—εί γάρ τά /Aey
rfj φωνή
ακ ο λ ο υ θ εί τ ο ΐς εν τη διαν οία, ε κ ε ί δ’ εναντία δ ό ξ α ή τοΰ
εναντίου, οΐον ο τ ι π α ς άνθρω πος δ ίκ αιος τί) 7τ&ς άνθρω πος άδικος,
35 κ α ί επ ί τω ν εν τη φ ω vfj καταφ άσ εω ν ανάγκη ομ οίω ς εχειν. εί
δε μ η δέ ε κ ε ί ή τοΰ εναντίου δ ό ξ α εναντία εστίν, ουδ’ ή κ α τ ά φ ασις τη κ α τ α φ ά σ ει ε σ τ α ι εναντία, άλλ’ ή ειρημένη άπόφ ασις.
ω σ τ ε σ κ επ τέο ν π ο ια δ ό ξ α αληθής φ ευδει δόξη εναντία, π ό τερον ή τη ς άπ αφ άσεω ς η ή το εναντίον είναι δ οξάζου σ α. λέγω
40 δε ώδε· εσ τ ι τις δ ό ξ α αληθής τ ο ΰ άγ αθοΰ οτι αγαθόν, άλλη δε
23b ο τ ι ούκ αγ αθόν ιψευδής, έτ έρ α δε οτι κ α κ ό ν π α τ έρ α δή τούτων
ενάντια τη άλ η θεΐ; κ α ι ει ε σ τ ι μ ία , κ α τ ά π ο τέρ α ν εναντία;
(το μεν δή του τω ο ϊεσ θ α ι τ ά ς εναντίας δ όξας ώ ρίσθ αι, τω των
εναντίων είν αι, φεΰδος· τ ο ΰ γ ά ρ άγ αθοΰ ο τ ι αγαθόν κ αι τοΰ
5 κ α κ ο ΰ οτι κακόν ή αυτή Ίσως κ α ί αληθής, ε ίτ ε ττλείους είτε
μ ία εστίν· εναντία δε ταΰ τα· άλλ’ ού τ ω εναντίων είναι εναντίαι,
7 άλλα μάλλον τω έναντι ως.)
Ε ί δή εσ τι μεν το ΰ άγ αθοΰ οτι εστίν
7
αγ αθόν δ ό ξ α , εσ τι δ’ ο τ ι ούκ άγ αθόν, εσ τι δε ο τ ι άλλο τ ι ο ούχ
υ π άρ χ ει ουδ’ οΐόν τ ε ύ π ά ρ ξα ι (των μεν δή άλλων ούδεμίαν
ίο θετέον, οϋθ’ ο α α ι ύπάρχειν το μή ύπάρχον δοξάζου σιν οϋθ’ δσαι
μή ύπαρχειν τ ό ύπάρχον, - ά π ε ιρ ο ι γάρ ά μ φ ότερ αι, κ α ί δσα ι
ύπάρχειν δοξάζου σ ι τό μή ύπάρχον κ α ί ο σ α ι μή ύπάρχειν τό
t
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»/
1
t
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*
ύ π α ρ χ ο ν ,- αΛΛ ev οσ α ις ecrrtv η α π α τ η · α υ τ α ί öe €ς ων αι
γενέσεις· εκ τω ν αντικειμένω ν δ ε α ι γ ενέσεις, ω σ τ ε κ α ί α ί
ΐ5 άπάται), ει οΰν τό άγαθόν καί άγαθόν καί ού κακόν Ιστιν, καί
τό μεν κ α θ ’ αύτό τ ό δε κ α τ ά συμβεβηκός (συμβέβηκε γάρ
32 ποτέρα+δή Βα: [ΑΛ]
μηδέ] /Λή_ηΒ/ίαΑ
37 εστίν ηΣ Γ
23^1 ίτε'ρα] άλλη η: [Τ ’]
2 καθ' όποτέραν ή εναντία Βα^: [T ‘]
J
αληθή;-]- εσται Β : *α°
6 eVavTtat] -ία Βα^: [ΑΣΓ]
7 εστίν om. η
8 prius ?<m] άλλη ΒΣα
alt. οτι om. ΒΑΣα^: καί Γα^
τι om. ΑΣ
g δή om. η,ίΑ Λ Γ
ίο ύπάρχειν το μή] ούχ ύπ. το η
ιο -π alt.
ο α α ι. . , ύπάρχον] όσα (ίοσαι) αν υπάρχει ύπάρχειν η
13 δε εξ ών]/// δε
εξ ών η : ίε είσιν εξ ων Δ : δε εξ ων εισιν Σ
44
D a Interpretação
os sons falados seguem o que está na mente,134 e nessa é contrá­
rio o juízo que tem alguma coisa de contrário, por exemplo, “todo
homem é justo” é contrário a “todo homem é injusto”, também nas
afirmações com sons falados deve acontecer o mesmo.
Porém, se ali135 não é contrário o juízo que tem alguma
coisa de contrário, não será contrária a afirmação à afirmação, mas
será a negação já dita. Por conseguinte, é necessário examinar qual
juízo verdadeiro é contrário ao juízo falso, qual dos dois seguintes:
o juízo da negação ou o juízo que sustenta ser o contrário? Eu
quero dizer o que se segue.
É verdadeiro um juízo que diz do bom que é bom; um
outro, falso, diz que não é bom; e há, distinto dos anteriores, o
juízo que diz ser o que é bom mau. Qual desses é contrário ao
verdadeiro? E se um deles existe, em relação a qual dos outros
dois é contrário? (Por outro lado, é falso pensar, em relação a isso,
serem definidos os juízos contrários pelo fato de pertencerem a
coisas contrárias. Com efeito, o juízo que diz do bom que é bom é
talvez o mesmo que diz do mau que é mau, e também é verdadeiro;
pouco importa aqui se se trata de um ou de vários juízos. E essas
coisas são contrárias.136 Porém, não são os juízos contrários por
dizerem respeito a coisas contrárias, mas mais pelo fato de serem
ditos de modo contraditório.)137
Se existe juízo que diz do bom que é bom, e outro que diz
que não é bom, e ainda o juízo de alguma outra coisa, a qual não
subsiste nem pode subsistir [no que é bom] (não se deve colocar
nenhum outro juízo: nem todos aqueles que assertam subsistir o
que não subsiste, nem todos aqueles que assertam não subsistir
o que subsiste) - com efeito, uns e outros são infinitos,138 seja todos
aqueles que assertem subsistir o que não subsiste, seja todos aqueles
que assertem não subsistir o que subsiste - porém, em todos esses
[juízos] há o engano.139 Esses juízos provêm das coisas onde há
gêneses. As gêneses140 dizem respeito aos opostos, de tal maneira
que há também aqui engano. Se, então, o bom tanto é bom quanto
não é mau;141 de um lado, é bom por si mesmo; de outro, não é
mau por acidente (com efeito, para ele acidental é não ser mau).
E o juízo mais verdadeiro a propósito de cada uma das coisas é
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Aristóteles
Π Ε Ρ Ι ΕΡΜ Η Ν ΕΙΑ Σ
23b
α ν τω ον κ α κ ω e U t ) , μάλλον δ’ έκ α σ τ ο ν αληθής ή καθ' αυ τό,
κ α ί ψευδής ε'ίπερ κ α ϊ αληθής.—ή μέν ονν o n ονκ αγ αθόν το
αγ αθόν τον καθ' αντό υπάρχοντας ψευδής, ή Sè τον δ η κ α ­
κόν τον κ α τ ά σνμβεβη κός, ω σ τ ε μάλλον αν εΐη ψευδής τοΰ ζο
α γ αθόν ή τής άπ οψ άσεω ς ή ή τ ο ΰ εναντίον, διέψ ενσται Sè
μ ά λ ισ τ α π ερ ί έκαστον ό τήν εναντίαν εχων δόξαν· τ α γαρ-εν αν­
τ ία τω ν π λ εΐσ τον διαφερόντω ν π ε ρ ί τ ο αντό. έί οΰν εναντία μεν
τού τω ν ή έτέρ α, εν αντιω τερα δ ε ή τή ς άντιψ άσεω ς, δήλον δ η
αϋτη αν εϊη ή εναντία, ή δ ε τ ο ΰ δ η κακόν το αγ αθόν σ νμ π ε- ζ 5
πλεγμένη ε σ τ ίν κ α ί γ ά ρ o n ονκ αγ αθόν ανάγκη ίσ ω ς ύπολαμ βάνειν τον αντόν.
ιη
" E n δ’ ei Kal επ ί τω ν άλλων ομ οίω ς ιη
Set έχειν, κ α ί ταυτη αν δ ό ξ ειε καλ ώ ς είρήσθαι· ή γ ά ρ παντα χ ο ν τ ό τή ς άντιψ άσεω ς ή ούδαμοΰ· δσοις δε μη εστιν εναν­
τ ία , π ε ρ ί τούτω ν εσ τ ι μεν ψευδής ή τή ά λ η θ εΐ σ,ντικειμένη, 30.
οΐον ό τον άνθρωπον μή άνθρω πον οίόμενος διέψ ενσται.
οΰν α ΰ τ α ι .εναντίαι, κ α ί a i άλλαι, a i τή ς άντιφ άσεω ς.
el
"Ε τι ομ οίω ς εχ ει ή .τ ο ΰ άγ α θ ο ΰ δ η αγ αθόν κ α ί ή τοΰ μή ά γ α θοΰ δ η ούκ αγαθόν, κ α ί π ρ ο ς τ α υ τ α ις ή τον άγ αθοΰ δ τι ονκ
αγ αθόν κ α ί ή τοΰ μή άγ αθοΰ οτι αγ αθόν, τή οΰν τ ο ΰ μή άγ αθοΰ 35
δ τι ονκ αγαθόν άλ η θεΐ ουση δόξτ) τ ις εν α ν τ ία ; ου γ ά ρ δ ή ή λεγουσ α δ τι κ α κ ό ν ά μ α γ ά ρ άν π ο τ ε εϊη αληθής, ου δέπ οτε δ<? άληθής
άλ η θεΐ εναντία· earn γ ά ρ τ ι μ ή αγ αθόν κακόν, ω σ τ ε εν δέχ εται ά μ α
αλη θείς εΐναι. οΰδ’ αΰ ή δ η ού κ α κ ό ν [αληθής γάρ κ α ί αΰ τη ·]
ά μ α γ ά ρ κ α ί τ α ΰ τ α αν εϊη.
λ ε ίπ ε τ α ι δή τή τ ο ν μή άγ αθοΰ 40
δ τι ούκ αγαθόν εναντία ή το ΰ μή ά γ α θ ο ΰ δ η άγ αθόν [ψευδής■ 24»
20-1 δόξα post ψενδής add. Σ, post άποφάσεως A, post εναντίου Βα
άποφάσεως Δα?
2$ prius ή om. α : [ Τ ']
29 άποφάσεωςΚ
3° V
om. η
3 1 μή] où/c Β : [ Τ 1]
οίόμενος άνθρωπον α^,ίΔΣΛ : [Γ]
32
έναντίαι bis scr. n
α£ bis om . n, ?A : ait. om . Σ
34 7r/)ôi,'-p yt n :
[T ‘]
36 T tî+âr εϊη (+ ή B) B^oA : +i<mv ΣΛα?
ή-\-γε n : *s : [Τ ’]
37 elev αληθείς ηΣας
39 αληθής . . . αΰτη om. A
καί om.
(j)a ^
40 8ij] οΰν B-Sa^ : δή οΰν αΑ : [Λ]
24al ψευδής om. Δ Λ :
* ? a c , A lex. Aphr.
46
D a Interpretação
aquele que diz respeito ao que é por si mesmo,142 e se é isso, é assim
tanto para o verdadeiro quanto para o falso.143 Portanto, dizer não
ser bom o que é bom é juízo falso a propósito do que subsiste por
si mesmo [no que é bom]. Por outro lado, o juízo que diz do que é
bom ser mau é juízo falso a propósito do que subsiste por acidente
[no que é bom],144 de modo que mais seria falso o juízo com a
negação do que é bom do que o juízo com o seu contrário.
Mas é sobretudo o que tem juízo contrário145 a respeito
de cada uma das coisas que se engana. Com efeito, os contrários
são o que há de mais diferente em referência à mesma coisa.146 Se
então dentre esses, há um juízo contrário distinto, mais contrário
é o juízo da contradição, é evidente que esse deveria ser o [por
si mesmo] contrário.147 O juízo que diz que o bom é mau é
complexo.148 E, com efeito, talvez seja necessário supor que ele [o
bom] não é bom.149
Demais, se também nos outros casos deve ser de maneira
semelhante, também pareceria que já estão esclarecidas as coisas
aqui. Com efeito, ou em todos os casos o contrário está na
contradição ou não está em nenhum lugar. Para todos aqueles
casos onde não há contrários - em relação a esses - o juízo oposto
ao verdadeiro é o que é falso. Por exemplo, o que crê que o homem
não é homem se engana. Se, então, esses juízos150 são contrários,
também os outros [que tais]151 encerram contradição.
Demais, e de maneira semelhante, há o juízo que diz do
bom que é bom e o que diz do não bom que não é bom, e, além
desses, o que diz do bom que não é bom, e o que diz do não bom que
é bom. Qual é, então, o juízo contrário ao que diz do não bom
que não é bom, uma vez que esse é verdadeiro? Com efeito, não é
o que diz que é mau. Com efeito, seriam então simultaneamente
verdadeiros, e nunca o verdadeiro é contrário ao verdadeiro.152
Com efeito, diz-se mau o que não é bom, de modo que se admite
serem simultaneamente verdadeiros.153Não é, por sua vez, o caso do
juízo que diz do [não bom] que não é mau [com efeito, este também
é verdadeiro]; com efeito, também esses154 simultaneamente poderiam ser. Resta o juízo que diz do não bom que é bom [este é
falso],155 como contrário ao que diz do não bom que não é bom
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24a l
Aristóteles
23b
Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε ΙΑ Σ
αληθής γάρ αυτή], ω σ τ ε κ α ί ή τ ο ΰ άγ αθοΰ ο τ ι ούκ άγαθόν Tfj
3 τ ο ΰ άγ αθ ο ΰ οτι άγαθόν.
Φανερόν δέ ο τι ούδεν διοίσει ούδ' αν καθόλου
3
τιθώ μ εν την κατάφασιν ή γάρ καθόλου άπόφασις εναντία
5 εσται, οΐον τή δόξη τη δοξαζουση οτι παν άγαθόν άγαθόν
ή οτι ούδ εν τω ν άγαθων άγαθόν. ή γάρ τοΰ άγαθοΰ οτι
άγαθόν, εί καθόλου τό άγαθόν, ή αύτη εστι τη ο τ ι âv ή
άγαθόν δοξαζουση ότι ά γα θόν τοντο δε ούδεν διαφέρει τοΰ ότι
παν δ âv fj άγαθόν άγαθόν εστιν. ομοίως δε καί επ ί τοΰ μή
2 4 b άγαθοΰ.
Μστ ernep em οοξης όντω ς
€ΐσι oe ai ev tjj φωιητ)
κ α τ α φ ά σ εις κ αί απ οφ άσεις σύμβολα τω ν έν τη φυχή, δήλον
ό τ ι κ α ί κ αταφ άσ ει εναντία μεν άπ όφ ασις ή π ε ρ ί τοΰ αυτού
καθόλου, οΐον (τη) ό τ ι π'άν άγαθόν άγ αθόν fj ο τ ι π α ς άν5 θρω πος αγ αθός ή οτ ι ούδεν η ούδείς, άντιφ ατικω ς δε οτι η οι;
π α ν η ού π α ς. φανερόν δε κ α ί ο τ ι άληθή άλ η θ εΐ ούκ ενδέχεται
εναντίαν είναι ούτε δόξαν οΰ τε ά ν τίφ ασ ιν έναντίαι μεν γ ά ρ α ΐ
ι
π ε ρ ί τ α άντικείμ ενα, π ερ ί τ α ΰ τ α δ’ εν δέχεται άληθεύειν τον
α ύ τ ό ν ά μ α δέ ούκ εν δέχεται τ α εναντία ύπάρχειν τ ω αντω .
2, α λ η θ ή ς ] / / / / / /
Σ Λ α :
7r â v - | - ô
η :
ούκ
* 0 t r a n s l. W i l l e l m i j J a c
âv
jf n m a r S 'B / d 2 M a
ά λ η θ ή ;
et
A ,
A le x .
q u id a m
te ste
A p h r.
γά ρ
α γ α θ ό ν ic m v
Β ,ίΔ Λ
id,?B: îom. n
om. ηΒΔΣΓα
A le x .
αΰτη
A p h r .:
o m .
6
Λ
om .
5
p r iu s ή ] ή
7 TfH~Tr^v B
24^3 ή ά-πόφασ^ η: [Τ’]
4 Tfi
ait. ότι om. Δ ,ίΓ $ ij] ή Σ ,!η : ή ή Λ
prius ότι+
ή Γ
άποφατικως : ίάποφαντ. Δ : ά//φαντικον η
ait. ότι om.
Λ α ,ίΣ ait. ί)] ή Β,?η : om. (Δ)Σ
6 πάς. . . irâv ηΛαΛ : [-ST]
ή] ίή
ηΒ : [jî]
ότι καΙΔΑα: i o n Σ άληθεΐ αληθή ηΔ ; *α°
8 ταδτα] το
αυτά jda^ac
Α Ρ ΙΣ Τ Ο Τ Ε Λ Ο Υ Σ
Π Ε Ρ Ι Ε Ρ Μ Η Ν Ε ΙΑ Σ
ηΒ
D a Interpretação
[este é verdadeiro], por conseguinte também o juízo que diz do
bom que não é bom é contrário ao juízo que diz do bom que é bom.
É evidente que não haverá diferença mesmo que façamos
a afirmação de maneira universal. Com efeito, a negação posta
de maneira universal será contrária [à afirmação], por exemplo,
o juízo que diz que nada do que é bom é bom156 é contrário ao
que diz que tudo o que é bom é bom. Com efeito, o juízo que diz
do bom que é bom, se o bom for considerado universalmente, é
idêntico ao juízo que asserta ser bom o que é bom.157 Esse juízo em
nada difere do que diz que tudo que é bom é bom. E de maneira
semelhante se passa com o não bom.
Por conseguinte, se assim é com o juízo,158 e se as afirma­
ções e negações faladas são símbolos das coisas que estão na alma,
é evidente que a negação a respeito da mesma coisa, considerada
universalmente, é contrária à afirmação, por exemplo: ao juízo tudo
que é bom é bom, ou ao juízo todo homem é bom, são contrários
os juízos nada [do que é bom é bom], ou nenhum [homem é bom],
e, de modo contraditório, há o juízo que diz que nem tudo [que é
bom é bom], ou que nem todo [o homem é bom]. É manifesto que
não se admite ser contrário o verdadeiro ao verdadeiro, nem em
relação aos juízos [contraditórios] nem em relação às proposições
contraditórias. Com efeito, os contrários se referem aos opostos, e
a respeito desses se admite que uma mesma pessoa produza juízos
verdadeiros; porém, não se admite que os contrários subsistam
simultaneamente na mesma coisa.
49
24b 1
Aristóteles
N o ta s
1. A palavra grega άπόφανσις, literalmente “declaração”. Proposição é um análo­
go consagrado, άπόφανσις significa “um dizer para fora, objetivo, um declarar,
que aclara a condição do sujeito”. Moerbeke e Pacius preferiram enunciação
(enuntiatio).
2. Cf. Refutações sofísticas, 165a 6. Nessa obra, os símbolos estarão não no lugar
dos pensamentos, mas das coisas.
3. Aristóteles usou a palavra símbolo e a palavra sinal (σημεΐον). O símbolo é
uma convenção, o sinal é a mera remissão objetiva a alguma coisa. O símbolo
é mais que o sinal, mas também é um sinal. Cf. Retórica, 1357b 1. Na nota 38
da edição portuguesa da Retórica, Manuel Alexandre Junior, Paulo Alberto e
Abel Pena escrevem ser “o semeion um sinal, signo ou indício de que algo acon­
teceu ou que existe. Por comparação com o conceito de probabilidade, o sinal
supõe relação entre dois fatos. Se esta relação for necessária, o sinal chama-se
tekmerion (argumento concludente ou prova irrefutável)”. Cf. Retórica, 1357b 1;
1417b 2.
4. O Da Interpretação tratará essencialmente da declaração ou proposição, os es­
tados da alma ficam para outro estudo (Da Alma).
5. Cf. Categorias 13a 37-13b 12. Só se pode falar em valores de verdade para as
declarações (proposições) onde as coisas aparecem articuladas sob complexão
(συμπλοκή).
6. Cf. Metafísica, Z, 1030a 17-27. De algum modo, também o que não subsiste
pode ser dito que é.
7. Cf. Crátilo, 388a-c, onde os nomes aparecem como ferramentas, são, portanto,
lapidados para o seu fim. Também Epicuro refutará a natureza convencional
dos nomes, mas de outra tópica: “Disso se deve admitir também que os nomes
não surgem originariamente por convenção, mas as próprias naturezas dos
homens, conforme cada povo, a experimentar afecções peculiares e a captar
imagens peculiares, expelem, à sua maneira, o ar que é enviado, conforme cada
uma das afecções e imagens, de modo que então houvesse diferenças entre os
povos, conforme as regiões” ( Carta a Heródoto, p.75-6).
8. Kalos [belo]; hippos [cavalo].
9. Pequena e leve embarcação usada por piratas.
10. A natureza convencional do nome é bem cunhada aqui. Embora convencional,
o nome acolhe a natureza das coisas, na condição de símbolo.
11. “De Filão” corresponde ao genitivo; “a Filão” corresponde ao dativo.
12. Leia-se à maneira contemporânea: ainda não se entrou aqui no campo dos
valores de verdade.
13. Desde Dionísio, o Trácio, a gramática considera também o caso do nome ou
nominativo (31, 5).
14. Embora não tenha aparecido no texto grego aqui utilizado, ο ά εί [sempre] está
presente em versões da Antiguidade, como a de Boécio, e reaparece na versão
D a Interpretação
15.
16.
17.
18.
19.
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21.
22.
23.
24.
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26.
27.
28.
de Pacius. A sua exclusão por Minio-Paluello parece-me injustificada, ύπάρχω
[subsistir] aparecerá diversas vezes neste capítulo dedicado ao verbo. É um
verbo importante porque sugere não só a existência, mas a sua continuidade,
a subsistência, articulando-se, portanto, com a noção de substância. Seu uso é
um traço da língua de Aristóteles e é bem provável que seja invenção do Estagirita. A propósito, vide Kneale; Kneale, 1980, p.65.
Aristóteles detecta a dificuldade de pensar certos conceitos pela inexistência de
um nome que o designe. Às vezes chega mesmo a apontar para a necessidade
de criar o nome para designar a coisa anônima. A propósito, vide Categorias, 7a
5-22, trecho do capítulo reservado aos relativos.
“Cálias não tem saúde”: se Cálias existe e não tem saúde, a proposição é ver­
dadeira, mas se Cálias não existe, também é, nesse caso deveria ser lida: não
existe (é) Cálias são (que tem saúde) ou que não é são. A propósito, conferir
Categorias, 13b 12 e 13b 36. O predicado sempre procurará o seu sujeito, isto é,
nele deve subsistir. Outra questão é se esse subsiste mesmo.
Pacius lembra que o verdadeiro e perfeito verbo é aquele que significa a coisa
no presente. O que está ao redor desse tempo é passado ou presente.
O pensar que a coisa é não garante por si mesmo que ela seja.
O sinal sempre remete a alguma coisa para além dele. O sinal de que a coisa
subsiste é prova da existência da coisa.
Traduziu-se aqui a palavra grega pragma por “aquilo que subsiste”.
O texto de Pacius registra άπόφασις [negatio]. Dado o escrúpulo do grande
tradutor italiano, é razoável supor que ele disporia de fontes que lhe autoriza­
ram a inclusão de negação no texto.
άνθρωπος - Ackrill, em sua grande tradução do Da Interpretação para a língua
inglesa, por um descuido, traduz por “animal”.
Organon - a palavra grega que traduz instrumento, ferramenta. Aristóteles se
afasta da tese de Platão, do Crátilo.
Ackrill se insurge contra o uso de declaratory [declaratório] ao dizer que essa
tradução perde a identidade da raiz grega. Entretanto, a palavra de origem lati­
na traduz bem a grega, no caso.
Para maior clareza, repete-se aqui a expressão colocada entre colchetes.
Moerbeke traduziu o trecho por “Est autem una prim a oratio enunciativa afirmatio, deinde negatio ” [É, então, a afirmação, a primeira oração enunciativa,
una, em seguida a negação].
A articulação de unidades do discurso declaratório pode compor discurso uno.
Essa ligação é algo profundo que não se confunde com a simples presença da
conjunção.
Se se diz “Sócrates é”, ou seja, Sócrates subsiste, já estamos no campo dos dis­
cursos declaratórios. Segundo Boethius (1877-1880, p.77, 13-23), ao se dizer
“Sócrates não é”, separa-se o “ser”, enquanto predicado de Sócrates. De modo
análogo, ao se dizer Sócrates não é filósofo, separa-se o “ser filósofo”, enquanto
predicado de Sócrates.
J 1
Aristóteles
29. Ο δ ι ό τ ι [por quê?] denota uma pergunta objetiva (Mignucci, 1965, p.325). No
caso, deve haver elementos objetivos que permitam a produção da unidade.
30. Cf. Metafísica , Z , 12, e Segundos Analíticos, II, VI.
31. Assindético - sem profunda conexão entre as substâncias, cuja ausência
produz o múltiplo. Gato, cachorro, rato e outros que tais, mesmo que apareçam
sem conectivo a articulá-los, compõem a espécie animal, e como “animal” se
articulam, com ou sem conectivo, no discurso que lhes diga respeito.
32. A subsistência ou não de um predicado ou mesmo de um sujeito deve ser
sempre tomada em referência ao tempo.
33. O tempo exterior ao que é agora, exterior ao presente, isto é, o passado e
0 futuro.
34. O texto grego é muito sucinto, mas é evidente que supõe o afirmar e o negar há
pouco referidos.
35. Identificação da homonímia, da anfibolia e de outros conceitos, pela qual se
afastam os embaraços da proposição apresentados pelos sofistas, descritos
sobretudo nas Refutações sofísticas. A esse propósito consultar também a
Metafísica, 1005b 19-35, onde se apresentam o princípio da contradição e as
restrições, as precisões de sentido, de tempo, de linguagem, necessárias para
que ele se imponha. Especificamente sobre a homonímia, vide Categorias, la
1 -1 a 6. Trata-se de citação clara a este último tratado, que o Da Interpretação
certamente supõe.
36. O universal e o singular são substâncias e por isso podem acolher as demais
categorias.
37. “Todo homem é branco” e “todo homem não é branco” (“nenhum homem é
branco”) são proposições contrárias. Sobre o universal, consultar os Segundos
analíticos, 73b 26-27.
38. A brancura subsiste no sujeito universal, segundo a teoria das categorias. “Todo
homem é branco” // “todo homem não é branco” (“nenhum homem é bran­
co”) são proposições contrárias. Nessas proposições, o universal foi tomado
universalmente.
39. Na proposição “um homem é branco”, o universal é particularizado, não é
tomado universalmente, mas uma parte do conjunto dos homens é retirada,
uma parte qualquer indefinida, não singular, por isso não há necessariamente
contradição entre “um homem é branco” e “um homem não é branco”. Eis por
que uma parte do conjunto dos homens (isto é, do universal) pode ser branca,
pode ser amarela, pode ser negra. A tais proposições se refere Aristóteles
nos Primeiros analíticos como declarações particulares, 24a 17, 25a 7-13. A
expressão έυ μ έ ρ ε ι se aplicará também aos silogismos, 53a 5-17. De modo
diferente, na proposição “todo homem é branco”, ou universal “homem” é
tomado universalmente (todo).
40. Portanto, nas proposições “um homem é branco”, “um homem não é branco”, o
universal não foi tomado universalmente.
41. Já na proposição “todo homem é branco”, o universal (homem) foi tomado
universalmente (todo).
42. Esse trecho vai contrastar com o que o segue imediatamente.
D a Interpretação
43. A operação com o quantificador universal (todo) não pode ser aplicada ao
predicado. Isso conduziria a absurdos como a multiplicação do singular:
“Sócrates é todo homem”. Na proposição “todo homem é todo animal” haveria
diversas identidades entre o homem e o animal. A espécie ou o gênero ora
aparece em Aristóteles como coletivo inspirado na biologia, o universal na
totalidade dos indivíduos concretos, cujo pioneiro foi Aristóteles, ora aparece
como a forma do múltiplo, o universal extraído dos indivíduos concretos.
Evidentemente, na frase “Sócrates é animal”, é a forma do múltiplo que
comparece. Afinal, não é possível, pela proposição, revelar uma identidade
quantitativa entre o indivíduo e o conjunto de seus pares (coletivo), pois se
isso fosse possível, também nesse caso Sócrates, paradoxalmente, seria mais
de um. Averroès (2000, p.98) observará em seus Comentários médios que a
quantificação do predicado leva ou ao erro (“todo homem é todo animal”) ou
à redundância (“todo homem é um animal”).
44. Segundos analíticos, 86b 33-36, sobre a anterioridade da afirmação em face da
negação. Al-Farrabi (apud Benmakhlouf e Diebler, Introdução ao Commentaire
moyen, 2000, p.51-2), dá três razões para a anterioridade da afirmação: a
primeira é a simplicidade, a negação tem uma partícula a mais; a segunda é o
fato de a afirmação possibilitar o conhecimento da coisa, enquanto a negação
nos remete ao que é exterior à coisa; a terceira razão é dada pela frequência, a
afirmação é mais usada nos silogismos do que a negação.
45. Normalmente se traduz a palavra àVTÍ^aotç por “par de” proposições con­
traditórias ou par de contraditórias. Mantive o sentido primeiro, sem prejuízo,
a meu ver. Há uma imprecisão no trecho que remete a duas universais tomadas
universalmente e contraditórias. Eventualmente, ambas serão falsas: “todo
homem é branco” // “todo homem não é branco”.
46. Isto é, homem, conceito universal, tomado não universalmente, quantificado
por um, algum, nem todos. Enfim, proposição particular.
47. “Um homem não é branco” significa um qualquer, uma parte do conjunto dos
homens não é de brancos. Nenhum introduz uma universal, e pode ser lido
como “de todos os homens, nem ao menos um”.
48. Enfim, as possibilidades já dadas: todo homem (universal tomado univer­
salmente), Sócrates (sujeito singular), um homem qualquer (o universal não
considerado universalmente).
49. As proposições, para esclarecer a passagem: “Sócrates é amarelo” e “Sócrates
não é branco” não são contraditórias (a mesma coisa, Sócrates, se refere a duas
outras, brancura e amarelidão). O par “o porco é animal” e “a árvore não é uma
planta” poderia ser exemplo de uma outra coisa negada de outra coisa. Nesses
casos, as negações são totalmente exteriores e não constituem contradição. Era
isso que Antístenes (Metafísica , 1024b 30-35) sustentava acontecer sempre,
quando dizia ser impossível a contradição. Sua posição foi notável contributo
para o desenvolvimento do conceito de negação e de sua relação com o conceito
de contradição, os quais encontram a forma definitiva em Aristóteles. A despeito
J3
Aristóteles
de sua crítica, Aristóteles prestou-lhe a devida homenagem, seja na Metafísica
seja nos Tópicos, 104b 18-22. No trecho ora analisado, é inequívoco o eco do
pensamento antistênico no jovem Aristóteles. Vale notar que Platão manteve
eloquente silêncio a propósito de seu contemporâneo Antístenes e de suas
desconcertantes teses. Aqui evitei traduzir coisa por predicado ou sujeito,
até para mostrar que os recém-nascidos não vêm ao mundo limpos, como
sugerem certas traduções. Com o parto da teoria das proposições, as coisas
não se passaram de modo distinto do habitual.
50. “O homem é branco” e “o homem não é branco” são duas proposições
particulares que podem ser simultaneamente verdadeiras, ou simultaneamente
falsas. A considerar de modo rigoroso, se se tratar de sujeitos distintos, não
caberia falar aqui em contradição. Como Aristóteles mesmo afirmara neste
Capítulo VII: “[...] é necessário a negação negar a mesma coisa que a afirmação
afirma e da mesma coisa [sujeito] [...]”.
51. Se há um predicado, um sujeito, um quantificador, há apenas uma afirmação e
apenas uma negação.
52. Significar uma coisa de uma coisa: um predicado de um sujeito.
53. Himátion, originariamente, significa veste, mas está aqui como um simples nome.
54. A redação desse trecho é muito sintética, o que gera diferentes caminhos de
tradução. O trecho deve ser lido, porém, da seguinte maneira: as proposições
contraditórias referentes a coisas universais, consideradas universalmente, são
duas: uma verdadeira, outra falsa. Isso, porém, nem sempre ocorre.
55. Das proposições contraditórias referentes a coisas singulares, uma é verdadeira,
a outra é falsa. Não confundir o particular com o singular. Hegel, em sua lógica,
trabalhará com a particularidade, a singularidade e a universalidade, de modo
a marcar o peso da herança do Estagirita (um homem qualquer, Sócrates, e
todos os homens).
56. Aristóteles usa a redução ao absurdo para demonstrar que a possibilidade
é uma categoria de que não se pode prescindir. É por isso que dirá adiante:
“Essas e outras coisas desse gênero são os absurdos que sucedem, se de fato é
necessário ser uma das opostas verdadeira e a outra, falsa [...]” (18b 26), em sè
tratando do^uturos contingentes.
57. Na verdadé,fflá‘ uma dificuldade em se trabalhar com os valores de verdade e
falsidade para os futuros contingentes, e o raciocínio de Aristóteles peca aqui
exatamente por isso.
58. O texto estabelecido por Minio-Paluello traz a palavra |J.éÀav [negro], que me
parece mais próxima da lógica do texto, ainda que fora da tradição (Moerbeke,
Pacius, Tricot, Ackrill), que considera aí haver |J,£Yav [grande]. Em verdade, a
diferença em grego é de uma letra, um gam a que se troca por um lâmbda. Com
essa opção de tradução, o trecho do Da Interpretação em exame se aproxima
mais da solução do princípio da contradição na Metafísica, 1005b 19.
J4
D a Interpretação
59. A preocupação que se teve foi evitar formas verbais do português que pudessem
encerrar a noção de possibilidade, por isso a opção, ainda que às vezes pouco
natural, pelas formas “era” e pelo futuro simples “será”: “[...] era verdadeiro
dizer que isso será”.
60. Em ato, atuais; coisas atuais, que existem agora, que se opõem às coisas
em potência.
61. Passagem muito sintética. Há aqui o trabalho magistral do filósofo a precisar
que dizer que todas as coisas são, necessariamente, quando são, e dizer que o
ser é necessário simplesmente, isto é, absolutamente, incondicionalmente, sem
o quando, sem a referência ao tempo, significa dizer coisas bem distintas. Vale
observar que, se, no trecho anterior, Aristóteles falava do par de contraditórias,
aqui ele fala simplesmente das coisas, do ser.
62. Há uma razão para que se conclua, de todo o capítulo exposto, não serem as
proposições de futuro contingente, de modo determinado, verdadeiras, mas
serem de modo indeterminado, ou verdadeiras ou falsas (“Quod ex toto hoc
capite colligitur, est propositiones de futuro contingenti non esse determinate
veras, sed indeterminate veras, hoc est, aut veras aut falsas”). Commentarii
Collegii Conimbrensis, 1976, Articulus III, p.186. III Mas o verdadeiro indeter­
minado já não é o simplesmente verdadeiro.
63. Todos os discursos declaratórios verdadeiros, a unidade simples ou os com­
postos dessas unidades simples.
64. No caso da modalidade do contingente. Nessa hipótese, a contradição se
mantém em suspenso até que a coisa se torne, e a contradição corresponde à
situação ontológica do futuro.
65. O ser tem na frase o sentido de existência: as coisas nem sempre existentes ou
as coisas nem sempre não existentes.
66. Algo que mais se aproximaria em um primeiro juízo de verdade, que se situa
no domínio da probabilidade.
67. A lógica das coisas que podem ser (do futuro contingente) não é a lógica das
coisas que são.
68. Unidade declaratória, isto é, a coisa (una) que se afirma é dita de uma coisa
una, da qual é dita a coisa (una) que se nega.
69. Em todas essas construções, o verbo ser tem sentido existencial. Não funciona
como cópula, mas predica da existência o sujeito.
70. Como cópula, articulando o sujeito e o predicado.
71. A questão gramatical (nome ou verbo?) a propósito da cópula é aqui irrelevante,
afinal a análise de que se cuida é de natureza lógica.
72. Primeiros analíticos, 1 ,46, 51b 36-52. Na verdade, há diferenças entre a ordem
das proposições no Da Interpretação e a ordem nos Primeiros analíticos,
embora alguns tradutores ajustem essas passagens ao que está posto nos
Primeiros analíticos (vide Ackrill e Tricot, à diferença de Cooke). A ordem das
proposições nos Analíticos é a seguinte:
55
Aristóteles
(a)
(d)
X
(b)
(c)
73. Três partículas negativas, três nãos na frase. Todavia, só uma delas, a que se
cola à cópula, indica a negação. As outras funcionam como índice de privação.
74. Esse nome seria o sujeito; mantive, todavia, a solução do original.
75. Talvez encontrem aqui os antecipacionistas uma ligação entre a dispensa
da cópula na lógica contemporânea, em Peirce ou Frege, e o pensamento
aristotélico, e não se poderá dizer que não há alguma razão em tal paralelismo.
Todavia, Aristóteles tem à sua frente o problema dos diversos sentidos do ser
e, especialmente, da forma verbal “é”: ora é meramente uma cópula, ora é o
próprio predicado, a expressar o sentido primordial do ser. Para além disso,
há a função técnica da cópula, em relação à qual se distingue a natureza da
negação: se esta incide sobre o terceiro elemento, é a atribuição do predicado
ao sujeito que é negada; se ela incide sobre o predicado, é uma partícula
metatética que torna esse predicado indefinido; se ela incide sobre o sujeito, há
a indefinição metatética do nome; se ela incide sobre o modo, é uma negação
modal. A cópula tem assim o sentido técnico de funcionar como localizador da
posição da negação. Aristóteles, porém, definiu do ponto de vista meramente
lógico-ontológico o significado das relações sujeito-predicado, nas Categorias.
Nessa perspectiva, o fundamental é que o predicado esteja no sujeito ou que
dele seja dito e não a presença do terceiro elemento, isto é, da cópula, esse
acidente maravilhoso do grego, das línguas latinas e de tantas outras. É claro
também que a cópula denuncia que não há pausa, que se diz “Sócrates é
branco” e não “Sócrates; branco”. Isso parece ter alguma relevância em uma
língua que não conhecia o sistema de pontuação gráfica, diferentemente das lín­
guas contemporâneas.
76. A propósito, vale conferir a formulação do princípio da contradição na
Metafísica , 1005b 19.
77. “Nem todo animal não é justo” e “algum animal é justo”. Em verdade, trata-se
de proposições particulares e que poderiam ser expressas como “o animal nãp
é justo” e “o animal é justo”, ou ainda “algum animal é justo” // “algum animal
não é justo”, ou também: “nem todo animal não é justo” // “nem todo animal é
justo”, onde “nem todo” significa algum, alguns.
78. Trecho muito sintético. Tricot supõe existir no texto um homem justo; Ackrill
é mais literal (for there must be one). Todavia, é evidente que a hipótese só faz
sentido se, ao menos, um homem existe. Aristóteles usou simplesmente aqui o
indefinido τις [um, alguém, algum].
79. τα κα θ’ ^κόοτον [o segundo cada um, o singular]; a expressão particular não
traduz a expressão grega, pois remete ao indiferenciado e não ao singularizado.
Pacius já o captara ao traduzir por in singularibus, isto é, no caso dos [sujeitos]
singulares. Ackrill, em seu excelente trabalho, deixa escapar essa importante
J>6
D a Interpretação
nuança, pois traduziu a expressão em sua língua do seguinte modo: “with
regards to particulars”, isto é, com respeito aos [sujeitos] particulares. Hegel
traduziu bem essas nuanças da lógica aristotélica e as empregou mesmo em
sua filosofia do direito, verdade que à sua maneira. O singular de Aristóteles é
reconhecido como uma particularidade definida - die bestimmte Besonderheit
(2005, § 207). Em Aristóteles, o particular é sempre um qualquer, indefinido.
A particularidade, ao mesmo tempo, definida e capaz de expressar o universal
será, em Hegel, a singularidade (Einzelheit ). É interessante notar como o léxico
hegeliano está permeado pelas invenções aristotélicas. Levada para a história
por Hegel, a singularidade adquire uma aura que a biologia de Aristóteles
desconhece. Do ponto de vista meramente lógico, porém, a proposição
“Sócrates é homem” embute a solução hegeliana, pois o sujeito singular já
carrega o universal (2003, p.82-3).
80. Esse trecho é um dos que falam mais forte em favor dos propósitos dialéticos
do tratado Da Interpretação, tese sustentada pelos medievais e por Averroès,
(2000, p. 121). Whitaker, nos tempos recentes, (re)descobre essa tese com sabor
de novidade, como se ela não pertencesse a uma longa tradição. A propósito cf.
Commentarii Collegii Conimbricensis in universam dialecticam Aristotelis.
81. Ou seja, algum homem não é sábio. Tenha-se em mente que em tais casos não se
pode inferir a verdade da contrária, senão eventualmente. A inferência não
será, portanto, necessária. Para ser necessária, é preciso supor o trânsito da
negação. Não havendo um homem, a proposição “algum homem não é sábio”
deve ser lida como “não existe um homem sábio” ( Categorias 13b 12-36), e,
assim, será verdadeira.
82. Acréscimo de expressão é: “o pássaro é não homem”, ou “o não homem é justo”,
ou o simples verbo como predicado da existência: “o não homem é”.
83. Algum não homem não é justo, isto é, alguma parte do conjunto dos não
homens não acolhe o predicado justiça.
84. Nesse caso, a metatética universal equivale a uma proposição não metatética.
Dito de uma maneira própria da linguagem categorial: se o predicado não jus­
tiça é atribuído a todo não homem, isso equivale a dizer que o predicado
justiça não é atribuível a nenhum não homem. O que se pode dizer aqui é
que com os nomes indefinidos, sujeitos ou predicados, com as construções
metatéticas, a lógica de Aristóteles se descola da linguagem natural. Poder-se-ia
objetar que se trata de experiência já presente na língua grega clássica, mas
seria forçar a barra. O grego clássico, é verdade, admite os nomes indefinidos,
mas não com o sentido e alcance que vemos no Da Interpretação, que passa a
ser puramente técnico ou lógico. Não se deve confundir a privação (mediante
o alfa privativo) dos nomes concretos, experiência presente no grego clássico,
com os nomes indefinidos. A diferença entre esses casos é que o primeiro
remete à particularidade e o segundo parece remeter à universalidade.
A palavra vowç, por exemplo, significa nave; a palavra à-vau ç significa uma nave
51
Aristóteles
que já não é mais, isto é, uma nave que se privou de sua condição de nave, mas
não uma não nave, no sentido que Aristóteles nos traz no Da Interpretação,
que seria tudo o que não é uma nave. Por que metatéticas, por que nomes
indefinidos? A resposta é que se trata de discutir os sentidos e o alcance do
“não”, questão central tanto na lógica quanto na dialética.
85. Quando se refere à negação aqui, Aristóteles está dizendo negação contradi­
tória. No exemplo, “o homem é branco” / “o branco é homem”, observa-se que
a ordem não subverte a natureza do conceito.
86. Chega-se assim ao absurdo, ao se admitir que a ordem dos termos proposicionais gera novas proposições. Em verdade, ao se dizer que “branco é o
homem” e “o homem é branco” se diz uma mesma proposição, do mesmo modo
que a negação da primeira e a negação da segunda proposição constituem uma
mesma negação.
87. Enfim, é preciso estar atento se a multiplicidade conforma a unidade. O gênero
mais a diferença parecem produzir sempre algo de uno, como em homem,
animal, dípode e racional. A definição é por natureza una e ela se forma do
gênero e da diferença. É evidente que não se trata nesse caso de qualquer
diferença, mas daquela que seja apta a revelar a essência. Sobre diferença e
definição, vale consultar os livros V e VI dos Tópicos, bem como o livro II dos
Segundos analíticos.
88. Não basta enfileirar predicados, há necessidade de que eles sejam expressão de
atributos articulados de uma mesma coisa, para que explicitem a unidade.
89. Cf. Tópicos, 160a 18-35; Refutações sofísticas, 169a 6-22, 175b 4 0 - 176a 18 e
seguintes, 181a 3 8 1 8 1 b 1.
90. Como observa Tricot em nota a esse trecho em sua tradução, a interrogação
sobre a natureza da coisa não deixa ao indagado outra opção. A interroga­
ção dialética, porém, deixa sempre uma afirmação e uma negação diante do
interlocutor. Para além desses aspectos, Aristóteles mostra que há espaço para
perguntas essenciais fora da estrutura dialógica pensada e vivida por Platão, e
pelo próprio Aristóteles nos diálogos perdidos, uma vez que o Estagirita tam­
bém escreveu diálogos, ainda que esses não tenham chegado a nós.
91. A interrogação dialética aqui: isto é o homem? Isto não é o homem? Mas não
quando se pergunta o que é o homem?
92. O homem é animal dípode.
93. Tricot chama de predicado total. O texto grego apenas registra a palavra “todo”.
94. Κ ατά συμβεβηκός. Não há formação de unidade, se a composição é de
acidentes. A unidade deve revelar uma articulação mais profunda que escapa
ao meramente acidental.
95. Trecho muito sintético, mas o que expressa é que mesmo aquilo que subsiste
em outra coisa com essa não se confunde, se não, seria a mesma coisa, com
uma mesma existência. E, pelo fato de, nesse aspecto, não formar uma unidade,
não faz sentido proposição como “o homem é homem animal”.
JS
D a Interpretação
96. Há um corte na argumentação. Embora as frases sejam semelhantes, o dípode e
o animal subsistem no homem, mas o homem não é para esses predicados um
outro, mas o mesmo. Nas Categorias, 2a 1 l-2a 19, Aristóteles preferiria dizer o
homem subsiste no animal.
97. Um homem vivo é homem.
98. A noção de homem morto contradiz a noção de homem, animal (animado,
vivente) racional. Se se disser “o homem branco é homem” não há contradição.
Ainda: “o homem branco é preto” (falso); “o homem branco mora em Atenas”
(falso ou verdadeiro).
99. Ser absolutamente, existir.
100. Não se trata aqui do ser absolutamente, que significa existir (Averroès, 2000,
p. 129): “Se se disser apenas que Homero é, isso é falso, [...] porque ele não
existe nesse momento. A razão disso é que a palavra pela qual nós dizemos e’ se
predica de Imru’uTQaus (poeta árabe, que substitui, no exemplo de Averroès,
Homero) quando esse é objeto da imaginação ou poeta, e não segundo uma
predicação primordial e relativa à sua essência, a saber, de uma maneira
absoluta. E, ao se dizer que ele é, enquanto ele é objeto da imaginação no
pensamento, o enunciado é verdadeiro”.
101. κατηγορία [atribuição],
102. λόγος, em grego, traduz-se por enunciado, discurso. Aqui segui Pacius, o qual
traduziu λόγος por definição.
103. Uma coisa, o indivíduo, o particular, rigorosamente, é a substância. Por isso
não se poderia em um sentido primeiro dizer que o azul é, mas se poderia dizer
que as coisas azuis são e, por conseguinte, que o azul é. // Na frase “Nicômaco é
o filho de Aristóteles”, se Nicômaco existir, Nicômaco será por si mesmo e não
por acidente em relação ao ser filho de Aristóteles. Nesse caso, será verdadeiro
dizer que Nicômaco é absolutamente.
104. O contingente em Pacius e em grande parte da tradição. A opção por admissível
(Ackrill, 1974, Capítulo XIII) me parece mais assimilável, todavia. Há que se
ter presente aqui que esses termos (possível, impossível, necessário, admissível)
condicionam o espaço proposicional e modificam a negação. Aristóteles mos­
trará que essa deverá incidir sobre o modo e não sobre o verbo que se situa
entre o sujeito e o predicado, diferentemente das proposições não modais.
A (Lei dos Pares Contraditórios - LPC), como observa Whitaker, é mantida,
mas graças ao deslocamento da negação, como se verá adiante.
105. A conclusão a que se chega aqui é semelhante àquela a que se chega pelo
princípio da contradição. Esse fato apenas denuncia a relação entre a LPC e o
princípio dos princípios.
106. Em verdade, no segundo caso a cópula segue importante para a determinação
da posição da partícula negativa. Se ela incide sobre a cópula, temos uma
proposição não metatética; se ela incide sobre o predicado, temos uma propo­
sição metatética.
59
Aristóteles
107. Não se pode deixar de identificar a relação dessa passagem com o princípio da
contradição ( Metafísica, 1005b 19 e seguintes). Também um pouco mais adiante:
“[...] a mesma coisa é afirmada e negada simultaneamente de um mesmo”. O
fato de o verbo nas contraditórias se apresentar em um mesmo tempo e de estar
embutido na proposição conduz ao ocultamento do tempo ou à sua limitação
na formulação seguinte: “todavia, é impossível em relação à mesma coisa que
as proposições opostas sejam verdadeiras”. O princípio da contradição, por
enfocar a coisa e não a proposição, vai explicitar o aspecto e o tempo. Isso
tem importantes consequências. Consideremos as proposições “Sócrates
é calvo” // “Sócrates não é calvo”. Pela LPC, suponha-se que a proposição
“Sócrates é calvo” seja verdadeira, “Sócrates não é calvo” será proposição falsa.
É possível, porém, que Sócrates não é calvo tenha sido uma proposição ver­
dadeira no passado. Essa hipótese, porém, vai muito além da LPC, não lhe diz
respeito, ainda que se submeta ao âmbito do princípio da contradição. Esse fato
confirma a universalidade e o nível de generalização superior do princípio dos
princípios. No presente trecho, trata-se de demonstrar que a negação do modo
da possibilidade deve incidir sobre o possível e não sobre o verbo fora do modo.
108. A posição da partícula negativa nas proposições modais se cola ao modo. Se
ela comparece no restante da proposição, no ser isso , em é impossível (não) ser
isso, por exemplo, ela tem uma função similar à da partícula metatética nas
proposições não modais.
109. Sujeitos atuais por oposição aos sujeitos regidos pelo modo.
110. No texto grego utilizado, essa oração se separa da anterior por ponto e vírgula.
111. Evidentemente, Aristóteles foi aqui movido pela necessidade de preservar uma
mesma regra para as modalidades em geral. A lógica não examina as coisas
que apenas servem ao correto por acidente, observou Averroès em seu ensaio
“A propósito dos predicados isolados e compostos e da crítica da posição de
Avicena” (2000, §3.1). Todavia, o modo da necessidade tem a sua especificidade
e as duas proposições - “é necessário que isso aconteça” e “é necessário que isso
não aconteça” - são incoexistíveis. Essa é mais uma diferença desse modo em
relação ao modo do possível.
112. Também as proposições “é impossível isso ser” e “é impossível isso não ser” são
incoexistíveis, ou incompatíveis, mas se trata de preservar aqui a universalidade
da regra lógica da modalidade e da negação que se cola ao modo.
113. Aqui se apresenta um jogo das modalidades, as inferências que elas se
permitem entre si, que revelam as relações entre os modos. A palavra grega
óa<oA.oij0r|aiç [inferência], derivada do verbo òcKoXovGèco [seguir], literalmente
significa sequência; por exemplo, a operação lógica que faz com que de A siga
logicamente B.
114. Sempre se fala da equivalência do possível e do admissível. Já observara João de
Salisbury (apud Isaac, 1953, p.55) que o possível e o contingente (admissível)
têm praticamente o mesmo sentido no Da Interpretação. O possível, porém,
parece remeter à objetividade e o admissível à ordem do pensamento. Não faria
6o
D a Interpretação
sentido Aristóteles colocá-los meramente como sinônimos. Enfim, temos aqui
as duas ordens: a ordem das coisas e a ordem do pensamento. Cf. Primeiros
analíticos , 32a 18. O leitor terá oportunidade de observar que o admissível
é essencialmente uma posição do pensamento. Cf. ainda Lukasiewicz, 1972,
p. 163. Cf. também Ackrill, 1974, p. 149. Sustento, porém, que não há palavras
a sobrar no Da Interpretação, especialmente neste capítulo. A questão não é de
sinonímia, portanto.
115. O próprio Aristóteles confirma a equivalência do possível e do admissível,
nessas passagens. Todavia, há que subsistir alguma distinção de sentido para
que os termos sejam apresentados como modalidades distintas, e a razão me
parece a apontada na nota anterior. Demais, a equivalência é uma forma de
articulação de modos diferentes aqui. Articulação que acontecerá também
entre o possível e o necessário, mas mediante o uso da negação ou ainda
mediante o uso dos conectivos e e ou (é possível p e ~p equivale a é necessário
p ou ~p). A lógica das modalidades de Aristóteles só tem o alcance que tem
porque considera a articulação dos diferentes modos. É exatamente aí que ela é
genial e interessa mesmo às matemáticas atuais.
116. Estamos aqui no campo das inferências, que Aristóteles chama de sequências:
umas por contradição e outras por contraposição. Por exemplo, do impossível,
por contradição, segue o possível; do impossível, por contraposição, segue
o não é possível. Da primeira inferência segue a contraditória; da segunda
segue um mero espelhamento, uma reversão do enunciado em sua forma
mais analítica.
117. Não se trata aqui de proposições contraditórias.
118. A expressão αίτιον traduz-se aqui por “causa” (Pacius, 1967).
119. O impossível por maneira inversa corresponde ao necessário; isto é, o comple­
mento do modo de um é negado em face do outro: “é impossível isso ser”
corresponderá a “é necessário isso não ser”.
120. Temos aqui uma redução ao absurdo perfeita. Vejamos: se “é necessário isso
ser” não supõe “é possível isso ser”, então “é necessário isso ser” suporá “é im­
possível isso ser”, mas como algo é necessário ser, se for impossível que seja?
121. A possibilidade é mais ampla que a necessidade e, como modo, não pode
ser reduzida ao modo da necessidade. “É possível isso ser” encerra, no plano
meramente abstrato, simultaneamente “é necessário isso ser” e “é necessário
isso não ser”, “não é necessário isso ser”, “não é necessário isso não ser”. De toda
maneira, esse trecho guarda alguma dificuldade. Em que sentido se pode dizer
que o “é necessário isso ser” e o “é necessário isso não ser” não seguem de “é
possível isso ser”? A resposta é, talvez, in concreto que ambas não seguem lógica
e simultaneamente do é possível, mas isoladamente cada uma delas sucede (e
não segue necessariamente), no singular, do épossível. Demais, do momento em
que uma delas é real, a outra já não é possível. E aí já não cabe mais falar do
possível, mas simplesmente do necessário.
6/
Aristóteles
122. “É necessário isso ser” e “é necessário isso não ser” não podem ser verdadeiras
simultaneamente, ainda que não sejam modalmente contraditórias. Esse é
um fato que mostra a especificidade da necessidade e da posição na negação
nesse modo. Com efeito, a negação interna nesse modo (interna por oposição
da negação que incide sobre a modalidade) tem um significado totalmente
123.
124.
125.
126.
distinto da negação interna no modo do possível, pois as proposições “é
possível isso ser” e “é possível isso não ser”, ao contrário daquelas, coexistem.
E, diria, constituem apenas uma proposição (vide comentários ao Capítulo IX).
Absurdo seria que a LPC fosse violada e se chegasse a duas contraditórias
verdadeiras.
O raciocínio por absurdo segue nesse trecho. Se algo deve ser necessariamente,
esse fato exclui que esse mesmo possa não ser ou se admita não ser, afinal o
modo da necessidade como que corta a disjunção puxada pela possibilidade,
essa a sua especificidade. Eis por que o necessário não é redutível ao possível.
Aquelas coisas que podem ser pela intervenção da razão, sujeitas à deliberação,
a qual sempre trata de escolhas entre possibilidades, ou melhor, entre admissibilidades (comentários ao Capítulo XIII).
O exemplo torna claro o conteúdo da expressão: as potências da natureza, não
humanas, isto é, sem o uso da razão.
127. As palavras gregas δυνατόν e δύναμις são traduzidas aqui por “possível” e
“potência”. Potência no sentido de feixe de possibilidades ou capacidades.
128. Como observa Tricot, em nota que corresponde a esse trecho: “O possível não
pode ser afirmado do que é necessário absolutamente, mas pode ser do que é
necessário ex hipothesi, pois será necessário que a coisa seja quando ela for”.
O absolutamente necessário não pode ser apresentado como a potência sepa­
rada do ato, pois de alguma forma já é também ato.
129. O possível tem um nível de generalidade maior do que o necessário. A pro­
pósito, vide nota 120.
130. XÒ ÕV [o que é], aqui com o sentido de existência.
131. A substância primeira aparece aqui em sentido próprio à passagem da
Metafísica, 1050b 3. Aí Aristóteles se refere a substâncias que seriam atos puros.
Mais do que uma questão teológica, tais substâncias revelam hipótese lógico-ontológica onde se dá a supressão do momento de potência para alguns seres.
O sentido de substância no caso nada tem a ver com o sentido do Capítulo V, 2a
11-15, Categorias.
132. Em 17b 28, Aristóteles se referiu a tais proposições como contraditórias.
133. Nas Categorias, 13b 12-36, Aristóteles trata dessa matéria. Aí responde por
que precisamente seriam contrárias (contraditórias) a afirmação e a negação.
É que uma delas será sempre verdadeira e a outra falsa. Suponham-se as pro­
posições “Heliodoro é doente” // “Heliodoro não é doente”, se Heliodoro existe,
uma delas será verdadeira e a outra, falsa; se Heliodoro não existe, “Heliodoro é
doente” será falsa, e “Heliodoro não é doente”, verdadeira. Para isso ser possível,
62
D a Interpretação
há necessidade de trânsito da incidência da negação: lá ela incide sobre o pre­
dicado; aqui ela incide sobre a existência do sujeito. Nesse caso, o verbo é mais
do que a cópula.
134. O objeto do tratado é o exame das proposições, dos seus tipos e das leis
de inferência entre elas, da negação que é um dos pontos-chave da lógica
proposicional. Sob esse ponto de vista, não cabem discussões psicológicas
(Cf. Da Interpretação, 16a 7). Porém, aqui Aristóteles volta à sede produtora
das proposições, onde elas aparecem como juízos (ou crenças, segundo outras
traduções), isto é, como produto da atividade mental ou do espírito.
135. Ali, isto é, na mente.
136. O bom e o mau (Pacius).
137. Essa passagem põe uma pedra nas dúvidas que o texto tenha gerado no que
concerne ao emprego da expressão contrário e da expressão contraditório. Os
juízos são essencialmente contrários, ou melhor, contraditórios, por serem
expressos de modo contraditório, isto é, por meio da negação e não por meio
de uma expressão meramente contrária. Para levar a cabo a sua argumentação,
Aristóteles chega ao exagero de dizer que o juízo que diz do bom que é bom e
o juízo que diz do mau que é mau talvez sejam o mesmo.
138. É infinito o número de possibilidades de atribuições a um sujeito de predicados
que nele não subsistam; porém, em que sentido se poderia dizer que a coisa tem
sempre um conjunto de atributos infinitos que poderiam equivocadamente
serem ditos não subsistentes nela? No mínimo, há uma assimetria entre as duas
colocações. Com efeito, o primeiro número deverá ser maior que o segundo.
139. O engano se produz quando se espera a proposição verdadeira e se alcança a
falsa, isto é, se produz entre as contraditórias.
140. Na gênese, algo que não era passa a ser: dois juízos opostos e contraditórios
nela figuram: isto é, isto não é.
141. O objetivo dessa passagem é desqualificar a negação que não se faz pelas
contraditórias. No caso, se o bom não é mau, o contrário de bom será mau,
mas esse será um contrário acidental, e não por si mesmo ou essencial.
142. Por si mesmo, não por outro, por sua própria essência.
143. O juízo falso por si mesmo, isto é, aquele que diz do bom que não é bom, ou do
que não é bom que é bom, será mais falso do que aquele que diz do bom que é
mau, ou do que não é bom que não é mau.
144. O parto da doutrina exige uma complexa argumentação cujo fecho é que a
afirmação e a negação encerram o juízo mais verdadeiro e o mais falso.
145. O engano, o erro, se dá ao se atribuir um contrário daquilo que é àquilo que é.
146. A propósito, pelas diferenças e semelhanças, vale conferir o Capítulo X das
Categorias, que trata dos opostos. Em 11b 17 pode-se 1er: “Diz-se que uma
coisa se opõe a outra de quatro modos: ou como os relativos, ou como os
contrários, ou como a privação e a posse, ou como a afirmação e a negação”.
6J
Aristóteles
147. Introduzi a expressão “por si mesmo” entre colchetes, para que a passa­
gem se tornasse coerente. A expressão pode ser traduzida por em essência,
essencialmente.
148. Esse juízo é a articulação de dois juízos: isso é bom, isso é mau; donde o que é
bom é mau.
149. Ao invés de mau, deve-se supor “não é bom”.
150. “O homem é homem”; “o homem não é homem”.
151. Por exemplo, “a árvore é árvore” // “a árvore não é árvore”.
152. Se fosse o verdadeiro contrário ao verdadeiro, estaríamos não diante de um
contrário, mas de um mesmo, e de um mesmo contrário a si mesmo. Enfim,
estaríamos diante de um absurdo.
153. O texto é muito sintético como que a revelar a economia das anotações e não o
texto rematado dos tratados. Em verdade, está-se sempre a tratar de juízos ou
discursos declaratórios: isso não é bom, isso é mau etc.
154. O neutro plural foi usado aqui e também poderia ser traduzido por essas
coisas, essas determinações, no caso.
155. A interpolação de Minio-Paluello foi modificada aqui por mim, uma vez que
pareceu confusa. De fato, operei a disjunção dos colchetes da edição de Lorenzo
Minio-Paluello.
156. O nada no grego, como no português, torna a segunda negação expletiva: tanto
faz, assim, dizer nada do que é bom é bom, ou nada do que é bom não é bom.
Por sua vez, o artigo definido como quantificador equivale a um quantificador
universal.
157. O “bom é bom” e “o que é bom é bom”; ou ainda como está explícito no texto:
“tudo o que é bom é bom”.
158. O juízo ou a opinião se apresentam como operações da mente (ou alma); a
proposição, por sua vez, aparece como um momento objetivo, onde essas con­
siderações psicológicas são desprezadas. /// Há dois níveis aqui, o da alma
(juízos) e o das proposições como tais, objetivamente consideradas por sua
estrutura. No primerio caso, estaríamos diante do que Quine (1956, p. 17787) chamou atitudes proposicionais. Em alguns textos gregos, a palavra
áv-úíjxxaiç [proposições contraditórias, par de proposições contraditórias] não
aparece, mas sim ówtóíjxxaiç [negação]. É o caso da solução paciana onde a
distinção entre os níveis desaparece. // / Quer tenha esse trecho sido agregado
por Theofrasto ou não, a sua proximidade com o princípio da contradição em
sua formulação na Metafísica é patente. Cf. 1005b 19. Em todo caso, essa é
uma das passagens que mais geram diferenças nas traduções. O leitor poderá
conferi-lo se cotejar o presente trecho com o de outras traduções. Sobre opostos
e contrários, vide Categorias, 11b 17-24.
64
Comentários
O livro Da Interpretação, de Aristóteles, é um daqueles peque­
nos textos que conheceram a glória ainda na Antiguidade, seja pelo
tema, seja pelo tratamento genial conferido ao seu conteúdo, seja
pela concisão, que facilitaria o trabalho de reprodução dos copistas.
Com as Categorias, tratado a que o Da Interpretação segue,1
chegou ao Ocidente pela via latina, e não pelas mãos dos árabes ou
pela herança de Bizâncio.2
Poucos autores terão influenciado na recepção de sua própria
obra pelos pósteros como Aristóteles. Alexandre Magno, de quem
fora preceptor, funda a cidade de Alexandria, cuja importância para
a cultura universal é extraordinária, basta lembrar a sua famosa
biblioteca.
O romano e patrício Boécio, cujo pai fora administrador do
Egito, será um dos grandes tradutores de Aristóteles e entrará em
contato com a tradição filosófica grega na cidade de Alexandre.
Cogita-se mesmo que aí tenha sido aluno de Ammônio, um dos
principais epígonos do Estagirita na Antiguidade e autor de famosos
comentários sobre a obra de Aristóteles.
Nascido por volta do ano 480 d.C., Boécio já em 5103 passa a
fazer parte do corpo de servidores do rei godo Theodorico, a quem
servirá como cônsul e, depois, como ministro no palácio. Desde
cedo ele se impôs o dever de trazer para o tesouro da língua latina a
opulência literária dos gregos.
1. Até o século XII d.C., Categorias e Da Interpretação eram os únicos tratados do Órganon
conhecidos na Idade Média latina.
2. Isaac, 1953, p.15.
3. Id., p. 16.
65
Aristóteles
Com a sua tradução e os seus comentários, Da Interpretação
será difundido no Ocidente. Registra-se, é verdade, uma tradução
latina anterior, de Mário Vitorino, que se estima ter sido feita pela
metade do século IV d.C.
Acusado de traição, Boécio é preso e passa longo período na
prisão, onde escreve De Consolatione Philosophiae. Seu fim não pode­
ria ter sido mais trágico: foi executado por ordem de Theodorico.
Sete séculos depois, o tesouro Da Interpretação chega às mãos da
cristandade medieval e será matéria de discussões e comentários de
Abelardo, Alberto, o Grande, e Tomás de Aquino, entre outros.
A par da sua vida ocidental, Da Interpretação conheceu tra­
duções e comentários hebraicos, siríacos, armênios e árabes muçul­
manos. Avicena, Algazel e Averroès o comentaram. O Comentário
médio, de autoria do último, será traduzido em Nápoles em 1321.
De alguma forma, esse ramo oriental também chegará ao Ocidente
medieval, a enriquecê-lo.
Outro grande tradutor de Aristóteles, particularmente do
Peri Hermeneias, foi o flamengo Guilherme de Moerbeke, destacado
intelectual do século XIII. Em 12 de setembro de 1268, em Viterbo,
ele concluía a tradução do Tratado da Enunciação , um dos nomes
do Da Interpretação, atendendo a encomenda de Tomás de Aquino,
que ignorava o grego clássico. Moerbeke, helenista oficial da cúria
romana, fora colocado à disposição do Doutor da Igreja, graças ao
concurso do papa Urbano IV.4
Porém, o uso do tratado Da Interpretação nas disputas teoló­
gicas já fora inaugurado bem antes por São Pedro Damião5 (10071072), no seu esforço de rebater a perigosa tese de São Jerônimo
segundo a qual mesmo a onipotência divina não poderia devolver a
virgindade à rapariga deflorada. É verdade que a lógica de Aristóteles
e, particularmente, o tratado aqui apresentado pouco poderiam
fazer para restituir a inocência à pobre seduzida. Todavia, São Pedro
4. O livro de Isaac detalha a sorte do tratado nas mãos e no entorno de São Tomás.
5. Pier Damiani, apud Isaac, 1953, p.46.
D a Interpretação
Damião faz referência ao Da Interpretação apenas para descrever as
leis lógicas a que estão presos os mortais e para concluir que elas não
se aplicam à figura mui poderosa do Deus dos cristãos. O fato é que
sua citação porá, de modo definitivo, o Da Interpretação na tradição
da cristandade do medievo e, assim, a obra se tornará componente
essencial dos estudos lógicos e aristotélicos de diversas universidades
europeias.
No final do século XVI, precisamente em 1592, vinha à luz a
primeira edição do Órganon com tradução latina e comentários de
Julius Pacius. Trata-se de um trabalho monumental. Pela argúcia
de Pacius, pelo seu grande conhecimento do grego e do latim e pelas
fontes em que pôde beber na maturidade do Renascimento, o texto
grego, a tradução e os comentários de sua edição merecerão sempre
ser revisitados.
A presente tradução
Esta tradução foi feita com base em texto estabelecido por L.
Minio-Paluello e publicado em 1949, na Grã-Bretanha, em primeira
edição e reimpresso em 1966 pela editora da Universidade de
Oxford. Consultaram-se também os textos gregos estabelecidos por
Bekker, por Waitz, bem como a edição de Julius Pacius. Algumas
traduções também me ajudaram a superar as dificuldades desse
texto, cuja forma muito sintética frequentemente põe problemas que
exigem muito do tradutor. São elas: a tradução francesa de Tricot,
as alemãs de Eugen Rolfes e de Hermann Weidemann, as latinas de
Moerbeke e Pacius, as inglesas de Cooke e Ackrill, as italianas de Colli
ou Zanatta. A tensão entre a fidelidade ao texto e a criatividade que
esse tipo de tradução encerra constitui experiência inevitável em
trabalho dessa natureza.
Tive o escrúpulo de evitar, tanto quanto me foi possível, a
projeção de soluções que me pareciam fugir ao caráter inaugural
do texto, onde os conceitos nem sempre aparecem em sua forma
retocada e definitiva. Os nascituros não chegam ao mundo limpos.
67
Aristóteles
Apenas para exemplificar, fórmulas como sujeito e predicado,
tão presentes nas Categorias, obra que se considera como a introdução
ao Órganon, foram evitadas, uma vez que Aristóteles praticamente
não as nomeia desse modo no tratado que ora se entrega ao público
de língua portuguesa. Assim, preferiu-se refletir exatamente as solu­
ções de Aristóteles nesse texto, onde, em tais casos, o Estagirita
recorre à fórmula “dizer alguma coisa de alguma coisa”, ao invés de
“dizer um predicado de um sujeito”.
O espírito que presidiu a feitura da presente tradução foi
colocar o leitor frente ao texto de Aristóteles com toda a riqueza e
com todos os embaraços que a obra comporta.
O objeto do tratado
A palavra grega hermeneia, que se traduziu por interpretatio
em latim, significaria a enunciação do pensamento, a proposição.
Waitz, citando Biese, lembra que “A proposição é a expressão do
pensamento reflexivo, o qual separa e combina” (D er Satz ist der
Ausdruck [hermeneia] des reflectirende Denkens, welches trennt und
verbindet).6 O fato é que o tratado remete para a construção da
proposição, constituindo por isso mesmo importante passo para o
desenvolvimento ulterior do Órganon. A tradução alemã de Eugen
Rolfes traz o título de Lehre vom Satz [A doutrina da proposição].
O Peri Hermeneias é estudo importante tanto para a formulação
da teoria das proposições dos Primeiros analíticos, que o seguem
imediatamente, quanto para a compreensão dos Tópicos e da dia­
lética aristotélica, como salientará Whitaker em seu Aristotle’s De
Interpretatione.
Verdade que C. W. A. Whitaker7 colará o tratado exclusiva­
mente à dialética, aos Tópicos e às Refutações sofísticas, a subestimar
o fato de que conhecimentos fundamentais como os revelados pela
6. Waitz, 1844, p.323.
7. Whitaker, 2002, p. 182.
D a Interpretação
proposição e por seu estudo possam servir a mais de uma disciplina.
Whitaker sustentará, desse modo, que Da Interpretação, cujo título
seria segundo ele On the Contradictory Pair, nem suporia o tratado
das Categorias nem seria trânsito necessário para os Primeiros
analíticos.
Parece-me que a tentativa de ler o Da Interpretação sem
recurso à teoria das categorias conduz a dificuldades dispensáveis.
Por exemplo, no tratamento dos universais, o que faz radicalmente
distintas as proposições “algum homem é alto” e “algum Sócrates
é alto”? Se o homem é já por si mesmo um universal é porque se
trata de substância segunda. Também a compreensão do sentido da
negação interna8 em Aristóteles acaba empobrecida sem o recurso
às categorias e ao seu esquema de inserção e separação de atributos.
Acresce que o problema da unidade das coisas (Capítulo V) e
mesmo da definição passa à condição da quadratura do círculo, se
se não recorre à tábua categorial: por que animal, bípede e pedestre
constituem uma unidade e cão, bola e Xantipa não constituem?
Por outro lado, é preciso considerar que a negação dos pares
contraditórios, negação forte, se não absoluta (incompatibilidade ou
incoexistibilidade), talvez não seja a mais interessante para penetrar o
reino dos topoi dialéticos, onde comparecem opinião, probabilidade
e outras noções sem rigidez.9
Há ainda pergunta anterior à discussão da contradição e do
falso e do verdadeiro: qual seria, afinal, a condição de possibilidade de
8. Anscombe, em artigo na revista Mind, intitulado “Aristotle and the Sea Battle” (1956,
p. 1-15), já havia observado que a negação no filósofo se situa no interior da proposição,
diferentemente da lógica contemporânea onde a negação é exterior à proposição.
9. A negação nas frases seguintes tem pesos distintos: 1) “a árvore não é um animal”; 2) “a
túnica de Xantipa não está molhada”. No século XX algumas lógicas, como as chamadas
paraconsistentes, ou ainda a fuzzylogic, introduziram o relaxamento da negação, isto é,
negações de menor força. Vasíliev, no início do século XX, notara que a negação comporta
diferenças, em seu seminal (Voobrajhaemaia Loguika, 1912). Vasíliev irá distinguir a nega­
ção intrajudicial da interjudicial; ele também mostrará que nem sempre a negação supõe a
incoexistibilidade do predicado e do sujeito, como o predicado “molhada” em relação
à túnica de Xantipa. Retoma, assim, como tantos outros, um tema aristotélico. A distin­
ção entre essência e acidente, por consequência, entre a negação da essência e a negação
do acidente.
Aristóteles
dizer o falso ou de se contradizer? Não é este, talvez, o momento
de se embrenhar em tais problemas. De todo modo, cabe lembrar
que em Aristóteles a solução que garante essa condição de possibili­
dade, em um mundo transido pela corruptibilidade e mutabilidade
das coisas, se chama substância. Sem a rigidez relativa do sujeito
em face do predicado, isto é, a ousia [substância], tais condições
se volatizariam.10 Com efeito, careceria de sentido uma teoria das
proposições em um mundo em que não se pudesse dizer o falso, em
que não se pudesse exercitar a negação e suas leis. Se é impossível
entrar duas vezes no mesmo rio, ou se é até impossível entrar uma
única vez no “mesmo” rio (hipermobilidade heraclítica ou cratílica),
a possibilidade de a proposição significar algo já não existe, e, por
consequência, não há porque construir uma teoria das proposições.
Por outro lado, se não é mesmo nem possível dizer o falso, por que
operar com valores de verdade diferentes, por que desenvolver todas
as operações relativas à negação?
Lembre-se ainda que qualquer movimento do “não” permanece
absolutamente carente de significado no pensamento parmenidiano
onde, simplesmente, o ser é e o não ser não é. Demais, somos
eventualmente quase que levados a admitir que as consequências
dessa postura parecem eventualmente beirar o extremismo de Antístenes, para quem a contradição seria impossível, pois se a proposição
“a pedra está molhada no instante t1” é verdadeira, e “a pedra não está
molhada no instante t 1” também é verdadeira, teremos que admitir
que se trata de duas pedras diversas.
Mesmo que se argumentasse pela impropriedade desse uso
livre das ferramentas parmenidianas, como o se falar em tempo t1e
t2, mesmo que se argumentasse pela impropriedade do raciocínio que
vê alguma aproximação entre a postura parmenidiana e a posição de
Antístenes, não se poderia fugir à constatação de que no mundo
de Parmênides não haveria a noção de “possiblidade”. E aqui já não
10. Em Introdução às Categorias (2005), abordo com detalhamento essa questão.
7o
D a Interpretação
se poderia falar de lógica modal tal como ela aparece no tratado Da
Interpretação. Esse tratado é, com efeito, um capítulo posterior à teo­
ria das categorias. Qualquer um que se aventurasse a desenvolvê-lo
teria de pagar tributo à tábua categorial. Aristóteles, ao apresentar,
no Da Interpretação, a linguagem lógica e os seus elementos estruturantes, o faz, portanto, em horizonte que ele mesmo tornara
possível. Não haveria falar de possibilidade em um mundo que fosse
apenas mudança ou em um mundo que fosse somente permanência.
Pese concordar com Jonathan Barnes,11 para quem a teoria das
proposições na obra Peri Hermeneias não é a mesma dos Primeiros
analíticos, observo que não se pode fugir à constatação de que o
desenvolvimento teórico desses supõe a aparição da proposição
como matéria de reflexão do pensamento de Aristóteles. Há aqui
inequívoco contributo do tratado Da Interpretação.
Outra grande questão que vem à baila, nos capítulos IX, XII e
XIII do opúsculo Da Interpretação, é a contingência do futuro. Mesmo
sem estar na posse de qualquer coisa que lembrasse o aparato filosófico
de Epicuro, algo que constituísse uma filosofia do acaso (choque de
átomos, chuva de átomos, clinámen), Aristóteles, ao fazer a leitura da
lógica do futuro com grande sentido de realidade, vê a possibilidade
não como resultado da leitura humana, o que será o caso de algumas
versões teológicas, mas como uma determinação do real. Chega assim
à conclusão de que suprimir essa determinação conduziria a absurdos
lógicos e fáticos. A deliberação, por exemplo, perderia o sentido.
Por outro lado, a abertura do futuro reposiciona o problema
dos valores de verdade, pois a proposição haverá amanhã a batalha
de Salamina nem é verdadeira nem é falsa.12 Chega-se assim à lógica
modal em Aristóteles, que aparece no Peri Hermeneias e também
em alguns capítulos dos Primeiros analíticos Essa lógica foi redes. 13
11. Barnes, 1987, p.54.
12. Baylis, 1936, p. 156-66.
13. Capítulos 3 e 8-22.
7'
Aristóteles
coberta na primeira metade do século XX por importantes autores
como Paul Gohlke14 e Jan Lukasiewicz.15 Ela se vale dos quatro ter­
mos modais: necessário, impossível, possível e admissível (contin­
gente), que no Peri Hermeneias se sustenta equivaler ao possível. Pese
toda essa tradição, entendo que o possível e o admissível não são
assimiláveis um ao outro. Parece-me que o possível remete à ordem
das coisas e o admissível diz respeito às coisas na ordem do pensa­
mento. A tradução do ενδεχόμενον [endexómenon} pelo contingente
acabou por eclipsar essa dimensão subjetiva que o modo carrega.
Demais, Aristóteles não teria que citar o modo repetidas vezes tão
somente para exercitar a sinonímia. Mesmo quando Aristóteles apro­
xima tais conceitos, ou mesmo lhes dá o estatuto de identidade por
uma redução que lhes suprime o ser diferente, ele o faz ao montar
uma das engrenagens mais poderosas de sua lógica modal, que é a
relação entre modalidades distintas. É verdade que se pode montar
um esquema modal no interior de apenas uma modalidade. Todavia,
a força da lógica modal em Aristóteles reside precisamente no fato de
ele colocar em movimento modalidades distintas, convertendo umas
nas outras.16 Operações que supõem reduções mais ou menos graves.
Os termos reveladores dos modos têm força e desenho origi­
nários de tal sorte que criam seu próprio espaço lógico, o qual exige
suas leis específicas. Apenas para ilustrar: a negação de “Sócrates está
aqui” será “Sócrates não está aqui”. Já a proposição “é possível que
Sócrates esteja aqui amanhã” terá como negação “não é possível
14. Gohlke, 1936, p.88-94.
15. Lukasiewicz, 1972, p.145-212.
16. É verdade que tem também muito interesse o movimento no sentido inverso, levado a
cabo na lógica dos estoicos, para separar, conservar as diferenças entre as modalidades,
o que pode ser relevante em contextos mais limitados. Por exemplo, as predições
dos confatalia dos adivinhos nos exercícios lógicos de Crisipo. Esse tema é muito
bem tratado no livro de Jules Vuillemin sobre o argumento dominador (Nécessité ou
contigence, laporie de D iodore et les systèmes philosophiques). “A previsão a respeito de
Édipo não poderia ter jamais a forma seguinte: ‘É necessário que Laius tenha relações
com uma mulher e gere Édipo’, mas somente ‘Não é possível que não ocorra que Laius
tenha relação com uma mulher e gere Édipo.’” (Vuillemin, 1985, p.142).
72
D a Interpretação
que Sócrates esteja aqui amanhã”. Veja o leitor que não faria sentido,
na última proposição, posicionar a negação entre o nome Sócrates e
o verbo (esteja).
Enfim, o espaço das modalidades garante a si uma lógica
própria, a lógica modal. Trata-se de um dos contributos geniais de
Aristóteles à ciência da lógica. O Estagirita cuidou também dessa
matéria com todo rigor e gênio. Verdade que Lukasiewicz17 diz que
Aristóteles, ao tratar da matéria lógica e de suas leis, é “formal, sem
ser formalista”. Reclama aqui, talvez sem razão, uma unicidade radi­
cal de correspondência das expressões primitivas da lógica (forma­
lismo) que não vê no fundador do Liceu, mas reconhece nos estoicos.
O caráter formal da lógica, a forma, é aqui garantido pela projeção
em letras (substituição) das proposições.
Autoria e datação
A autenticidade da autoria do Da Interpretação foi contes­
tada por um dos primeiros editores de Aristóteles, Andrônico de
Rodes. Porém, a tese da autenticidade da obra se fortalece, já na
Antiguidade, com os trabalhos de Porfírio, ainda que esse recusasse
o trecho que na paginação bekkeriana se situa entre 23a 28 e 24b 9.
Alexandre de Afrodísias também sustentou a autenticidade do texto
contra a opinião de Andrônico. O fundamento seria a relação do
texto com os escritos de Theofrasto. No Renascimento, outros auto­
res (Vives e Gassendi) sustentaram que a obra não fora escrita pelo
17. Lukasiewicz, 1972, p.32-8. Todavia, o próprio Lukasiewicz reconhecerá a proximidade da
teoria da lógica em Aristóteles com a lógica das relações no domínio numérico (“maior
que o menor”), vendo nisso uma ponte entre Aristóteles e os contemporâneos. Se alguém
se aplicar ao difícil exercício de saber o que seria não apenas o cálculo lógico, mas também
os princípios de uma matemática aristotélica, verá que a teoria das relações já está esbo­
çada nessa acepção nas Categorias, no capítulo que trata dos relativos (6a 36-8b 24).
Os relativos exigem um tratamento que não encontra lugar na proposição como forma
fechada. A proposição “Xantipa está irritada” encerra um sentido em si mesmo completo
e não carrega nenhuma outra proposição. A proposição “quatro é o dobro de dois” parece
carregar o “dois é a metade do quatro”. Uma e outra se projetam sobre a sua simétrica,
presente ainda que como sombra (Categorias, 2005, p.50-3).
73
Aristóteles
Estagirita. Essa tese, porém, parece definitivamente afastada. Escrito
na forma de anotações, o tratado teria recebido algum contributo
de Theofrasto,18 discípulo direto de Aristóteles. As dificuldades de
se precisar esse tipo de informação, como aquelas referentes à data­
ção da obra, o leitor bem compreenderá. A despeito disso, a ponte
entre os escritos de Theofrasto e o Da Interpretação parece funda­
mentar com segurança a autenticidade do tratado, particularmente
o seu livro Sobre a afirmação e a negação. Há que considerar esse
material uma prova de boa qualidade, sobretudo a partir do tra­
balho de Maier, intitulado A autenticidade do Da Interpretação de
Aristóteles.19 Mais recentemente, Graeser estabeleceu com precisão a
ponte entre os capítulos do Da Interpretação e os capítulos do Sobre
a afirmação e a negação.20 Como o leitor poderá ver, nos comen­
tários ao último capítulo, há, todavia, razões para se indagar quem
seria de fato o verdadeiro autor do Capítulo XIV? Há a tese de Maier
(vide comentários ao Capítulo XIV), para quem o Capítulo IX seria
posterior ao tronco fundamental do tratado, e o Capítulo XIV de
feitura anterior ao referido tronco.
Já a posição do Da Interpretação na cronologia dos escritos de
Aristóteles, diferentemente da pergunta sobre a sua autenticidade, é
questão muito controversa.21
A obra é posicionada logo após as Categorias, cujos desen­
volvimentos ela supõe. O problema é a presença de citações de
trabalhos que lhe seriam conceitualmente posteriores (20b 26 Tópicos; 17a 36 - Refutações sofísticas; 19b 31 - Primeiros analíticos).
Aqui me parece ser possível eleger duas posições: pela primeira,
a obra deve ter aparecido depois daquelas a que faz referência.22
18. Isaac, 1953, p.33.
19. Maier, 1936, p.72.
20. Graeser, 1973, p.51.
21. “Schwerer als die Frage nach ihrer Echtheit ist die Frage nach der Abfassungszeit der
Hermeneutik zu beantworten” (Weidemann, 2002, p.45).
22. Isaac, 1953, p .ll.
74
D a Interpretação
A segunda posição é considerar as citações a essas outras obras
interpolações posteriores.
Em apoio à primeira tese, lembra-se que o Da Interpretação
não é citado em outras obras. Nesse ponto, também se poderia
dizer, a contraditar, que o fato de se compor de puras anotações
pudesse explicar a ausência de citações à obra, mesmo que tivesse
sido redigida antes. Ainda a favor da segunda tese, pode-se invocar
a própria história do desenvolvimento dos conceitos, o que me
parece argumento muito forte. A lógica modal, por exemplo, à
qual Aristóteles dedica os seminais capítulos IX, XII e XIII do Da
Interpretação, receberá, como já observara Lukasiewicz, sua exposi­
ção sistemática no primeiro livro dos Primeiros analíticosP
Talvez não haja mesmo, sustentará a terceira vertente, condi­
ções de se decidir entre a primeira e a segunda tese.
Mesmo um autor contemporâneo que parece cheio de dúvidas
em relação à autenticidade das Categorias, refiro-me a Bochenski,24
coloca esse tratado como início do Órganon, ao lado dos Tópicos,
e na sequência o Da Interpretação. É verdade que Bochenski não
explora em toda a sua riqueza a linha de continuidade entre as
Categorias e o Da Interpretação e os objetivos do primeiro desses
tratados. Desse modo, não identifica o papel que as Categorias têm
no Da Interpretação e no próprio desenvolvimento da filosofia e da
lógica em Aristóteles. Quando se percorre esse caminho conceituai,
examinando-se o texto grego, a língua concreta de Aristóteles,
estreitam-se muito as margens para duvidar da autenticidade das
Categorias. Demais, em Bochenski, a própria posição dos Tópicos ao
lado das Categorias remete a um posicionamento lateral e não a uma
linha de continuidade, determinada pelo objeto, a qual se instala
com esse tratado e prossegue no Da Interpretação e nos Analíticos.
23. Lukasiewicz, 1972, p. 144.
24. “No passado a autenticidade de todos os escritos lógicos de Aristóteles foi frequentemen­
te posta em dúvida. Hoje, exceção de passagens isoladas e talvez de capítulos, somente o
tratado Categorias é, de modo sério, considerado espúrio.” (Bochenski, 1961, p.40).
15
Aristóteles
Os Tópicos e a Retórica, para nos remetermos ao Órganon
árabe,25 poderiam constituir um segundo seguimento determinado
pela natureza distinta de seu objeto (ou melhor, subobjeto) onde
prevalece a precariedade ou a imprecisão do argumento.
De todo modo, a correta compreensão do significado de Da
Interpretação vai ajudar na identificação das etapas do desenvolvi­
mento dos conceitos da lógica em Aristóteles. Se se supuser aqui que
há dois subobjetos distintos envolvidos, passa a ser interessante não
só a cronologia total do Órganon, mas, mais ainda, a cronologia da
gênese e da maturação de cada um desses dois subobjetos tomados
de p er si.
E stru tu ra da obra
O primeiro capítulo do livro põe, de início, a necessidade de
definir os elementos básicos de uma linguagem do ponto de vista
lógico. Ele explicita o programa mínimo do Da Interpretação,26
Definir o nome, o verbo, a afirmação, a negação, a declaração e o
discurso. Pode-se dizer que a enumeração inicial denuncia um
crescendo: afirmação e negação conformariam os tipos de decla­
ração; essa seria a unidade mínima da lógica proposicional. E esse o
25. Essas duas obras aparecem, respectivamente, como a terceira e a nona parte do Órganon.
Os árabes incluíram também a Poética. A esse propósito, vale citar a nota de P. Thillet
para a edição do terceiro tomo da Retórica de Aristóteles (1989, p. 16): “Os filósofos de
língua árabe fizeram da Retórica e da Poética partes integrantes da lógica. Constatamos
esse fato, por exemplo, ao ler o manuscrito da Biblioteca Nacional de Paris, cod. Parisinus
arab. 2346, que contém essas duas obras como a terceira e a nona parte do Órganon na
versão árabe. O próprio Avicena, ao expor as divisões da lógica, partilha também desse
ponto de vista: ver I. Madkour, ÜOrganon d ’A ristote dans le m onde árabe (1934, p.l 1)”.
26. Com a negação, a conjunção, as unidades de texto (declaração: S é P), Aristóteles constrói
a sua linguagem lógica no Da Interpretação. Essa é a construção mínima para se falar dos
juízos assertóricos. Mesmo a sua formalização em termos simbólicos contemporâneos não
necessitaria mais do que a substituição do texto por letras, a negação, a conjunção e o pa­
rêntese (Quine, 2006, p.67). É verdade que a partir do Capítulo VII aparece o problema da
quantificação (universal, particular, singular), tornando a linguagem mais afiada e precisa.
76
Da Interpretação
tipo mais geral onde estão presentes todos os outros. Nome e verbo
articulados permitiriam a afirmação ou a negação (a afirmação
submetida ao sentido do não), as quais conformariam a declaração,
conceito que emerge nos capítulos V e VI.
É muito resumido o primeiro capítulo, o qual explicita o estilo
altamente condensado do Da Interpretação. Alguns se surpreendem
com o grau de condensação do texto do tratado em exame. Ackrill,
perplexo, indaga: “o que são, precisamente, afeccções da alma?”.27
A expressão parece de tal modo elástica que poderia abarcar os sig­
nificados das coisas em seus limites, a imagem, o pensamento, os
estados da alma (sentimentos). O comentador e tradutor inglês, tal­
vez impregnado de noções mais recentes da alma, pergunta o que
seriam os símbolos de afecção dela? Parece-me aqui plausível sus­
tentar que certas afecções da alma, como a imagem, os sentimentos,
as sensações em geral, adquirem seus equivalentes, os quais confor­
mam a língua, esses seriam os símbolos. Há as sensações, as imagens
e as suas respectivas codificações.
Os sons articulados em palavras funcionariam como símbo­
los das afecções da alma, como se fossem - a metáfora é contemporâ­
nea - transcrições cibernéticas. Aristóteles advoga que esses estados
mentais seriam idênticos para todos, como seriam idênticos os objetos
de que aqueles seriam as imagens. Ackrill salienta o seguinte: “É claro
que não é verdade que todos os homens encontram as mesmas coisas
e têm os mesmos pensamentos.”28 E aqui se insurge contra o que
chama de graves fraquezas da teoria do significado em Aristóteles.
Para além dessas limitações, a teoria exposta no Da Interpretação
parece servir ao propósito de fundamentar a comunicação.
O trecho que se refere à identidade para todos das afecções da
alma e dos objetos, cujas imagens seriam as afecções, faz-nos supor
que estamos mais uma vez a lidar com as sensações. Imaginemos nós
uma mesa com um rolo de pergaminho com alguns cantos da Ilíada,
27. Ackrill, 1974, p.113.
28. Ib.
77
Aristóteles
rodeada pelos presentes no auditório. Reconhece-se aqui que há
identidade na percepção desse objeto pelos que estão ao redor da
mesa. Por mais distinta que seja a percepção entre os presentes do
objeto descrito, eles só poderão se comunicar sobre ele enquanto per­
cebem um núcleo idêntico. Se não existir esse núcleo idêntico comum
(que seja a referência, a Bedeutung de Frege), mesmo que seja fluido ou
instável, não há comunicação. Mesmo as eventuais diferenças, só são
identificáveis e discutíveis em referência ao núcleo idêntico. Sob esse
prisma, a teoria de Aristóteles da significação permanece válida. E
Frege com certeza dialoga com o Da Interpretação e as Categorias em
seu famoso Über Sinn und Bedeutung. O isto põe inequivocamente as
questões da significação (referência) ou Bedeutung fregiana. O bode-cervo (16a 15-17), quando diz alguma coisa, sem existir, sem ser
verdadeiro ou falso fora da declaração (σημαίνει μέν τι, ούπω δέ
άληθές ή ψεΰδος), responde pelo Sinn ou sentido fregiano. Os
que colocam dificuldade à teoria da correspondência de Aristóteles,
para objetos que não existem, se esquecem de que essas diferenças
postas com ênfase por Frege já estavam postas no Estagirita do Da
Interpretação. O isto, o dêitico das Categorias (3b 10), constitui uma
articulação de referência e sentido. A estrela da manhã e estrela da
noite podem aparecer não só como sentidos distintos da mesma
referência, isto é, da mesma estrela, mas como momentos distintos
de uma mesma substância, onde a “própria referência” comporta
distinções que não lhe retiram a identidade, como o Sócrates jovem
e o Sócrates idoso se referem ao mesmo Sócrates. A solução fregiana
(Es würde die Bedeutung von “Abendstern” und “Morgenstern” dieselbe
sein, aber nicht der Sinn) que iguala a referência (Bedeutung) no caso
das estrelas da manhã e da noite, mas lhes distingue apenas o sentido
(Sinn), ignora platonicamente a possibilidade de distinção no interior
da própria referência, o que só é possível com esse extraordinário
utensílio conceituai, a substância e seus momentos.
Pode-se, é claro, recriminar o Estagirita por não ter feito a dis­
tinção entre as representações ( Vorstellungen de Frege ou Kant) ou
7δ
D a Interpretação
imagens individuais da coisa. Seu texto no Da Interpretação passa ao
largo dessa matéria, como já observara o indignado Ackrill. Há de se
admitir, todavia, para além da ingênua tese de que Aristóteles deve­
ria dizer tudo, que semelhante conceito onde aparecesse a pura sub­
jetividade (Die Vorstellung ist subjektiv) ou impuramente articulada,
enodada ( Vernüpfung ) com o sentido e o significado fregiano, não é
exigido pela matéria discutida a essa altura por Aristóteles. Ele quer
fundar a lógica, em seu aspecto mais necessário, e faz a sua exposi­
ção desse objeto, a lógica, e não se faz isso na troca dos elementos
puramente subjetivos envolvidos (Die Vorstellung des einen ist nicht
die des anderen). Quando Frege repõe a questão, ele não precisa fun­
dar um objeto já fundado, e tem, é verdade, de pagar tributo a essa
importante palavrinha de sua tradição ( Vorstellung). Como exposi­
ção direta de uma linguagem lógica, o Da Interpretação não tem,
portanto, que se ater aos aspectos não lógicos da questão.
É possível também minimizar o impacto da teoria dos signi­
ficados sobre a teoria da proposição (declaração)29 e da lingua­
gem, que seria o objeto próprio do tratado Da Interpretação. Com
efeito, alma e proposição objetivada não parecem guardar muito em
comum. Todavia, há que se refletir sobre a presença desse dado já na
abertura30 do livro. Trata-se aqui também da militância antiplatônica discreta, mas eficiente de um Aristóteles quarentão que jamais
parece ter deglutido a eternidade dos objetos platônicos e de suas
ideias. Os sons, as afecções da alma, a declaração, isto é, o ato em
29. Ackrill, a esse propósito, assim se pronuncia: “Felizmente a noção de que as declarações
são símbolos das afecções na alma e de que essas são idênticas às coisas não tem influên­
cia decisiva sobre o restante do Da Interpretação. Por exemplo, Aristóteles não faz apelos
constantes para a experiência psicológica ou para os fatos para expor ou fundamentar
o que diz a propósito dos nomes, verbos, declarações etc.; a maior parte do que diz é
independente de sua teoria das palavras, pensamentos e coisas.” (1974, p.l 13.)
30. A abertura é sempre abertura, quer seja em uma tragédia de Sófocles, quer seja em um
tratado de Aristóteles, quer seja em uma partida de xadrez. E há que se observar que
a mesma informação reaparece exatamente no fecho do livro. Por que esse cuidado?
Trata-se, ao ver de Aristóteles e de sua tradição (na hipótese do Capítulo XIV ser da
lavra de um outro, Theofrasto, possivelmente), de uma informação indispensável para a
compreensão dos conceitos opostos no tratado.
79
Aristóteles
que se afirma ou se nega alguma coisa de alguma coisa, são no limite
algo provisório, com prazo de validade, que seja maior ou menor. As
proposições aparecem aqui como objetos de atitudes proposicionais,
de afecções da alma. Aristóteles está, assim, a dizer que, a despeito
de as proposições serem tomadas por si mesmas, objetivadas, em seu
mundo como que autônomo, elas não estão simplesmente aí, mas
apenas refletem afecções da alma ou articulações dessas, as quais
remetem aos objetos que estão aí no mundo,31 de modo provisório.
Elas poderão mesmo expressar relações eternas, como se verá em
obras posteriores do Estagirita, mas elas próprias seguem provisó­
rias, esse o detalhe, ou a contradição, se se preferir. Por outro lado,
31. Outro propósito para o qual se pensou serem as proposições necessárias é como objetos
de atitudes proposicionais de crença, desejo, esforço, lamento e coisas que tais (Quine,
1974, p. 183). Aristóteles, aliás, está muito próximo daquilo que Quine chama de atos de
proferência. Ao contrário de Quine, porém, não vê nenhum óbice sério à constituição
de uma teoria da verdade referente às declarações ou atos de proferência. “Leis como aque­
la, segundo a qual de duas falsidades quaisquer se forma uma disjunção falsa, e quaisquer
duas verdades formam uma conjunção verdadeira, se tornam difíceis de interpretar se nos
atemos à existência de proferências. Parece que essa dificuldade nos conduz aos condicio­
nais contrafáticos, e assim passamos da frigideira ao fogo. Esta dificuldade não aparecia
quando falávamos de sentenças, de formas linguísticas, no lugar dos atos de proferência,
porque uma sentença pode ser pensada simplesmente como a sequência, não no sentido
histórico, mas matemático, de suas sucessivas letras ou formas. As sentenças nesse senti­
do existirão sempre, à margem de sua proferência, e em todo o caso não vacuamente como
a classe vazia, se toleramos um pouco a teoria dos conjuntos.” Quine, porém, se esforça
para superar a dificuldade que encontra. Uma das soluções que apresenta não é mais que
um retorno a Aristóteles: “Que fazer, então, com os atos de proferência como veículos de
verdade? Tenho duas ideias. A primeira é que explicamos a teoria lógica existente como
um esquematismo conveniente que pode ser aplicado para dar resultados corretos quando
se achem as condições adequadas de existência a respeito dos atos de proferência” (Ib.).
Paolo Crivelli (2007, p.28-9) lembra que o tempo de produção do enunciado não é o seu
tempo de verdade, pois Aristóteles não situaria o tempo dentro da declaração. E aqui traz
o famoso exemplo das Categorias, “Sócrates está sentado”, e não Sócrates está sentado no
instante t determinado. O presente do verbo ser aparece em tais construções como se fosse
um aoristo: uma vez Sócrates está sentado. A meu ver, esse exemplo já não responde ao
desenvolvimento conceituai do verbo no Da Interpretação, onde o tempo aparece de modo
inequívoco, na famosa definição do verbo: nome mais tempo. Sobre o peso da coisa na
linguagem, Maier (1936, p.87-8) lembra da concordância, no Da Interpretação ( Uebereinstimmung), admissível de palavra, conceito e coisa, perspectiva introduzida em 16a 3-8: “Há
os sons pronunciados que são símbolos das afecções na alma, e as coisas que se escrevem
que são símbolos dos sons pronunciados. E, para comparar, nem a escrita é a mesma para
todos, nem os sons pronunciados são os mesmos, embora sejam as afecções da alma - das
quais esses são os sinais primeiros - idênticas para todos, e também são precisamente idên­
ticos os objetos de que essas afecções são as imagens.”
Da Interpretação
a imutabilidade não se deve assimilar à eternidade. A proposição e
a opinião são imutáveis, enquanto durem (Categorias 4a 22-4b 20).
O nome, o verbo, a negação, a afirmação, a declaração (pro­
posição) e o discurso são anunciados como fundamentais na cons­
trução da teoria da proposição. O verdadeiro e o falso se vinculam
à composição ou à separação dos termos da declaração. Se houver
apenas nomes, não haverá sentido em se falar em verdade ou falsi­
dade, mas meramente em significação.32 O verdadeiro e o falso se
referem à proposição em contraponto com o fato, com a realidade.
A passagem - “Há, por conseguinte, na alma, ou pensamento sem o
ser falso ou o ser verdadeiro, ou o pensamento em que é necessário
que subsista um ou outro desses, e da mesma maneira em relação aos
sons pronunciados. O falso e o verdadeiro existem na composição e
na separação.” - constitui uma das referências centrais da teoria da
verdade em Aristóteles. A essa passagem, por sua força, poder-se-ia talvez equiparar o trecho da Metafísica (E, 4-200): “O verdadeiro
contém, com efeito, a afirmação no composto e a negação no divi­
dido; e o falso, a contradição desta partição.” Evidentemente, esses
excertos só fazem sentido dentro de uma teoria da correspondência
ou espelhamento.33
32. É verdade que há no grego as frases nominais. Todavia, nestas, é como se existisse o
verbo ser, mas em sua acepção mais abstrata. A esse propósito, consultar “A frase nomi­
n al” (Benveniste, 1976, p.163-82). Nesse texto, p.172, lê-se: “A frase nominal em indo-europeu afirma uma certa ‘qualidade’ (no sentido mais geral) como própria do sujeito
do enunciado, mas fora de qualquer determinação temporal, ou outra, e fora de qualquer
relação com o locutor. Há outras passagens, dispersas no De Anima e Metafísica (Θ, 10)
que confirmam a escolha do Da Interpretação. A problemática da correspondência já
está colocada de maneira inequívoca nas Categorias (4a 25): “Com efeito, uma mesma
proposição parece ser ora verdadeira, ora falsa. Por exemplo, se for verdadeira a propo­
sição uma pessoa está sentada’, levantando-se essa pessoa, essa mesma proposição será
falsa”. Nem mesmo um livro de temática alheia à lógica, como a Ética a Nicômaco, uma
das últimas obras de Aristóteles, esconde a opção inequívoca pela teoria da correspon­
dência (1 179a 20): “É necessário examinar as coisas anteriormente expostas contrapon­
do-as aos fatos e à vida. Se estão de acordo com os fatos (έργα), devem ser acolhidas;
se divergem [deles] devem ser compreendidas como meros discursos”. A esse propósito,
a passagem mais eloquente parece-me 19a 33-34, do Da Interpretação, onde se sustenta
que os discursos verdadeiros são conforme os fatos (πράγματα)”.
33. Vuillemin (1984, p.165) comentou: “II y a de correspondance entre vérité des énoncés et
réalité des états de choses”.
8i
Aristóteles
Aristóteles definirá o nome, o verbo, o discurso, o discurso
declaratório ou declaração nos capítulos II, III, IV, V e VI. Sustentará
que a eleição das palavras é matéria de convenção, a ecoar o debate
do Crátilo, onde Hermógenes pugnará pela convencionalidade
da linguagem. A tese contrária à de Hermógenes será a que dá o
caráter de ferramenta à linguagem (387d 1-8; 388a 8). Em 17a 1-2
(Da Interpretação, Capítulo IV), o Estagirita dirá que o discurso é
significativo, não como ferramenta (Órganon ), mas como convenção.
O fato de o Capítulo II lembrar a condição de som articulado e
significativo do nome contrasta novamente com o mundo das ideias
permanentes de Platão. Demais, aponta para o nascer desses nomes
e ideias em Aristóteles, ao contrário do simples aparecer em Platão
de algo que já é. A presença do nome como “convenção” é a expli­
cação aristotélica para o fenômeno da linguagem e de suas diferen­
ças. E, de certa forma, atende a certas propriedades da linguagem.
Podemos, é evidente, chamar esse objeto de uma forma ou de outra.
Mas essa possibilidade tem os seus limites: provavelmente escolhe­
remos nomes de acordo com o padrão de nossa língua, e mesmo
que os trouxéssemos de fora, os adaptaríamos ou acomodaríamos
a nossa língua. A solução de Platão também encontra a sua âncora
e também responde a aspectos da realidade da língua. Sobretudo,
se se pensa que Platão procurou usar em seus diálogos a língua de
forma artística, e é certo que o conseguiu. Aqui, na busca do padrão
artístico de expressão, há que se encontrar a palavra exata, como a
melhor expressão do conceito, seja como ideia, seja como veículo
expressivo. Essa precisão, que nos leva a optar por uma solução e não
por outras, respalda também a opção pela ferramenta. Com efeito,
quando se procura rachar a lenha, e se escolhe o machado, e não a
foice ou a enxada ou o martelo, tem-se uma imagem da solução que
Platão deu a esse problema.
Posteriormente, Epicuro, a exemplo de Aristóteles, que rejei­
tou a ferramenta de Platão de modo explícito, rejeitará também de
modo explícito a convenção do Estagirita como modelo para as
02
D a Interpretação
línguas - e oferecerá uma alternativa mais total e histórica, ainda
que também geográfica, climática e biológica para o fenômeno das
línguas. É evidente, portanto, que em sua Carta a Heródoto (75-76)
dialoga diretamente com o Aristóteles do Da Interpretação:
D isso se deve ad m itir tam b é m que os n o m es não surgem o rig in a ­
riam en te p o r convenção, m as as p ró p rias forças da natu reza dos
h o m en s, c o n fo rm e cada povo, a e x p e rim en tar afecções p eculiares
e a cap tar im agen s p ecu liares, exp elem , à sua m an eira, o ar que é
enviado, co n fo rm e cada u m a das afecçõ es e im agens, de m o d o que
en tão houvesse d iferen ças entre os povos, co n fo rm e as regiões.
O Capitulo II I
O Capítulo III introduz o verbo e, por ele, o tempo. Pela
linguagem corrente chega-se a um dos constituintes mais importantes
da lógica, qual é o tempo. É verdade que a lógica em Aristóteles não
está, a essa altura, apta a captar as meras mudanças de um instante
para outro, mas não dispensa as grandes dimensões temporais,
passado, presente e futuro. “Verbo é o que agrega àquilo que ele
próprio significa o tempo e cujas partes nada significam isoladamente.”
A introdução do tempo pelo verbo é mais uma condicionante da
língua grega e, no caso, do indo-europeu. O relevante aqui, porém, é
aparição do tempo para a lógica. O desenvolvimento da filologia
mostrou que as noções de verbo e nome frequentemente se emba­
ralham, conforme lembra Benveniste:34
So bre a d iferen ça en tre v erbo e n o m e, freq u en tem en te d ebatid as, as
d efin ições p rop ostas se reduzem em geral a um a das duas que se
seguem : o v erbo in d ica p ro cesso ; o n o m e, o b je to ; ou ainda: o v erbo
im p lica o tem p o ; o n o m e não im plica. N ão som os os p rim eiro s a
in sistir que essas d efin ições têm u m a e o u tra de inaceitável para um
lin gu ista. P recisam o s m o strar em p o u cas palavra p or quê.
34. Benveniste, 1976, p. 164.
S3
Aristóteles
U m a o p o sição entre “p ro cesso ” e “o b je to ” n ão p o d e ter em lin g u ís­
tica n e m validade u n iversal, n e m c rité rio con stan te, n e m m esm o
sen tid o claro. A razão está em que n o çõ e s co m o p ro cesso ou o b jeto
não rep rod u zem os caracte re s o bjetiv o s da realid ad e, m as resu ltam
de u m a exp ressão lin g u ística da realidade, e essa exp ressão só pod e
ser particu lar. N ão são p ropried ad es in trín se ca s da natu reza que a
lin gu ag em reg istraria, são categ orias fo rm ad as em certas língu as e
que fo ram p ro jetad as sobre a natureza.
Evidentemente, não é preciso concordar com esse relativismo,
nominalismo e pessimismo do grande linguista francês, onde a
linguagem não pode alcançar uma descrição correta do que aí está,
como se isso estivesse sempre a um passo inatingível, qual a coisa em
si. Projeto, sem sombra de dúvidas, não aristotélico. Todavia, a outra
parte de seu argumento tem alcance maior e é inteiramente fática:
“Ninguém negará que a forma verbal, em várias famílias de língua,
denota, entre outras categorias, a do tempo. Não se segue daí que o
tempo seja expressão necessária do verbo.”35
Aristóteles, cujo modelo de linguagem lógica é o próprio
grego clássico, não poderia aqui, mesmo que quisesse, escapar do
horizonte da sua língua corrente.36 A língua corrente acaba sendo
o substrato onde vai buscar as significações mesmo para as lingua­
gens formais. Aliás, o nível de precisão da língua grega será con­
sideravelmente elevado pelo esforço de Aristóteles. Podemos dizer
que as conformações do meio-língua, se bem exploradas, não impe­
dem a construção de uma teoria lógica ou da verdade com razoáveis
35. Benveniste, 1976, p.165. Aí se lê: “Há línguas como o hopi em que o verbo não implica
absolutamente nenhuma modalidade temporal, mas tão somente modos aspectuais, e
outras como o tübatulabal (do mesmo grupo uto-asteca que o hopi) em que a expressão
mais clara do passado pertence não ao verbo mas ao nome: hani-1 - ‘a casa’; hani-pü-l, ‘a casa no passado’ (= o que era uma casa e não é mais).” A palavra “anaus” - o barco que
não é mais - expressa pelo alfa privativo essa possibilidade, que aparece apenas como
residual no idioma grego clássico.
36. Weizsäcker, 2002, p.6 (“Wir entgehen also der Problematik der Umgangssprache
nicht”).
D a Interpretação
exigências de rigor.37 Mais importante é notar que o tempo, essa
determinação essencial dos processos, chega, pela forma mais natu­
ral, pela tradição indo-europeia, isto é, pelo verbo, à linguagem apre­
sentada no Da Interpretação.
É verdade que para discriminar esse elemento essencial, essa
determinação do mundo, que é o tempo, Aristóteles elabora defi­
nição muito precisa e avançada do verbo: “Verbo é o que agrega
àquilo que ele próprio significa o tempo e cujas partes nada significam
isoladamente” Com efeito, ele nominalizará o verbo e agregará a isso
o tempo. Pensemos na proposição “Alcebíades corre”, o que seria con­
vertido em grego aristotélico à forma canônica da proposição atribu­
tiva, “Alcebíades é ‘o que corre (expressão reduzível ao nome mais
agora’)”. Pensemos também que a forma verbal “corre” não pode ser
lida isoladamente, ela exige um sujeito, “alguém ou alguma coisa que
corre agora”. Isso torna inteligível a passagem da nominalização do
verbo posta, mais adiante, no mesmo capítulo: “Aquelas [coisas] que
chamamos de verbo são, elas próprias, e por si mesmas, nomes e
significam alguma coisa.” O tempo, como se depreende, já aparece
aqui como um mero operador, exterior ao nome, a jogar o seu jogo
no mundo da lógica, e entra, portanto, como uma expressão da
lógica no Da Interpretação. Para alcançar esse resultado, o verbo não
pode ser mais que um nome. Esse nome exibe, porém, propriedade
especial: ele remete ao seu exterior, à determinação do tempo. Essa
concepção representa uma ruptura com os exemplos que aparecem
nas Categorias, onde o enunciado é compreendido quase que aoristicamente, isto é, o verbo é mero aspecto e não encerra a noção de
tempo com a força e precisão que lhe são compatíveis. A proposição
37. As perguntas de Weizsäcker (2002, p.8), 24 séculos depois, estão, de certa forma já aqui
respondidas: “Die Logik ist nach Abendländischem Veständnis Vorbedingung jeder Wis­
senschaft, also doch wohl auch der Sprachwissenschaft. Ist nun auch die Logik Ausdruck
unserer kulturellen Voraussetzungen? Verliert sie daduch den Wahrheitsanspruch?”
[“A lógica é, na compreensão ocidental, precondição para cada ciência, portanto tam­
bém da linguística. É então também a lógica expressão de nossos pressupostos culturais?
Perde ela por isso a pretensão à verdade?”].
Aristóteles
das Categorias poderia muito bem ser compreendida, ou transcrita,
nas formulações seguintes: era uma vez um menino que tinha cabe­
los brancos // uma vez Sócrates está (ou estava - o tempo é aqui
o indiferente, ou algo eventual) sentado. Se em algum tempo esses
eventos se confirmam, pode-se falar na verdade de tais proposições.
Se eles se alteram, a proposição deixa de ser verdadeira. Tais cons­
truções não carregam consigo a marca de um instante determinado.
Vê-se, portanto, que Aristóteles não está a discutir pela defi­
nição do verbo no Da Interpretação os elementos da frase de um ponto
de vista meramente gramatical, mas que ele já funda as suas noções
gramaticais de um ponto de vista lógico, visando a fundamentar a sua
proposição atributiva. Se ele considerasse o tempo elemento não só
inseparável do nome, mas intrínseco a esse, o tempo não alcançaria o
status de operador lógico, e aí, sim, a sua lógica se veria bem mais
reduzida às conformações da língua grega clássica.
É verdade que, nesse trabalho, ele é obrigado a enfrentar
questões gramaticais ou filológicas, a resolvê-las de um ponto de
vista novo ou revolucionário. Assim, ao dizer que o verbo “é sempre
sinal das coisas subsistentes, por exemplo, das coisas ditas de um
sujeito”, ele explicita a necessidade de o verbo no sistema verbal grego
exigir sempre a referência ao sujeito. Essa exigência é o principal
distintivo do que se chama verbo em grego e em toda família indo-europeia de línguas.38
“Digo que agrega àquilo que ele próprio significa o tempo,
como no exemplo seguinte: a saúde é nome, mas ‘tem saúde’ é verbo.
Agrega, com efeito, ao que significa o fato de agora subsistir.”39
38. “O que caracteriza propriamente o verbo indo-europeu é o fato de só fazer referência
ao sujeito, não ao objeto. Ao contrário do verbo das línguas caucasianas ou ameríndias,
por exemplo, este não inclui nenhum índice que assinale o termo (ou o objeto) do pro­
cesso. É impossível assim, diante de uma forma verbal isolada, dizer se é transitiva ou
intransitiva, positiva ou negativa no seu contexto, se comporta um regime nominal
ou pronominal, singular ou plural, pessoal ou não etc.” (Benveniste, 1976, p. 184.)
39. Ytcópxco [hyparkhein] aparecerá diversas vezes nesse capítulo dedicado ao verbo. É um
verbo Importante porque sugere não só a existência, mas a sua continuidade, a subsistên­
cia, articulando-se, portanto, com a noção de substância. Seu uso é um traço da língua
86
D a Interpretação
O presente aparece como tempo originário do verbo, em
função do qual os outros tempos são demarcados: “[...] a expres­
são ‘tinha saúde’ ou a expressão ‘terá saúde’ não são verbos, mas
casos do verbo. Elas diferem do verbo porque esse agrega ao que ele
próprio significa o presente, e elas, o que está ao redor dele”, isto é,
o passado e o futuro. Essa passagem busca um paralelismo com o
nome propriamente dito e seus casos, e indica os “casos do verbo”.
Passado e futuro aparecem aqui de um ponto de vista gramatical
ou mesmo lógico, como meras modificações ou declinações do
presente. O verbo é nome e significa alguma coisa.
Pode parecer enigmático, no movimento do texto, o trecho
seguinte: “O que [os verbos] diz expõe o pensamento, e o que ouve
deteve o seu”. Aristóteles passa de uma passagem gramatical para
considerações gnosiológicas fundamentais. Esse salto só é incom­
preensível se insistirmos em nos manter no nível da gramática.
O que ele significa é a ponte entre o sistema proposicional pensado
objetivamente, para lembrar o mundo das essências platônicas, e
a produção das proposições pelo pensamento. Esse salto nos põe,
também, a indispensabilidade dos verbos na enunciação do pensa­
mento. Aristóteles não se refere às ações que os verbos descrevem,
mas deixa subtendido, e aqui não estamos a forçar, o movimento e o
tempo a que eles se referem, sem os quais não há o pensar. Também
o verbo sempre exige o sujeito, exige a unidade proposicional, pela
qual o pensamento se realiza (capítulo seguinte). Acresce que o dis­
curso declaratório, que se vincula ao ser verdadeiro ou ao ser falso,
portanto, ao problema essencial da verdade e da objetividade, não
existe sem “um verbo ou um caso dele” (17a 10). Mesmo outros dis­
cursos, como a prece, exigirão o verbo. Não se há de esquecer que
o pensamento, onde há discurso declaratório, se exerce pelo pensar
simultaneamente e pensar separadamente (Metafísica, 1027b 20-25),
o primeiro caso se refere à conjunção do sujeito e do verbo, ou do
de Aristóteles e é bem provável que seja invenção do Estagirita. A propósito, vide Kneale;
Kneale, 1980, p.65.
87
Aristóteles
sujeito, cópula e predicado; o segundo se refere à sua separação, por
meio da partícula negativa.
Por último, Aristóteles lembra que há duas ordens, a do pen­
samento e a das coisas. Há o pensar, o produto do pensar, o texto, o
discurso, a proposição, a lógica das proposições, e há coisas que elas
também procuram descrever. A proposição não pode garantir, por
si própria, a existência das coisas exteriores a que se refere. Não é
porque asserto a existência da coisa que essa coisa é.
Para além da descrição desses dois tipos de ordem, cuja ponte
a teoria da verdade assegura, a importância dessa posição, a esse
momento ou movimento do texto, é que ela permite a possibilidade
da construção de uma linguagem e do estudo de sua sintaxe, sem
que haja a pretensão de se estar falando de fato das coisas como elas
são, mas também sem renunciar à possibilidade de falar delas, pois
elas de alguma forma se refletem no discurso. De todo modo, trata o
Estagirita aqui de uma tese central que conforma o quadro geral de
nossa relação lógica com o mundo, como a dialética entre a ordem
do discurso e a ordem do mundo.
Comentemos um pouco a questão da voz verbal. Em grego,
apresentam as três vozes aspectos morfológicos e funcionais per­
feitamente identificáveis. Na voz ativa, o sujeito pratica a ação, na
passiva, o que era o objeto da ativa passa a condição de sujeito,
na média o sujeito pratica ação para si e não para o outro. Todas
essas distinções que poderiam ser captadas, às vezes mesmo pela
morfologia, são ignoradas por Aristóteles. Esse fato apenas ratifica
que Aristóteles não se interessa pelo verbo no Da Interpretação como
matéria da gramática, mas como substrato de importante noção para
a lógica, como é o tempo. Pelo verbo, sua lógica já nasce antiplatônica, já nasce acolhendo as coisas corruptíveis.
Aristóteles também está atento, nesse terceiro capítulo, ao efeito
da partícula “não” sobre as formas verbais, em expressões que apare­
cem em nossa tradução como “não tem saúde”, “não apresenta fadiga”
e diz que não estamos, em tais casos, diante de um verbo, prefere
D a Interpretação
aqui denominar a articulação do verbo com a negação de verbo
indefinido, o que demonstra a sua plena consciência da importân­
cia do operador “não” para a linguagem lógica e da natureza de seu
impacto sobre os termos da frase e sobre a semântica de tais termos.
Vale lembrar que o “não” talvez esteja para a lógica como o zero está
para a aritmética. Aristóteles, desse modo, mostra nesse pequeno
capítulo, com exagerada economia de palavras, que o espaço defi­
nido pelo “não” que se cola ao verbo é distinto do espaço delineado
pelo “não” que se cola a um simples nome, que não carrega con­
sigo o tempo. Com efeito, o não homem remete a uma totalidade
de expressões que se distinguem do homem. No caso do verbo, por
ele exigir sempre um sujeito a que se vincula, o espaço da negação
termina restrito ao espaço definido por esse sujeito, ao espaço defi­
nido no interior da própria proposição. Fica claro que o fundador do
Liceu aqui não se interessa pela gramática propriamente dita, mas,
quando faz a sua leitura dos termos gramaticais, o faz do ponto de
vista lógico. E o verbo, sobre aparecer como um nome mais um ope­
rador de tempo, remete a outro aspecto da proposição que muito
interessou Aristóteles: aparece na condição de predicado.40
De todo modo, levemos à exaustão algumas dificuldades da
matéria agora em avaliação.
Consideremos, nos termos da nota 35, a palavra ávauç
[anaus]. Tecnicamente ela aparece como um nome, um substantivo
concreto articulado com um alfa privativo que destitui a sua concretude. Essa palavra poderia ser tomada como uma proposição-nome,
vez que efetivamente significa “o barco que já não existe”. “Anaus”
encerra, assim, nome e tempo, mas não é verbo. Aristóteles prova­
velmente leria tal nome como mera abreviatura da sentença. Ela é,
portanto, mais que um verbo, é uma proposição.
Consideremos ainda a própria definição de Aristóteles do
verbo, que se pode entender como sofisticada, se se recorre às lições
40. “So verbs and predicates are one and the same thing - provided that you take ‘verb’ to
mean ‘predicate’ (and hence classify names as verbs).” (Barnes, 2007, p.113.)
Aristóteles
da linguística contemporânea. Suponhamos o verbo correr, um
nome mais tempo, o que se poderia reduzir a “corrida no tempo
tx”.41 Vê-se que, mesmo se conformando à condição de nome, essa
expressão, nome mais tempo, pede um sujeito lógico, a corrida
de alguém, de algum animal, de algum astro. Trata-se, portanto, de
um tipo singular de nomes. Ela exige um nome, propriamente dito,
que a ela se articule, em uma condição de gênero, espécie, ou de
indivíduo, como na proposição: os astros se deslocam, astros, deslo­
camento, sempre. Estamos, portanto, no ambiente bem fundado por
Aristóteles, o espaço do sujeito e do predicado. Exatamente por exi­
gir um sujeito, o verbo, na condição de predicado, dispensa a cópula
(“é”, “será” ou “foi”), pois a articulação já está de alguma forma dada.
É o que se vê em proposições como a seguinte: “Alcebíades seguiu
para a batalha” ou “Sócrates desceu ao Pireu”.
Com certeza, a definição de verbo nesse capítulo é muito mais
forte do que a noção de verbo usada pela própria lógica de Aristóteles,
até pelas limitações e também necessidades de sua época no trato do
tempo. Aristóteles não colheu os frutos de sua descoberta nesse capí­
tulo. Todavia, há que se reconhecer tratar de contribuição valiosa
cujo significado permaneceu inerte durante mais de dois milênios.
E verdade que, em período histórico relativamente recente, aparece­
rão na lógica os operadores temporais, sem, todavia, se fazer justiça
ao mestre.
O Capítulo I V
Esse capítulo inicia com a palavra grega logos, cujo verbete é
sempre um dos maiores de qualquer bom dicionário da língua grega
clássica. “Phrase”, “sentence” etc., nessa tradução optou-se por dis­
curso. Vê-se, porém, que Aristóteles está a referir-se às palavras, par­
tes mínimas significativas, e de algo que as transcende, afirmação,
negação, prece, encadeamento de proposições. A sílaba na palavra
41. Existe um (x) C(x) e existe um ( y ) T(y).
90
D a Interpretação
ainda nada significa, é elemento importante, mas que se localiza
abaixo do limiar semântico. Quando tem significado, por exemplo,
na expressão “bode-cervo”, não é por si mesma, mas na articula­
ção com outra, como em “bode”, “bo” mais “de”. A construção de
Aristóteles nesse trecho é angustiante (“Nas palavras compostas, a
sílaba tem significado, mas não por si mesma, conforme já tinha sido
dito”) e labora em favor da tese de que o Da Interpretação é mera
anotação de cunho pessoal e não obra acabada. A frase que se acaba
de citar é de contorno complicado e poderia ser bem mais simples e
precisa. Não se pretendia em tal caso senão dizer que a palavra, com­
posta de letras e sílabas, essa sim teria significado. Trata-se de uma
anotação que demandava posterior revisão.
O giro mais radical de Aristóteles, nesse capítulo, talvez seja
a afirmação de que “todos os discursos são significativos, não como
ferramenta, mas, como já tinha sido dito, por convenção”. Há que
se ter presente que tudo o que significa é discurso, o que recai den­
tro do amplo verbete que os registros da língua reservam ao logos.
Aristóteles parece supor que há uma soma lógica das convenções que
sempre acontece no próprio conjunto das convenções. No entanto,
poder-se-ia objetar, mesmo supondo a eleição das palavras por con­
venção, que os discursos que articulam sujeito e predicado revelam
leis objetivas que escapam à mera convenção, mas que são deter­
minadas pela estrutura objetiva que as frases, compostas de pala­
vras eleitas, parecem conter. Isso significa que se poderia, supondo
a liberdade de, pela convenção, colar nomes e predicados às coisas,
admitir que as relações que esses estabelecem entre si e com outros
discursos do mesmo naipe expressam leis que estão longe serem
meramente convencionais. Suponha-se que a palavra homem seja
mera convenção para o que ela efetivamente designa, suponha-se
também que a expressão racional cumpra o mesmo desígnio. Ora,
isso não nos autoriza a dizer que a unidade “O homem é animal
racional” seja significativa meramente por convenção. Essa frase fica
como a sobrar se se pensa no realismo de Aristóteles e no desenvol­
9
;
Aristóteles
vimento de sua teoria lógica, mesmo no Da Interpretação. Demais, a
teoria do espelhamento impõe o seu conjunto de significações deter­
minadas pela presença da coisa e a estrutura da proposição adquire
uma objetividade em si mesma que não pode ser esgotada pela mera
convenção, mesmo que se parta dela. Do mesmo modo, a relação
entre as proposições apresenta, como se sabe, caráter objetivo.42 Com
efeito, o próprio trabalho de Aristóteles na silogística, por exemplo, é
demonstração que leis, até por necessárias, não poderiam ser ditadas
pela convenção. Acresce que, nas Categorias, já estavam demonstra­
dos os tipos de predicação, isto é, as grandes linhas das relações que
o predicado mantém com o sujeito, as quais escapam ao mero con­
vencionalismo. Aliás, convenção e ferramenta são enfoques que não
podem ser convertidos em camisas de força para o enquadramento
das linguagens, sob pena de se cair em paralogismos.
Como entender, portanto, essa passagem em que se vai do
convencionalismo da palavra ao convencionalismo do discurso em
geral, da frase, da afirmação e da negação? Trata-se evidentemente
de uma investida explícita43 contra o discurso-ferramenta de Platão,
mas também de uma investida contra a teoria das ideias de Platão, à
medida que se nega de alguma forma a objetividade necessária do
discurso posto, das ideias, enfim. Essa passagem, ou mesmo esse
acerto de contas, aponta, portanto, para uma desconstrução radical
de Platão, ainda que produza apenas mais dificuldades. Aristóteles,
sem o recurso da historicidade da linguagem (Epicuro),44 não tem
como justificar o seu ponto de vista de repúdio ao mundo das ideias
de Platão, sem sacrificar a objetividade do próprio discurso posto.
É conduzido, assim, a uma solução que derroga a própria necessi­
dade ínsita às suas descobertas.
42. A conjunção de p e ~p, por exemplo, será sempre falsa em lógica clássica.
43. 17a 1-2. “Todos os discursos são significativos, não como ferramenta, mas como já tinha
sido dito, por convenção.”
44. Vide comentários aos capítulos 1 e II.
92
D a Interpretação
A questão da verdade aparece em sua vinculação com um
tipo especial de discurso, o discurso declaratório, objeto do Da
Interpretação, assim reconhecido: “Deixemos os outros discursos,
pois o exame deles é mais próprio da retórica e da poética. Porém,
o declaratório é próprio deste estudo.” Em contraposição a esse dis­
curso, Aristóteles já havia citado a prece, que não seria verdadeira
nem falsa. A prece que faz essa aparição episódica, determinando
negativamente o campo do discurso declaratório, deixará sempre a
dúvida de como seria lida, em termos de valores de verdade. Também
a modalidade do possível (Capítulo IX) não será nem verdadeira
nem falsa, há que se considerar, porém, que se trata de matéria dis­
tinta. Estaria, no caso da prece, Aristóteles pensando na função performativa de certos verbos? “Eu peço, Palas, que nos ilumine nesse
momento.” Com efeito, no caso da modalidade do possível, uma
coisa pode ser e não ser. Se aqui se pode falar de algo não ser nem
verdadeiro nem falso, mas que deverá se resolver em verdadeiro e em
falso, essa alternativa já não está presente no que concerne à prece.
Todo o seu conteúdo já aparece imediatamente dado.
O Capítulo V
O Capítulo V se inicia apontando para uma hierarquia do dis­
curso declaratório, onde em primeiro lugar aparece a afirmação e em
seguida a negação. O critério que determina esse fato é a própria com­
plexidade de suas construções, primeiro se obtendo a afirmação por
nome e verbo, ou nome, predicado e cópula, e, depois, pela agrega­
ção da partícula “não” se alcança a negação. Trata-se, evidentemente,
da própria lógica de construção da linguagem,45 onde começamos
45. Quando não se está atento ao princípio de construção lógica da linguagem, tal como
posto no Da Interpretação, a precedência da afirmação sobre a negação torna-se incom­
preendida. Nesse erro laborou Paolo Crivelli com sua pouco plausível, ou simplesmente
incrível, teoria dos states o f affairs em Aristóteles, que, segundo ele, ofereceria uma ex­
plicação para Aristotle’s some what obscure claim that affirmations are prior to denials
(Crivelli, 2007, p.50).
93
Aristóteles
praticamente na sílaba, passamos pelos nomes que seriam obtidos
por convenção, pelos verbos e agora chegamos nos capítulos IV e V
ao discurso declaratório e também às articulações de unidades de
tal tipo: (17a 9) “Todos os outros discursos [declaratórios] são unos
pela ligação entre aqueles.” Esse modo de construção mostra o domí­
nio da linguagem lógica a que chegou Aristóteles, onde praticamente
define os termos da linguagem corrente, usa conscientemente do
ponto de vista lógico os operadores “não” e “e”.46 Antes, portanto, de
chegar ao problema da quantificação (Capítulo VIII), trabalha com
os discursos declaratórios, assim simplesmente considerados, e os
operadores citados. Vai reconhecendo, assim, na linguagem objetiva
posta, os recursos propriamente lógicos e a forma como são logica­
mente engendrados.
A importância do verbo para a determinação do discurso
declaratório é reafirmada aqui, sem rodeios: “Há necessidade de que
todo o discurso declaratório decorra de um verbo ou de um caso
dele. Com efeito, o discurso do homem, se não lhe for aposto o e’, o
‘sera ou o ‘foi’, ou alguma coisa desse tipo [verbo, no limite], ainda
não é discurso declaratório.”
Como que lançada à estupefação do leitor, aparece a indagação
seguinte: “e por que é um o animal-pedestre-bípede e não múltiplo?
Com efeito, não é pelo fato de as expressões terem sido ditas na
sequência que constituem um mesmo discurso. Todavia, cabe a
outra disciplina tratar disso”.
Por que a questão, se se trata evidentemente de matéria de
outra disciplina? A resposta a esta pergunta me parece importante
não só para compreender Aristóteles, como para compreender uma
de suas contribuições fundamentais, frequentemente esquecida pela
lógica contemporânea, apesar de essa navegar nas águas do filósofo.
A resposta à questão está na teoria das categorias, em como ela orga46. A conjunção e a negação são os operadores essenciais: “Nós podemos considerar a con­
junção e a negação como os únicos mecanismos de base em matéria de função de verda­
de.” (Quine, 2006, p.59.)
94
D a Interpretação
niza a identidade e a diferença em suas respectivas divisões. A ques­
tão tem interesse, ao se procurar delinear os contornos do discurso
declaratório, porque ela diz respeito ao fundamento da verdade. Ela
responde ao fato de as proposições “Sócrates é animal”, “Sócrates é
bípede”, “Sócrates é homem”, “Socrates é pedestre” referirem-se a um
mesmo. Solução que de nenhum modo estaria dada apenas por uma
teoria de linguagem lógica básica, apenas por uma teoria da verdade
propriamente dita, seja tarskiana, seja fregiana. Solução que reflete,
de modo profundo, a teoria da correspondência e das categorias em
Aristóteles. Aliás, não é casual que, ao tratar da questão do verda­
deiro e do falso, Aristóteles faça remissão ao problema da unidade
do discurso. Apenas, para confirmar o valor dessa conjunção, o pro­
blema da verdade e a unidade do discurso, vale lembrar que ela rea­
parece anos depois na Metafísica (1027b 20-25):
C o m efeito, o v erdad eiro está n a afirm ação sobre o co m p o sto e n a
negação sobre o dividido, e o falso n isso existe na co n trad ição dessa
divisão. P orém , suced e coisa d istinta: co m o pen sar o sim u ltân eo e o
separado? E digo o que é sim u ltan eam en te e o que é sep aradam ente
não co m o o que é de m o d o sucessivo, m as o prod u zir-se algu m a
coisa una.
A resposta a essa pergunta sobre o uno e o múltiplo é um dos
principais resultados colhidos por Aristóteles em sua militância antiplatônica: como evitar a multiplicação de Sócrates? A teoria platônica
das ideias, pelo fato de as ideias estarem dispostas em seu mundo em
si mesmas, tem dificuldade em resolver a questão de forma razoá­
vel. Platão apela ao controverso conceito de participação para fazer
frente ao problema, mas essa solução parecerá a Aristóteles artificial,
como de fato o é. É, todavia, a solução possível no pensamento do
fundador da Academia.
Em 17a 14, Aristóteles introduz uma das leis mais rigorosas e
mais necessárias da proposição atributiva, isto é, sujeito e verbo, ou
sujeito, cópula e predicado: cada discurso declaratório só explicita
uma única coisa, ou é uno pela conjunção. Em verdade, Aristóteles
95
Aristóteles
parece aqui querer salientar o papel do operador “e”. Todavia, a uni­
dade, problema fundamental, não é garantida apenas pelo operador,
mas pela articulação intercategorial, que nas Categorias ele chamou
de complexão (συμπλοκή).47 Com efeito, se o discurso expressa
apenas uma coisa, ou se é múltiplo, é questão que se determina para
além do discurso. Porém, a categorialização permite que o discurso
acomode a organização do mundo, tal como ela se dá.
Parece, todavia, como fica expresso no início do capítulo, que a
articulação dos próprios discursos produz um outro tipo de unidade,
unidade do discurso, para além da unidade da coisa, assim nasce
a unidade do texto, a unidade do livro como texto, a Ilíada, por
exemplo, na Poética (1457a 28), como lembra Tricot em nota a esse
capítulo. Às vezes se cuida de unidade apenas de uma expressão lin­
guística, reveladora de uma categoria, por exemplo, “no liceu”, expres­
são da categoria “onde”, a despeito de a própria expressão reunir em
si duas categorias gramaticais distintas, a preposição e o nome.48
O que fica do συνδέσμος é que ele traduz aproximadamente o
que se chama hoje conjunção: “O discurso declaratório ou expressa
uma única coisa, ou é um pela conjunção
Essa parte da frase
indica que as proposições, a título de exemplo, “Sócrates é Homem”,
ou “Sócrates é animal racional” expressam uma única coisa. Na
primeira, a coisa única é declarada de imediato; na segunda, a
unidade surge da conjunção de animal e racional. Na verdade, o que
não se chegou a dizer no texto, mas que se pode dele decorrer é que a
conjunção se dá nas duas frases, entre Sócrates e homem, entre
Sócrates, animal e racional.
A segunda parte da frase comprova, a meu ver, que o operador
“e” é colocado de modo inequívoco: “[...] mas os discursos múltiplos
são aqueles que expressam muitas coisas e não uma única coisa,
ou são aqueles que são assindéticos.” Essa frase poderia ser lida, sem
titubeios, da seguinte maneira: “[...] mas os discursos múltiplos são
47. Categorias la 16-17. “Das coisas que são ditas, umas são ditas segundo complexão; ou­
tras, sem complexão.”
48. Categorias lb 25.
96
D a Interpretação
aqueles que expressam muitas coisas [pela conjunção] e não uma
única coisa, ou são aqueles assindéticos”, o que poderia ser figurado
nas proposições seguintes: “ali estavam Sócrates, Platão e Protágoras”,
ou “Sócrates estava ali”, “Platão estava ali” e “Protágoras estava ali”.
Estas três últimas frases podem ser lidas de modo segmentado, isto
é, sem conjunção, assindeticamente, ou por meio de conjunção
formando os discursos compostos que articulam diversas letras
proposicionais - p, q e r - e que indicam, no último caso, que ali,
em algum momento, estavam reunidos Sócrates, Platão e Protágoras.
O “assindeticamente”, a separação, poderia ser expresso em linguagem
formal contemporânea por diferentes letras proposicionais com
a vírgula. Chega-se assim ao fato de que o discurso pode ser uno
pela conjunção ou múltiplo, também pela conjunção, o que apenas
quer dizer que a unidade ou a multiplicidade é produzida por algo
mais profundo do que o operador “e”, apenas elemento essencial à
organização do discurso e à descrição do mundo. Enfim, a unidade
e a multiplicidade são emprestadas à lógica pela ordem ontológica.
“E é a simples declaração som articulado e significativo a
respeito do seguinte: se alguma coisa subsiste ou não subsiste [em
outra coisa] conforme os intervalos de tempo.”
Esse trecho confirma que, para Aristóteles, tanto o discurso
quanto a coisa se dão no tempo, se submetem à sua ordem, não sendo,
portanto, nem eternos nem atemporais, no mundo da substância
onde essa condensa em si todos os atributos do mundo real, mesmo
a corruptibilidade. Eis por que Ackrill a denomina, com razão, pen­
sando na substância primeira, “somehow basic (contra) Plato”.
Em 17a 20, Aristóteles retorna à declaração simples, dizer ou
negar alguma coisa de alguma coisa, e opõe esse discurso ao composto.
Esse trecho tem um quê de ambiguidade em sua redação: a questão é
saber se a declaração composta, que se opõe à simples, seria também
uma declaração simples, como sustenta Whitaker.49 Parece-me mais
49. Nem a tradução de Ackrill, nem a de Weidemann, nem a que o leitor tem aqui abonam a
leitura de Whitaker desse trecho. Tricot poderia sair em seu socorro, mas se trata de uma
empresa sem lastro ou com lastro impreciso no texto grego.
97
Aristóteles
que a oposição é entre simples e composto, e isso é tudo o que se
pode dizer aqui. De todo modo, passagem anterior do texto (17a
15) já havia esclarecido completamente o horizonte da simplicidade
ou complexidade das declarações: uma declaração como “Sócrates,
Alcebíades e Platão se encontram na ágora” constitui uma declaração-composta, pois se diz uma coisa “encontrar-se na ágora” de vários
sujeitos, isto é, de várias coisas. Por outro lado, a declaração “Sócrates
é homem, branco, grego, racional”, que poderia ser decomposta em
diversas declarações, constitui uma declaração simples, uma vez
que os predicados, em conjunção, podem, por sua natureza, e não
simplesmente por estarem em conjunção, produzir o uno.50
O Capítulo VI
Esse capítulo segue pelo tema e pela ordem a matéria desen­
volvida no Capítulo V. Definido o discurso declaratório (λόγος ά
ποφαντικός), a declaração (άπόφανσις), trata-se agora de definir o
que é afirmação e o que é negação. Como já anotei anteriormente,
trata-se de rigorosíssima definição da linguagem lógica que opera no
interior da língua corrente: mais do que isso, com descrição semân­
tica impecável da estrutura das declarações afirmativas e negativas
e de suas possibilidades: “A afirmação é a declaração de que alguma
coisa se refere a alguma coisa e a negação é a declaração de que
alguma coisa está fora de alguma coisa.” Aristóteles evita definir
a negação usando a partícula “não”, de tal sorte que não se possa
enredar em círculo vicioso. A afirmação explicita a relação τινός
κατά τινός, e a negação τινός από τινός. Esse fato confirma tam­
bém a posição hierárquica (segunda posição) da negação em termos
semânticos (Capítulo V).
50. “As proposições ‘Londres é grande e estrepitosa, ‘Londres é grande e ‘Londres é estrepi­
tosa são visivelmente apenas duas maneiras de dizer a mesma coisa, quando se passa aos
símbolos, elas se escrevem como a conjunção seguinte: Londres é grande [e] Londres é
estrepitosa.” (Quine, 2006, p. 121.)
D a Interpretação
Enfim, duas coisas, sujeitos ou predicados, são postas em
relação, uma em referência à outra. A relação simples entre duas
coisas é o segredo da proposição e da lógica que Aristóteles aqui nos
revela. Essa verdade simples aparece como um dos fundamentos da
lógica e permite a edificação de um gigantesco empreendimento.
Com o
é possível tam b ém
d eclarar o que subsiste co m o
não
su bsistente e o que não subsiste co m o su bsistente (e da m esm a
fo rm a a respeito do tem p o exterio r ao que é agora), tudo aquilo que
se afirm o u p o d eria ser negado e tudo aquilo que foi negado algu ém
p o d eria afirm ar.
Essa frase marca bem o terreno, delineando os contornos da
relação da coisa com o discurso. A coisa, posta em seu mundo, tem
a sua configuração, a qual o discurso capta ou não. Quando alcança
exatamente a relação real posta, ele pode dizê-la como ela é, afir­
mando ou negando, conforme o caso. Pode também errar completa­
mente em sua descrição da relação, afirmando ou negando, também
conforme o caso. Afirmação e negação se situam como antípodas
necessários no interior do discurso. Uma supõe a outra, como possi­
bilidades extremas inerentes ao discurso.
Whitaker chama a atenção para o fato de o Da Interpretação
servir aos propósitos dos debàtes dialéticos e vê nisso o leitmotiv
da obra. E aqui dá um grande peso para a negação.51 Como já tive
oportunidade de dizer nessa introdução, sem negar esses propósitos
ou funções importantes para a dialética, parece-me que, nesse caso,
quando se pensa na unidade do que em si mesmo seria o mais desu­
nido, e que é de fato, é a própria dialética que ajuda a fundar a estru­
tura da lógica formal de Aristóteles. Enfim, Aristóteles, fiel ao seu
método de investigação, vai descobrindo na experiência corrente, na
língua, nas disciplinas postas, incluindo aqui a dialética, as leis da
lógica. Ele descobre a unidade da afirmação e da negação, na própria
experiência da dialética, a desnuda, descobre os sentidos recíprocos
51. Whitaker, 2002, p.3-4.
99
Aristóteles
que elas encerram, uma guardando em si a possibilidade da outra.
Mais do que isso, fiel ao seu método analítico, demarca exatamente
o que é negação e o que é afirmação, dando uma rigorosíssima defi­
nição semântica de cada uma delas, percebendo que elas encerram
a tensão máxima entre as proposições possíveis. Elas constituem as
proposições mais distantes entre si em referência a um mesmo sujeito
e a um mesmo predicado, mas ao mesmo tempo as que guardam a
maior tensão recíproca e formam, a despeito da distância, um par,
pois incidem sobre a relação que se estabelece entre esse sujeito e esse
predicado, relação que pode assumir um de seus dois sentidos, com a
partícula “não” ou sem a partícula “não”. Trata-se do par do que não
pode ser simultaneamente. Do par que, no limite, não é par. Trabalhar
essa oposição como unidade, como pertencente a um mesmo espaço
lógico, é generalização de grande ganho e alcance científico. Aqui,
indubitavelmente, Aristóteles mostra mais uma vez o seu gênio.
Esse espaço que, em um extremo, encerra a afirmação, e, no
outro, a negação, engendra a possibilidade de declarar o subsistente
não subsistente, e o não subsistente, subsistente. Esse espaço é carac­
terística objetiva dessa matéria dita discurso, e traz, desse modo, em
si mesmo, a possibilidade do falso e do erro. A falsidade e a verdade,
conforme postas no Da Interpretação e na Metafísica, parecem algo
exterior à proposição, que diz respeito à conformidade do discurso
com o fato. Como nos lembra Pavlov,52 na semântica lógica de Frege,
as noções de verdade e falsidade são consideradas nos sentidos
seguintes: predicado, referência, objeto abstrato, valor de verdade e
argumento de função. A concepção de Aristóteles se enquadraria per­
feitamente na concepção de valor de verdade, como algo que decide
da relação entre a proposição e o fato, entre o discurso e a realidade.
Como já se observou, a negação em Aristóteles situa-se ime­
diatamente na relação entre sujeito e predicado, sendo, portanto,
uma negação interna à proposição. Aliás, Whitaker e Anscombe
52. Pavlov, 2011, p.l 14. Nesse texto, Pavlov demonstra que a verdade combinada com a ne­
gação dispensa a noção de falsidade como objeto abstrato na lógica. Agrego por fim, para
discussão, a verdade como operador modal, tal como Aristóteles sugere em 22a 14.
ZOO
D a Interpretação
chamam a atenção para esse fato.53 Não resta dúvida que esse epi­
sódio da história da lógica tem consequências: uma delas, sem que­
rer causar horror aos contemporâneos, é que a teoria de Aristóteles
parece a mais apta a enquadrar as proposições da língua corrente e a
compreender a relação que existe entre predicado e sujeito nelas.
A outra diz respeito às possibilidades de leitura de uma estrutura
proposicional formalizada, como não p, que no atomismo preposi­
cional contemporâneo se desliga da relação entre o sujeito e o pre­
dicado, com o esquecimento semântico desses dois objetos lógicos
que tanto interessaram a Aristóteles. Há que se considerar ainda que,
para a linguagem corrente, do ponto de vista das condições de
verdade, onde incidem com mais força as preocupações contem­
porâneas, há grande intersecção entre os resultados colhidos pela
aplicação da negação interna e os colhidos pela aplicação da nega­
ção externa. Subsiste, todavia, conforme salientam os estudiosos da
ruptura da lógica de Aristóteles com a modernidade, um conjunto
de enunciados onde as diferenças aparecem.54 Examinemos, como
exemplo, para mencionar uma das proposições mais festejadas, a
seguinte: “O atual rei da França é careca”. Evidentemente, a negação
interna e a externa produzem aqui valores de verdade distintos.
Todavia, achar que Aristóteles se conformaria com a negação
interna, nesse caso, parece-me equivocado. O exame do trecho 13b
29-35 ( Categorias) mostra que há trânsito ou movimento da negação,
do interior para o exterior da proposição, de modo que se detecta em
Aristóteles, inequivocamente, um princípio de negação externa:
A ssim , [con sid eran d o os d iscu rsos] “S ó crates é d oente” e “S ó crates
não é d oen te”, se ele existe, é evid ente que um deles é verdad eiro
e o ou tro falso; e, se não existe, de m o d o sem elh ante. C o m efeito,
“Só crates é d oen te”, qu an d o ele não existe, é falso; e, “Só crates n ão é
d oen te” é verdadeiro.
53. Whitaker; Anscombre, 2002.
54. Steinacker, Die epistemische Komponente einer nichtklassischen Negation. In: Stelzner,
Philosophie und Logik, 1993, p.329-37.
lO l
Aristóteles
Ora, para essa proposição, nessas condições, ser verdadeira,55
há de haver a emigração da partícula negativa do interior da
proposição para o seu exterior, portanto a negação, nesse caso, deve
ser compreendida como se fosse externa. E também, essa migração
transmuda a cópula em verbo de existência.
Demais, a contradição entre p e ~p, se se considera o aspecto
interno da negação, só é possível porque o que é interno já carrega
consigo mesmo esse aspecto exterior. Do contrário, não se poderia
assertar a incompatibilidade de p e ~p, isto é, não se poderia assertar
a incompatibilidade de dois juízos, um afirmativo e outro negativo,
se não se supusesse que a negação interna a um deles já tem o seu
aspecto exterior. Com efeito, trata-se de dois momentos distintos,
mas que se encontram entrelaçados. Até que ponto se pode esticar
a tensão entre esses dois momentos, é experimento das chamadas
lógicas não clássicas.56 Vasíliev pensará, por exemplo, um juízo
em que a negação interna não terá a sua expressão externa, o qual
chamará de juízo indiferente. Indiferente porque nele dois predica­
dos contraditórios poderão coexistir sem que isso torne inconsistente
o sistema. Aqui A e ~A poderão conviver sem problemas, porque
confinados em um mesmo predicado de um mesmo juízo.
O Capítulo VIl~i
Nesse capítulo, Aristóteles vai precisar a natureza de concei­
tos essenciais à organização e mesmo à possibilidade da proposi­
ção. O conceito de universal (τά καθόλου) e o conceito de singular
(τά καθ’ έκαστον) são aqui introduzidos:
55. Whitaker (2002, p.81-2) observa que a verdade e a falsidade não são mencionadas nes­
se capítulo e que não seriam, portanto, parte da teoria da contradição de Aristóteles.
Aristóteles define a contradição não em termos de verdade, ainda que esta venha a ter
consequências para o conceito de contradição. Obviamente, não se pode querer que em
algumas linhas se desenhe todo o círculo das proposições contraditórias. De todo modo,
Aristóteles dá uma contribuição aqui à semântica da proposição, a qual nem sempre é
bem compreendida pelos lógicos contemporâneos.
56. da Mata. Sobre a contribuição de N. A. Vasiliev à Lógica. Investigação Lógico-Filosófica,
n.4, 2010; Arruda. N. A. Vasiliev e a Lógica paraconsistente, 1990.
ÍO Z
D a Interpretação
M as, u m a vez que, d en tre as coisas existen tes, um as são un iversais,
outras singulares, d en o m in o de universal aquilo que n atu ralm en te
é pred icad o em m u itas coisas, e de sin gu lar aquilo que não é, p o r
exem plo, h o m em p e rte n c e às coisas u n iv ersais e C álias às singulares.
O universal, como salta desse trecho denso e significativo, pode
ser associado a uma pluralidade de coisas. O singular nos remete ao
que seria hoje um nome próprio, e, como coisa, é único. Enquanto
homem pode ser vinculado a Sócrates, Cálias, Platão, Parmênides
e assim por diante, o singular, Cálias, pensado como esse Cálias aí, é
único.57 Estamos aqui diante das instâncias lógicas que correspondem
às substâncias (Cálias ou Sócrates) individuais ou primeiras e às subs­
tâncias segundas (homem, animal), espécies ou gêneros: “E o todo
individual, Cálias ou Sócrates, é como esta esfera de bronze, e, por
outro lado, o homem e o animal, como a esfera de bronze em geral”
(.Metafísica, 1033b 24-25).58 A par do singular, existe o particular
(Primeiros analíticos, 24a 17,25a 8 e 53a 3 - fev μέρει) que poderia ser
traduzido como um qualquer de determinado universo, onde o sujeito
universal nem é considerado universalmente, nem singularmente.
Quanto à quantificação, Aristóteles apresenta diretamente a
proposição singular e a universal, e por último a particular, onde o
sujeito é um particular indiferenciado. Na primeira, temos a ocor­
rência de um nome próprio como sujeito, na segunda temos o uni­
versal considerado universalmente (todos os homens) e na terceira o
particular indiferenciado, um homem, um cão etc. O universal sem
artigo em grego (έσχι λευκός άνθρωπος), homem é branco, equi­
vale, em português, a um homem é branco.59
57. O singular é normalmente um sujeito, mas pode aparecer também como predicado:
“Este que aí está ou este branco é Cálias.” (Primeiros analíticos, 43a 35.)
58. A ordem do exemplo, primeiro Cálias, depois a esfera determinada, não é de todo casual:
Aristóteles configura a sua lógica a partir da Biologia e depois a traz para o mundo.
A Biologia que ele fundou atua como fundante.
59. Em 17b 34-36 isso fica claro quando Aristóteles precisa o sentido das frases: “[um] ho­
mem não é branco” e “nenhum homem é branco”. A segunda proposição, em grego,
apresenta-se, do ponto de vista de Aristóteles, com uma negação exterior: não (é [um[
Aristóteles
17b 1-3 - “Também é necessário declarar que alguma coisa
subsiste ou não subsiste, ora em alguma coisa universal ora em
alguma coisa singular.” Vejamos como se configura tal colocação
na proposição. Suponhamos aqui a racionalidade: em “Sócrates
é racional”, ela subsiste no singular; em “o homem é racional”, ela
subsiste no universal. Evidentemente, estamos aqui no plano da
construção da linguagem, pois no nível ontológico a coisa não vai
estar no universal apenas, sem estar no particular ou no singular.
“Se, portanto, for declarado, de maneira universal, a respeito
do universal, que [nele alguma coisa] subsiste ou não subsiste, se­
rão declarações contrárias.” O universal, como se dirá na sequên­
cia, é declarado universalmente, quando, na condição de sujeito da
proposição, lhe é anteposta a expressão “todo ou toda”, isto é, o que
se chamará depois de quantificador universal. O termo “todo” não
seria universal, mas junto de um universal permitiria que esse fosse
tomado universalmente. Outro termo que designará o quantificador
universal será “nenhum”. Essa curiosa partícula, oí)ôeiç, já seria um
caso, a meu ver, de negação externa, como se a própria língua em
seu uso corrente apontasse para essa preciosidade de que os lógicos
hom em branco). Em verdade, poderia ser lida como [um] hom em jam ais é branco. Whi­
taker (2002, p.87) comete um equívoco, ao considerar que Aristóteles se refere às pro­
posições “[um] homem é branco” e “[um] homem não é branco” como contraditórias
em 17b 31 e seguintes. Isso não está dito no texto citado. Esse erro lhe custou caro, pois
desenvolve uma longa argumentação em sua base. Em 17b 31, o Estagirita esforça-se por
distinguir o sentido de duas proposições na língua grega. Verdade que Aristóteles se refe­
re expressamente no capítulo a universais não considerados universalmente (17b 29-30),
isto é, um homem, um cão etc. A confusão, talvez, seja induzida pelo próprio Estagirita,
quando passa a falar de um homem nobre, que é também vil. Aristóteles se refere a
dois aspectos distintos, nomeados pela mesma forma universal (nobre). Nobre como
pertencente à nobreza, nobre como aquilo que se opõe ao baixo e ao vil moralmente. Por
último, Aristóteles se refere a uma coisa, um homem que está se tornando uma coisa,
que é e não é, onde seria possível um homem ser uma coisa e não ser uma coisa, nesse
caso as proposições seriam simultaneamente verdadeiras, também. Um segundo equívo­
co de Whitaker, equívoco lógico para acomodar o par de contraditórias, erroneamente
suposto, é considerar “um homem não é pálido” como equivalente a “nenhum homem é
pálido” (2002, p.87). No caso das particulares, “um homem é pálido”, pode ocorrer que
outro “homem é não pálido”, de tal sorte que a conversão em “nenhum homem é pálido”
não se autoriza.
/04
D a Interpretação
contemporâneos tanto se orgulham em seu esforço para distanciarem-se de Aristóteles. Suponha-se a frase:
Nenhum filósofo cobra por suas lições, em Atenas,
ela pode ser compreendida como
Não há um filósofo que cobra por suas lições, em Atenas.
A própria palavra “nenhum”, portanto, essa invenção maravi­
lhosa da língua, já aponta para um começo da negação externa. Se
Weizsäcker afirmava (vide nota 36) que não se pode fugir da pro­
blemática da linguagem corrente, responderíamos àquele que acolhe
essa constatação com uma ponta de sentimento trágico: ainda bem
que não se pode!
É preciso observar que também a ordem dos capítulos denuncia
que estamos seguindo os passos da construção da linguagem lógica,
ou da exposição aristotélica do núcleo lógico da linguagem corrente
de seu tempo e mundo. Os capítulos são rigorosamente ordenados
em disposição que revela a escala de complexidade da linguagem
apresentada. Desse modo, quando Aristóteles diz que alguma coisa
subsiste ou [ou excludente] não subsiste, ora em alguma coisa uni­
versal [sujeito], ora em alguma coisa singular [sujeito], afasta-se a
possibilidade de o universal (predicado) subsistir e não subsistir,
simultaneamente, em uma mesma coisa, e numa mesma proposição.
A esse propósito, não se deve esquecer aquilo que o capítulo anterior
já definira a esse respeito:
17a 25-26 - “A afirmação é a declaração de que alguma coisa
está em relação com alguma coisa e a negação é a declaração de que
alguma coisa está fora da relação com alguma coisa.” Se se considerar
que Sócrates é branco e não branco, por exemplo, como apenas uma
proposição, a lei lógica da proposição, explicitada no Capítulo VI,
será quebrada, pois a coisa Sócrates estará em relação com branco e
lO j
Aristóteles
não branco, dentro de uma mesma proposição.60 Uma coisa, Sócrates,
está em relação com duas coisas, com o branco e com o não branco.
A construção da lógica, com disciplina organizada e científica, nesse
primeiro sopro, bane as proposições heraclíticas do tipo “Sócrates é
branco e não branco”, bane o que seria o juízo indiferente na cons­
trução não clássica de Vasíliev. Aristóteles constrói a sua lógica sobre
a ontologia de seres que se conservam, ainda que provisoriamente,
esses são as substâncias. Admite ele, porém, já nesse momento dado
pelas Categorias e pelo Da Interpretação, o juízo heraclítico como
uma possibilidade para a descrição do real? O trecho 17b 30-34, por
mais enigmático que seja, parece conservar a memória em Aristóteles
do espólio de Heráclito, ou simplesmente da mudança na realidade
objetiva e sua impressão na linguagem. Ele começa a dizer que
simultaneamente seria verdadeiro dizer que “um homem é branco” e
“um homem não é branco”, mas sugere com o exemplo da sequência,
que os predicados aparentemente idênticos podem ser de fato dife­
rentes, como no caso de “um homem é nobre”, quanto à sua origem,
mas “não é nobre” quanto ao seu comportamento, se é, de fato, vil.
E na sequência afirma: “E se ele está se tornando alguma coisa, ele
60. A história que Aristóteles faz da Filosofia na Metafísica mostra que tinha consciência
de todas essas dificuldades e que admitia a contradição como elemento da realidade.
De resto quase uma unanimidade no pensamento grego. Mesmo Platão a admitia, mas
consciente das dificuldades lógicas de pensar a mudança se refugia no mundo seguro
das ideias (vide M etafísica, 987a 30). Parmênides em seu esforço só se compreende como
a tentativa de operar uma disjunção no juízo heraclítico: tudo é e não é. Eis por que o
pensamento parmenidiano insiste no “ser é” e no “não ser é”. É verdade que Heráclito
sustentara que “tudo é e não é”, e toda a sua descendência. Todavia, mesmo não fazen­
do sentido dividir a sentença de Heráclito em duas proposições, há que se constar que
não havia uma teoria da proposição nessa tradição que explicitasse rigorosamente essa
possibilidade. Enfim, não havia uma construção rigorosa que explicitasse que, naquele
universo, o fato de uma coisa estar em relação com alguma coisa e estar fora da relação
com essa coisa engendra uma unidade proposicional mínima. Essa é, talvez, uma das
contribuições mais importantes de N. A.Vasíliev à lógica. Com efeito, ele definiu, como
uma das unidades irredutíveis de sua lógica, em uma de suas primeiras versões, o chama­
do juízo indiferente, no qual conviveriam o juízo afirmativo e o negativo, mas esse juízo
indiferente não seria redutível a um e ao outro. Em Aristóteles, não existe essa unidade
proposicional, o que existe é a unidade de um par de proposições, que são excludentes,
mas que constituem para os fins lógicos uma unidade, o par de contraditórias.
106
D a Interpretação
não é [essacoisa]” (καί εί γίγνεταί τι, και οϋκ εστιν). Aristóteles
aqui expressa ο sentido próprio do movimento para a lógica, algo
que está se tornando, que nem é nem não é, ou que é e não é. Sua
lógica, porém, captará o que é ou o que não é, mas não o que “está se
tornando”. Sua linguagem lógica capta o resultado do tornar-se, mas
não o próprio tornar-se. Todavia, nesse sintético, obscuro parágrafo,
como muitos dirão, Aristóteles parece exprimir que se poderia dizer,
simultaneamente, de a que é b e que não é b, e que isso poderia ser
verdadeiro, onde b, diferentemente do predicado nobre, em o homem
é nobre, apresentará um mesmo significado. Porém, ele aponta para
dois juízos simultaneamente verdadeiros: 1) a é b; 2) a não é b. Esse
fato diz respeito à sua construção lógica e à sua organização da pro­
posição, onde a não poderia se referir a duas coisas, b e não b. Eis
por que ele não pode fundar um cálculo lógico para esse contexto
de transição, mantida a bivalência e a possibilidade de apenas dois
juízos. O sistema entraria em colapso, evidentemente. E, daí, porque
essa passagem muito importante do Da Interpretação fica como que
confinada no corpo do texto.
Uma outra lei da lógica aristotélica aqui estabelecida e que
parece ter alcance muito grande, se se pensa nas proposições em
geral, é a apresentada em 17b 12-16. Ela é apresentada sob a forma
de determinação negativa, com aquilo que não pode ser:
N ão é verdad eiro atrib u ir o universal u n iv ersalm en te ao predicado.
C o m efeito, não haverá n en h u m a afirm ação na qual o universal será
atribu íd o un iv ersalm en te ao p red icad o, p o r exem plo: “tod o h o m em
é to d o an im al”.
Embora não esteja dito, o animal na frase, como predicado,
não pode ser quantificado, isso significa que não se diria também
“todo homem é algum animal”, ou ainda que se pudesse admiti-la,
haveria que se admitir que ela não coincide com “todo homem é
animal”. Na segunda, animal aparece como a essência ou a substância
segunda que unifica todas as espécies animais; na primeira, o
quantificador parece reduzir a dimensão do predicado, e ele parece
ioy
Aristóteles
perder a dimensão de substância segunda. Ele deixa de ser aquele que
unifica as diversas espécies distintas, para ser apenas o que explicita a
essência do homem, como se quase nos fora necessário dizer: “todo
homem é algum animal” e “algum animal é animal”.
O Capítulo VII-z
Em 17b 16-20 aparecem a afirmação e a negação opostas de
modo contraditório (òcuxi^axiKCüç): “todo homem é branco”, “nem
(não) todo homem é branco”; “nenhum homem é branco”, “algum
homem é branco”. As contraditórias permitirão inferências decisivas
com os valores de verdade e falsidade. Observe o leitor que o nem
todo, ou não todo, que se traduz por algum, consiste em um caso
de negação localizada no exterior, mas que incide apenas na borda
da proposição, no caso o quantificador universal. Já o nenhum, essa
ferramenta que alguns querem ter descoberto, já estava posto pela
língua e é definitivamente uma negação exterior: não há um homem
branco, ou não (todo homem é branco), como se o não precedesse
os parênteses. A inferência decisiva, ou verdade ou falsidade que
o par das contraditórias encerra, constitui o que Whitaker chama
de Lei dos Pares Contraditórios (LPC), que aparece já no Capítulo
VI.61 Aristóteles chama de contraditória a oposição, pela negação,
de uma proposição universal, tomada universalmente, quantificador
todos, diante de uma proposição particular, quantificador nem todos
etc.; ou nenhum , diante de uma proposição particular, quantificador
algum (algum - sujeito - é - predicado).
A propósito, Whitaker denomina o sétimo capítulo de seu
livro de “The First Exception to RCP; Singular and Universal Assertions” (A primeira exceção da LPC, asserções universais e singu­
lares). Duas particulares se oporiam aqui de tal sorte que a simul­
taneidade da verdade de ambas as proposições seria possível (“um
homem qualquer é branco”, “um homem qualquer não é branco” 17b 30-33). Esse caso constituiria uma primeira exceção à lei do
61. Whitaker, 2002, p.79.
108
D a Interpretação
par contraditório, que seria para muitos uma formulação da lei do
terceiro-excluído (de duas proposições, uma é verdadeira, a outra
falsa, e uma terceira hipótese está excluída). Whitaker usa esse
fato62 para distanciar a LPC do princípio da não contradição. Há de
se reconhecer, a despeito de o Da Interpretação não explorar essa
vertente, que, a rigor, se um homem qualquer é branco, e um homem
qualquer não é branco, a condição de que a negação deverá negar a
mesma coisa que a afirmação afirma e em referência ao mesmo sujeito
(coisa) não foi preenchida. A exceção, no caso, contrariamente ao
defendido por Whitaker, seria apenas uma pseudoexceção, pois o
homem qualquer da afirmação não pode coincidir com o homem
qualquer da negação, salvo a hipótese de eles serem um mesmo.
Acresce que esse “um homem é branco” nos remete a um universo
incompleto em que não se pode falar em inferências necessárias,
e é esse exatamente o motivo por que tais proposições podem
apresentar algum interesse para a dialética, tal com se praticava
na Grécia.63
Na sequência do capítulo, reaparece um problema já presente
nos capítulos VI e VII, e com consequências para todo o Da
Interpretação e para a lógica, de Aristóteles em particular, e para a
lógica em geral. Refiro-me, no Capítulo VII, à passagem seguinte
(17b 37: “É evidente que uma negação corresponde a uma afirma­
ção.”). O curioso a essa altura do texto é que Aristóteles tenha preferido
dizer que uma negação corresponde a uma afirmação, deixando
em silêncio, se a uma mesma afirmação correspondem diferentes
negações. Demais, sendo a afirmação primeira em relação à negação,
era de se esperar que se mantivesse aqui a ordem lógica. É provável que
a opção de Aristóteles seja uma forma de eludir, a esse momento (vide
capítulo seguinte, o VIII), a discussão sobre como, de uma afirmação,
62. Whitaker, 2002, p.202. O princípio da contradição não conheceria exceções, a LPC, sim.
63. Não nos esquecer que a lógica formal, ao menos em um primeiro momento, cuidou de
inferências rigorosamente necessárias, seu primeiro objetivo seria encontrar relações
de declarações necessárias.
IO9
Aristóteles
se obtém mais de uma negação. Podemos, todavia, imaginar como
em exercício de inteligência analítica se poderia levar essa questão ao
limite. Consideremos a proposição “todos os cavalos são irracionais”
e as possibilidades do não a ela aplicadas. Temos, aqui, 1) “todos os
cavalos não são irracionais”, 2) “nenhum cavalo é irracional”, 3) “não
todos (nem todos) os cavalos são irracionais”, 4) “um cavalo não é
irracional” como possibilidades de negação para uma mesma afir­
mação. É certo que as formulações 1 e 2 são equivalentes lógicos muito
consistentes, ainda que se lhes possa explorar as diferenças. Pequenas
nuanças de significado (ou de sentido, como diriam os fregianos)
podem ser colhidas, todavia. A proposição “nem todos os cavalos são
irracionais” vem acompanhada de sua sombra “nem todos os cavalos
não são irracionais”. Com efeito, dada a totalidade, onde há cavalos
irracionais, se “nem todos são irracionais”, isso significa que “nem
todos não são irracionais”. Vê-se, portanto, que o “nem todos” não
pode ser reduzido a simplesmente a “alguns”, pois não há a oposição
forte entre “alguns” e “todos”, oposição que há sempre entre “todos”
e “nem (não) todos”. Com efeito, de “alguns cavalos são irracionais”,
não se pode deduzir a sombra “alguns cavalos não são irracionais”.
No caso de não existirem os cavalos absolutamente, a aplicação
do predicado “não são irracionais”, ou “são racionais” a todos os
cavalos pode parecer uma operação absurda, ou, pelo menos, mais
complicada. Com efeito, de alguma forma, o objeto é suposto no
momento da aplicação, já a aplicação de racional a nenhum cavalo
parece mais consistente, pois o que se supõe é a ausência do objeto
indicado pelo pronome indefinido nenhum , de tal forma que se
asserta que dado predicado não se conduz a um objeto que não existe
e que, ab ovo, é considerado como não existente. Quando se asserta,
portanto, a equivalência dessas formas, há uma redução em que se per­
de significado, mas onde se ganha alcance lógico, expandindo-se
o raio das deduções lógicas. Pode haver, contudo, algum interesse
de cunhar a diferença em algum momento. Aliás, as restrições a
reduções e as reduções são o campo fértil para as distintas posturas
/ io
D a Interpretação
lógicas com inevitáveis repercussões na formalização dos sistemas
lógicos.64
O Capítulo VIII
Aristóteles inicia esse oitavo capítulo com a seguinte colocação:
H á apenas um a afirm ação ou negação para exp rim ir u m a coisa de um a
coisa, sendo o universal considerado universalm ente ou não sendo da
m esm a form a, por exem plo: “todo h o m em é bran co” // “nem todo
h o m em é b ran co” // “o h o m em é bran co” // “o h o m em não é b ran co”
// “n en h u m h om em é b ran co” // “um h o m em é b ran co”, se o b ran co [e
o h om em ] significa[m ] nessas proposições sem pre um m esm o.
Com esse trecho, Aristóteles parece dissociar um núcleo da
proposição de sua quantificação e dá uma resposta ao problema
que aparecia no capítulo imediatamente anterior de modo distinto
do exercício de inteligência analítica que se fazia ali. O núcleo da
afirmação e da negação é dado pela articulação do sujeito e do
predicado, destituídos de qualquer quantificador. O quantificador é
um plus que se agrega a esse núcleo, ainda que ele possa carregar
em si uma negação (o caso do nenhum), que seria exterior, com a
qual Aristóteles trabalha, mas de que não trata analiticamente aqui
no Tratado. De todo modo, o que é importante, salientarei que aqui,
neste Capítulo VIII, é explicitamente dito que só há uma afirmação
para dizer alguma coisa de alguma (outra ou a mesma) coisa, mas
que esse dizer aparece ligado a um quantificador universal ou
particular, com esse sendo um ou nem todo. Da mesma maneira,
a negação,65 que também é única, diz respeito à mesma relação de
64. Cite-se aqui a recusa de Crisipo em reduzir a expressão modal “é impossível que não” à
expressão modal “é necessário que”, ou a recusa de Epicuro e dos megáricos em reduzir a
disjunção p ou não p ao princípio do terceiro-excluído. A esse propósito vide Vuillemin,
1984, capítulos V, VI e VII.
65. A tradução alemã de Weidemann cunha bem esse aspecto da unicidade da afirmação e
l 1l
Aristóteles
uma coisa em face de uma coisa, mas está fora dessa relação. Essa é
a razão mais forte por que a negação segue a afirmação e não pode
precedê-la. Para dizer que algo está fora da relação, temos que dizer
antes a relação. A partícula “não” marcará precisamente que o mes­
mo sujeito e o mesmo predicado estão fora da relação que a afirmação
introduz. Em lógica e pela lógica, tudo o que exige mais um termo,
ou mais uma passagem, vem depois daquilo que ainda não o exige.
Trata-se de uma sequência necessária. A negação e a afirmação são
apresentadas nesse capítulo em termos do que se chamaria hoje
de enunciado aberto.66 Enfim, para discutir e entender a negação
interna não há necessidade de passar pelo que lhe é exterior, como os
quantificadores.67E verdade que aqui Aristóteles, em sua investigação
analítica, chega ao nível puramente lógico, uma vez que para ele o
que há efetivamente é esse cavalo, aquele cavalo, seres concretos e
individualizados dos quais falamos, e aos quais o Estagirita dedicou
a sua teoria das categorias, teoria que o acompanhará da juventude
aos últimos dias.
A proibição que impede, na proposição, uma coisa de se referir
a mais de uma coisa, a mais de um predicado, é utensílio, ferramenta,
que permite resolver problemas de linguagem ou de lógica como
o que é apresentado logo na sequência da abertura do Capítulo VIII:
[...] se um m e sm o n o m e que se co lo c a tem duas a cep çõ es, as quais
não rem etem a u m a ú n ica coisa, n ão h á apenas u m a afirm ação.
A ssim , se se aplicar o n o m e him átion a cavalo e h o m em , en tão “é o
him átion b ra n c o ” não sig n ifica ap enas u m a ú n ica afirm ação (n em
u m a ú n ica n eg ação ). C o m efeito , d izer isso em nad a d ifere de dizer
que o cavalo e o h o m em são b ra n co s, e d izer isso em nad a d ifere de
d izer que o “cavalo é b ra n co ” e que “o h o m em é b ra n co ”.
da negação; “Eine einheitliche bejahende und einheitliche verneinende Aussage.” (Weidemann, 2002, p. 10.)
66. “Um enunciado aberto tem sempre a forma de uma proposição, mas ele apresenta variá­
veis que não são regidas por um quantificador.” (Quine, 2006, p.128.)
67. Isso não significa que se possa discutir a aparição da negação no interior do quantificador
ou mesmo no interior da coisa, capítulos que não foram escritos na lógica de Aristóteles.
I 12
D a Interpretação
Enfim, já de posse das ferramentas apresentadas anterior­
mente: o que é a afirmação e o que é a negação (Capítulo V), a decla­
ração de que alguma coisa se refere a alguma coisa (Capítulo VI) e de
que só há uma afirmação ou negação a exprimir uma coisa de uma
coisa - Aristóteles pode resolver, de modo satisfatório, o problema
do himátion. Poderia ocorrer aqui simultaneamente que “o himátion
é branco” e que “o himátion não é branco”, sem que esse par encer­
rasse a contradição entre o verdadeiro e o falso (18a 26-27 - “Por
conseguinte, nesses casos não é necessário que a contradição encerre
o verdadeiro e o falso”). Isso poderia ocorrer, por exemplo, quando o
cavalo fosse preto e o homem fosse branco. Estaríamos aqui diante de
proposições paralelas, que não se tocam, e não diante de um par
de proposições contraditórias. Teríamos, assim, mais uma exceção à
LPC, a segunda, para retomar a expressão cunhada por Whitaker. De
todo modo, é importante ter presente a força e a utilidade do critério
semântico que podem esclarecer em última instância a verdadeira
identidade daquilo a que nos referimos. Sendo os nomes símbolos
(Capítulo I), é o critério semântico que pode decidir do que o sím­
bolo de fato está falando, o que de fato está a dizer, o que significa. Se
himátion é tanto um cavalo quanto um homem, pode-se ora se refe­
rir ao cavalo, ora ao homem. Alguém poderia juntar os dois univer­
sais, o cavalo e o homem, em uma mesma camisa, o cavalo-homem,
mas nesse caso não haveria objeto a que essa entidade se referisse (e
ela nada significaria - 18a 25), pois não existe um homem cavalo,
ainda que conservasse o sentido fregiano.
Whitaker, em longa e brilhante exposição sobre o Capítulo
VIII do Da Interpretação, busca salientar a importância da dis­
tinção de sentido, o critério semântico, para a dialética na Grécia
onde o interrogado deveria responder com o sim ou não a pergun­
tas que, de fato, poderiam embutir proposições complexas, na ver­
dade um conjunto de proposições. Não se pode, porém, reduzir a
lógica de Aristóteles, e essa sua primeira exposição formal, essa do
Da Interpretação, a uma espécie de metadialética cuja finalidade não
3
Aristóteles
seria outra senão justificar os procedimentos da dialética e mesmo
esclarecê-los.68 Evidentemente, um sistema geral de leis de dedução
aplicar-se-á a quase todos os objetos, ou a um reino satisfatoriamente
grande de entidades, incluindo aqui os temas da dialética. Demais, o
próprio Estagirita, quando abandona o diálogo, em que o seu mestre
Platão foi simplesmente insuperável, e em que o próprio Aristóteles
labora em seu primeiro período de produção intelectual, já o faz con­
vencido69 de que as exposições lógicas, quando aprofundadas, nada
teriam a ganhar com a exposição dialética, na acepção platônica em
que esse termo pode ser entendido. Aristóteles abandona o diálogo
não apenas porque antecipa essa dificuldade, mas porque a própria
natureza dos temas de que trata exige o abandono do diálogo. Esse
abandono, por exigência da natureza da matéria, deve ser visto não
simplesmente como importante episódio da história da Filosofia,
mas como um momento decisivo da história do discurso cientí68. Essa função é cumprida no Órganon essencialmente pelo tratado Os tópicos.
69. Jaeger já assinalava a contradição entre os diálogos e os tratados em Aristóteles. Todavia,
tinha em mente a fase de diálogos do Estagirita em contraponto com os tratados. Porém,
a sua percepção recai, sobretudo, sobre a evolução do pensamento aristotélico e se atém
principalmente às contradições de visão do Aristóteles dos diálogos em face do Aristóteles
dos tratados. Ele vai descobrir que os neoplatônicos encontrarão nos diálogos a prova da
influência incontrastável do mestre da Academia. Os peripatéticos tardios, por sua vez,
verão no resíduo de platonismo dos diálogos algo que não tem a ver com o verdadeiro
Aristóteles e razão para repudiá-los. Jaeger assinalará ainda a diferença entre escritos exotéricos (diálogos), para o público, e escritos esotéricos (tratados), reservados aos inicia­
dos. “Der Inhald der Dialoge verhielt sich zu den Lehrschriften anscheinend also wie die
δόξα zur α λ η τ εία .” (Jaeger, 1923, p.32). Na sua tentativa de recompor o percurso do
jovem Aristóteles, Jaeger termina por concluir, nas conjecturas sobre os conteúdos dos diá­
logos do Estagirita, que o antiplatonismo já está presente na obra Em torno da Filosofia, mas
que não haveria base para estender essa conclusão para a totalidade dos diálogos (p.26-31).
A questão que Jaeger não aborda é por que, exatamente, Aristóteles opta pelos tratados?
Trata-se, sem dúvida, de eleição de um modelo demonstrativo com opção clara por uma
decisão a respeito de uma tese. O diálogo aqui tornaria muito difícil, à medida que se apro­
funda a demonstração, o acompanhamento de suas passagens, dos lemas da demonstração.
Demais, pode ter concorrido para isso uma “razão política”, pois o diálogo poderia realçar
a ruptura entre o platonismo e o aristotelismo nascente. A nova forma de exposição per­
mitiria a exposição discreta, à maneira de um contrabando, das novas ideias. Aliás, esse
fato justificaria a ausência de citações diretas em obras como as Categorias ou o Da Inter­
pretação. Um diálogo que focasse o tema das Categorias seria provavelmente um escândalo
antiplatônico muito maior do que a fria exposição tratadística realizada.
114.
D a Interpretação
fico. Whitaker não deixa de ter razão quando lembra a presença da
dialética, e não é preciso ir muito longe para saber que havia um
conhecimento ínsito de noções como afirmação e negação na expe­
riência inafastável da dialética na Atenas clássica. Todavia, o fato,
trazido pelas Categorias e pelo Da Interpretação, mais fundamental
do que a explicação residual do elemento dialético é precisamente
o abandono da dialética platônica e de sua forma de exposição
literária, o diálogo, pelo que será, na história do pensamento, o mais
famoso e bem-sucedido dos alunos de Platão.
Também a chamada segunda exceção à LPC, de certa forma
induzida pelo fim do capítulo (“Por conseguinte, nesses casos não
é necessário que a contradição encerre o verdadeiro e o falso.”), não é
mais que uma pseudoexceção, do mesmo modo que a primeira exceção
também não passa de uma pseudoexceção (vide o capítulo anterior).
Afinal, o “dizer alguma coisa de alguma coisa” que configure apenas
uma afirmação não pode ter no “alguma coisa” objeto direto mais
de uma coisa, nem o “alguma coisa” objeto indireto pode ser mais de
uma coisa. Isso significa que a proposição “[um] cavalo é branco” não
pode ser confundida com a proposição “[um] homem é branco”,
e “[um] homem não é branco” não seria jamais a negação de “[um]
cavalo é branco”. Não há, portanto, confundir o himátion cavalo e o
himátion homem, se se já exercitou o critério semântico entre as pro­
posições agora citadas, e é por isso que não é necessário que a contra­
dição (18a 27) entre elas (“o himátion é branco” // “o himátion não é
branco”) encerre obrigatoriamente o verdadeiro e o falso. De fato, os
critérios postos por Aristóteles (capítulos V, VI e VIII) permitem a
solução desses problemas sem que surja no horizonte qualquer con­
tradição. Aliás, o mérito de Aristóteles, e onde ele sobrevive, situa-se
exatamente na posição dessas leis e não na exposição e solução de um
problema exemplar de modo inconsistente com o que brilhantemente
ensinara. O emprego do termo contradição (ca/ú(|)aaiç) em 18a 27
apenas documenta a inconsistência apontada.
Aristóteles
Acresce que, para além das diferenças notáveis entre o cavalo
e o homem, a proposição que encerra a fórmula oca (a vestimenta,
o himátion, pois o himátion é uma veste, que pode assumir a forma
de um cavalo ou de um homem, podendo vestir, em última instância,
um homem ou um cavalo) aparece sem um quantificador universal.
Eis por que poderia ser provavelmente lida como “[um] cavalo é
branco”, “[um] homem é branco”, de tal sorte que também aqui pode­
ria ocorrer que “um cavalo é branco” e “um cavalo não é branco” não
constituíssem uma contradição e pudessem ser ambas as proposições
simultaneamente verdadeiras, tal como ocorrera já no Capítulo VII.
O erro de Aristóteles aconteceu, e aqui temos de perdoá-lo, pois se
trata da primeira exposição de uma linguagem lógica, e o Estagirita
deixou escapar a obrigatoriedade da atuação dos axiomas postos.
O de Whitaker já ocorre exatamente porque ele não acompanha a
exposição do Da Interpretação como um primeiro esboço de uma
linguagem lógica, mas centra o seu interesse nos vínculos dessa obra
com a dialética, onde alcança, aliás, importantes resultados.
Calcado em passagens dos Tópicos (104a 8, 160a 23 e seguin­
tes) e dos Posteriores analíticos (72a 9), Whitaker pretende reduzir a
questão da verdade posta no Da Interpretação a um mero problema
da dialética, afinal uma questão seria verdadeira ou falsa.70 Ora, a
unidade básica do discurso declarativo é aqui a declaração, é sobre
ela que se fala em verdade ou falsidade. Quando pergunto é “Sócrates
o marido de Xantipa?” - nada faço senão indagar se a proposição
“Sócrates é o marido de Xantipa” é verdadeira ou falsa. Reduzir esse
problema a uma mera pergunta circunscrita à esfera de determinada
disciplina, por mais ampla que essa fosse, como a dialética, em suas
várias versões, na Grécia, é não perceber o seu alcance muito mais
dilatado, que é o alcance da matéria como objeto da lógica, é tam­
bém não reconhecer a razão porque a matéria do Da Interpretação
segue viva para nós. Enfim, pergunta-se basicamente, posta a exis­
70. Whitaker, 2002, p.106.
I 16
D a Interpretação
tência de Sócrates, se o predicado marido de Xantipa se lhe aplica
em determinado tempo. Desse modo, pergunta-se se os símbolos
das afecções da alma corretamente articulados na unidade básica do
discurso declarativo, a declaração, correspondem ao Sócrates posto
no mundo, se ele é de fato marido da Xantipa. Enfim, pergunta-se, no
limite, se o isomorfismo do discurso e do corte do mundo indicado
existe ou não.71
Como já se teve a oportunidade de salientar, o postulado
de que há apenas uma afirmação ou negação para exprimir uma
coisa de uma coisa fixa o quadro geral da lógica biproposicional
de Aristóteles, impedindo a aparição de juízo como o indiferente
da lógica de Vasíliev e o acolhimento de uma eventual contradição
intraproposicional ou intrajudicial. Não há lugar no quadro posto no
Da Interpretação para uma declaração à maneira de Heráclito:
“Um X é A e não A ”, pois “duas coisas”, o “A” e o “não A”, apa­
recem inseparavelmente nessa proposição e ela não pode ser desdo­
brada em 1) “um X é A” e 2) “um X não é A”, pois, a contradição em
sua aparição heraclítica não pode ser fendida em duas partes, onde
cada uma delas é consistente em si mesma. A revolução na lógica que
se pode pensar a partir dos conceitos seminais de Vasíliev consiste
na construção de um cálculo lógico em que as declarações da lógica
aristotélica, a afirmação e a negação, já não bastam, há que articulá-las também ao juízo heraclítico, que recebe em Vasíliev o nome de
juízo indiferente.72
A questão que surge aqui é a seguinte: a lei aristotélica de que
na afirmação e na negação apenas se exprime uma única coisa de
uma única coisa permanece válida nas novas condições, quando se
amplia o horizonte das formas de juízo, acolhendo uma proposi­
ção à Heráclito? Parece que sim. A contradição, se entra a forma do
71. “[...] se for verdadeira a proposição ‘uma pessoa está sentada’, levantando-se essa pessoa,
esta mesma proposição será falsa” (Categorias, 4a 22-b 20). No exemplo agora citado, o
verbo (vide comentários ao Capítulo III) ainda não se apresentou como nom eplus tempo.
72. Vasíliev, 1912, p.207-45.
117
Aristóteles
juízo, aliás, deve ser vista como uma totalidade contraditória, mas
que é em si mesma uma, indivisível, caso contrário poderia em
última instância ser convertida nas formas judiciais já dadas no hori­
zonte aristotélico.
O Himátion e as Categorias
No exemplo do nome “himátion ”, aplicável ora a homem ora a
cavalo, aparece nitidamente uma remissão aos fundamentos postos
na teoria das categorias no tratado Categorias. Cavalo e homem
remetem categorialmente a gêneros material e biologicamente dis­
tintos, de tal sorte que se pode a priori dizer que não existe um
homem cavalo. Por mais banal que nos possa parecer, sobretudo
hoje quando o avanço da ciência é um fato de nosso dia a dia,
Aristóteles faz uso aqui da teoria das categorias, de sua construção,
da separação de substâncias de gêneros distintos, o que permite
dizer peremptoriamente que não há um homem cavalo. O uso da
tábua categorial permite que decidamos a priori o destino ou o lugar
de determinadas proposições. Essa constatação e a busca de seus
resultados se tornarão a obsessão do Kant da Crítica da razão pura.
Aristóteles, portanto, influencia profundamente Kant, nem tanto
quando este último elege o caminho de sua rapsódia categorial, mas,
sobretudo, quando Kant busca a partir de seu quadro conceituai (ou
categorial) decidir a priori sobre a posição de certas proposições
ou conceitos. O que, em especial, fascina Kant é a possibilidade que
determinada tábua de categorias ou conceitos dá de decidirmos
a priori a propósito de um conjunto de proposições ou conceitos.
Quando Aristóteles diz que “o homem cavalo não existe”, ele está
fazendo, mais do que uma afirmação empírica, uma afirmação no
domínio da lógica que alcança a realidade, ou para dizer em outras
palavras, dado o quadro de gêneros tal como ele concebia, ele podia
dizer, sem qualquer busca ou aventura empírica, que não poderia
haver um homem cavalo.
118
D a Interpretação
O exemplo do homem cavalo do Da Interpretação tem, por­
tanto, como fundamento, a teoria das categorias posta no tratado
Categorias. Aliás, Kant, na “Analítica dos Princípios”, na Crítica da
razão pura, mostra o quanto ele próprio deve ao desenvolvimento da
teoria categorial em Aristóteles. Ele salienta a importância do quadro
categorial para o pensamento mesmo. Com todas as diferenças que o
projeto de Kant guarda em relação ao programa lógico de Aristóteles,
há que se reconhecer como especialmente perpicaz e produtiva a
observação do filósofo de Königsberg sobre a dispensa,73 ao se traçar
um quadro das categorias, de definir exaustivamente uma após outra
e buscar, no plano dado da própria tábua categorial, a enumeração
completa de seus elementos e razões. Com isso, ele dá a chave para
se compreender a eficácia de uma lógica definida em termos estrita­
mente aristotélicos, o que pode ser, em última análise, medido pela
sua operatividade e capacidade de expor o real. O Da Interpretação,
como era de esperar, move-se no espaço criado pela tábua catego­
rial, produz proposições a partir do material categorial já posto, per­
tence ao mesmo projeto lógico, ainda que as ligações entre o livro
das Categorias e o Da Interpretação não estejam exaustivamente ex­
plicitadas à maneira de muitos lógicos contemporâneos. Porém, a
incompletude do modelo não compromete a sua eficácia.
Os movimentos do Capítulo IX
O Capítulo IX do Da Interpretação é um dos capítulos de maior
fortuna, sobre ele se discute entusiasticamente desde a Antiguidade.
Ele introduz de fato matérias muito importantes e é, sem dúvida, um
73. “[...] com a exposição da tábua das categorias, nós nos dispensamos da definição de cada
uma delas pelo seguinte: nosso intuito, o qual conduz ao uso sintético delas, não a torna
necessária, e não se deve assumir nenhuma responsabilidade com empresa desnecessá­
ria, que se pode dispensar. Isso não era [na exposição da tábua das categorias] nenhuma
fuga, mas é regra de prudência em nada negligenciável não se atrever a produzir defini­
ções ab ovo, e não buscar ou pretender a completude e a precisão na determinação do
conceito, se se pode passar com uma ou outra característica dele, sem mesmo ser neces­
sária aqui exaustiva enumeração de todas elas, as quais formam o conceito in totum”.
(Kant, 2010, p.327.)
ti 9
Aristóteles
dos textos mais complexos da Filosofia. Sobre ele assim escreveu
Jules Vuillemin: “Le chapitre IX du De Interpretatione est l’un des
textes les plus difficiles et les plus contestés d ’Aristote”.74
A nossa abordagem do capítulo será feita dentro do qua­
dro maior do livro. Whitaker, um dos mais célebres comentadores
recentes, vincula o capítulo, excessivamente, aos dois preceden­
tes. Todavia, a meu ver, uma das chaves para leitura desse capítulo
encontra-se precisamente no Capítulo XII, onde é exposta a lógica
das modalidades, com os operadores modais “é possível”, “é impos­
sível”, “é necessário”.
O leitor deve estar muito atento ao movimento do capítulo,
onde Aristóteles se vale de argumento do tipo “redução ao impos­
sível”, para assegurar a abertura dos possíveis no tempo futuro. Se
se considera a datação provável das obras de Aristóteles, é aqui que
aparece pela primeira vez esse tipo de argumento, emprestado das
matemáticas.
O Capítulo IX abre asseverando a necessidade de que a
afirmação (ou negação) seja verdadeira ou falsa, em relação às coisas
que são e às coisas que foram.
Trata-se de um primeiro corte que visa a introduzir a distinção
das proposições referentes ao futuro, em contraposição àquelas que di­
zem respeito ao passado e ao presente. Ontologicamente, podemos
dizer aqui que o tempo entra na lógica não apenas em sua marcação
de intervalos, minutos, dias, horas e anos, que não subsistem, mas que
entra também pela sua estrutura primeira, pelos seus grandes quadros
estruturantes, passado, presente e futuro, os quais exigem tratamento
próprio. Esse tratamento não vai ser ajustado a cada uma dessas gran­
des molduras temporais, mas vai dividir-se em dois grandes grupos:
de um lado, passado e presente, para os quais a afirmação e a nega­
ção devem ser necessariamente verdadeiras ou falsas onde os valores
de verdade (V) e (F) devem se distribuir entre elas, considerando-as,
74. Vuillemin, 1984, p.149.
120
D a Interpretação
claro, proposições singulares, do tipo: “Sócrates esteve ontem no
Dicastérion" // “Sócrates não esteve ontem no Discastérion”.
Em verdade, há a possibilidade de ler o texto de Aristóteles
(vide logo adiante o argumento do fatalismo) simplesmente como
a afirmação (ou a negação) é verdadeira ou falsa, hipótese em que
estaria contemplado o caso de proposições universais a propósito
do passado e do presente.75 Naturalmente, o Capítulo IX foi escrito
após Aristóteles ter refletido sobre o tema. Mais: após ter inovado
sobre o tema. E a lógica de sua abertura não deixa dúvidas: o
futuro exige tratamento lógico próprio. Aristóteles quer garantir a
indeterminabilidade do campo do futuro e tratará de demonstrá-la
com suas armas, talvez excessivamente lógicas, já que lhe falta uma
ontologia do acaso, à Epicuro, a qual garanta de algum modo a
abertura do futuro.
Há, no início do capítulo, dois cortes fundamentais a serem
explorados. O primeiro de viés mais ontológico e representado
pelos grandes quadros do tempo. O tempo não só se divide em
instantes que não se conservam, mas ele tem a sua divisão em três
ordens, passado, presente e futuro. Essa divisão tem consequências
importantes para a lógica. Pode parecer banal esse fato, mas não é.
A lógica não pode ser construída fora da estrutura mínima
dada pela realidade. A lógica é essencialmente lógica do nosso
mundo. Mais uma vez, avulta a diferença entre Aristóteles e o seu
mestre na Academia, Platão.
O segundo corte, de natureza já lógico-ontológica, é operado
no interior da grande divisão do tempo, alcançando o passado e
o presente.
75. Pode-se ler o trecho compreendendo que o falso e o verdadeiro se distribuem entre a
afirmação e a negação, ou que uma delas, tomada individualmente, é verdadeira ou falsa.
Nesse caso, o texto de Aristóteles, ao se referir a proposições com quantificadores univer­
sais a respeito do passado e do presente, também estaria correto. Afinal, uma proposição
assertórica será sempre verdadeira ou falsa: 18a 28-29 - “A respeito das coisas que são ou
que já foram, é necessário que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira ou falsa.”
X2 1
Aristóteles
“É necessário que a afirmação (ou a negação) seja verdadeira
ou falsa.”
Afirmação e negação expressam aqui a relação lógica no
sentido primeiro dessa expressão como uma relação necessária.
O modo necessário - aquilo que não pode não ser - se faz presente
no primeiro e no segundo corte, mas Aristóteles não o foca nesse
momento.
Ele próprio não segue essa linha que nos coloca e que é, ine­
quivocamente, muito forte. A razão, parece-me, é de natureza mais
de técnica exposicional do que oriunda do esquecimento. Aristóteles
não quer trilhar o caminho das modalidades (vide Capítulo XII)
antes de chegar a elas, mas não pode escapar de alguns de seus usos
a esse momento. O desenvolvimento da argumentação é mais espiral
que linear, diria Hegel a escapar da circularidade e da linearidade, a
um só tempo.
Como não estamos aqui obrigados a trilhar o mesmo caminho
de Aristóteles, quiçá possamos explorar essa que é uma pista muito
forte que ele mesmo nos trouxe. Para o passado e para o presente, é
necessário que a afirmação (ou a negação) seja falsa ou verdadeira.
Para o futuro, restaram então as seguintes possibilidades, vez que ele
não se encontra no grande bloco do passado-presente:
1) É necessário que a afirmação (ou a negação) não seja falsa
ou verdadeira. Isso significa que não há para o futuro os
valores (V) ou (F).
O futuro então designa um valor de verdade diferente de (V)
ou (F).
A outra possibilidade, se se explora a lógica que o próprio
Capítulo XII nos apresentará, será usar a negação oficial da moda­
lidade “necessidade”:
2) “Não é necessário, para o futuro, que a afirmação (ou a
negação) seja verdadeira ou falsa.”
122
D a Interpretação
Disso decorre que é possível (“não é necessário”), para o
futuro, que a afirmação (ou negação) seja (V ou F) ou que não seja
(V ou F), mas que seja (?), onde (?), interrogação, é um outro valor
de verdade.
Em ambos os casos, a abertura de Aristóteles do capítulo
aponta para além do princípio da bivalência.
Como bem nos reporta Whitaker, em seu clássico, as duas
escolas predominantes que examinam o argumento sobre o fata­
lismo no Capítulo IX partem de que o Estagirita coloca como uma
das premissas de seu argumento o princípio da bivalência. Há que
se distinguir, todavia, a abertura do capítulo - onde Aristóteles pra­
ticamente já nos dá a sua solução do problema - do argumento do
fatalismo propriamente dito, pelo qual ele se esforça para implodir
a tese fatalista e usando, naturalmente, o princípio da bivalência.
A implosão do fatalismo significará, tecnicamente, também a implosão do princípio da bivalência no Capítulo IX, mas significará muito
mais, como teremos oportunidade de ver na sequência.
O argumento do fatalismo
É facilmente notado, em diversas traduções, que antes de
Aristóteles apresentar o argumento do fatalismo, aparece um erro
quando afirma que:
18a 28-29 - “Quanto às proposições universais, se considera­
das universalmente, é necessário que uma seja verdadeira e a outra,
falsa.”
O erro é muito evidente para admiti-lo sem mais, ou sim­
plesmente. É perfeitamente plausível, a despeito o texto grego dis­
ponível não nos autorizar essa leitura, como também possível, que
Aristóteles quisesse dizer o seguinte:
“Quanto às proposições universais, se consideradas univer­
salmente, é necessário que uma seja verdadeira (ou falsa) e a outra,
verdadeira (ou falsa).”
iz 3
Aristóteles
Enfim, Aristóteles não estaria a dizer que p e ~p são tais que
uma delas é verdadeira e a outra, falsa, mas que p é (V) ou (F) e ~p
é (V) ou (F).
Na sequência, Aristóteles, retomando o tema do Capítulo VII,
afirma que às coisas universais, não consideradas universalmente,
não se aplica necessariamente o (V) ou (F).
Assim, “um homem é branco” não é, necessariamente,
(V) ou, necessariamente, (F). Com efeito, a proposição pode ser
simultaneamente verdadeira e falsa, se se encontra um X (sujeito,
que é branco) e um X (sujeito, que não é branco) que a satisfaça. Uma
coisa é dizer que (V) ou (F) se aplicam, no limite, a p e ~p, outra é
dizer que (V) ou (F) se distribuem entre p e ~p.
Esta última alternativa, onde (V) e (F) se distribuem entre p
e ~p, vai ser utilizada no argumento do fatalista. Esse argumento é
a primeira ocorrência de uma redução ao impossível nos escritos de
Aristóteles. Como se sabe, esse tipo de argumento vai ser utilizado
pelo Estagirita doravante e será mesmo recurso usual na Metafísica.
Vamos reconstruir aqui trechos desse argumento do fatalista:
Se, co m efeito, to d a afirm ação (o u tod a n eg ação ) ou é verdad eira
o u é falsa, é n ecessário que to d a co isa su bsista ou não subsista. Se,
c o m efeito, fulano d isser que u m a certa coisa o co rre rá , e se sicran o
d isser que essa m esm a co isa não o co rre rá, é evid ente que um dos
dois está com a verdade, n e cessariam en te - afinal, to d a afirm ação
é verd ad eira ou falsa. N o que co n ce rn e a tais coisas, am bas, com
efeito, não p o d em su b sistir sim u ltan eam en te. C o m efeito, se é
v erd ad eiro d izer que o b ra n co ou o n ão b ra n co é, é n ecessário que
o b ra n co ou o não b ra n co seja, e se é b ra n co ou n ão b ran co , era
v erd ad eiro afirm á-lo ou n eg á-lo . E se o b ra n co n ão subsiste, há erro
n a p ro p o sição ; e se h á erro, o b ra n co não subsiste. P or con seg u in te, é
n ecessário que a afirm ação (ou a n eg ação ) seja verdad eira.
O argumento, portanto, assimila o que subsistirá e o que
não subsistirá ao (V) e ao (F). O argumento acolhe a lei dos pares
124
D a Interpretação
contraditórios de tal sorte que ou a afirmação ou a negação terá de
ser verdadeira no caso.
O resultado na continuação do argumento é todas as coisas
serem produzidas por absoluta necessidade, um absurdo onde a
própria noção de deliberar é sacrificada:
N ada, então, não é n e m surge n em p o r acaso n em nad a p o d eria ser
de u m a m an eira ind efin id a, em que fosse e não fosse, m as todas as
coisas a co n teceram da necessid ad e e não de u m a m an eira ind efinid a
(o u o que afirm a diz a verdade ou o que n eg a), co m o um a coisa que
p o d eria ter o co rrid o ou não ter o corrid o .
O fatalista acolhe a hipótese de que os enunciados sobre o
futuro não fossem nem verdadeiros nem falsos, mas amarra essa
nova variante à implosão do princípio do terceiro-excluído. Assim,
em vez de dizer que a proposição p não será nem verdadeira nem
falsa (“amanhã haverá uma batalha em Salamina”, nem (V) nem (F),
ele vai dizer que amanhã nem haverá uma batalha em Salamina
nem não haverá. Ele insinua que a ruptura com a bivalência é
também a ruptura com o princípio do terceiro-excluído. E aí, em
sua perspectiva, o mundo ruiria. Ele associa cada valor de verdade
a um tipo de juízo: afirmação, negação, e algo que fosse a negação
de ambos. Essa passagem é uma forma de lembrar que o uso da
bivalência ainda é a melhor solução. Todavia, ele é conduzido aos
absurdos, justamente porque ele assume que a LPC vale também
a propósito dos enunciados futuros. Enfim, o fatalista chega aos
absurdos descritos, porque ele assume a bivalência e a sua lei para
enunciados futuros que sejam singulares e contraditórios.
O resultado mais palpável dessa argumentação é que não se
pode deliberar a propósito do futuro:
Essas e outras coisas desse gên ero são os absurd os que suced em ,
se de fato é n ecessário ser u m a das opo stas verdad eira e a outra,
falsa (para to d a afirm ação ou negação, q u er a p ro p ósito das coisas
!2J
Aristóteles
ditas u n iv ersais e tom ad as un iv ersalm en te, q u er a p ro p ó sito das
coisas sin gulares) e nad a pu desse a co n te ce r de u m a ou de outra
fo rm a n o v ir a ser, m as to d as as coisas serem e virem a ser da
necessid ad e. P or con seg u in te, n e m seria n ecessário d eliberarm os,
n e m n o s esfo rçarm o s de m a n e ira que, se fizéssem o s isso, isso viesse
a aco n te ce r, m as se n ão fizéssem os isso, isso n ão acon tecesse.
O impossível a que se chegou é a conjunção do deliberar
com o não deliberar. Note-se que o não deliberar, não é, em si
mesmo, nenhum absurdo. O absurdo, porém, fica patente diante
do empírico deliberar. Ante essa constatação, a constatação de que
nós deliberamos, o não deliberar deve ser abandonado. O absurdo
ou impossível, no caso, só aparece quando contraposto ao fato
empírico da deliberação. Emerge então um par contraditório. Mas
essa contradição é apenas o primeiro momento, a superfície, pois
o exame do A e do ~A, que se contrapuseram no caso, vai mostrar
que, ante a existência fática do A (deliberar), o não deliberar (~A)
é uma hipótese que deve ser descartada. É o elemento empírico
com seu peso76 que ordena seja o argumento reconstruído, que
descarta a contradição. Um dos braços do par contraditório é tão
forte, mercê de sua carga empírica ou fatual, que destitui o outro
membro do par de sua própria existência, aliás, uma existência que
não subsiste propriamente ou que não é de fato. Ele, o fatalista,
agrega um elemento cuja natureza não é meramente lógica, mas se
trata de um elemento de convicção77 ancorada no próprio exercício
76. Embora no Órganon Aristóteles empreste muito valor ao que é lógico (o qual tem natureza geral), são os argumentos com peso de realidade que terão a preferência do Estagirita.
Na Ética a N icômaco (II 7 ,1 107a 8), ele afirmará: “as considerações gerais são sem dúvida
de uma aplicação maior, mas as considerações particulares têm mais verdade”. Em De
Caelo (III, 7, 306a 10), ele afirmará: “Os princípios devem ser homólogos aos sujeitos:
os seres sensíveis requerem princípios sensíveis, os seres eternos, princípios eternos, os
corruptíveis, princípios corruptíveis.” A propósito, vide Le Blond, 1973, p.204-6.
77. “J’insiste sur la difference entre un jugement qui est un fait logique et une conviction qui
est un phénomène psychique. Les logiciens et les psychologies contemporains en son de
plus en plus conscient. Meinong, par exemple, distingue les convictions, cest-à-dire les
actes de croyance, et les objets des conviction, lesquels consistent dans le fait que quelque
ll6
D a Interpretação
da psique que delibera. Tecnicamente, a hipótese não gerou um
argumento contrário a si mesmo por um mero exercício lógico, mas
a contradição que se produziu tem um de seus braços de natureza
empírica, e aí, na empiria, reside a força irrefragável desse braço.
Reconstrução do argumento de Aristóteles pela jigura
do deliberacionista
Suponhamos que Aristóteles tivesse optado em construir o
argumento pela constatação de fato, que ele, como acertadamente
cunhara Le Blond (vide nota 76), tanto prezava, segundo a qual
“deliberamos”.
Se “deliberamos”, então a hipótese de que os juizes condena­
riam Sócrates não poderia nem ser verdadeira nem ser falsa, pois ela
é absolutamente produto da deliberação dos juizes, e a deliberação
pode tomar em princípio o caminho da condenação ou o caminho
da absolvição.
Do ponto de vista da inferência lógica, esse argumento - o
argumento do deliberacionista é apenas um braço do argumento do
fatalista, a despeito de ser o braço essencial. Qual o sentido, por­
tanto, do argumento do fatalista? Primeiramente, notamos que o
seu sentido retórico é evidente, pois com ele se arrasta o fatalista
para uma argumentação que faz o caminho desse, o caminho que
lhe é mais natural. E o fatalista devia ser o comum dos gregos,78 pois
chose est ou n est pas, ou dans le fait que quelque chose est ainsi ou autrement. Meinong
appelle ces faits objectifs’, et il confie leur examen à une science particulière, appellée la
théorie des objets (Gegenstandstheorie). Cette science comprend aussi la logique pure et
les mathématiques.” (Lukasiewicz, 2000, p.50.)
78. A tese, sustentada por Whitaker (2002, p. 124), segundo a qual Aristóteles desejaria salva­
guardar a ideia que o senso comum tem de futuro (“The solution preserves the reality of
future, while still allowing is openness, which matches common-sense ideas about the future,
and is exactly what Aristotle wanted”), parece equivocada. O mais provável é que o fatalismo
fosse a ideia dominante em Atenas, demais ainda mais provável é que houvesse em abun­
dância a figura dos que misturavam o fatalismo com a possibilidade da deliberação, por mais
esdrúxula que soem aos puristas lógicos. Karpenko (1985, p.98) sustentou, diferentemente
de Whitaker, a forte presença na Antiguidade clássica do fatalismo. Em verdade, a solução
IZJ
Aristóteles
ainda hoje muitos homens se prendem à estreita faixa do (V) e do
(F), ou, ainda, venhamos a conceder: pode ser que a figura dos que
aceitam unicamente o (V) e o (F) e a dos que se consideram fatalis­
tas não coincidam ou não coincidiam de modo estrito. Concedamos
que não estamos obrigados à coerência em todas as nossas ações.
Concedamos também que o politeísmo grego dificulta construções
deterministas à maneira do monoteísmo incontrastável e que, assim,
introduz certa indeterminação em nossas vidas. Concedamos, por
fim, que o argumento arrasta consigo fatalistas do (V) e do (F) e deliberacionistas do (V) e do (F), concedamos assim que a força retórica
do argumento tem alcance muito maior do que o raio que cobre os
fatalistas atenienses. Porém, e isso é o que me parece mais importante,
o experimento do fatalista é bem mais que retórico, ele tem grande
alcance do ponto de vista da produção de um novo conhecimento.
O fatalista, de alguma forma, percebe o papel gnosiogônico da nega­
ção, o que, digamos em alto e bom som, não é pouca coisa, pois a
negação é ansiosa e incansável produtora de nuanças, e na lógica,
de nuanças lógicas. A descoberta desse fato deveria passar a integrar
a lógica das descobertas. No caso em exame, a primeira negação
produz do verdadeiro (V)79 o falso (F), a segunda produz o que nem
é falso nem é verdadeiro.
O fatalista coloca em seguida a principal dificuldade a se
vencer nessa hipótese. Os valores de verdade (V) ou (F) se prendem
a uma determinada forma do juízo, por exemplo, (1) “amanhã haverá
uma batalha naval em Salamina”, e à sua negação, (2) “amanhã não
haverá uma batalha naval em Salamina”. A negação dos valores dessas
proposições, algo que não é (V) nem é (F), deve produzir outra
aristotélica, enquanto construção lógica, nada tem a ver com o senso comum. É verda­
de, todavia, que a religião grega com seus deuses se digladiando parece introduzir
margem para a indeterminação do futuro.
79. Pavlov (2011) mostra que a primeira negação deve produzir o que não é verdadeiro,
dispensando o falso como objeto abstrato do nível ontológico. Uma construção lógica
poderia, assim, em nível ontológico, dispensar o falso como conceito originário. Tratar-se-ia aqui de um avanço com economia conceituai, passando-se a navalha de Ockham no
objeto abstrato “falsidade”.
/2 <8
D a Interpretação
forma de juízo, mantida aqui praticamente a mesma matéria de (1) e
de (2), para usarmos aqui a nomenclatura de Kant na indispensável
Crítica da razão pura. No magnífico capítulo dedicado à Analítica
dos Princípios, ele afirma: “Em qualquer juízo pode-se denominar
de matéria lógica (do juízo) os conceitos dados e forma do juízo sua
relação (estabelecida por meio da cópula)”.80
Hoje em lógica matemática, e ainda em maior proporção nas
imitações da lógica matemática, é fácil imaginar uma proposição p e
confrontá-la com uma tabela de valores de verdades, tantos quantos
se queiram. Outra coisa, e que não é nada fácil, é encontrar para
determinada matéria judicial ou de juízos as formas (dimensões)
possíveis que lhe correspondam. O argumento do fatalista, e talvez
seja essa a sua maior contribuição, coloca determinada matéria
lógica e a confronta com as relações possíveis que essa matéria aco­
lhe, mostrando os seus limites intransponíveis:
1) “Amanhã haverá uma batalha naval em Salamina” - se essa
proposição é (V) verdadeira, deve ser falsa (F) a sua negação;
se essa proposição é falsa (F), deve ser verdadeira a sua
negação (V).
2) “Amanhã não haverá uma batalha naval em Salamina.”
3) Se essa proposição não é nem verdadeira (V) nem falsa (F),
deve-se encontrar, à Kant, para a matéria posta - a) amanhã,
b) haverá, c) uma batalha naval, d) em Salamina - uma for­
ma que não explicite nem a relação n. 1 nem a relação n. 2.
A modalidade deve reger as duas subproposições simétricas.
O fatalista, com seu desconcertante argumento, encontrou
para a matéria posta a forma que lhe convinha: ele descobre que o
que “nem é verdadeiro nem é falso”, no caso, deve estar conectado a
uma outra forma de juízo, e ele expressa com toda a coragem esse
80. “In jedem Urteile kann man die gegebenen Begriffe Logische Materie (zum Urteile), das
Verhältnis derselben (vermittelst der Kopula) die Form des Urteils nennen” [“Em todo
juízo, podem-se chamar os conceitos lógicos dados de matéria (do juízo), e a relação
entre eles (por meio da cópula) a forma do juízo”]. (Kant, 2010, p.352.)
! 29
Aristóteles
juízo, mesmo que seja para rejeitá-lo: se não é nem verdadeiro nem
falso que “amanhã haverá uma batalha naval em Salamina,” então se
obtém (proposição n. 1) “nem haverá amanhã uma batalha naval em
Salamina” (proposição n. 2) “nem não haverá amanhã uma batalha
naval em Salamina”. Observe-se que a forma do juízo que nega
simultaneamente que haverá e não haverá uma batalha naval amanhã
em Salamina importa certa coordenação entre os dois enunciados
(n. 1 e n. 2). A sua matéria lógica envolve tanto o “haverá” quanto
o “não haverá”, dois braços (subproposições) que não podem ser
cindidos, de tal sorte que esse novo juízo encontrado no experimento
do fatalista pudesse assim ser expresso:
É im p ossív el (lem b rem o s que o fatalista n ão u sa essa palavra, ele
se c o n te n ta , m o d estam en te, co m a coo rd en ativ a n em ... n em ...) que
a m a n h ã h aja e não h aja u m a b atalh a naval em Salam in a.
Com essa redução, embora tácita, ao impossível, o fatalista se
dá o direito de retornar confiante à bivalência. Porém, o rastro de
seu experimento permanece: ele criou um tipo de enunciado que
articula o n. 1 e o n. 2 com um aditivo (e), enquanto a negação e a
afirmação se excluíam, em enunciados separados (ou). Ele apresentou
pela primeira vez um enunciado que é a articulação de dois braços
(simétricos), ele introduziu de alguma forma a modalidade.81 Não
seria exagero dizer que ele inventou de certa forma a lógica das
modalidades ou, no mínimo, foi o seu precursor mais imediato.
Aristóteles fez do fatalista aqui o que muitos disseram que
Marx fizera de Hegel (incluindo-se aqui o que Marx dissera de si
mesmo em face de Hegel), colocou-o de cabeça para baixo: ali onde
o fatalista poderia escrever “é necessário p e q”, Aristóteles escreveu
81. Jaako Hintika distingue os enunciados de Aristóteles a respeito de uma data determinada,
como os referentes à batalha que acontecerá ou não amanhã, e os enunciados de tempo
indeterminado. Ele sustenta, no limite, haver em Aristóteles uma concepção de possibi­
lidade semelhante à de Diodoro, para quem o possível em algum momento se realizará.
Pelo menos no que concerne ao Da Interpretação, considero que não há fundamento para
o ponto de vista do célebre lógico finlandês (Jaako Hintika, 1973, Capítulo VIII).
130
D a Interpretação
“é necessário p ou q”; onde o fatalista escreveria “é impossível p e q”,
ele escreveu “é possível p e q”.
Nos Primeiros analíticos, que seguem na linha cronológica do
Órganon o Da Interpretação, Aristóteles (25b 20-25) dirá que o “é
admissível”, que se assimila aqui ao “é possível”, tem sempre o valor
de afirmação - mesmo que seu predicado seja “não é bom” ou “não
é branco”. Aristóteles diz que essas “subproposições” ou predicados
são governados pelas mesmas condições que suas simétricas afir­
mativas (“é branco”, “é bom”). Ele não chega a estabelecer nitida­
mente a indissociabilidade lógica e proposicional desses predicados
(“é branco” // “não é branco”), mas ele deixa o caminho totalmente
aplainado e preparado para que se assuma tal indissociabilidade.
Em suma, não existe MA, mas existe sempre M (A e ~A), em
que A e ~A constituem “dieta” e M (como L), modus.
Com relação ao sentido do possível no Da Interpretação,
considero que o experimento radical do fatalista na batalha naval
que aconterá amanhã resolve, ao menos para as finalidades internas
do tratado em exame, a questão do significado do termo. Ainda nos
Primeiros analíticos, Aristóteles tratará do “é possível” do ponto de
vista de seus sentidos ditos. Ele afirma então que as proposições
admissíveis “são ditas de várias formas”, antecipando aqui a famosa
frase da Metafísica,82 Essas formas são aqui três:
1 ) 0 admissível (Ενδεχόμενον) como necessário;
2) ο ενδεχόμενον como não necessário; e
3) o admissível como aquilo que é capaz (possível) de ser.
Aristóteles usou a palavra δυνατόν apenas neste último caso. Não
vamos aqui entrar nessa difícil questão, mas quer nos parecer, até
pelo emprego, nessa passagem crucial, que Aristóteles reserva o
possível para uma categoria objetiva do ser, a qual pode ser e não
ser, enquanto o admissível é uma categoria da “possibilidade” sob
o ângulo do pensamento. Para usar a terminologia kantiana, hoje
82. Metafísica, 1028a 10.
l3 l
Aristóteles
um tanto fora de moda, mas essencial para esclarecer essa sutileza,
o “possível” no aparato transcendental é o “admissível”. A lógica de
Aristóteles de certa forma põe em movimento esses conceitos que ele
retira da opinião e os relaciona à possibilidade ou à admissibilidade,
mas sob condições bem precisas, formalmente lógicas:
1) L (A ou ~A) é o mesmo que M (A e ~A);
2) ~L é o mesmo que M no caso do tempo futuro;
3) M (A e ~A) é uma categoria da realidade que pode ser lida
como o admissível (M’) e seu uso praticamente se confunde
em termos lógicos: M’ (A e ~A) = M (A e ~A).
Embora tenha apresentado a minha leitura da exposição do
Capítulo IX, é importante observar que as proposições sobre os even­
tos futuros singulares, recebem na história da lógica algumas leitu­
ras padrões. O artigo de A. S. Karpenko83 descreve didaticamente as
principais vias de interpretação do episódio da batalha de Salamina
no Da Interpretação. São basicamente as seguintes:
1)
Interpretação tradicional - teve Boécio e Ammônio como
seus representantes já na Antiguidade. Os partidários dessa via
sustentam que os eventos singulares futuros não têm significado de
verdade, mas pode-se descobri-lo a posteriori. Eles sustentam que é
verdadeiro o enunciado “haverá ou não haverá uma batalha naval
em Salamina”, mas que (para descrevermos sua posição em termos
contemporâneos) o operador (T) de verdade não é distribuído
relativamente à disjunção (ou).
Desse modo, não é verdadeiro para uma declaração p que:
T (p ou ~p) implica T (p) ou T (~p).
A polêmica se instala sobre a possibilidade de deliberar: se as
proposições já devem ser de início verdadeiras ou falsas, os aconteci­
mentos são predefinidos, como pensara o fatalista.
83. Karpenko, 1985, p.98-111.
U 2
D a Interpretação
2) Interpretação não tradicional - os intérpretes dessa via
consideram que p ou ~p seja verdadeira, mas não seria necessário
que p fosse verdadeira nem seria necessário que ~p fosse verda­
deira. Segundo esse ponto de vista, uma declaração não pode não ser
verdadeira e depois tornar-se verdadeira: a verdade constitui uma
propriedade da declaração exterior ao tempo. Todavia, a declaração
pode de início não ter o status de necessária (necessariamente verda­
deira, necessariamente falsa) e depois adquirir esse status. Aqui não
existe uma proposição p de tal sorte que
L [T (p) ou T (~p)], mas somente após o ocorrido se poderá
falar em L [T (p) ou L (T~p)].
3) Interpretação que cuida do status próprio das declarações
sobre o futuro. Nessa vertente, inaugurada por Jan Lukasiewicz,84
considera-se a existência de um novo valor de verdade, transição
entre o falso e o verdadeiro, para tais declarações. Trata-se da lógica
trivalente.
4) Interpretação que cuida do status do princípio do terceiro-excluído. Karpenko85 lembra que Prior sustentou que a disjunção
de Aristóteles em “amanhã haverá ou não haverá uma batalha em
Salamina” não constitui uma função de verdade, que é uma forma
de eludir, com fundamento lógico, muitos dos problemas que o
enunciado oferece. A contraparte ontológica desse argumento é
o fato de que os estados a que se referem os enunciados futuros
não têm sua correspondência assegurada, e não se poderia falar
em verdade para eles, dentro de uma perspectiva da verdade vista a
partir da teoria da correspondência. A tese de que a disjunção não
constitui uma função de verdade e a tese da não correspondência
dos enunciados futuros a algum fato que lhes assegurasse a verdade
são apresentadas por comentadores distintos, por exemplo, Prior, de
84. Lukasiewicz, 1972, p.153-78.
85. Karpenko, 1985, p. 105.
133
Aristóteles
um lado, e o casal Kneale,86 de outro, mas constituem a meu ver faces
de um mesmo movimento, com dois momentos, o lógico e o onto­
lógico. Em verdade, nem a disjunção nem a conjunção podem ser
apresentadas nessas hipóteses separadamente das modalidades que a
elas se articulam na descrição do enunciado da batalha de Salamina
que acontecerá ou não acontecerá amanhã. Poder-se-ia dizer, nessa
perspectiva, que também a conjunção articulada à possibilidade não
constitui função de verdade em Aristóteles, afinal L (A ou ~A) equi­
vale a M (A e *-A).
5)
A respeito da não correspondência do futuro e seu estado
contraditório com algum correspondente real que lhe assegure a
verdade, é necessário dizer o seguinte:
Uma proposição afirmativa e uma proposição negativa a res­
peito do passado e do presente têm status ontológicos rigorosamente
distintos: uma delas tem o seu correspondente no real e a outra, não;
em relação ao futuro, o par contraditório conserva ambos os braços
com o mesmo status, ambos não foram realizados e podem se reali­
zar, não há, portanto, distinção ontológica decisiva entre um e outro,
eis por que não se pode, no limite, falar em verdade a respeito do
futuro. Não se trata de nenhuma defesa cega da correspondência
“grosseira”, mas de consequência que decorre da natureza das propo­
sições no futuro, onde não se pode falar de correspondência, no sen­
tido forte desse termo, exatamente porque a coisa ainda não ocorreu e
é esse fato que coloca no mesmo nível ontológico afirmação e negação.
86. Kneale, M. e Kneale, W., 1980, p.53. “É verdade que haverá uma batalha amanhã, se e so­
mente se houver uma batalha amanhã.” Disso resulta, embora não dito por esses autores,
que eu não posso garantir a verdade da batalha de amanhã, enfim, que essa verdade seja
de fato uma verdade. Esses autores acabam fazendo uma avaliação incorreta do proble­
ma da batalha naval no Capítulo IX do Da Interpretação, porque subestimam os grandes
marcos temporais como produtores de sentidos distintos nas proposições que de alguma
forma os expressam. Importa aqui separar a tese da correspondência, que é correta, mas
cuja formulação para o futuro exige a d hoc “aspas”, da bivalência, pois se não se pode de­
cidir entre (V) ou (F), não convém falar em função de verdade aqui, ao menos no sentido
forte de Frege (2008) em seu ensaio “Funktion und begriff”.
*34
D a Interpretação
6)
Questão87 que surge, a despeito de os documentos textuais
serem escassos e mesmo indiretos no que concerne à matéria, é a
atribuição a Epicuro da possibilidade de recusar o princípio do
terceiro-excluído. Vuillemin salienta essa vertente no seu magnífico
tratado, ancorando-se em citação de Cícero88 sobre o inconformismo
de Epicuro diante da seguinte disjunção: “Se, com efeito, diz ele em
relação a Carnêades, admito que um ou outro é necessário, será
necessário que amanhã ou que Hermarco viva ou não viva.”
Refletindo sobre a matéria, chega-se à conclusão de que
só se pode fugir do princípio do terceiro-excluído, se se rejeitar a
negação como espécie de integral que descreve finitas ou infinitas
possibilidades incompatíveis entre si: amanhãp ou r, s, t (...), onde o
~p é lido como r, s, t (...). Enfim, a via epicuriana é mais física do que
lógica, ou tem uma lógica-física irredutível ao princípio da lógica
universal (~p ). O exemplo citado por Cícero, porém, parece confi­
nar o universo de possibilidades a duas: viver ou não viver. Todavia,
quando se considera o palco físico-espacial para os fenômenos, onde
se dá a chuva de átomos, poder-se-ia considerar que (p) “amanhã
haverá uma batalha naval em Salamina”, ou (q) “amanhã haverá uma
confraternização entre as frotas em Salamina”, (r) “amanhã haverá
um furacão em Salamina” etc. Todas essas hipóteses podem ser trans­
critas em termos aristotélicos, no limite, com a sua negação: p e ~p;
q e ~q; r e ~r etc. Todos esses pares não fazem senão transcrever no
aristotelismo em uma proposição e em sua negação a série possível
de eventos p, q, r, s etc. Eis por que poderiam ser, no limite, equi­
valentes. A ontologia de Epicuro percebe que aqui não há terceiro-excluído, pois o que sucede é uma abertura para a multiplicidade de
possibilidades. O gênio de Aristóteles consiste aqui em operar uma
redução puramente lógica, a que ele chega até porque parte da pro­
posição e não de uma hipótese físico-atômica à Demócrito. Todavia,
87. A leitura desse item é do autor desta tradução.
88. Cícero, em Primeiros Acadêmicos, II, XXX, apud Bréhier, 1962, p.231-2.
l3 5
Aristóteles
a vertente de Aristóteles acaba por ocultar o universo múltiplo que
subjazerá à hipótese epicuriana. Uma leitura em profundidade,
porém, vai mostrar que o ~x, em geral, remete a uma multiplicidade
de possíveis individualmente distintos. O raciocínio epicuriano não
vai rejeitar a negação, mas vai remetê-la sempre à infinidade do pos­
sível. O mérito dessa posição é mostrar que o princípio do terceiro-excluído, que ela rejeita, não é senão pura abstração lógica, mas essa
abstração lógica termina sendo logicamente mais operativa, e aqui
também a perenidade do pensamento lógico de Aristóteles. A chuva
dos democritianos átomos em Epicuro é, e não poderia ser diferente,
uma via essencialmente física. Ela abre o horizonte para se pensar
seriamente a probabilidade.
Uma nova exceção à Lei dos Pares Contraditórios
O Capítulo IX traz uma nova exceção à LPC: as proposições
singulares que dizem respeito ao futuro. “Sócrates estará em Creta
na segunda-feira” //“Sócrates não estará em Creta na segunda-feira”.
Aqui não se poderá dizer que uma dessas proposições é verdadeira
e a outra é falsa. Mais: também não se poderá dizer que ambas as
proposições são verdadeiras, ou que ambas são falsas. Aqui temos
verdadeiramente o mesmo sujeito e o mesmo predicado, eis os moti­
vos por que se trata de exceção qualitativamente nova em face das
precedentes. A sutileza (e aqui nada melhor do que convidar o leitor
a ler com atenção o capítulo) que se introduz é exatamente a noção
de contingência ou possibilidade que o futuro, como categoria da
realidade, nos oferece.
A descoberta de Aristóteles consiste em esclarecer que, do
ponto de vista lógico, lógico modal no caso, as duas proposições
consistem em uma unidade necessária para expressar a possibilidade,
o futuro. Dessa maneira, se é possível que Sócrates esteja em Creta na
segunda-feira, também é possível que Sócrates não esteja em Creta
na segunda-feira. A LPC estará preservada quando se identificar a
*3 6
D a Interpretação
contradição entre “é possível” e “não é possível”. As proposições
singulares ou universais futuras escapam à LPC, mas reunidas pela
modalidade retornam à LPC.
Enfim, embora o próprio Aristóteles nos apresente essas exce­
ções, a análise revela que as duas primeiras são facilmente desconstituídas. A terceira exceção parece mais forte. Porém, tanto no caso
da LPC quanto do princípio dos princípios, os predicados “estará em
Creta na segunda-feira” e “não estará em Creta na segunda-feira” não
podem ser separados um do outro e só fazem sentido se reunidos
sob a batuta da modalidade.
A despeito disso, o princípio da contradição ou da não contra­
dição, tal como aparece na Metafísica (1005b 19), é impossível para
uma mesma coisa pertencer e não pertencer à mesma coisa, em
relação ao mesmo aspecto e ao mesmo tempo, parece muito próximo
à LPC. Whitaker lembra que a LPC conhece exceções, ao contrário
do princípio da contradição. Entendo que, de fato, se trata de coisas
com estatuto diferente, mesmo se se admite que as exceções à LPC
possam ser afastadas.
A LPC está limitada aos valores de verdade (V) e (F) com os
quais opera. O princípio da contradição tem formulação mais abran­
gente, puramente ontológica, e escapa do quadro de possibilidades do
princípio da bivalência, onde uma proposição deve ser verdadeira e a
outra deve ser falsa. Apenas para exemplificar: as proposições “todo
homem é branco” e “todo homem não é branco” não podem ambas
subsistir, segundo o princípio da contradição, mas nem por isso, no
caso dessas universais, uma deve ser verdadeira e a outra deve ser
falsa. Essa a diferença de natureza entre os dois princípios (LPC e
princípio da contradição), que delineia os objetos distintos descritos
respectivamente no livro Gama da Metafísica e no Da Interpretação.
Em relação ao predicado “estará em Creta na segunda-feira”,
a aplicação do princípio da contradição poderia assim ser expressa:
“é impossível que simultaneamente seja possível que Sócrates es­
*37
Aristóteles
teja em Creta na segunda-feira e que seja impossível que Sócrates
esteja em Creta na segunda-feira”.
Tempo, necessidade e possibilidade
O Capítulo IX é importante não só pela abertura que traz
em relação ao futuro e ao desenvolvimento que Aristóteles soube
dar à modalidade do possível, como também pela interpretação do
passado como necessário. Convém ao leitor estar atento aí para os
elementos da lógica modal e para o seu modo de operar.
Uma das linhas do trabalho de Jules Vuillemin e também de
Jaako Hintika89 é repor o diálogo do mais ilustre dos filhos de
Estagirita com os megáricos e estoicos, mais precisamente com o
megárico Diodoro Cronos. Esse tinha cunhado um conceito de pos­
sibilidade muito distinto do conceito próprio ao Capítulo IX do Da
Interpretação, a que nos acostumamos desde séculos. Diodoro conce­
bia o possível dentro dos limites da lógica bivalente onde vigem abso­
lutos o verdadeiro e o falso. Tinha como possível o que “é verdadeiro
ou será verdadeiro”. A ideia de algo que fosse possível e que pudesse
não ser, isto é, que jamais viesse a ser verdadeiro, lhe era estranha.
Confinava o possível às paredes da lógica bivalente. O impossível defi­
nira como o que nem é nem será verdadeiro. O necessário como
aquilo que, sendo verdadeiro, jamais será falso. O não necessário
como aquilo que ou é ou será falso.
Ainda que se considere que o diálogo entre Aristóteles e
Diodoro não pode ser reputado de provável, ao contrário do que ava­
liam Vuillemin e Hintika, mas apenas de plausível,90 pois o primeiro
89. Vuillemin, 1984; Hintika, 1973, p.179-213.
90. Não se tem a data de nascimento de Diodoro, mas ele teria falecido quase quarenta
anos após Aristóteles. Se se supuser que ele tenha vivido oitenta anos e tenha nascido
vinte anos após Aristóteles, deve ter produzido o seu argumento entre dezessete anos
e vinte anos, o que deveria girar em torno da data de saída do Estagirita da Academia e
da redação das Categorias e do D a Interpretação. Se produzira o argumento nessa idade,
certamente se tornaria uma celebridade e deveria ser citado nos 25 anos seguintes.
É verdade que, saindo da Academia, Aristóteles trabalhe na construção de sua lógica e
D a Interpretação
nascera no ano 384 a.C. e falecera em 322 a.C., e o segundo morre­
ria em 284 a.C., há que se considerar que efetivamente o Estagirita
debate essas questões com os megáricos. Demais, é mais provável
que as cunhagens iniciais do conceito de possibilidade se façam, em
um primeiro momento, em termos de bivalência, e só o desenvolvi­
mento do problema explicite as dificuldades dessa posição. A própria
formulação do chamado argumento dominador por Diodoro supõe,
a meu ver, um trabalho prévio do tema na escola de Mégara.
Aristóteles, em sua resposta, cujo núcleo pode ser encontrado
nesse Capítulo IX, reinventa a noção de possibilidade e, nessa reinvenção, retira-a do confinamento próprio à verdade e à falsidade.
O que pode ser não é nem verdadeiro nem falso, pode ser. Esse perfil
do possível revelou-se o mais adequado à descrição do mundo. Sua
extração, porém, em Aristóteles, sucede nesse magnífico Capítulo
IX e é feita por redução ao impossível. Ele assume em 18a 35 que o
verdadeiro e o falso se aplicam às proposições singulares futuras. Em
seguida aplica o verdadeiro e o falso aos objetos que estão a salvo
do futuro, os que são agora, e sobre os quais necessariamente a afir­
mação e a negação são ou verdadeiras ou falsas. O “pulo do gato”
da demonstração consiste em considerar que, se a afirmação é ver­
dadeira agora, era já verdadeiro afirmá-la antes. O resultado que se
colhe é o que está posto entre 18b 5-10:
N ada, então, é n e m surge p o r acaso e n ad a p o d eria ser de um a
m an eira ind efinid a, em que fosse e n ão fosse, m as todas as coisas
a co n teceram da n ecessid ad e e não de u m a m an eira in d efin id a (o u o
que afirm a diz a v erdad e, ou o que n ega), co m o u m a coisa que p o d eria
ter o co rrid o ou não ter o co rrid o . C o m efeito, a expressão “o co rre r de
u m a m an eira ind efinid a” nad a m ais [significa] que [algum a coisa]
p od e ser ou p o d erá ser dessa fo rm a ou de o u tra form a.
sua ontologia e evite citações de nomes e polêmicas abertas. Com efeito, deixava, assim,
com toda discrição o passado platônico, mas não há porque supor que essa discrição
fosse também estendida àqueles que se situavam longe da escola de Platão, como Dio­
doro Cronos.
l3 9
Aristóteles
Todavia, sem uma ontologia do acaso, à maneira de Epicuro,
Aristóteles tem dificuldades em se satisfazer com o resultado colhido
e conduzirá o raciocínio até a prova que lhe parece definitiva: sus­
tentar o necessitarismo significaria mesmo suprimir a possibilidade
de deliberar (18b 30-33). Aqui se poderia objetar que, para as coisas
que sucedem fora do deliberar, seguiria vigendo o mais estrito neces­
sitarismo. Afinal, não há fundamento físico ou ontológico a esse
momento para justificar a fuga total do necessitarismo. Aristóteles,
porém, com a experiência das dificuldades lógicas ensejadas pela
aplicação da bivalência ao discurso sobre o futuro, funda a sua noção
de possibilidade para o futuro em geral:
E se essas coisas são absurd as, v em os, c o m efeito, que o p rin cíp io das
c oisas fu tu ras em p arte é p ro v en ien te do d elib erar e d o agir e que, de
m a n e ira geral, nas coisas que n ão são sem pre em ato existe sem pre o
ser possível e o n ão ser possível, nelas am b o s p o d em ser.
Enfim, o par ato e potência, que tanta importância terá na filo­
sofia aristotélica, praticamente nasce nessa passagem, se não, pelo
menos dá um susto na parteira, e sua aparição ou quase aparição é
providencial para garantir a indeterminabilidade do futuro em geral,
a qual exige o socorro de alguma ontologia.
As duas necessidades descritas no Capítulo IX
Em 19a 23, lemos: “É necessário então ser isso o que é,
quando é, e o que não é não ser, quando não é. Em verdade, não
é absolutamente necessário nem o que é ser nem o que não é não ser.”
Aristóteles define aqui o que se chama de necessidade hipotética, ao
distingui-la da necessidade absoluta. A coisa que é, necessariamente é,
quando é, mas isso não quer dizer que ela seja absolutamente neces­
sária. Na necessidade simples, o predicado pertence ao sujeito sempiternamente, ou, no mínimo, predicado e sujeito são coextensivos.
Vuillemin apresenta da seguinte maneira a fórmula da necessidade
hipotética: “Qualquer que seja t, se p acontecer durante o tempo t, é
necessário durante o tempo t que aconteça durante o tempo f.”
140
D a Interpretação
Essa fórmula corresponderia à reação de Aristóteles à cons­
trução da necessidade hipotética nos megáricos, a qual poderia ser
apresentada da seguinte maneira:
“Se p acontece, então é necessário que p aconteça.” A despeito
de sua apresentação hipotética (se, então), a formulação afirma a
necessidade simples: “É simplesmente necessário que p aconteça.”
A fórmula megárica, por camuflar o tempo, acaba transformando a
necessidade hipotética em necessidade simples ou absoluta.
A necessidade hipotética responde em Aristóteles pela escrita
no passado e no presente do que fora possível anteriormente. Um
possível que se realizou aqui e por isso se torna verdadeiro, se define,
resolve a contradição ínsita à possibilidade, pendendo para um dos
lados de sua balança. Esse lado se torna, então, necessário. De L (A
ou ~A) chega-se a L (A) ou L (~A), ou ainda de M (A e ~A) chega-se
igualmente a L (A) ou a L (~A), e o M é sacrificado no altar do tempo,
pois nem suporta o presente nem o passado.
Já a necessidade simples expressa apenas que as coisas que
lhe dizem respeito estão desde sempre decididas, seja ontem, hoje
ou amanhã. Os grandes quadros do tempo não repercutem sobre
as proposições dotadas de absoluta necessidade. São as proposições
apodêiticas, que se contrapõem às problemáticas (possíveis) e as
puras ou assertóricas (S é P).
O Capítulo X
No Capítulo X, Aristóteles explicita o significado da afirmação
e mostra analiticamente a função do nome e do verbo na sua forma­
ção. A afirmação, a partir da qual se define a negação, por determi­
nados empregos do não, é exibida aqui como algo que nos presentifica
a coisa e é intermediado pelos nomes, os quais comparecem como
sujeito obrigatoriamente na proposição. A discussão é feita nesse
capítulo em torno das proposições assertóricas. Eis por que esse fato
deve nos levar a indagar sobre a posição do Capítulo IX, introdu141
Aristóteles
tor das modalidades, no conjunto da obra que se denomina Da
Interpretação. Com efeito, do ponto de vista da sequência geral dos
capítulos, isto é, da lógica dos capítulos assentados no livro, o
Capítulo X e o Capítulo XI poderiam estar colocados na sequência
do Capítulo VIII, pois neles o que pontifica são as proposições
assertóricas. Podemos dizer que a sequência de capítulos aqui obe­
dece muito mais provavelmente a ordem da sua criação do que a
ordem ou lógica mais conveniente de exposição.
A abertura do Capítulo X põe em relação nomes e coisas,
relação essencial do pensamento e da formulação de enunciados.
Aí está dito de uma forma concisa: “Portanto, é a afirmação o que
significa alguma coisa de alguma coisa, e esta é ou um nome ou o
que não tem nome.”91
As proposições aparecem com dois elementos, nome e verbo,
ou com um terceiro elemento em que aparece a forma verbal
“é” como um terceiro termo, donde o que a tradição chamou de
proposição binária (com dois elementos) e proposição ternária (onde
aparece o terceiro termo). Há ainda as proposições sem o verbo
ser e com outro verbo, que se encaixam no limite no segundo tipo.
Aristóteles chamará de primeira afirmação proposição como a se­
guinte: “o homem é”; “o homem não é” será a primeira negação.
A partícula negativa poderá aparecer junto ao nome, tornando-o
indefinido, ou junto ao predicado, e esse fato potencializará as
possibilidades da afirmação e da negação. Por exemplo, “o homem é
justo” // “o homem não é justo”; “o não homem é não justo” // “o não
91. Esse trecho do Capítulo X certamente evoca os temas fregianos ( Über Sinn und Bedeutung), e Frege com certeza o leu. A própria palavra Bedeutung traduz em alemão o subs­
tantivo que se obtém a partir do verbo σημαίνω, e que em Aristóteles remete à coisa,
posta em algum nível ontológico hipotético ou real. Aristóteles, porém, e aqui retoma
capítulos anteriores, dá um destaque à questão da unidade da proposição, e aqui a sua
solução é incontrastavelmente superior, permitindo resolver intricados problemas que
escapam à teoria fregiana. Frege, é verdade, vai cunhar a relação da coisa com os nomes,
lembrando ser esses índices (Zeichen) das coisas indicadas (Bezeichneten). Distinções de
alguma forma dadas no Capítulo I do Da Interpretação: aí aparecem as noções de símbo­
lo das afecções da alma, objeto e imagens do objeto (afecções).
1/ f . l
D a Interpretação
homem não é não justo”. Esse “não” que se cola ao predicado ou ao
nome a tradição chamará de partícula metatética, de metathesis,
que significa transposição e indica o deslocamento do advérbio de
negação. Ammônio testemunha que foi Theofrasto quem introduziu
essa nomenclatura.92 Esse deslocamento do “não” e seu acoplamento
a um nome mostra o esforço de Aristóteles para compreender as
distinções de significado da “negação”, tomada aqui em seu sentido
mais lato. O “não”, ao se acoplar a um nome, produz na lógica de
Aristóteles um efeito similar ao alfa privativo, que persiste de algum
modo na tradição das línguas românicas.
Aristóteles, no entanto, fiel ao seu estilo de proceder onde se
buscam as distinções, a diferença que singulariza uma coisa ou um
uso, prefere aqui o “não”, que é também uma possibilidade da língua,
embora a não eleita no seu dia a dia. A vantagem operativa do “não”
aqui sobre o alfa privativo é que ele pode gerar significados novos a
partir de uma linguagem mais simples, que prescinda de um maior
número de operadores. O alfa privativo aparece em Aristóteles ao
definir aqui mais uma vez o que é a afirmação (19a 10 - “Portanto,
é a afirmação o que significa alguma coisa [dita] de alguma coisa, e
esta é ou um nome ou o que não tem nome - esta última expressão, o
que não tem nome, traduz a palavra grega “anônimos”). O não X se
poderia traduzir sempre aqui como o que é distinto de X, ou o que é
incompatível com X, o Q, o R, o S, o T... o Q l, o Q2(...). Depois o a
(alfa), como se vê na palavra á v a u ç [anaus], adquire um significado
concreto eventualmente, deixando de significar simplesmente o que
não é nau, no caso, e passando a significar “a nau que já não é”. Enfim,
o alfa deixa de remeter a tudo o que não é nau, para apenas designar
a nau que já não existe e que existiu em algum momento. Enfim, o
alfa designa apenas esse que já não é, e que algum dia foi, mas não
simplesmente o não esse. Eis por que aqui a força do “não” na sintaxe
greco-romana parece insubstituível.
92. Am m onius, 1897, p.161 - 27-32.
H3
Aristóteles
“Com efeito, digo que não homem não é nome, mas nome
indefinido; com efeito, significa alguma coisa de alguma maneira
indefinida, como o não gozar de boa saúde não é um verbo.”
O não homem - mais esse caso do não se poderia dizer - exibe as
propriedades da intervenção dessa partícula, ela ataca algo definido,
um universal bem identificado, com os contornos nítidos e a partir
desse terreno perfeitamente identificado aponta para o indefinido,
todas as ocorrências que não remetem ao universal homem, isto
é, tantos universais quantos não sejam homens e - quem sabe,
não universais. Assumamos, porém, que o não homem é uma
fórmula resumida onde todos os universais distintos do homem são
enfeixados - coelho, abóbora, porco, cabelo, mão etc. Ele tem uma
função muito próxima daquela que o ~A designa quando se coloca
ao lado do A no dictum do modo, como apontáramos anteriormente.
É exatamente por ele guardar a possibilidade de remissão a uma
totalidade de universais que apenas exclui o homem, que ele entrará
na primeira aparição do princípio da explosão das contradições, na
Metafísica,93 Nesse caso, um homem é também um não homem,
então ele pode ser tudo, uma trirreme, uma cebola, uma bola etc. O
nome indefinido será, portanto, essencial à semântica da explosão
da contradição. Se se supusesse uma negação do nome próxima ao
que se entende na semântica do alfa privativo, tal qual aparece no
vocábulo anaus, não haveria explosão da contradição, pois a negação
seria apenas a negação de um conjunto de determinações concretas
com um campo de atuação limitado. Assim, na evolução, o homem
aparece como a negação de seu ancestral a (e, em algum momento,
um proto-homem foi o ancestral a e ~a) até adquirir plenamente a
93. Ex contradictione sequitur quod libet. Aliás, a passagem na M etafísica (1007b 30-35) pode
ser vista como uma consequência dessa compreensão do nome indefinido no Da Inter­
pretação. Ali se lê: “Com efeito, é absurdo se em cada coisa subsiste a contradição dela
própria, mas não subsiste a contradição de uma outra coisa a qual não subsiste nela; digo,
por exemplo, que se é verdadeiro dizer que o homem não é o homem, é evidente que é
verdadeiro dizer que ele é tanto uma trirreme quanto uma não trirreme.”
*44
sua humanidade. Esse ~a, no entanto, não pode ser o nome indefinido
absoluto do Da Interpretação.
(1)
a
(2)
a e ~a
(3)
~a
Q uadro de proposições com o terceiro elemento (é)
Sem pre que o “é” seja atribu íd o co m o o plus, com o o terceiro
[te rm o ], as o p o siçõ es são expressas de duas m an eiras. A o declarar,
p o r exem plo, que o h o m em é ju sto , con sid ero ser o “é” o terceiro
a co m p o r a afirm ação , qu er seja n o m e ou verbo. P or con seg u in te,
p o r isso, quatro são as
p ro p o siçõ es, das quais duas se referem à
afirm ação ou à neg ação, segundo u m a seq u ên cia, co m o as p riv ações,
m as as outras não.
Como já vimos, a privação, pelos menos o alfa privativo, não
corresponde exatamente ao acoplamento da partícula “não” ao nome
e mesmo ao adjetivo. Todavia, Aristóteles aqui remete a sua solução
à privação, o que pode induzir a soluções equivocadas. O não justo
remete ao que é desonesto, ao brutal, mas também ao branco, ao
azul, afinal “a cor branca não é a qualidade justiça que se atribui
ao homem”.
O primeiro quadro exibido nessa seção introduz as possibili­
dades de proposições não quantificadas articuladas às distintas apa­
rições da partícula negativa:
(a) “O homem é justo” - e sua negação (b) “O homem não é
justo”
(c) “O homem é não justo” - e sua negação (d) “O homem não
é não justo”.
Na sequência, nesse trecho, Aristóteles remete-nos à solução
dos Analíticos. É evidente se tratar aqui essa referência de uma
interpolação posterior.
Aristóteles
Essa evidência corrobora-se pelo uso do critério de desenvol­
vimento conceituai da matéria, quando se constata a sua pujança e
complexidade no interior dos Analíticos.
O milagre da m ultiplicação dos pães ou dos nãos
Na sequência, são apresentadas as proposições com os quantificadores “todos” e “nem todos”.94 Esse “nem todos” corresponde ao
conjunto “todos” diminuído de pelo menos um de seus membros,
e esse membro virá em uma proposição regida pelo “não”. Isso sig­
nifica que, se todos os homens são brancos, a negação será “nem
todos os homens são brancos”, o que equivale à frase: “pelos menos
um dos homens não é branco” // “algum homem não é branco”. No
limite, o “não todos” acaba sendo uma curiosa expressão cujo “não”
alcança duplamente o nome, o universal, posto como sujeito e o
verbo ou a cópula verbal. O algum, o pelo menos um, o não todos
são expressões que negam a expressão “todos”, mas o não aí posto
incide também sobre o verbo. Pode-se, portanto, ler o “nem todos”
como “algum [...] não é [...]”. Essa parece uma interessante lei das
línguas, pelo menos das indo-europeias, pois um “não” acaba tendo
um duplo efeito e se refletindo em dois loci da proposição. Esse fato
deve tem induzido Whitaker ao erro a que apontávamos na nota
de número 94. Se a partícula negativa que se cola ao quantificador
94. O nem todo é o não todo (oí> tiôç). Em seu grande livro Aristotle’s De Interpretatione,
o bravo Whitaker encaminha-se para desnecessária solução, sobre ser equivocada, ao
afirmar que o todo não é negado na expressão “nem todo”: “[...] Aristotle does note
allow any role to the negation of the word ‘every’. To negate the universal, man, negation
should be added to ‘man; to make the assertion negative, the verb need to be negated,
for, as we saw in chapter 7, the contradictory of a universal assertion is itself universal
(17b 16). In either case every’ is untouched.” Em verdade, o texto de Aristóteles é muito
claro no trecho 17b 15-20, onde o Estagirita se refere ao universal tomado não universal­
mente, por exemplo, “nem todo” homem. Esse “nem todo” expressa exatamente o “não
universalmente” que se cola ao universal. 17b 15-20 “Digo, portanto, que a afirmação e a
negação se opõem de modo contraditório, quando a [primeira] significa a coisa univer­
sal, [tomada universalmente], em face do mesmo aspecto, enquanto na segunda [a mes­
ma coisa universal é considerada de maneira não universal em face do mesmo aspecto],
por exemplo: ‘todo homem é branco’ // ‘nem todo homem é branco’; ‘nenhum homem é
branco’ // ‘algum homem é branco?’
14.6
D a Interpretação
universal “todos” incidisse apenas sobre o verbo ou sobre a cópula,
como sustentou o notável Whitaker, a negação de “todos os homens
são brancos” deveria ser apenas “todos os homens não são bran­
cos”. O interesse de Aristóteles na oposição entre as expressões que
designam quantiíicadores universais e particulares ou existenciais se
justifica em seu esforço de estabelecer relações necessárias no que
concerne aos valores de verdade. A oposição entre as proposições
contraditórias permitirá sempre a distribuição entre dois valores de
verdade (V) e (F).
Essa regra absoluta (LPC) constitui uma das grandes desco­
bertas da lógica, sobretudo para o seu nível de absoluta necessidade.
É verdade que esse tema é retomado de um trecho das Categorias
(13b 12-36), onde Aristóteles para garantir a regra inexorável assume
mesmo o trânsito da negação. Desse modo, dadas as proposições sin­
gulares “Sócrates é doente” e “Sócrates não é doente”, sempre uma
delas será falsa e a outra, verdadeira. Existindo Sócrates, ou ele será
doente ou não será doente. Não existindo Sócrates, a proposição
“Sócrates não é doente” será verdadeira, e isso naturalmente com o
deslocamento da negação, de tal sorte que não exista um Sócrates
que seja doente. A negação nesse caso, para garantir a inexorabili­
dade da LPC, passa a ser externa.
Os problemas do comportamento da expressão “não todos”,
todavia, não param por aí, mostrando a complexidade lógica da
chamada língua viva, no caso do grego clássico (20a 20-25). E essas
observações se referem aqui unicamente ao texto grego. Ao se intro­
duzir mais um não na frase, a primeira negação perde a sua segunda
incidência. Assim, no caso, em contexto de oposição, a oposta de
έσ τι τις δίκαιος άνθρωπος [“algum homem é justo”], com a introdu­
ção da expressão negativa junto ao predicado (expressão metatética),
se obtém: ού πας έστίν άνθρωπος ού δίκαιος [“nem todo homem é
não justo”], e não “algum homem não é não justo” [“algum homem
é justo”], mas, simplesmente, “algum homem é não justo”. O que era
o milagre da multiplicação torna-se agora o milagre da supressão.
l47
Aristóteles
O uso da partícula negativa junto ao predicado vai introduzir
um enunciado afirmativo com o sentido de um enunciado negativo.
Isso ocorre quando se pergunta (20a 25-30): “Sócrates é sábio?” e é
verdadeira a negação (“Sócrates não é sábio”). A negação equivale
aqui à afirmação com a negação metatética: “Sócrates é não sábio.”
O grande traço da lógica aristotélica, em suas distintas variantes
e em seus distintos espaços, é buscar o caminho de equivalências
de fórmulas. No caso se pode perguntar se também aqui se daria
o trânsito da negação já registrado nas Categorias e indicado um
pouco acima dessas linhas. Parece, porém, que a forma da proposição
oferece aqui resistência a esse trânsito, mesmo se se considera que o
grego não articula a expressão metatética ao predicado por meio de
nosso hífen.
Não há dúvida de que o contexto do exemplo, posto por uma
pergunta, remete à arte da dialética. Todavia, a própria reflexão sobre
a dialética, tida por muitos como uma das disciplinas mais gerais,
reflexão fora da dialética, isto é, fora do próprio espaço dessa, coloca-nos inevitavelmente diante da lógica como disciplina geral e primei­
ra, capaz de servir mesmo à dialética. Para além disso, vale notar
ainda que, como tudo poderia ser objeto de negação e afirmação
no espaço dialético, Aristóteles, usando desse fato, introduz ironi­
camente a figura de Sócrates nesse memorável trecho. Não se pode
excluir se tratar aqui de um esforço de desconstrução de uma matéria
quase sagrada no interior da Academia.
A negação e a partícula negativa
Aristóteles define conceitualmente o espaço da negação como
a proposição que se obtém pela incidência da partícula negativa
sobre o verbo de uma declaração que, sem essa partícula negati­
va, deveria ser uma afirmação. No limite, a lógica assertórica compõe-se de duas dimensões judiciais ou proposicionais. A primeira
dimensão é aquela onde aparecem sujeito, cópula e predicado ou sujeito
248
D a Interpretação
e verbo. A segunda apresenta esses mesmos elementos, ou essa
mesma matéria, mas com a incidência da negação sobre o verbo ou a
cópula. Todavia, e aqui se pode entender a negação latu senso como
as aparições, ou melhor, como as incidências dessa partícula que
é o “não” e as suas consequências. Uma linguagem natural, criada
historicamente, apresenta os seus próprios contornos, os quais não
decorrem de uma definição artificial, e exige definições factuais que
identifiquem os contornos dos conceitos como eles são, não lhes
prescrevendo voluntariamente a form a de ser. A língua apresenta-se assim como um fato objetivo que impõe seu próprio curso nas
construções lógicas. Assim, há peculiaríssimos fenômenos, como a
aparição do nenhum, que remete à negação exterior. Tais fenômenos
não cabe inventar, mas apenas descobrir e reconhecer.
A proposição que apareceu no trecho 20a 25-30, cuja citação
se fez a poucas linhas daqui, “Sócrates é não sábio” é, portanto, como
forma de organização da matéria do juízo uma afirmação, ainda que
seja equivalente à negação. Essa busca, para não falar em obsessão
das equivalências, mas encontradas com prudência, tato e arte,
constitui uma das grandes virtudes de Aristóteles e bem se poderia
dizer que é um componente universalizador de sua lógica e - por
que não dizer? - de um rasgo matemático de seu pensamento. Esse
balanço entre a negação strictu senso e latu senso conforma uma das
linhas de investigação mais importantes no trabalho de Aristóteles
na composição do Da Interpretação. Ele alcança, com todo o impacto,
os capítulos XII e XIII onde a lógica das modalidades, já introduzida,
de alguma forma, no Capítulo IX, reaparece, como veremos adiante.
20a 30-33 - “As expressões opostas formadas por nomes ou
verbos indefinidos, como não homem ou não homem ou não justo,
poderiam passar por negações sem nome ou sem verbo. Todavia,
não são isso.”
Esse trecho explora a definição de negação já estabelecida e
a confirma negativamente, isto é, mostra o que não é uma negação, a
despeito da presença da partícula negativa “não” e de seu interesse
H9
Aristóteles
para a semântica e para a lógica. “Não justo” não é, assim, uma
negação strictu senso, pois, sem se articular a um verbo e a um nome,
não cumpre o requisito essencial de uma declaração, seja afirmativa,
seja negativa. “Não justo” não é nem verdadeiro nem falso. Essa
última posição pode insinuar falsamente que a “não justo” se poderia
atribuir um outro valor de verdade. Melhor será, portanto, dizer que
tais expressões isoladamente não podem receber valores de verdade.
H om em / / não homem
Observando-se essas duas expressões, vê-se que elas remetem
a universos bem distintos. É claro que a segunda se forma segundo
a negação da primeira e tem a sua existência condicionada pela
existência da primeira, ainda que como determinação negativa.
Basicamente, o efeito da partícula negativa aqui é remeter a um
conjunto que exclui o homem. Esse “não” pode ser traduzido pelo
sinal menos das matemáticas, isto é, uma totalidade de unidades de
determinado caráter menos o homem. Aristóteles se exonera aqui
de explicitar se esse ~h (não homem) se vincula a um conjunto que
reúne apenas substâncias (nesse caso, ~h é igual a porco, macaco,
cadeira, urso, bola e que tais), ou se ele engloba também distintas
categorias, como quantidades e qualidades etc.
Homem não é mais verdadeiro (nem mais falso) que não
hom em , pois, estando isolados, sem cópula e predicado (ou sem o
verbo no sentido próprio), a verdade e a falsidade, ou, simplesmente,
os valores de verdade em geral, não se lhe aplicariam. Na proposição,
porém, o efeito da diferença do homem (justo) em face do não
homem (não justo) é bem determinado.
É possível mesmo identificar proposições equivalentes, as
quais encontram a sua equivalência em distintas combinações entre
o predicado (justo // não justo) e o quantificador (todo // nenhum).
Por exemplo:
“T od o não h o m em é não ju sto.”
IjO
D a Interpretação
II
“N en h u m não h o m e m é justo.”
O roque entre o Predicado e o Sujeito
“Branco é o homem” e “o homem é branco” significam o
mesmo. O estatuto lógico de uma proposição não se altera pelo
roque entre o Sujeito e o Predicado. Com o instrumental fregiano
poder-se-ia, talvez, identificar uma distinção de sentido à medida
que a inversão deflagra ordens de representações distintas.95 Todavia,
como fato lógico as proposições seguem equivalentes, e o esforço de
Aristóteles consiste precisamente em alcançar essas equivalências,
não em repeli-las. Para além disso, há o substrato ontológico da
declaração (afirmativa ou negativa), ele põe em relação uma coisa
com outra coisa:
“Há apenas uma afirmação ou negação para exprimir uma
coisa de uma coisa” (18a 11-12). A simples inversão da ordem,
dentro do objetivismo lógico à Estagirita, não modifica esse substrato
ontológico, não altera a natureza dos componentes envolvidos nem a
natureza da relação entre eles estabelecida. E o que fundamenta essa
postura é âncora ontológica da lógica em Aristóteles onde se procura
alcançar as leis da proposição e da linguagem lógica como relações
objetivas que essas exibem.
O Capítulo X I
O tema da abertura do Capítulo XI retoma um do pilares da
teoria das categorias e, portanto, do tratado intitulado Categorias, o
qual cronologicamente antecede o Da Interpretação. Trata-se, pois,
nessa abertura do problema da unidade do ser. O que é e quando se
produz a unidade dos seres, essa é a questão:
1) “H o m em é a n im a l”;
95. “Über Sinn und Bedeutung”.
Aristóteles
2) “H o m e m é d ípode”;
3) “H o m e m é so cia l”;
4) “H o m e m é an im al d íp od e e social”, o n d e os pred icad o s d istin tos
em a rticu la çã o co m o su jeito prod uzem a unidade.
Com efeito, “O homem é igualmente animal, dípode e social,
mas alguma coisa una se produz desses [predicados]”. O imbrincamento ontológico (espécie, gênero mais diferença) é decisivo para
determinar a unidade que a proposição não faz senão revelar. Sem
esse imbrincamento profundo, construído pelas categorias, não se
pode falar em produção do uno.
20b 15-20 - “Do branco, do homem e do caminhar não se
forma alguma coisa una”. De onde se podem compor as seguintes
proposições:
1) “O h o m em é b ra n co ”;
2 ) “O h o m em cam in h a”.
Ainda que esses elementos se articulem - Sócrates, que é
branco, por exemplo, caminha - a articulação que eles revelam
é meramente acidental, não formando uma unidade no sentido pro­
fundo ou categorial que a ontologia exige. Eis por que Aristóteles vai
dizer (20b 19-21): “[...] e mesmo que esses predicados sejam ditos
de uma mesma coisa, não se produz afirmação una, mas igualmente
se produzem várias”. Sem o recurso à teoria das categorias, e,
portanto, ao tratado precedente, Categorias, o problema da unidade
do ser permaneceria tal qual a quadratura do círculo.
É essa teoria que permite, portanto, no limite dizer se a
matéria reunida em proposição, ou em simples enumeração constitui
unidade ou pluralidade. E essa questão, que diz respeito à teoria do
ser, tem consequências para a arte da dialética:
Se, p o rtan to , o m étod o d ialético é p erg u n ta p o r u m a resposta, ou
p o r m e io de u m a p ro p o sição ou p o r m eio de u m a p arte do par
de co n tra d itó ria s (a p ro p o sição é tam b é m u m a p arte do p ar de
ZJ2
D a Interpretação
con trad itó rias), n ão p o d eria haver apenas u m a resp o sta nesses
casos. (20b 2 0 -2 5 )
Aristóteles está, portanto, dizendo aqui que a doutrina das
categorias, a sua doutrina do ser, que tem repercussões sobre a
lógica, também vem a iluminar com seu facho a arte dialética. E,
como ele confirma logo no primeiro parágrafo desse Capítulo XI, o
que define o ser, o que responde à questão “o que é”, não é matéria da
dialética. Temos aqui uma posição antiplatônica bem explícita e não
é pouca coisa, pois se trata simplesmente de responder à pergunta
essencial (“o que é?”). Como consequência do método e da doutrina
introduzidos por Aristóteles, a herança do mestre da Academia,
Platão, é repudiada aqui também em sua forma, o diálogo, pois esse
não daria conta de tudo.96
A separação entre o essencial e o acidental, um dos emblemas
da filosofia aristotélica,97 será aplicada aos predicados. O homem
branco é músico, exemplo, trará dois predicados acidentais, branco
e músico, em face da coisa, o homem. Também se deslindará a arti­
culação de predicados a focar a coisa que é afirmada ou negada, e se
mostrará o que a eles é interdito. De um homem bom e que é sapa­
teiro, por exemplo, não se concluirá que é sapateiro bom. O predicado
bom, na primeira proposição, se refere ao homem e, na segunda, ao
sapateiro, eis por que a passagem ao sapateiro bom não é possível.
A presença da totalidade compósita não impede que ela seja
descrita analiticamente pela articulação do predicado com esse todo
compósito. Se homem e branco compõem uma totalidade, mesmo
que acidental, é verdadeiro dizer “o homem branco é branco”. Essa
96. Vide nota 69.
97. O desenvolvimento das noções de essência e acidente pode ser visto como mero capítulo
das categorias, desenvolvimento dos tipos de predicação básicos que elas encerram e que
distinguem a proposição “Sócrates é branco” da proposição “Sócrates é homem”. Parece
claro, porém, no Da Interpretação que o par - essência e acidente - se autonomiza e passa
a incidir diretamente sobre predicados, ainda que substancializados, como no caso do sa­
pateiro bom. Sapateiro, que seria naturalmente um predicado, aparece aqui como sujeito.
*J3
Aristóteles
proposição traz uma lei que é menos que a identidade, ela não diz que
a = a, mas que se a um todo compósito ba pertence um predicado
b, então esse predicado pertence a esse todo compósito e a esse todo
compósito pode ser atribuído.
E, evidentemente, se esse predicado é b e não a, ou se esse
predicado b exclui o predicado ~b, ~b não pode ser atribuído ao todo
compósito. Enfim, se ba, então ba é b; ou se ba, não há ba é ~b. As
consequências desse princípio analítico para a argumentação em geral
e para a argumentação dialética em particular o colocam como um
dos eixos de qualquer lógica geral do argumento ( logica universalis).
É também um princípio de argumentação de ordem computacional,
que incorpora a repetição ao argumento lógico. Enfim, se é a correta
a atribuição de um predicado a um determinado sujeito, essa predi­
cação pode ser feita ao infinito no curso do argumento e será sempre
correta, desde que o sujeito não tenha se alterado em face de tal pre­
dicado: se ba, então ba é b, ba é b é b, ba é b é b e é b [...].
Hoje esse princípio é confirmado pela computação. Na época
de Aristóteles, não se tratava, porém, de simples abstração ou elocubração genial. Ao contrário, foi esse princípio erigido como barreira
à intromissão da tradição heraclítica, onde de “um homem é branco”
se poderia, em algum momento, tirar “um homem é branco, e não é
branco”. O princípio vale também para os universais, na condição de
sujeito, assim, se ba é válido, então é a (se Sócrates é homem, então é
homem). Todavia, ele conhece limitações:
P or exem plo, o h o m em ind ividual é h o m em , o h o m em individual
é b ran co , m as isso n em
sem p re é v erdad eiro, co m o
quan do
n aq u ilo que se acrescen ta subsiste algum dos o p o sto s aos quais se
v in cu la a con trad ição . N ão é v erdad eiro, p o r exem plo, d izer que o
h o m em m o rto é h o m em . P orém , qu an d o não su bsiste (o o p o sto ), é
v erdad eiro. (2 1 a 1 6 -2 4 )
O predicado morto encerra contradição com o conceito de
homem, e tem o condão de aniquilar a essência desse de tal sorte que
“o homem morto já não é homem”.
l5 4
D a Interpretação
Esse fato engendra um paradoxo: “esse que está morto é Cálias”.
A morte é a negação de Cálias, de homem etc. Então, pode-se dizer
que “Cálias não é Cálias”.
O paradoxo tem solução, quando se percebe que proposições
de tal tipo encerram dois tempos e organizam a transição entre
eles. Trata-se aqui da conexão entre o tempo em que Cálias era e o
tempo em que Cálias já não é. A proposição traz uma novidade, ela
parte de um Cálias que é, para dizer que ele já não é, ou em outras
palavras, o que era Cálias é o que aí está morto. A dificuldade reside
essencialmente em que a proposição, por sua limitação estrutural,
traz apenas um verbo, um tempo, o tempo presente. A linguagem
natural como que busca resolver essa dificuldade ao se valer da
expressão “(já) não é mais”. Essa expressão é suficiente para produzir
uma distinção fundamental no que seria idêntico, para implodir a
identidade, isto é, produzir uma explosão no próprio interior da
proposição, assegurando a distinção cujo fundamento é ontológico
e temporal e que encerra, não na sua aparência, mas, no seu
fundamento, dois verbos, dois tempos distintos:
“Cálias já não é mais Cálias”, isso significa que o Cálias que
era nos remete àquilo que já não é mais. As partículas “já” e “mais”
combinadas com a partícula negativa e o verbo nos dizem que a
proposição não é apenas uma representação de um estado presente,
mas representação, que, de alguma forma, se articula ao tempo
passado onde Cálias fora.
A fotografia em Aristóteles, se se me permitir essa liberdade,
registra dois momentos: Cálias e Cálias morto, mas não se interessa suponha-se aqui a morte natural - pela transição de um estado de
vida para um de morte, isto é, pelo Cálias que é e que, de alguma
forma, antecipa o que não é. Ela, a fotografia, o registro lógico, passa
de um estado para um outro, como se fosse um quantum , ou melhor,
um qualis mágico. Esse modelo é consistente e pode descrever a
maioria dos fatos, daí a sua longevidade, para não dizer perenidade,
Aristóteles
mas tem aqui a sua grande limitação: produz a aparição de um novo
qualis, mas não designa a transição que o conduz.
Acabamos de analisar proposições como “o homem morto é
homem” em que o predicado - “morto”, no caso - aniquila o univer­
sal que existira até bem pouco. Enfim, proposições em que se passa
de uma existência a uma não existência, apesar de tais proposições
apenas se apresentarem na situação de existência. No trecho imedia­
tamente seguinte - 21a 24 - nos defrontamos com proposições em
que em nenhum momento se cogita da existência do sujeito real:
S eja, a títu lo de ilu stração, H o m ero é algu m a coisa, p o r exem plo,
p o e ta ; será, e n tã o que, ele é o u n ã o é [ab so lu tam e n te ] ? O “é”, co m
efeito, é d ito ap enas p o r acid en te de H o m ero aqui. C o m efeito, o “é”
é dito de H o m ero p o rqu e ele é p o eta, m as não p o r si m esm o.
Aristóteles, nesse trecho, realça o fato de o verbo ser dito não
por si mesmo, isto é, não para remeter a um estado real, mas apenas
para vincular (fazer a cópula) Homero a poeta e produzir, desse modo,
um pensamento. O Estagirita não chega a desenvolver em detalhes
a sua concepção aqui, mas o corte é claro e está dito fundamental e
laconicamente o que deveria ser dito. A distinção fregiana entre Sinn
[sentido] e Bedeutung [significação], festejada como se fora o nas­
cimento de uma filosofia da lógica contemporânea, provavelmente
surge da ideia de significação da coisa por si mesma (Bedeutung ) do
Da Intepretação. Por sua vez, Sinn, o sentido, surge do trecho ora
comentado, até no seu exemplo grego:
D e r Satz “O d ysseus w urde tie f sch lafen d in Ith ak a ans L and gesetzt”
h at o ffen b ar ein en Sinn. D a es ab er zw eifelhaft, ob der darin
v o rk o m m en d e N am e “O d ysseus” eine B ed eu tu n g habe, so ist es
d am it au ch z w e ifelh a ft, o b d er ganze Satz ein e h ab e .98
98. “A proposição ‘Odisseus estava deitado em ítaca dormindo profundamente’ tem um sen­
tido nítido [significação acidental, em Aristóteles], mas é aqui duvidoso que o nome
Odisseus aí referido tenha significação plena (Bedeutung), assim, por isso, é também
duvidoso que toda a proposição tenha essa significação.” (Frege, 2008, p.29.)
z j >6
D a Interpretação
Enfim, a distinção que em Frege assume o binômio Sinn
[sentido] e Bedeutung [significação, referência ao objeto] é ou já fora
aqui resolvida pelo uso acidental ou absoluto do verbo no Aristóteles
do Da Interpretação. No uso acidental, o verbo ser apenas explicita
o vínculo interno da proposição que une sujeito e prediGado. No
sentido absoluto, ele, o verbo, é dito “por si mesmo”, isto é, por sua
significação existencial, pelo conteúdo de realidade que veicula.
A propósito, vale a observação de que, se a significação é fato, a
tentativa de Frege" de separar completamente o sentido dela, da
significação, é resíduo idealista, confiança na possibilidade de conter
o sentido apenas na sua própria esfera. A realidade produz sentidos
próprios e insuspeitados, agrega valores, desperta representações
etc., de tal sorte que não se pode antecipar totalmente os sentidos
que veicula ou as torsões que impõe aos sentidos já postos.
Sugestão de um experimento conceituai
O Capítulo I e o Capítulo XI do Da Interpretação oferecem
material importante para um diálogo com o grande Frege: aí apa­
recem noções como símbolo, imagens das coisas, afecções da alma
que são imagens, sinais primeiros, sons pronunciados vinculados
a afecções da alma, símbolos dos sons pronunciados, símbolos das
afecções da alma, e o Capítulo I coloca a base universal dos objetos
existentes como produtora da significação comum que as palavras
adquirem, a despeito das distintas línguas. É verdade que Epicuro
sinalizará para algo ainda mais complexo com sua leitura histórica
da formação das línguas, à qual se fez referência no Capítulo II dessa
introdução.
Poderá o leitor fazer, portanto, por si mesmo, essa interessante
comparação com conceitos-chave fregianos tais como Eigenname,
99. “O pensamento permanece o mesmo se o nome ‘Odisseus’ tem ou não tem significação
plena.” (Der Gedanke bleibt derselb, ob der Name “Odysseus” eine Bedeutung hat oder
nicht) (Frege, 2008, p.30.)
15 1
Aristóteles
Wort, Zeichen, Zeichenverbindung, Ausdruck, Anführungszeichen,
Prädikat [nome próprio, palavra, índice, ligação de índices, locução,
índice de citação e predicado]. Recomenda-se também que se valha
do aparato categorial dos tratados das Categorias onde sujeito e
predicado aparecem na sua acepção aristotélica plena. No que con­
cerne à filosofia básica da linguagem, esse experimento conceituai
aqui sugerido permitirá - acredito - iluminar a questão da ruptura
entre a modernidade e a antiguidade aristotélica com novo olhar e
menos dogmatismo superador. O leitor e experimentador que tire as
suas próprias conclusões.
O Capítulo X I I
Aristóteles, retomando a temática do Capítulo IX, continua
a desenvolver pioneiramente as bases da lógica modal. As relações
lógicas que se estabelecem entre os operadores modais e as estruturas
modais que se equivalem, ou não, são apresentadas. A negação, nesse
caso, não se colará à cópula, mas deverá atuar sobre o operador
modal, como indicamos acima. A partícula negativa, quando fora do
modo, terá nessas proposições modais efeito análogo ao da partícula
negativa nas proposições metatéticas. O que esses capítulos ratificam
e, sobretudo, destacam, se se pensa em todo o conjunto do Da
Interpretação, é a importância da negação na construção da lógica,
questão que diz respeito tanto ao sentido que ela recebe quanto às
leis puramente técnicas a que se submete nos diversos contextos: a
negação dos enunciados simples, a negação dos nomes indefinidos
(negação metatética), a negação dos operadores modais.
D ep o is que essas coisas já fo ram esclarecid as, d ev e-se exam in ar
co m o são, u m a em relação às o utras, as n eg açõ es e as afirm ações a
resp eito do “é possível” e do “não é possível” e do “é adm issível” ou
“não é ad m issível” e do “é im p o ssív el” e do “é n e ce ssá rio ”.
O Estagirita concentra o seu foco no “possível”. De início, ele
supõe que a negação das proposições problemáticas se comporta
1JÔ
D a Interpretação
como a negação das assertóricas, hipótese em que a negação de “é
possível ser” seria “é possível não ser”, onde ocorreria um paralelismo
até geométrico com as correspondentes assertóricas. Por exemplo,
“Sócrates está no Pireu” e “Sócrates não’ está no Pireu”. Todavia,
Aristóteles afirma que “Parece ser possível que a mesma coisa seja ou
não seja”. Essa colocação exige alguma detença para refletir. Ela dis­
tingue as proposições assertóricas das modais, no caso, construída
com “o possível”. A distinção reside exatamente sobre fundamentos
ontológicos distintos. Em um caso é impossível a existência simultâ­
nea de duas situações descritas: “Sócrates está no Pireu” e “Sócrates
não está no Pireu”. Isso se traduz em valores de verdade distintos,
verdade e falsidade.
No outro caso - “É possível haver amanhã uma batalha naval
no estreito de Ormuz” //“E possível não haver uma batalha naval no
estreito de Ormuz” - se a modalidade do possível se aplica de fato ao
caso, não se pode separar as duas proposições, elas representam duas
situações que coexistem, representam um mesmo estado ontológico
onde é possível A e ~A, e expressam, portanto, um mesmo valor
de verdade, ainda que se possa à Lukasiewicz dar-lhe um caráter
provisório, pois em algum momento a situação deve ser resolvida
em “há uma batalha naval e não há uma batalha naval no estreito
de Ormuz”.
De todo modo, a partícula “não” que aparece no enunciado que
se agrega à modalidade não marca a separação ou a incompatibilidade
que ela introduz nas proposições assertóricas. Essa distinção traduz,
em última instância, estados ou situações ontológicas bem nítidas:
C o m efeito, tud o o que p od e ser co rta d o ou cam in h ar p od e não
ser cortad o ou n ão cam inhar. A razão é que tudo o que é assim em
p o tê n cia n em sem p re é em ato, p o r con seg u in te tam b ém a n egação
aqui subsistirá.
Aristóteles revela aqui alguma hesitação nesse texto inaugu­
ral - e não é fácil ser pioneiro e inovar - entre a negação como proposi­
x5 9
Aristóteles
ção negativa e a negação como ocorrência no interior de uma moda­
lidade, que a rigor não pode explicitar duas proposições. E Aristóteles
não chegou a este solo firme, exatamente por que não compreendeu,
com absoluta clareza, que a unidade do estado ontológico, unidade
contraditória, é verdade, deve se expressar em termos de unidade pre­
posicional e não por meio de duplicidade de proposições.
“É possível que amanhã haja uma batalha naval no estreito
de Ormuz e é possível que amanhã não haja um batalha naval no
estreito de Ormuz” - esse enunciado, exatamente por expressar um
mesmo estado ontológico, não pode ser distribuído em afirmação
e negação, isto é, em proposição afirmativa e proposição negativa.
A negação que ele acolhe não é uma negação proposicional, mas
apenas a negação que ajuda a revelar a totalidade de possibilidades
dadas na ocorrência do conceito metafísico e ontológico de potência.
Nesse caso, se se preferir, poder-se-ia dizer que é possível a
negação e a afirmação da coisa sem a produção de uma proposição
afirmativa e de uma proposição negativa, ao menos enquanto pro­
posições distintas. A acepção da palavra negação, nesse trecho,
expressa, portanto, a hesitação de Aristóteles em face dos sentidos da
partícula negativa. Ele tem consciência do problema, ainda que não
chegue a construir uma solução conceituai totalmente consistente
com o estado da questão.
A disjunção ambígua
Depois de considerar que um homem que pode ver também não
pode ver, e que é impossível que φάσεις [fórmulas proposicionais]
opostas referentes à mesma coisa sejam verdadeiras, e que não é a
última - “um homem não pode ver” - negação da primeira (“um
homem pode ver”), Aristóteles introduz a seguinte disjunção, na
qual convém deter ainda que por um tempo não longo:
2 1 b 1 9 -2 4 - Sucede, p o rtan to , do que foi exp osto, que ou a m esm a
co isa é afirm ad a e negada sim u ltan eam en te de um m esm o , ou não é
D a Interpretação
porque se acresce o “ser” e o “não ser” que se produzem afirmações e
negações. Se, portanto, aquela alternativa é impossível, esta é a eleita.
Será, dessa maneira, a negação de “é possível ser” “não é possível ser”.
Com efeito, o final do raciocínio parece-me elucidante: Aris­
tóteles considera negação de “é possível ser” “não é possível ser”. Ele
emprega aí negação como proposição negativa, dentro do par das
contraditórias. No início do argumento, atentemos, ele diz: “[...] ou a
coisa é afirmada e negada simultaneamente de um mesmo
Essa
possibilidade é recusada, mas ela só é recusada porque se considera
que o afirmar e o negar a coisa simultaneamente deve produzir uma
proposição afirmativa e uma proposição negativa. Se se considera,
porém, que esse afirmar e esse negar, em relação ao mesmo, são, na
hipótese aqui assumida, internos ao sujeito da expressão modal “é
possível”, não há porque recusar essa possibilidade, ela não é excluída
pela outra parte da disjunção, onde o acréscimo do “ser” e do “não
ser” não produzem um enunciado independente afirmativo e um
enunciado independente negativo. Aristóteles deixa aqui como que
latente que os enunciados 1) “é possível que p e 2) é possível que ~p”
constituem de fato uma só proposição e de natureza afirmativa.
Na verdade, rigorosamente falando, não há disjunção em 21b
19-24, mas conjunção, conquanto que se precise que as ocorrências
do negar e do afirmar, ou da negação e da afirmação, no caso,
apresentam nuances ou acepções distintas. No primeiro enunciado,
trata-se de uma negação, mas no interior da oração (sujeito da
modalidade); no segundo, da negação da proposição, negação que
deve incidir sobre a modalidade, daí por que o próprio Estagirita, em
meio a essas hesitações ou a esses percalços conceituais, concluirá
peremptório no que é forte sinalização para a solução definitiva do
problema: 21b 20-25 - “Será, dessa maneira, a negação de e possível
ser’ ‘não é possível ser”’. Por negação aqui Aristóteles quer dizer
a proposição negativa diante da proposição afirmativa e mais: a
incompatibilidade entre essas duas proposições, de tal sorte que se
161
Aristóteles
uma delas pode ser, a outra não pode ser. Enfim, aquilo que será
no futuro expresso como a subordinação ao império irrefragável
do princípio da não contradição. O “é possível ser”, o estado de
potência ou essa situação ontológica, se se preferir, encerra “o que
pode ser cortado” e “o que não pode ser cortado”, de tal sorte que te­
mos a unidade sob a batuta de um mesmo modo ou modalidade.
Aristóteles, é verdade, não chega a dar esse passo com a clareza que o
tratamento da linguagem lógica sempre exige, mas no seu texto estão
dados todos os elementos para tal solução. Ele avançou mais nessa
direção nos exercícios que conduz no dificílimo Capítulo IX (vide
comentários a esse capítulo) do Da Interpretação. Ali, em face da
necessidade, do modo “necessário”, ele dirá: 19a 25-31 - “Digo, por
exemplo, necessariamente, acontecerá uma batalha naval amanhã
ou não acontecerá; em verdade, nem acontecerá necessariamente
a batalha naval amanhã, nem necessariamente não acontecerá”. Ele
percebeu aí que os enunciados-braço da proposição regida pelo
modo da necessidade não podem ser separados, e pela mesma razão,
ainda que ele não o diga nesse Capítulo XII com todas as letras que a
situação estava a exigir - se “a roupa pode ser cortada e pode não ser
cortada” - esses enunciados contraditórios, ou enunciados-braço,
como dizia agora, cuja existência se dá no interior da modalidade do
“possível”, também não podem ser separados.
E esse fato que não percebeu Lukasiewicz,100 e tal fato torna a
representação do lógico polonês da lógica modal das proposições em
Aristóteles equivocada, além de conduzi-lo a falsos paralogismos.
O equívoco é de fundamento, pois aquilo que em aparência são
duas proposições não passa de dois enunciados-braço, os quais não
podem ter vida simplesmente individual, estando ambos vinculados
à batuta de uma mesma modalidade.
100. O descaminho de Lukasiewicz se deve basicamente ao fato de ele desconsiderar uma
equivalência fundamental que subjaz à lógica das modalidades no Estagirita: L (p ou
~p) equivale a M (p e ~p). Evidentemente, essa equivalência é válida para os chamados
futuros contingentes. (Vide Capítulo VI de La syllogistique d ’A ristote.)
16z
D a Interpretação
Mutatis mutandis, o que se aplica ao “é possível ser” se aplica
ao “é admissível ser”. Esse é o simétrico (antistrófico) do “é possível
ser”. A propósito, vide 22a 15 (início do Capítulo XIII). Aristóteles
assume que essa modalidade tem o mesmo comportamento da pos­
sibilidade. Trata-se de uma equivalência que organiza conceitos dife­
rentes. Aristóteles supõe que uma coisa é a organização do mundo,
a sua estrutura e suas relações internas; a outra, a organização da
linguagem que explicita o mundo, que produz a imagem desse. Ele
parece acreditar, se a hipótese aqui é a correta, que entre esses dois
conceitos modais - possibilidade e admissibilidade - em que um
deles é categoria do mundo, a possibilidade, e o outro é uma catego­
ria mental, a admissibilidade, existe uma correlação forte, e, quando
a segunda categoria é corretamente exercitada, pode-se falar na
equivalência entre as duas. Enfim, a possibilidade exprime o possível
real, que é inerente à coisa; a admissibilidade, o possível na leitura do
homem, a partir do uso de suas categorias internas.
E, se as coisas se passam conforme se dizia no parágrafo ante­
rior, a negação, tendo sido posicionada entre as paredes da modali­
dade que o “é admissível” expressa, também não pode produzir dis­
tinções preposicionais, mas apenas produz com a afirmação irmã
uma mesma proposição onde o modo organiza em uma mesma tota­
lidade indivisível os dois enunciados-braço.
Aristóteles está convencido, nesse momento (22a 3), de que
se tem aqui uma lógica geral da negação para as modalidades:
possível, admissível, impossível e necessário. Todavia, há aqui um
equívoco que nos parece detectável, se se examinam as nuanças de
comportamento de modalidades como o impossível e o necessário:
1) “É necessário que p”;
2) “É necessário que ~p”.
Nesse caso, as duas ocorrências - (1) e (2) - constituem propo­
sições distintas e incompatíveis, diferentemente dos enunciados-
z6j
Aristóteles
-braço: 3) “é possível que p ” e 4) “é possível que ~p”. Sendo que
estes dois últimos enunciados apenas explicitam, de fato, uma única
proposição, e somente uma:
“É possível que p e que ~p" Por outro lado, “não é necessário
que p ” parece traduzir bem “é possível que p ” e, portanto, deve ter
como enunciado complementar “é possível que ~p”. Disso se chega a
que “não é necessário ser p ” é o mesmo que “é possível ser p e ser ~p”.
Em relação ao impossível, poder-se-ia identificar comportamento
similar ao da necessidade. Desse modo, “é impossível ser p ” poderia
ser transcrito na modalidade da necessidade como sendo “é neces­
sário ser ~p”. Por sua vez, a negação do “impossível” é o que “não é
impossível”, a qual poderia ser transcrita como: “é possível que p e
que ~p”.
A negação proposicional e a relação entre as modalidades
Aqui se poderia dizer sucintamente sobre tais modalidades,
assumindo como negação forte a incompatibilidade de coexistência
dos modos, as seguintes variantes:
1) O im p ossív el ser p não é o possível ser p e não ser p;
2) O im p ossív el ser ~p não é o possível ser p e não ser não p\
3) O im possível ser p não é o n ecessário ser p;
4) O possível ser p e ~p não é o n ecessário ser p;
5) O possível ser p e ~p não é o n ecessário não ser p.
Tomando como ponto de partida o “necessário”, poder-se-ia
dizer:
1) O n ecessário ser p não é o n ecessário não ser p;
2) O n ecessário ser p não é o im p o ssív el ser p;
3) O n ecessário ser p não é o é possível ser p e ~p;
4) O n ecessário não ser p não é o possível ser p e ~p.
D a Interpretação
Um bom exercício analítico seria detalhar com precisão os sen­
tidos que se podem emprestar à partícula negativa (não), quando ela
se cola ao modo da necessidade frente a cada um dos outros modos.
Há aqui duas vertentes. Na primeira, considera-se o não necessário
ser p como equivalente ao impossível ser p. Na outra, considera-se o
não necessário ser p como equivalente ao é possível ser p e ~p.
A s nuanças do movimento do coro
Se se admitir para o “é admissível” o mesmo comporta­
mento do “é possível”, hipótese que o próprio Aristóteles coloca em
22a 15-16,101 início do próximo capítulo, a relação da modalidade
“admissível” com as demais modalidades, isto é, o “impossível” e o
“necessário” é a mesma que essas estabelecem com o “é possível”. Na
passagem do próximo capítulo agora referida, Aristóteles usa o adje­
tivo “antistrófico” para se referir à modalidade do “admissível” por
referência à modalidade do “possível”. Esse termo - òamcrcpo(|>oç aparecerá para definir a retórica em face da dialética na Retórica. Ele
é herdado da tradição musical e teatral grega, em que o coro canta a
“estrofe” e retorna para cantar a antístrofe, que é a parte correspon­
dente à estrofe, respondendo simetricamente à estrofe, para se usar
o vocábulo - simétrico - da química. O coro devolve, desse modo,
com o seu canto a matéria que diz respeito à estrofe.102 O termo
quer, assim, sugerir que o possível e o admissível estão no mesmo
plano, na mesma posição hierárquica, sendo correlativos, mas que o
segundo responde ao que o primeiro termo colocara. Disso, a hipó­
tese que aqui levanto de, embora se vincularem à mesma posição
hierárquica (por estarem no mesmo plano), um dos termos, o estrófico, o possível, vem primeiramente, isto é, dá conta da possibilidade
enquanto instância inscrita no real; já o outro termo, o antistrófico,
101. “[...] de ‘é possível isso ser’ segue, com efeito, e admissível isso ser’ (e esta [proposição] é
simétrica daquela)
102. Bailly, 2000, p. 187.
/ 6j
Aristóteles
o simétrico, o que segue o primeiro, dá conta da possibilidade como
inscrita na subjetividade, isto é, aquilo que nos parece ser possível, o
reflexo da possibilidade em nós. Trata-se, enfim, da distinção entre o
que é de fato possível (pois a possibilidade não é senão uma catego­
ria da realidade) e o que admitimos (ενδεχόμενον) como possível,
o que assumimos como possível e que, enquanto o assumimos, não
é categoria da realidade. Enfim, esses termos se referem a matérias
simétricas, postas em mesmo plano, mas distribuídas entre as duas
ordens, a da realidade e a do pensamento.103 Essa compreensão
do admissível parece-me a que se encaixa melhor ao texto nesse
momento. Considero equivocado tentar atribuir para as ocorrên­
cias desse termo no Da Interpretação significados que se articulam
a ocorrências em obras que são posteriores ao tratado aqui exami­
nado.104 Pela sua própria concepção, os termos no Da Interpretação
devem ser compreendidos em seu próprio contexto. E esse coloca no
Da Interpretação, expressamente, em um mesmo plano o admissí­
vel e o possível. A lógica de Aristóteles não pode ser vista como um
disco onde todos os conceitos foram inscritos simultaneamente e em
que os livros apenas transcrevem uma matéria que já nasceu pronta,
mas precisa de várias obras para ser apresentada.
103. Althusser (1999, p.34), em sua explicação do nascimento da Filosofia, colocará essa disci­
plina entre dois fogos cuja conjunção é seminal: a realidade social (a existência de classes
sociais) e o pensamento conformado em uma ciência, como a matemática dos gregos. De
um lado, determinado fato social, e, de outro, determinado discurso e prática racional.
Aristóteles, em suas Categorias (2005), não faz senão responder à questão: como é pos­
sível uma ordem de linguagem que possa descrever a ordem das coisas de um ponto de
vista lógico e racional? A chave desse enigma é a sua tábua de categorias e a possibili­
dade da proposição sobre o real que ela encerra (Categorias, 2005: nossos comentários
introdutórios nos capítulos I, II e III) contra Platão, para quem a ordem das coisas seria
inacessível. A esse propósito, a originalidade de Kant se traduz em sua fundação da ter­
ceira via: coisa em si, fenômeno e pensamento, com o último tendo a possibilidade de
alcançar, de alguma forma, o penúltimo e nada mais.
104. Lukasiewicz (1972, p. 163), embora tente preservar a especificidade da ocorrência do ad­
missível no Da Interpretação, chega à conclusão de que o sentido do possível (δυνατόν)
e do admissível (ένδεχόμενον) é o mesmo nessa obra. Trata-se de um raciocínio no mí­
nimo paralógico, afinal como pode se admitir que um alfabeto (e um alfabeto criado por
Aristóteles!) em sua primeira apresentação apresente letras com idêntico valor?
166
D a Interpretação
Na sequência do capítulo, Aristóteles insiste na negação
geral das modalidades como externa a essas e se centra no caso da
“necessidade”:
“E de maneira semelhante, a negação de e necessário isso
ser não é e necessário isso não ser’, mas não é necessário isso ser’.”
Como aqui já se tinha notado, há uma nuança nessa modalidade
que não se encontra na modalidade do possível. Se “é necessário
isso ser” e “não é necessário isso ser” não podem coexistir, pois tais
enunciados se excluem mutuamente, também não podem coexistir “é
necessário isso ser” e “é necessário isso não ser”. Acresce que se o par
de contraditórias, formado pelos últimos enunciados, ocorre, de fato,
ele é um par de enunciados contraditórios no interior das paredes de
uma mesma modalidade. Esse não é o caso da negação geral aplicada
ao “necessário” por Aristóteles, pois o “não é necessário isso ser” é na
verdade a modalidade do possível escrita no modo da necessidade,
não dizendo senão que “é possível isso ser e não ser”. Evidentemente,
como dizia na seção intitulada “A negação proposicional e a relação
entre as modalidades”, há margem, para, dentro do horizonte de
Aristóteles, pensar variações de sentido do não que se cola ao ne­
cessário. Mutatis mutandis, vale aplicar aqui as mesmas conclusões no
que toca ao “é impossível ser”. Aristóteles, todavia, nessas passagens,
insiste mais na negação do modo, na tentativa de captar uma lógica
universal das modalidades, não se detendo na especificidade do uso
interno da partícula negativa, isto é, na especificidade do uso da
partícula negativa no interior das paredes das modalidades do “é
necessário” e do “é impossível”, cujas consequências, até onde se pode
notar, não são nada desprezíveis. Com efeito, no interior destes dois
últimos modos a negação interna ao modo e a afirmação constituem
proposições distintas e incompatíveis. Uma alternativa há, porém,
de construir uma proposição organizada por enunciados-braço,
mas esse caminho que guarda muitas possibilidades, foi apenas
mencionado pelo Estagirita en passant em suas digressões no Capítulo
IX, e, exatamente, ao tratar da abertura do futuro e de sua transcrição
z67
Aristóteles
em linguagem da necessidade. Ele mostra aí, em passagem meio
camuflada no interior do argumento, que a necessidade, ao menos
ela, pode expressar a mesma matéria da possibilidade, se se conecta
o functor da modalidade “é necessário” ao conectivo “ou”, de tal sorte
que temos a seguinte equivalência:
M (p e ~p) equivalente a L (p ou ~p),105 onde a distribuição em
Mp e M ~p e Lp e L~p não é admitida.
O final do Capítulo XII confirma o projeto do Estagirita de
encontrar uma lógica da formação das proposições modais e usar
a gramática para definir os termos da lógica, de tal modo que os
sujeitos (TÒcmoKEipeva) - o “isso ser” e o “isso não ser” - deverão se
articular às expressões “é possível e não é possível” (ou “é necessário
e não é necessário”) para produzir afirmação e negação. A lista de
oposições que encerra esse capítulo (posto que deixe escapar as
nuanças na contradição de um modo como a necessidade, onde “o
necessário ser isso” e “o necessário não ser isso” expressam proposições
incompatíveis) alcança o propósito maior de Aristóteles, o qual não
é senão encontrar um comportamento geral das modalidades (como
a oposição representada pela negação do modo e pela afirmação
do modo) que lhe permita enfeixá-las em um mesmo grupo como
categorias modais da lógica. Não fosse esse comportamento geral
não faria talvez sentido falar em modalidades.
A listagem na sua última oposição apresentada traz-nos uma
surpresa que merece reflexão: as expressões “é verdadeiro’ e “não é
verdadeiro” fecham o Capítulo XII, pondo ponto final à lista das
oposições modais. Deveríamos, portanto, também considerar a
verdade como uma modalidade? Ou se trata de uma mera agregação
episódica ao trecho analisado?
105. “Digo, por exemplo, que, necessariamente, acontecerá uma batalha naval amanhã ou não
acontecerá; em verdade, nem acontecerá necessariamente a batalha naval amanhã, nem
necessariamente não acontecerá” (19a 29-33).
t 68
D a Interpretação
O Capítulo X I I I
Já se disse que o Capítulo IX é um dos mais difíceis da
filosofia de Aristóteles e mesmo da Filosofia em geral, e parece ser o
grau de dificuldade em compreendê-lo diretamente proporcional à
capacidade seminal de seu texto. O Capítulo XIII, pode-se dizer, não
é menos pesado que o IX e sua análise pode ser bastante fecunda.
Comecemos por notar que o par potência e ato, que já fizera sua
estreia no Capítulo IX, aparece com os contornos mais definidos no
último parágrafo do Capítulo XIII.
É evidente a respeito das coisas já ditas, que o que necessariam ente
é é em ato, por conseguinte se as coisas eternas são anteriores, o ato é
an terio r à p o tên cia. U m as coisas são em ato sem p o tên cia, p o r e x e m ­
plo, as substân cias p rim eiras; outras com p o tên cia, as quais são an te­
rio res pela n atu reza e p o sterio res pelo tem p o; há aind a aquelas que
ja m a is são em ato, m as são apenas p o tên cias. (2 3 a 2 0 -2 5 )
Poderá parecer ao leitor estranho que se inicie o comentário
a esse capítulo desde o seu último parágrafo, mas essa é, ao ver deste
comentarista, a via que nos poupa de muitas discussões, posto que
essas não sejam inúteis. Pelo tema, a aparição do par potência e ato é
mais do que justificável como desdobramento da discussão do modo
do possível. Essa aparição vai ser muito importante como resposta
às necessidades de fundamentação da substância, a qual recebe o seu
perfil acabado nos livros da Metafísica.
Esse último parágrafo pode ser visto também como gancho
entre a teoria categorial, exposta no tratado Categorias, e na Meta­
física, de um lado, e o Da Interpretação, de outro. A referência às
substâncias primeiras supõe, evidentemente, o tratado Categorias.
A questão que remanesce, porém, é se se trata de texto redigido na
sequência do tratado das Categorias, ou se se trata de interpolação
posterior. A referência às coisas eternas e à natureza da substância
parece guardar relação com a passagem 1069a 30-1069b 2:
Aristóteles
São três as substâncias. U m a é sensível, que é, p o r um lado, eterna, por
outro corruptível. E sta é ad m itid a p o r todos, p o r exem plo as plantas
e os anim ais. A segunda é a eterna, sobre os elem en tos dela deve-se
in q u irir-se é u m ou se são vários. A terceira é im óvel, e dela dizem
alguns que é separável; e uns a dividem em duas, aind a que outros
as p o n h am em u m a m esm a natureza: a esp écie e as coisas m atem á­
ticas. A s p rim eiras p e rten cem ao d om ín io da F ísica (pois im p ortam
m o v im en to ); m as a terceira corresp on d e a ou tra ciên cia, se não há
n en h u m p rin cíp io co m u m a todas elas.
Ούσίοα δέ τρεις, μία μέν αισθητή - ής ή μέν άΐδιος ή δέ
φθαρτή, ήν πάντες, όμολογοΰσιν, οΐον τά φυτά καί τά ζωα[ή
δ’ άΐδιος] - ής άνάγκη τά στοιχεία λαβεΐν, είτε εν είτε πολλά
άλλη δέ άκινητός, καί ταύτην φασί τινες είναι χωριστήν, οί
μέν εις δύο διαιροΰντες, οί δέ εις μίαν φύσιν τιθέντες τά εί
δη και τά μαθηματικά, οί δέ τά μαθηματικά μόνον τούτων,
έκεΐναι μέν δη φυσικής [μετά κινήσεως γάρ], αύτη δέ έτέρας,
εί μηδεμία αύτοΐς άρχή κοινή.
Para além desses aspectos, o último parágrafo do Capítulo
XIII é muito importante ao afirmar que há coisas, estados ou o que
lhes possa equivaler que jamais são em ato, mas apenas permanecem
na condição de potência, isto é, há possíveis que jamais se realizarão,
que jamais passarão à condição de ato. Todavia, Hintika sustentará
que, na Metafísica, Aristóteles defenderá o princípio da plenitude,
isto é, a assumpção de que toda possibilidade é realizada em algum
momento futuro.106
No penúltimo parágrafo, Aristóteles chama a atenção para o
necessário e o não necessário como princípios de todas as coisas.
O necessário como definição positiva vem naturalmente antes, pois,
a partir dele, chega-se ao não necessário. O próprio Aristóteles nos
106. Hintika, 1973, p.199, observará que na Metafísica, livro VIII, 4, Aristóteles defenderá o
princípio da plenitude, segundo o qual se assume que todo o possível se realizará mais
cedo ou mais tarde. Parece-me, todavia, que essa posição de nenhum modo fica explícita
na leitura do livro VIII, onde Aristóteles se mantém cauteloso a respeito da questão: “Há
uma dificuldade [em saber] como a matéria de cada coisa se relaciona com os contrários”
(1045a 30).
iyo
D a Interpretação
lembra que é preciso observar como o restante das coisas deles se
segue. Essa observação deve posicionar essa modalidade - a necessi­
dade - anterior, portanto, à possibilidade, a qual tem suas várias apa­
rições e metamorfoses, e o trecho, ainda próximo do final do Capítulo
XIII, nos esclarece, que o possível não se diz de maneira absoluta,
remetendo-nos para as várias aparições desse modo e dizendo que
ele não se confunde com a necessidade, sem mais, essa, sim, podendo
fazer suas aparições absolutas. Aliás, esse trecho - “[...] o é possível
não se diz de maneira absoluta” - é traduzido por Ackrill por “For the
capable is spoken in more than one way”, que longe de ser uma tra­
dução literal, é mais uma livre explicação que apresenta o trecho ime­
diatamente na sequência. De toda forma, é uma maneira de assumir as
diferentes nuanças que o possível expressa em Aristóteles. E vale regis­
trar que Aristóteles usa aqui um de seus procedimentos que se tor­
narão usuais na Metafísica: a distinção dos significados do conceito.
Uma das importantes assumpções é a de que o presente
envolve o possível e o necessário. Afinal, se alguma coisa é, então ela
é necessária. O presente, ao ser agora, supõe também o possível “[...]
é possível ser aquele que já é em ato”. A concepção de possibilidade
normalmente atribuída a Diodoro Cronos aparece aqui sob contornos
muito especiais. A ideia de que o possível é o que é verdadeiro ou
que em algum momento será, aparece aqui exatamente como o
que é agora verdadeiro e que, por isso mesmo, é possível. O que
caminha, se caminha agora, necessariamente caminha e, portanto, é
possível ele agora caminhar. Excetuada essa hipótese, boa parte dos
paralogismos a que se chega nesse Capítulo XIII se deve exatamente
à separação dos braços proposicionais a que nos referíamos no
Capítulo IX. Por sua vez, a articulação desses braços proposicionais
parece, no entanto, bem clara no trecho que ora aqui se transcreve:
P orém , n e m a p ro p o sição “é n ecessário isso ser” n em a p ro p o sição
“é n ecessário isso não ser” seguem de “é possível isso ser”. A essa
proposição am bas aquelas duas se adm ite sucederem , m as, se
qualquer u m a das duas fosse verdadeira, a outra não p o d eria m ais
ly i
Aristóteles
ser verdadeira. Sim ultaneam en te, com efeito, é possível isso ser e não
ser. E se é necessário isso ser ou não ser, não é possível que am bas as
p rop o siçõ es sejam . (2 2 a 1 5 -2 2 )
Enfim, em meio à nuvem argumentativa, esse texto aponta
claramente para a unidade da proposição de enunciados-braço, a
grande invenção do fatalista, em sua experiência verdadeiramente
gnoseogônica, a despeito de todos os problemas apontados no famoso
Capítulo IX do Da Interpretação. O absurdo, ao se tratar da abertura do
futuro, sucede exatamente pelo tratamento preposicional daquilo que
é, no máximo, apenas um dos enunciados-braço de uma proposição
que tem dois enunciados-braço.
A abertura do capítulo coloca em mesma posição o “é admis­
sível ser” e o “é possível ser” e essas estruturas proposicionais,
segundo Aristóteles, seguem também de “não é impossível isso ser” e
de “não é necessário isso ser”. Para além do fato de a abertura postular
a equivalência do admissível com o possível, e mais do que isso (vide
comentários ao capítulo anterior), ela os posiciona frente à frente de
tal sorte que um deles é a expressão da possibilidade real e o outro,
a expressão da possibilidade subjetiva. A equivalência, obsessão da
lógica de Aristóteles, põe em relação de igualdade noções que são
distintas, mas redutíveis no limite uma à outra. No quadro que
oferece (22a 25-31), Aristóteles procura preservar o caráter mais
geral da negação das modalidades e as fórmulas incompletas que
apresenta, aquilo que chamávamos de enunciado-braço, produzem
os paralogismos ao se substituírem proposições, essas, compostas
de dois enunciados-braço. O quiproquó se estabelece na negação de
um modo, por exemplo, como a necessidade. Ao se aplicar a “é
necessário isso não ser” a negação, obtém-se, no quadro apresentado,
“não é necessário isso não ser”. Sucede que o primeiro enunciado
é uma proposição completa, enquanto o segundo não é senão um
enunciado-braço de uma proposição que tem dois enunciados-braço: “não é necessário isso não ser e isso ser”.
iy z
Da Interpretação
Ackrill107 sustenta que, para tornar claro a tábua de con­
traditórias do início do capítulo (22a 24-32), se deve recorrer
à distinção dos sentidos presente nos Primeiros analíticos (25a
37-40, 32a 18-21). Aí o possível aparece ora como equivalente a
não impossível e necessário, ora como equivalente a não impossível e
não necessário. Essa é também a senda eleita de Lukasiewicz108 e de
Whitaker.109
Enfrentemos essas duas variantes que foram certificadas pelos
Primeiros analíticos e pelos comentadores contemporâneos agora
citados.
Variantes: 1) possível como não impossível e necessário; 2)
possível como a intercessão do não impossível e não necessário.
Examinemos, analiticamente, a primeira variante.
Aqui temos os seguintes desdobramentos do não impossí­
vel: 1-a) possível e necessário (necessidade hipotética); 1-b) possí­
vel e necessário (necessidade absoluta). O primeiro desdobramento
deve ser clivado em possível e necessidade hipotética para o passado
(1-a-I) e possível e necessidade hipotética para o presente (1-a-II).
Se observarmos bem as teses explicitadas no Da Interpretação, vere­
mos que Aristóteles apenas dá suporte à necessidade hipotética do
presente como possível (23a 7-11): “Com efeito, o e possível’ não se
diz de maneira absoluta, mas é verdadeiro o que é em ato, o qual
se diz ser possível, e também o que seria em ato, por exemplo, é pos­
sível caminhar aquele que caminharia”. Em nenhum momento, sus­
tenta, no tratado em exame, o possível para a necessidade hipotética
concernente ao passado. O que seria, se bem refletimos, no mínimo
desconcertante. A descrição do passado apenas requer a necessidade
hipotética e o impossível (o que é necessário ser e o que é impossí­
vel não ser), não há razão para se recorrer aí a outra modalidade.
107. 1974, p. 151.
108. 1972, p.163.
1 0 9 . 2 0 0 2 , p. 1 6 2 .
2 73
Aristóteles
Bastam aqui L e ~M, pois é necessário ser p (Lp) deve equivaler a é
impossível ser ~p (~M~p).
Se se não admite a possibilidade para a necessidade hipotética
concernente ao passado, tampouco se poderia admiti-la no que con­
cerne à necessidade absoluta, pois essa encerra o que deve ser ver­
dadeiro no passado, no presente e no futuro, isto é, absolutamente.
A hipotenusa é a raiz quadrada da soma do quadrado dos catetos,
ontem, hoje e amanhã. Assim, tanto para a necessidade hipotética
do passado como para a absoluta só operam duas modalidades: a
impossibilidade e a necessidade.
A conclusão é que um possível que expressa o não impossível
plus o necessário, remete a três subconjuntos de necessidade, em
verdade, a três subconjuntos imiscíveis. Dois deles - referentes ao
passado e à necessidade absoluta -, Aristóteles implicitamente os
descarta; o que resta - a necessidade hipotética do presente - nos
lança em uma sorte de “possibilidade hipotética”, a qual nada agrega
em termos conceituais. Portanto, a possibilidade como expressão
apenas do que “não é impossível” e que pudesse, portanto, também
enfeixar o necessário (1-a; 1-a I: 1-a II e 1-b) é uma variante (ou
um conjunto de subvariantes) que leva a conceitos verdadeiramente
imiscíveis, formando apenas artificialmente um conjunto que tudo
reúne, mesmo o que, por sua natureza, não pode nem deve ser
reunido. Desse modo, até sem se discutir, e essa discussão seria
interessante, a pertinência da hipótese que considera como possível
a necessidade hipotética referente ao que é, ao presente, o possível
apenas como o não impossível mais o necessário é um conceito sem
consistência de sentido. E o Da Interpretação escapou, parece-me,
gloriosamente dessa armadilha, ao identificar tão somente a hipótese
do presente como o que é, simultaneamente, possível e necessário.
Feitas essas observações, resta a questão a que especificamente
Ackrill se propusera enfrentar: como ler o quadro de 22a 24-31?
A meu ver, essa formulação deve ser lida simplesmente como projeção
da moldura das modalidades e de suas respectivas negações. Os pro­
*74
D a Interpretação
blemas surgem precisamente quando a negação de uma modalidade
importa a passagem de um enunciado simples para um enunciado de
dois braços; ou de um enunciado que deveria ser de dois braços para
um enunciado de apenas um braço. Para ilustrar: de “é impossível isso
ser”(enunciado simples) para “não é impossível isso ser e isso não ser”.
Aristóteles é levado ao equívoco por não guardar a lição ma­
gistral do Capítulo IX. Esse fato talvez tenha acontecido pela repre­
sentação resumida das fórmulas modais e, provavelmente, revela que
a redação de capítulos como ο XIII é bem posterior à do Capítulo IX,
ou, se se preferir solução mais prudente, foram, no mínimo, compos­
tos em tempos bem distintos, com razoável interregno entre a com­
posição do Capítulo IX e os outros. Só esse expressivo interregno
pode explicar o esquecimento das fórmulas obtidas no Capítulo IX.
É claro, um seguidor de Maier sempre poderá dizer que o Capítulo
IX é de fato o último (a esse propósito, vide comentários ao Capí­
tulo XIV).
Outra questão que é digna de examinar nesse capítulo é a
acepção do verbo “seguir” (άκολουθέω- ώ) e do substantivo que lhe
corresponde “sequência” (άκολούθησις). O Estagirita procura fixar
um sentido que previna a ambiguidade em sua linguagem lógica. Ao
que parece “seguir” importa uma sequência lógica necessária: 22a
16-20 - “Por sua vez, de e possível isso não ser’ e de e admissível isso
não ser’ [segue]110 tanto não é necessário isso não ser’ quanto não é
impossível isso não ser’”.
Todavia, o verbo συμβαίνω [ocorrer, suceder] realiza o sen­
tido de sucessão na linha temporal (22b 25-20):
P orém , n em a p ro p o sição “é n ecessário isso ser” n em a p rop o sição
“é n ecessário isso não ser” seguem de “é possível isso ser”. A essa
p ro p osição am b as aquelas duas se ad m ite sucederem, m as se
110. Em verdade, Aristóteles usou o substantivo “inferência” ou “sequência, no sentido lógi­
co” (ctKoXou&ficriç) no início do parágrafo, de tal modo que ele se encontra elíptico no
trecho citado.
x15
Aristóteles
qu alq u er u m a das duas fosse verd ad eira, a o u tra não p o d eria m ais
ser v erdad eira.
Os paradoxos a que se chega em 22a 10-17, pelo menos em
relação ao tempo futuro, são todos tributários do abandono da
solução do Capítulo IX, onde “é necessário isso ser ou não ser” se
chega a “é possível isso ser e não ser”. O amputamento da fórmula
de dois braços leva inexoravelmente aos paradoxos descritos no
trecho agora examinado. Por outro lado, considerar como possível
o presente necessário, de tal sorte que tenhamos “é necessário isso
ser”, “é impossível isso não ser” e “é possível isso ser”, solução que
Aristóteles sustenta em 23a 5-16, esvazia a fórmula “é possível isso
ser”, e ela não passa aqui de um sinônimo do “é necessário isso ser”
que nada agrega à descrição do fato. Aristóteles assume, a essa altura,
a fórmula “é possível isso ser”, por uma razão lógica, pois cairia (22a
1-17), segundo ele, no “é impossível isso ser”, se não acolhesse o
contrário desse. Todavia, ele bem poderia evitar o paradoxo, no caso
do tempo presente, também escapando a um e a outro, assumindo
apenas como suficientes logicamente aqui o “é necessário isso ser” e
“é impossível isso não ser”, banindo simultaneamente o “é possível
isso ser” e o “é impossível isso ser”.
O Capítulo X I V
O último capítulo explora a contrariedade das proposições e
sua relação com o que se produziu na alma, com o ato de julgar.
Trata-se de precisar a matéria da contrariedade das proposições.
Nesse Capítulo XIV, indaga-se de forma provocativa:
Q uais das duas são co n trárias? A afirm ação à n eg ação ? A afirm ação
à afirm ação ? A p ro p o sição “to d o h o m em é ju sto ” será c o n trária à
p ro p o sição “n en h u m h o m em é ju sto ”, ou à pro p o sição “to d o h o m em é
injusto”? P or exem plo, “Cálias é ju sto ” // “Cálias não é ju sto ” // “Cálias
é in ju sto ” - quais dessas duas p ro p o siçõ es são con trárias? Se, com
1 76
D a Interpretação
efeito, os son s falados seguem o que está n a m en te, e nessa é con trário
o ju ízo que tem algu m a coisa de con trário, p o r exem plo, “to d o h o m em
é ju sto ” é co n trá rio a “to d o h o m em é in ju sto ”, tam b é m nas afirm a­
ções co m sons falados deve aco n te ce r o m esm o . P orém , se ali [isto é,
lá n a m en te] n ão é c o n trá rio o ju íz o que tem algu m a co isa de c o n trá ­
rio, não será co n trá ria a afirm ação à afirm ação, m as será a n egação
já dita. P or con seg u in te, é n ecessário e x am in ar qual ju íz o v erd a­
d eiro é co n trá rio ao ju íz o falso, qual dos d ois seguintes: o ju íz o da
negação ou o ju íz o que susten ta ser o con trário . Eu qu ero dizer o
que se segue. É v erdad eiro um ju íz o que diz do b o m que é b o m ; um
outro, falso, diz que não é b o m ; e há, d istin to dos anteriores, o ju íz o
que diz ser o que é b o m m au. Q ual desses é co n trário ao verdadeiro?
E se um deles existe, em relação a qual dos ou tros dois é con trário ?
Enfim, destaca-se a relação umbilical entre o pensamento
e as formas proposicionais. A proposição revela pensamentos, e
pensamentos contrários parecem às vezes escapar do par “afirmação
e negação”, ainda que esse par seja tão importante para expressar a
contraditoriedade, como se mostrou no Capítulo VII. O importante
é que as proposições podem expressar pensamentos contrários, e é a
matéria do pensamento (enquanto juízos) que é decisiva aqui. Duas
afirmações podem ser contrárias, se expressam juízos contrários.
A palavra δόξα traduz-se por “juízo”. Ela expressa o resultado do
pensamento em determinada direção, a opinião, portanto ele ressalta
a natureza provisória da intervenção humana e a própria intervenção
humana com atividade criadora de juízos na mente.
Se, com efeito, os sons falados seguem o que está na m ente, e nessa é
con trário o ju ízo que tem algum a coisa de con trário, p o r exem plo, “to ­
do hom em é ju sto ” é con trário a “tod o h o m em é injusto”, tam b ém nas
afirm ações com os sons falados deve acon tecer o m esm o. (23a 3 0 -3 5 )
Esses elementos já estão presentes na abertura do tratado.
A afirmação e a negação garantem sempre alguma contrariedade
(23a 35-40). A relação dessa oposição fundamental com a verdade e
1 77
Aristóteles
a falsidade aparece nesse capítulo de modo frouxo, se se considera o
já posto anteriormente no Capítulo VII.
Esse último capítulo não responde a nenhuma exigência
do desenvolvimento de temas do livro. As hipóteses de notas de
aulas assentadas por um aluno, ou mesmo de um capítulo escrito,
aristotelicamente, por Teofrasto avultam aqui. Afinal, um tratado, até
para guardar sua necessária coerência não precisaria retomar, dessa
forma, temas anteriormente postos (capítulos I e VII, sobretudo).
A propósito do estilo, sente-se mesmo a perda da árida e eficaz
condensação da escrita do Estagirita no desenvolvimento desse
último capítulo. E isso se dá em favor da preleção mais suave para
o auditório.
Ackrill111 percebe, ao seu modo, que o Capítulo XIV não faz
parte do Da Interpretação. Ele elege, assim, a terceira-via: “There
is no reason to doubt the aristotelian authorship of this chapter,
but it seems unlikely that it was originarlly written as part of De
Interpretatione.”
O comentador inglês conclui que o capítulo não pertence com
certeza ao Da Interpretação, mesmo concedendo que o seu autor seria o
Estagirita. Com isso, ele não faz senão reproduzir com menos detalhes
a tese de Maier.112 Esse, com efeito, sustentou que o Capítulo XIV seria
anterior ao tronco fundamental do Da Interpretação, e o Capítulo IX,
posterior. Ackrill observa ainda que a contrariedade entre a afirmação
e a negação presente neste Capítulo XIV derrogaria a distinção entre
contrariedade e contraditoriedade, posta no Capítulo VII. Ora, vale
aqui salientar que o Capítulo VII é bem técnico na definição da
contrariedade e as suas hipóteses são a de uma proposição universal
com uma particular (“todo homem é branco” // “algum homem não
é branco”), ou a de duas proposições singulares, como “Sócrates é
D a Interpretação
branco“ e “Sócrates não é branco”. A simples ausência do critério aqui
me parece mais um indício de que a atribuição do Capítulo XIV a
Aristóteles não se sustenta. A contraditoriedade é um elemento
universal para a determinação do falso e do verdadeiro aos membros
do par de proposições, coisa que já está praticamente definida, ainda
que não nomeada, nas Categorias (vide 13b 12-35). Esse trecho das
Categorias se fecha com a seguinte frase: “Por conseguinte, o sempre
ser um ou outro dos discursos verdadeiro ou falso seria próprio somente
dos quantos que se opõem como afirmação e negação” Desse modo,
nada justificaria o tropeço, ou o esquecimento de uma regra técnica
essencial da parte de Aristóteles nesse Capítulo XIV, sobretudo se
se considera a memória extraordinária dos gregos homéricos ou
clássicos. Essa regra (LPC), (vide Capítulo VII), diga-se, é essencial
na construção da lógica aristótelica e mesmo fundante na construção
do Da Interpretação.
Entre os nossos contemporâneos, Whitaker,113 por sua vez,
anota que esse Capítulo XIV traz um novo tratamento do par con­
traditório, mas não vê inconsistência entre esse novo tratamento e o
desenvolvimento precedente do livro.
A definição da contrariedade no Capítulo XIV, no que pode
ser visto como uma novidade nesse “Capítulo”, inclui a contradito­
riedade, ainda que reserve a essa a posição extrema ou dos extremos
contrários. Do ponto de vista operacional, porém, nada se ganha
com essa inclusão. Mesmo que se possa ontologicamente situar a
contraditoriedade entre os contrários, os seus efeitos são tão fortes e
tão técnicos, que se poderia dizer que sua inclusão nesse grupo mais
confunde que esclarece. O tratamento do par contraditório como
uma oposição lógica essencial é, sem dúvida, a espinha do tratado
Da Interpretação.
Tecnicamente, parece-me que o interesse desse capítulo reside
na dedução da possibilidade lógica do engano ou erro, a partir da
113. 2002, p. 171 e seguintes (Capítulo XIV: Contrary Beliefs).
iy
9
A ristóteles
relação entre o juízo, proposição e valor de verdade. O conceito
de juízo (δόξα) é que permite o erro. Quando se consideram só
as proposições, onde essas são falsas ou verdadeiras, a ideia de
engano ou erro parece não fazer sentido. O erro aparece quando se
atribui a uma proposição um valor de verdade que não corresponde
à situação ontológica que se lhe vincula, ou, dito de outro modo,
quando se atribui a uma situação ontológica uma proposição que
não lhe corresponde. O erro ou o engano são, portanto, vinculados
ao juízo, a um estado da mente e ao ato que essa veicula:
P ortan to, dizer n ão ser b o m o que é b o m é ju íz o falso a p ro p ó sito
do que su bsiste p o r si m e sm o [no que é b o m ]. P or o u tro lado, o
ju ízo que diz do que é b o m ser m au é ju ízo falso a p rop ósito do
que subsiste p o r acid ente [no que é b o m ], de m o d o que m ais seria
falso o ju íz o co m a n eg ação do que é b o m do que o ju íz o co m o seu
co n trário . (2 3 a 15 -2 0 )
O ato da mente que vincula determinada proposição a
uma situação ontológica, ou, simplesmente, que lhe atribui um
determinado valor de verdade, é o juízo. Assim, por sua própria
natureza, o juízo encerra a possibilidade do engano. A esse propósito,
vale ler o trecho seguinte (23b 30-32): Ό que crê que o homem não
é homem se engana.” Para descrever, analiticamente, esse trecho,
poderíamos escrever:
1) Proposição: “o homem não é homem” (falsa).
2) Juízo (opinião): “eu creio que o homem não é homem”.
O reconhecimento (eu creio, o ato da mente etc.) de uma proposição
falsa como verdadeira consiste, precisamente, no engano. Esse reco­
nhecimento é juízo e não, simplesmente, proposição.
Sem dúvida, a relação dos contrários ou do par contraditório
com a produção de juízos é aqui de maior interesse. Por outro lado,
tal como opomos proposições, podemos também opor juízos. E se
o modelo de linguagem lógica de Aristóteles é essencialmente um
modelo da linguagem comum, a utilidade desses artifícios lógicos
D a Interpretação
está mais que justificada. Essa é a lição do “Capítulo XIV” (aspas).
Aliás, basta ler o seu último parágrafo para perceber o valor que a
tradição aristotélica, ab ovo ou quase, emprestara à diferença entre
juízo e proposição.114
114. Pode parecer mera coincidência, mas vale observar que o famoso texto de Frege, “Über
Sinn und Bedeutung”, precisamente seu último parágrafo, é encerrado com distinção
semelhante, aqui entre pensamento e juízo. O juízo é definido como a passagem do pen­
samento para o seu valor de verdade “[...] wir, [...] unter ‘Urteil’, verstehen den Fortschritt
von Gedanken zu dessen Warhreitswerte [...]” (Frege, 2008, p.46). Enfim, quando eu
pretendo que meu pensamento seja verdadeiro ou falso, eu o transformo em um juízo.
Não será demais supor que Gottlob Frege escreveu o seu “Über Sinn und Bedeutung”
com um olho em seu próprio texto e o outro no Da Interpretação.
i8 i
Referências bibliográficas
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l8 j
índice onomástico
A
Baylis, 71
B ek ker, 6 7
A belard o, 66
B en m ak h lo u f, 53
A bel P en a, 50
B en v en iste, 81, 8 3 -4 , 86
A ck rill, 51, 5 4 -6 , 59, 6 1 , 6 7 , 77, 79,
B iese, 68
97, 171, 1 7 3 -4 , 178
B o ch e n sk i, 75
A lb erto , o G rand e, 66
B o e c io , 50, 6 5 -6 , 132
A lceb íad es, 85, 90, 98
B rehier, 135
A lexan d re de A fro d ísias, 73
A lexan d re M agno, 65
c
A l-F a rra b i, 53
C alias, 1 1 ,4 3 ,5 1 , 103, 155, 176
A lgazel, 66
C arn ead es, 135
A lthusser, 166
C icero , 135
A m m ô n io , 65, 132, 143
C o lli, 6 7
A n d rô n ico de R od es, 73
C o o k e, 55, 67
A n sco m b e , 69, 100
C ratilo , 5 0 - 1 ,8 2
A n tísten es, 5 3 -4 , 70
C risip o , 72, 111
A ristó teles, 5 0 -6 3 , 6 5 - 6 ,6 8 - 9 5 , 9 7 -
C rivelli, 80, 93
1 0 9 ,1 1 1 -2 4 , 1 2 6 -7 , 1 3 0 -4 3 ,
1 4 5 -5 6 , 1 5 8 -6 3 , 1 6 5 -7 6 ,
1 7 9 -8 0
D
D iebler, 53
A rru d a, 102
D io d o re, 72
A verróis, 53, 57, 5 9 -6 0 , 66
D io d o ro , 130, 13 8 -9 , 171
A vicena, 60, 66, 76
D io n isio , o T racio , 50
B
E
Bailly, 165
E p icu re, 5 0 , 7 1 ,8 2 , 9 2 , 111, 121,
B arn es, 71, 89
1 3 5 -6 , 140, 157
Aristóteles
E stag irita, 51, 54, 5 8 ,6 5 , 68, 7 3 -4 ,
L
78, 8 0 , 82, 8 7 -8 , 1 0 4 ,1 1 2 ,
114, 116, 1 2 3 - 4 ,1 2 6 ,1 3 8 - 9 ,
Le B lond , 1 2 6 -7
146, 1 5 1 ,1 5 6 ,1 5 8 ,1 6 1 - 2 ,
Lukasiew icz, 61, 7 2 -3 , 75, 1 2 7 ,1 3 3 ,
159, 1 6 2 ,1 6 6 , 173
1 6 7 -8 , 175, 178
Eugen R olfes, 6 7 -8
M
F
M adkour, 76
Frege, 7 8 -9 , 100, 1 4 2 ,1 5 6 -7 , 181
G
M aier, 74, 80, 175, 178
M an u el A lexan d re Jun ior, 50
M ário V ito rin o , 6 6
G assen d i, 73
M arx , 130
G olh k e, 72
M ig n u cci, 52
G raeser, 7 4
M in io -P alu e llo , 5 1 , 54, 6 4 , 67
H
H egel, 54, 57, 122, 130
H eráclito, 106, 117
H erm arco, 135
H erm óg en es, 82
H eród oto , 50, 83
H in tik a, 130, 138, 170
M o erb ek e, 50, 51, 54, 6 6 -7
N
N icô m aco , 59, 8 1 , 126
o
O fatalista, 1 2 5 -3 2 , 172
H om ero, 3 3 , 59, 156
I
Im ru ’u T Q a u s , 59
Isaac, 6 0 , 6 5 -6 , 74
P
P acius, 5 0 -1 , 54, 56, 59, 6 1 , 63, 67
P arm ên id es, 70, 103, 106
Paul G oh lk e, 72
J
Paulo A lb erto , 50
Jaeger, 114
Peirce, 56
Jo ão de Salisbury, 60
P latão, 51, 54, 58, 82, 92, 95, 9 7 -8 ,
Pavlov, 100, 128
103,
K
153, 166
K ant, 78, 1 1 8 -9 , 129, 166
P rior, 133
K arp enko, 1 2 7 ,1 3 2 -3
P ro tágo ras, 9 7
K neale, 5 1 ,8 7 , 134
P. T hillet, 76
tgo
106, 1 1 4 -5 , 121, 139,
D a Interpretação
Q
V
Q u in e , 6 4 , 76, 80, 94, 9 8 , 112
Vasiliev, 6 9 ,1 0 2 , 106, 117
V ives, 73
s
V u illem in , 72, 81, 111, 120, 135,
138, 140
São Jero n im o , 66
São P ed ro D am ião , 66
S ó crates, 13, 27, 31, 51, 5 3 -4 , 5 6 -7 ,
6 0 , 6 9 , 7 2 -3 , 7 8 , 8 0 , 86, 90,
9 5 - 8 ,1 0 1 , 1 0 3 -6 , 1 1 6 -7 , 121,
127, 13 6 -7 , 1 4 7 -9 ,1 5 2 - 4 ,
w
W aitz, 6 7 -8
W eid em an n , 67, 74, 97, 1 1 1-2
W eizsäcker, 8 4 -5 , 105
W h itak er, 57, 59 , 6 8 -9 , 97, 9 9 -1 0 2 ,
159, 1 7 8-9
104, 10 8 -9 , 113, 1 1 5 -6 , 120,
Steinacker, 101
1 2 3 ,1 2 7 ,1 3 7 ,1 4 6 - 7 ,1 7 3 ,1 7 9
T
X
T h e o d o rico , 6 5 -6
X an tip a, 69, 73, 11 6 -7
T h eo frasto , 64, 7 3 -4 , 79, 143, 178
z
T om ás de A quino, 6 6
Z an atta, 67
T rico t, 5 4 -6 , 58, 62, 6 7 , 9 6 -7
191
SOBRE O LIVRO
Formato: 14 x 21 cm
Mancha: 23 x 44 paicas
Tipologia: Minion Pro 10/14
Papel: Pólen Soft 80 g/m 2 (miolo)
Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)
1- edição: 2013
EQUIPE DE REALIZAÇÃO
Edição de texto
Huendel Viana (Preparação de original)
Marise Leal e Geisa Oliveira (Revisão)
Editoração eletrônica, capa e miolo
Eduardo Seiji Seki
Assistência editorial
Jennifer Rangel de França
GRÁFICA PAYM
Tel. (11) 4392-3344 · [email protected]
A sofisticação, profundidade e origina­
lidade radical deste opúsculo substanciam
documento inconteste da envergadura do
pensamento aristotélico.
A ristóteles (3 8 4 a.C-322 a.C), conhe­
cido como “o estagirita”, por ter nascido
em Estagira, na Grécia, pode ser conside­
rado, ao lado de Sócrates e Platão, um
dos sustentáculos de todo o pensamento
ocidental. Seus estudos envolveram, entre
outras áreas, a metafísica, a política, a re­
tórica, a lógica, a biologia e a estruturação
da poética.
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Da Interpretação