— junho 2014
QUALIDADE DO LEITE
Marcos Veiga dos Santos
Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia
Universidade de São Paulo
Coordenador do Qualileite-FMVZ-USP – Laboratório de Pesquisa em Qualidade do Leite
www.qualileite.org
Leite residual causa mastite?
A "ordenha incompleta" ocorre quando uma quantidade de leite acima do aceitável permanece no
úbere após o término da ordenha. Esse leite residual pode ser um fator de risco para mastite, quando
associado a outras práticas que alteram a fisiologia do animal e promovem alteração mais acentuada
na produção. Assim, a adoção de adequadas práticas de manejo de ordenha podem evitar o problema
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A
ntes da ordenha, o leite armazenado
dentro do úbere está distribuído em
dois compartimentos, sendo um deles
composto pelo leite contido nas cisternas
do úbere e dos tetos (leite cisternal) e o
outro pelo leite dentro dos alvéolos (leite
alveolar). Os estudos sobre a distribuição
do leite no úbere indicam que apenas cerca de 20% do leite total está contido nas
cisternas, enquanto que os 80% restantes
estão dentro dos alvéolos.
Fisiologicamente, estes dois compartimentos são ordenhados diferentemente.
Logo após a colocação do conjunto de
teteiras, ocorre a ordenha imediata da
fração de leite cisternal, enquanto que
o leite contido nos alvéolos não está
prontamente disponível para ordenha,
pois depende da ativação do reflexo de
ejeção do leite. Quando os tetos são estimulados pela mão do ordenhador ou
pela mamada do bezerro, são desencadeados impulsos nervosos que estimulam a
liberação de oxitocina produzida na hipófise para a corrente sanguínea. Quando
a ocitocina chega ao úbere, ocorre contração dos alvéolos mamários, forçando
a saída do leite alveolar, o qual torna-se
disponível para ordenha. Somente com o
reflexo da ejeção do leite ocorre a completa ordenha do leite alveolar.
O que é ordenha incompleta?
A "ordenha incompleta" ocorre quando
uma quantidade de leite acima do aceitável permanece no úbere após o término
da ordenha. Este volume de leite residual
pode ter duas origens: a) leite alveolar
(porção do leite que permanece dentro
dos alvéolos); b) leite cisternal (porção
do leite que permaneceu na cisterna da
glândula). Esta diferenciação da origem
do leite residual é bastante prática, pois o
leite cisternal não pode ser retirado pela
ordenha manual (repasse manual após a
ordenha) nem pela ordenha mecânica, a
não ser que seja administrada para o animal uma dose de oxitocina intramuscular.
Vários fatores influenciam a quantidade
de leite residual após a ordenha, como a
produção de leite, o estágio de lactação,
a idade, o estresse durante a ordenha, a
interação vaca-homem e o sistema de ordenha (manual ou mecânica). Em sistemas de produção com vacas zebuínas ou
mestiças, nos quais o bezerro permanece
com a vaca durante a ordenha para estimular a ejeção do leite, o esgotamento
do volume residual geralmente é feito
pela mamada do bezerro ao término da
ordenha. Já em vacas especializadas, uma
boa estimulação antes da ordenha permite uma ordenha completa do leite, o que
reduz o volume de leite residual.
Nas vacas especializadas, o leite residual
de origem das cisternas varia de 1 a 3 kg
por vaca e pode representar cerca de 1020% do total de leite no úbere. As principais causas de grandes quantidades de
leite residual nas cisternas estão geralmente associadas a uma rotina de ordenha inadequada, em especial quando as
vacas são submetidas a alguma situação
de estresse antes da ordenha (alta temperatura ambiente, bater nos animais,
desconforto na sala de ordenha). Desta
forma, uma das situações que resultam
em leite residual ocorre quando não é
feita uma boa rotina pré-ordenha, na qual
a vaca não tem boa estimulação para a
descida completa do leite.
Por outro lado, quando ocorre problema
de leite residual de origem das cisternas
após a ordenha, esse volume de leite
pode ser facilmente retirado por meio do
repasse da ordenha manual ou mecânica.
As principais situações nas quais ocorre
sobra de leite cisternal após a ordenha são:
• Quando as teteiras são retiradas antes
do término completo do fluxo de leite,
tanto pelo ordenhador, quanto por extratores automáticos de teteiras com
funcionamento inadequado,
• Quando há um bloqueio entre a cisterna da glândula e a cisterna do teto, em
algum dos quatro quartos do úbere durante a ordenha.
Geralmente, este tipo de bloqueio ou estrangulamento ocorre quando as teteiras
não se distribuem de forma balanceada
entre os quartos e uma das teteira se
desloca para a base do teto, o que causa
este tipo de bloqueio. Desta forma, as
principais causas da ordenha incompleta
UMA DICA!
Pode-se considerar que
existe o problema de
ordenha incompleta caso
mais de 20% dos quartos
tenham leite residual acima
de 100 ml por quarto.
Quando há uma grande diferença de leite disponível
entre os quartos, pode ser
indicativo de desbalanceamento das teteiras.
devido ao bloqueio da passagem do leite
entre as cisternas da glândula e do teto
são as seguintes:
• Condição inadequada da teteira;
• Distribuição irregular do conjunto de
ordenha entre os quartos, devido ao
comprimento das mangueiras curtas do
leite, ou quando estiverem torcidas ou
sem alinhamento adequado em relação
ao úbere;
• Alto nível de vácuo vácuo no sistema
de ordenha;
• Quando ocorre obstrução nas mangueiras curtas do leite, principalmente na conexão com o copo da teteira.
Como detectar o problema?
Considerando que sempre pode haver
algum leite residual na glândula mamária, pois a síntese de leite é um processo
contínuo, é importante determinar qual é
a quantidade de leite após a ordenha que
é considerada um problema. Como regra
geral, pode-se estabelecer as seguintes
recomendações:
• Considerando que o equipamento de ordenha e as teteiras estejam em condições
adequadas de funcionamento e que sejam
corretamente colocadas e retiradas na
ordenha, a quantidade de leite disponível para repasse manual após a ordenha deve ser menor que 250 g por vaca.
• Considera-se que o problema de ordenha
incompleta ocorre quando mais de 500g
de leite for extraído por repasse manual
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QUALIDADE DO LEITE
após o término da ordenha. Recomenda-se
que esta quantidade deve ser uma média
obtida pelo repasse manual de pelo menos
10 vacas, uma vez que o volume de leite
extraído pelo repasse manual é bastante
variável entre diferentes animais.
Para que o problema de ordenha incompleta seja corretamente identificado,
recomenda-se que após o término da
ordenha seja feito o repasse manual em
pelo menos 20 vacas ou 80 quartos.
Pode-se considerar que existe o problema de ordenha incompleta caso mais de
20% dos quartos tenham leite residual
acima de 100 ml por quarto. Quando há
uma grande diferença de leite disponível
entre os quartos, pode ser indicativo de
desbalanceamento das teteiras.
Há maior risco de mastite?
A maioria dos estudos antigos indicava
que uma pequena quantidade de leite residual poderia causar aumento do risco
de novos casos de mastite. No entanto,
os estudos recentes apontam que um
volume aceitável de leite residual no
úbere não aumenta a taxa de novas infecções do rebanho. Além disso, o uso
de massagem e repasse com a ordenhadeira (pressionar o conjunto de teteiras
para baixo), para retirar o leite do final da
ordenha, tem efeito de aumentar a taxa
de novas infecções. Quando é feita esta
pressão sobre o conjunto de ordenha no
final da ordenha para retirar o máximo
possível do leite disponível nas cisternas
pode ocorrer uma entrada brusca de ar
para dentro de um dos copos da teteira
e provocar o deslizamento das teteiras.
O aumento do deslizamento de teteiras
é um fator de risco para o aumento de
novas infecções intramamárias.
Um estudo brasileiro recente avaliou o
efeito da massagem manual do úbere ao
final da ordenha sobre a quantidade de leite residual e a incidência de mastite. Foram
utilizadas vacas Holandesas com produção média de 4.480 a 6.200kg/lactação,
ordenhadas duas vezes ao dia, nas quais
avaliou-se a produção de leite, quantidade
de leite residual e ocorrência de mastite
subclínica, em situações com massagem
e sem massagem manual do úbere. Para a
retirada do leite residual foi feita a aplicação de ocitocina intravenosa e o leite residual extraído por ordenha mecânica após
1 minuto da aplicação. Os resultados do
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O uso de massagem e repasse com a ordenhadeira (pressionar o conjunto de teteiras
para baixo) para retirar o leite do final da ordenha, tem efeito de aumentar a taxa de
novas infecções intramamárias
seguintes práticas de manejo:
estudo indicaram que não foi
�• Conduzir os animais até
observado efeito da massao local de ordenha de
gem manual do úbere na
ESTUDOS RECENTES
forma tranquila e calprodução das vacas e no
APONTAM QUE UM VOLUME
ma, sem agressões (o
leite residual. Da mesACEITÁVEL DE LEITE RESIDUAL
reflexo de ejeção do
ma forma, não houve
NO ÚBERE NÃO AUMENTA A TAXA
leite é mais eficiente
efeito significativo da
DE NOVAS INFECÇÕES DO
em vacas calmas);
massagem sobre a inciREBANHO
�• Boa pré-estimulação
dência de mastite.
dos tetos pelo uso do
O leite residual pode ser
teste da caneca, uso da deum fator de risco para massinfecção dos tetos pré-ordetite, quando associado a outras
práticas que alteram a fisiologia do ani- nha (pré-diping) e secagem dos tetos,
mal e promovem alteração mais acentu- o que desencadeia o estímulo para a
ada na produção, como por exemplo, o liberação de ocitocina;
manejo durante a ordenha. Estresse, que- �• Iniciar a ordenha rapidamente após os
bra de rotina ou manejo agressivo das procedimentos de higiene (até 1,5 minuto
vacas podem aumentar o leite residual e, após os estímulos);
consequentemente, reduzir a produção •� Se necessário, ajustar o conjunto duranleiteira. Em condições de estresse inten- te a ordenha. A entrada de ar na teteira
so, além do cortisol, pode ser liberada a pode fazer com que minúsculas gotas
adrenalina, que promove vasoconstrição de leite voltem para o canal do teto em
periférica. Assim, mesmo havendo libe- alta velocidade. Se contaminadas, essas
ração de ocitocina, a mesma não chega gotas permitem que bactérias entrem no
em concentrações adequadas ao úbere, úbere e causem mastite, além de impedir
o que acaba por inibir a completa eje- uma ordenha completa;
ção do leite, ou até mesmo prejudicar �• Não utilizar peso ou força sobre o conjunto de ordenha com o intuito de esa liberação de ocitocina.
Desta forma, para evitar que ocorra leite gotar o leite residual. Esta prática pode
residual em grandes quantidades, predis- lesionar os ligamentos suspensórios do
posição à mastite e redução da produ- úbere, bem como causar lesões na extreção leiteira, recomenda-se a adoção das midade e canal dos tetos.
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