ID: 61957021 21-11-2015 Tiragem: 33573 Pág: 55 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 19,74 x 22,99 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 E a liberdade individual? O São José Almeida A semana política primeiro teste à unidade parlamentar de esquerda celebrada pelos três acordos bilaterais que o PS celebrou com o BE, o PCP e o PEV vai ocorrer na quintafeira, 26 de Novembro, quando a Assembleia da República debater o projecto de lei do BE sobre Procriação Medicamente Assistida (PMA) e, no dia seguinte, quando os deputados procederem à sua votação na generalidade. A maioria de esquerda optou por abrir a legislatura com um conjunto de diplomas que simbolizam a mudança política do Parlamento. Depois de uma legislatura em que a direita foi maioritária, trata de repor situações ou fazer mudanças adiadas. Fá-lo no domínio da reposição do nível de rendimentos que foram cortados pelas medidas de austeridade do Governo PSD-CDS, com projectos que vão desde o início da eliminação da sobretaxa e à eliminação da CES, passando pelos cortes nos salários da função pública. Mas fá-lo também através do reconhecimento de direitos de género, repondo a situação legal da regulação da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), reconhecendo aos casais do mesmo sexo o direito a candidatarem-se à adopção e alterando as regras que autorizam a PMA. Todas estas medidas foram ou deverão ser aprovadas. E, em matéria de direitos individuais de género, há mesmo votos favoráveis ou abstenções da bancada do PSD e mesmo da do CDS. Mas há uma incógnita que permanece: a de saber o que vai ser a posição do PCP em relação à PMA. Esta questão foi levantada pela deputada do PCP Paula Santos, em declarações ao PÚBLICO (15/11/2015), ao afirmar que o PCP ainda não decidiu como encarrar o projecto do BE: “Há uma alteração de natureza e do objectivo das técnicas de PMA. A evolução das técnicas foi para responder a questões de saúde, e passa a ser mais que isso se deixar de ser um método de substituição de reprodução e passar a ser um método alternativo.” As palavras da deputada Paula Santos apontam para que o PCP possa estar ainda em dúvida sobre se deve ficar preso a uma concepção segundo a qual a PMA é uma técnica que serve apenas a casais que sofrem de problemas de infertilidade ou de impossibilidade de gestação no útero da mulher do casal em causa. E não aderiu a um reconhecimento pleno da liberdade de as mulheres poderem ter filhos recorrendo a bancos de sémen ou os homens poderem ter filhos recorrendo a uma gestação de substituição. Expliquemos o que está em causa no projecto do BE. Em relação ao aborto, o objectivo é repor a lei que saiu do referendo de 2007, o que é pacífico. A adopção por casais do mesmo sexo também já não provoca comoção à esquerda e o PCP já a aceitou e votou a favor nas últimas tentativas de aprovação. Mas a liberalização da PMA mexe com um grau de autonomia individual que foge da norma do que é expectável que uma esquerda mais conservadora nos costumes e menos respeitadora da liberdade individual pode admitir. Foram, aliás, esse conservadorismo e essa dificuldade em aceitar a liberdade individual de escolha os responsáveis pela lei que existe hoje em dia e que data de 2006. Então, quando os projectos de lei que deram origem à lei estavam em comissão parlamentar para os trabalhos de especialidade do processo legislativo, a então deputada Maria de Belém Roseira opôs-se frontalmente a que esta lei contemplasse a PMA para mulheres sozinhas, impondo que as mulheres que se candidatam ao uso desta técnica têm de ser acompanhadas por um homem. Uma exclusão que foi feita para impedir as lésbicas de recorrerem a este método e que é uma clara menorização da liberdade individual das mulheres. Em 2006, foi também limitado o recurso à maternidade de substituição (barrigas de aluguer), sendo permitida apenas esta técnica para que mães possam gerar ovócitos de filhas impossibilitadas da sua gestação nos próprios úteros. Na última legislatura, em comissão parlamentar, os deputados chegaram a um acordo de revisão da lei que agora o BE irá apresentar à discussão parlamentar e que contempla a PMA para mulheres sós, bem como a maternidade de substituição não-remunerada. O PS, através de Pedro Delgado Alves, declarou ao PÚBLICO que irá acompanhar este projecto do BE e corrigir o erro de 2006 motivado por um conservadorismo retrógrado que está afastado, até porque o próprio líder do PS, António Costa, inscreveu a liberdade para todos de recurso às técnicas de PMA nos seus documentos programáticos desde que se candidatou às “primárias” de 28 de Setembro de 2014. Resta esperar para ver se o PCP acompanha a mudança a que o PS já aderiu ou se a liberdade individual e o direito individual ao pleno recurso às técnicas de PMA vão ser de novo impedidos. Resta esperar para ver se na Procriação Medicamente Assistida o PCP acompanha a mudança a que o PS já aderiu Jornalista. Escreve ao sábado [email protected]