A lipodistrofia
O efeito colateral que vem deixando muitas pessoas soropositivas
com pernas, braços, nádegas e rosto finos e abdômen, tórax e
nuca com concentração excessiva de gordura - vem provocando uma
corrida a consultórios de especialistas em estéti
ca. Os
cirurgiões
plásticos
e
os
dermatologistas
são
os
mais
procurados. Diante de uma demanda gerada por um grupo de pessoas
que procura, acima de tudo, resgatar a vida social, as
possibilidades de tratamento estético para soropositivos vêm se
tornando bastante diversificadas. Várias formas de enxertos
(permanentes ou temporários) com aplicação de prótese em
determinadas partes do corpo, a lipoescultura e a utilização de
aminoácidos
associados
a
exercícios
físicos
para
o
desenvolvimento de músculos são as técnicas que vêm sendo mais
utilizadas para amenizar os efeitos causados pela lipodistrofia.
Entretanto, a perda de gordura na face é o maior problema para
as pessoas afetadas por este efeito colateral. Isso porque uma
roupa bem escolhida pode "disfarçar" o corpo com abdômen
preponderante e membros mais magros, enquanto que o rosto fica à
mostra o tempo todo. Além disso, aminoácidos associados a
exercícios físicos desenvolvem os músculos das pernas e dos
braços, dando um ótimo efeito estético. Mas, no rosto
, isso não
é possível.
Enxerto de metacrilato é utilizado no rosto
O dermatologista Márcio Serra atende em seu consultório no Rio
de Janeiro inúmeros pacientes soropositivos que são encaminhados
a ele por seus médicos infectologistas. Há dois anos, Serra
estuda formas de enxerto facial em pacientes com lipodistrofia.
Hoje ele é um dos especialistas em implante com metacrilato
(substância formada por micro-partículas de acrílico que é
enxertada embaixo da derme), técnica utilizada desde os anos 20
para a correção de rugas. Márcio Serra garante que os resultados
com o enxerto de metacrilato para pacientes com HIV positivo têm
sido bastante satisfatórios: "Por se tratar de pequenas
partículas, elas possuem uma capacidade de aderência muito boa e
o resultado fica muito próximo ao natural". Esse procedimento é
realizado em consultório e o paciente precisa apenas de dois
dias para voltar ao convívio social. Retoques são realizados
após alguns meses, somente para moldar melhor o formato do
rosto. As contra-indicações do metacrilato referem-se ao preço
do tratamento, muito caro para se tornar acessível a todos os
necessitados (cerca de R$ 750) e ao fato de se tratar de um
implante permanente, que permanece no organismo para a vida
toda. "Mas alguns estudos vêm mostrando que a gordura perdida
com a lipodistrofia não volta. Ou seja, não há risco de o
paciente
com
metacrilato
engordar
e
o
rosto
ficar
desproporcional", esclarece Serra. Outra informação importante
lembrada pelo dermatologista diz respeito à marca do produt
o.
Serra constatou que o metacrilato suíço (que, há dois anos, era
o único disponível no mercado mundial) causava inflamação em
alguns pacientes. Hoje, ele utiliza o metacrilato de fabricação
brasileira, que, segundo ele, é muito melhor. "Nunca tive nenhum
problema com os meus pacientes utilizando o metacrilato
brasileiro. Porém, como todo o tratamento relacionado a Aids, eu
não posso assegurar que, daqui a 20 anos, as pessoas que
enxertaram metacrilato não terão nenhum tipo de complicação. Mas
o meu argumento é: será que daqui a 20 anos estaremos vivos?
Logo, o importante com esse tratamento é resgatar a qualidade de
vida do paciente que quer viver bem agora. E eu percebo a
transformação que ocorre quando a pessoa realiza o tratamento. A
mudança no comportamento é gritante. Um infectologista que me
encaminhou uma paciente me disse, após o implante, que se
arrepende de não ter indicado esse procedimento antes".
Lipoaspiração e enxerto de gordura: prós e contras
O silicone é outra técnica de implante permane
nte. Entretanto,
Márcio Serra garante que esse não é o melhor procedimento para a
face. "O silicone não tem a mesma capacidade de aderência do
metacrilato. É uma partícula muito grande, difícil de ser
envolvida com colágeno. Com o tempo, ela pode se mover"
, explica
Serra.
A lipoenxertia também é uma forma de enxerto na qual a gordura
do paciente é reaproveitada em outra parte do corpo. O cirurgião
plástico
André
Finger
atende,
no
mínimo,
um
paciente
soropositivo por semana em seu consultório no Rio de Janei
ro.
Além da utilização do metacrilato, Finger também indica a
lipoescultura (retirada da gordura e reaproveitamento desta
gordura aspirada em outras partes do corpo, como rosto, coxa,
glúteos e joelhos). Há um inconveniente neste procedimento.
Finger diz que o paciente pode perder 70% do volume de gordura
enxertada seis meses após a cirurgia: "Depende de cada caso, mas
é importante ressaltar que, na pior das hipóteses, o paciente
fica com 30% de gordura a mais no organismo. Uma gordura que
seria jogada fora". Outro ponto crucial para a realização da
lipoescultura: é necessário que a pessoa possua gordura para ser
reaproveitada. Finger explica que em alguns casos a gordura
proveniente da lipodistrofia fica alojada entre as vísceras,
impossibilitando a lipoaspiração e, conseqüentemente, o enxerto
da gordura. O cirurgião plástico assegura que não há grandes
diferenças no procedimento cirúrgico de um paciente soropositivo
ou soronegativo. Para uma pessoa com CD4 abaixo de 200 se
submeter a uma lipoescultura é necessário que ela seja liberada
pelo seu infectologista. O cirurgião plástico afirma que
pacientes assintomáticos, com CD4 em torno de 200, podem estar
aptos à cirurgia: "É necessário que se analise caso a caso".
Cuidados com a interação de determinados anti-retrovirais com as
drogas anestésicas devem ser tomados. Então, é fundamental que
se opte por um profissional que tenha conhecimento do esquema
terapêutico anti-HIV. Sobre a possibilidade de retorno da
gordura aspirada, Finger esclarece: "Todo o pacientes que faz
lipoaspiração, independente da sorologia para o HIV, pode
engordar depois da cirurgia, correndo o risco da gordura
retornar. Na nuca, onde o acúmulo é maior, pode
-se evitar o
acúmulo excessivo realizando alguns retoques meses depois da
cirurgia".
Cirurgia plástica na face
Alguns pacientes optam pela plástica na face para atenuar o
aspecto de envelhecimento precoce causada pela lipodistrofia.
André Finger garante que os resultados são bons, e semelhantes
aos que ocorrem com pessoas soronegativas. Mas, sem dúvida,
trata-se de uma solução bem dispendiosa. Uma cirurgia plástica
na face custa hoje de R$ 3mil a R$ 6 mil, levando
-se em conta
que a competência do profissional tem que ser inquestionável.
Finger trabalha com preços especiais para pessoas so
ropositivas
porque, para ele, o tratamento desses pacientes não é
considerado puramente estético, mas reparador. "O paciente com
HIV fica com receio de ser identificado na rua por causa das
transformações no corpo causadas pela lipodistrofia. Então,
vários deixam de ter uma vida noturna, deixam de se relacionar
socialmente. Essas correções trazem uma saúde psicossocial ao
paciente. Se você tem um defeito estético no rosto, ocasionado
pelos remédios que você utiliza para se tratar de uma doença
como a Aids, que, infelizmente, ainda é cheia de preconceito e
discriminação, é como levar o nome Aids na testa", explica
Finger. O cirurgião ainda ressalta outro fator importante que é
a interferência que essas transformações podem causar à adesão,
uma vez que a maioria acha que, parando de tomar os remédios, se
livrará dos efeitos da lipodistrofia, o que é considerado um
equívoco pelo médico. "Não há estudos que comprovem que a
lipodistrofia regride quando se pára a medicação. Isso precisa
ser muito bem avaliado", diz o cirurgião plástico.
Finger destaca também a utilização de prótese nas nádegas,
panturrilhas e mamas como alternativa para atenuar os efeitos da
lipodistrofia. Para algumas mulheres, chega
-se a indicar a
cirurgia de mama, em função da hipertrofia mamári
a causada
também por esse efeito colateral.
Exercício físico e uso de aminoácidos
Por enquanto, a maneira mais eficiente e barata de se combater e
prevenir a lipodistrofia é praticar exercícios. O dermatologista
Márcio Serra acha, inclusive, que o exercício físico deveria ser
prescrito aos soropositivos assim como os medicamentos anti
-HIV.
"Os exercícios são importantes não apenas para ajudar no
desenvolvimento de massa muscular, mas também para auxiliar no
combate ao aumento dos triglicerídeos e do coles
terol". Em
conjunto com os aminoácidos, que podem auxiliar no ganho de
massa muscular e dão energia ao paciente, os exercícios físicos
se tornam ainda mais eficazes. Serra possui um mini
-protocolo
com seis pacientes com o qual estuda a quantidade eficaz de
glutamina para cada paciente. Essa substância garante a absorção
dos alimentos, diminuindo a diarréia. "Com isso, o paciente
passa a absorver melhor os nutrientes que acabam chegando ao
músculo", esclarece o dermatologista. Entretanto, Serra explica
que o ideal é o paciente fabricar a sua própria glutamina, pois
a industrializada, em altas doses, é eliminada pelo organismo
através das fezes. Ele utiliza uma base de aminoácidos e
vitaminas, dentreeles a riboflavina e a L-carnitina que ajudam
no trabalho da mitocôndria (parte da célula responsável pela
produção de energia), afetada pelo uso constante dos remédios
d4T e 3TC. A creatina também é utilizada para dar mais força ao
paciente na hora de se exercitar.
Serra alerta que o uso dos aminoácidos deve ser o
rientado por um
profissional bem informado. "Um composto de aminoácidos com
açúcar deve ser evitado por quem tem triglicerídeos altos. A
arginina, por exemplo, não pode ser usada em pacientes que têm
herpes". Infelizmente, Serra reconhece que não há muitosestudos
sobre a utilização dos aminoácidos por pacientes com HIV.
Entretanto, é fundamental que o paciente mostre ao seu
infectologista o produto para que ele possa avaliar a fórmula.
Lipodistrofia: por que ela aparece?
Hoje em dia não se pode dizer que a lipodistrofia é um efeito
colateral causado apenas pelo uso dos inibidores de protease, em
especial do Crixivan. Analisando 60 pacientes com lipodistrofia,
Márcio Serra chegou à conclusão de que a própria infecção pelo
HIV causa mudanças no metabolismo humano. "Um paciente com HIV
tem uma perda calórica maior do que paciente soronegativo. Isso
caracteriza um distúrbio no metabolismo. Hoje, observa
-se
pacientes que nunca tomaram medicamentos com alteração de
lipídeo e colesterol, com hipogonadismo (atrofia dos testículos)
e diminuição de testosterona. Serra conta que há dois anos, num
congresso mundial de dermatologia, uma médica australiana
apresentou um trabalho com doze pacientes que se recusaram a
tomar os remédios porque viram muitos amigos morrerem co
m o uso
de
monoterapia
com
AZT.
Todas
essas
pessoas
tinham
lipodistrofia.
Portanto,
tanto
Finger
quanto
Serra
são
categóricos em dizer que a preocupação estética é importante,
porém qualquer tentativa de mudança no esquema dos anti
retrovirais deve ser visto com cautela. "Antes de propor a
mudança
do
medicamento
por
causa
da
lipodistrofia,
o
soropositivo precisa entender que mudar um esquema que está
dando certo no combate ao vírus pode trazer conseqüências graves
para a sua saúde", alerta o dermatologista.O cirurgião plástico
André Finger concorda com as observações de Márcio Serra, mas
reconhece que o uso dos medicamentos pode provocar uma
aceleração no processo da lipodistrofia. Por outro lado, o
cirurgião lembra que a lipodistrofia é observada há apenascinco
anos. Esse efeito colateral se desenvolve de maneira distinta em
cada paciente. Segundo ele, há pessoas que apresentam a doença
três meses após o início do tratamento. Outras, tomando o mesmo
remédio, não tiveram problema algum. "Pode ser que, daqui a
alguns anos, com a descoberta de remédios com menos efeitos
colaterais, não exista mais a lipodistrofia em pacientes
soropositivos. Afinal, é importante lembrar que há cinco anos,
muitas pessoas infectadas pelo HIV estavam nas enfermarias dos
hospitais. Hoje, grande parte freqüenta o consultório de
cirurgiões plásticos."
Autoria: GAPA
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A lipodistrofia Enxerto de metacrilato é utilizado no rosto