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HÁ ALTERNATIVAS AO USO
DOS TRANSGÊNICOS?
Hugh Lacey
RESUMO
A existência ou não de alternativa ao uso de transgênicos capaz
de satisfazer a demanda mundial por alimento e nutrientes é uma questão que permanece aberta à investigação científica.
A importância dos transgênicos ainda não está bem fundamentada no conhecimento científico disponível,em parte porque as conquistas e o potencial da agroecologia não foram objeto de atenção científica suficiente.
PALAVRAS-CHAVE: Transgênicos; agroecologia; pesquisa científica;
agricultura.
SUMMARY
Whether or not there are alternatives to using transgenics,that would be able to satisfy the world’s food and nutrition
needs,remains open to further scientific investigation.The necessity for using transgenics is not currently well based on
available scientific knowledge, in part because the achievements and potential of agroecology have received insufficient
scientific attention.
KEYWORDS: Transgenics; agroecology; scientific research; agricultural
alternatives.
A biotecnologia tornou-se um fator decisivo para a
trajetória da economia internacional. Esse cenário é bem recebido
pelas instituições científicas, porque assegura financiamentos para
pesquisas e empregos para cientistas, numa época em que o apoio
governamental à ciência é cada vez menor.O mesmo acontece com as
instituições comerciais,uma vez que o desenvolvimento de inovações
biotecnológicas voltadas para o mercado (como a tecnologia dos
transgênicos) é dotado de uma aura científica, o que torna possível
minar a credibilidade dos seus críticos, cuja posição é definida como
“anticientífica” e pautada por agendas ideológicas.
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As pesquisas científicas decerto levaram ao desenvolvimento (bem
como à ratificação da eficácia) das aplicações atuais dos transgênicos,
como culturas de plantio resistentes a herbicidas específicos e outras às
quais incorporaram-se, por meio da engenharia genética, características que funcionam como pesticidas.E é possível afirmar,com uma boa
margem de segurança,que outras aplicações estejam a caminho.A eficácia por si só e a pesquisa que a confirma,todavia,não liquidam todas
as questões acerca do valor social e da legitimidade do uso disseminado
de transgênicos,tampouco do lugar que cabe,nas políticas nacionais e
internacionais,à pesquisa,ao desenvolvimento e à implementação prática de uma agricultura baseada em transgênicos. Tais questões implicam algumas indagações: 1. a agricultura baseada em transgênicos é
capaz de desempenhar um papel relevante e indispensável para satisfazer as demandas de alimentação e nutrição de todas as populações, e
pode-se esperar que isso aconteça sob as condições socioeconômicas
em que está sendo implantada? 2. há sérios riscos implicados que não
são compensados pelos benefícios e não podem ser administrados de
forma adequada no contexto de uma política regulamentar judiciosa?
3. existem alternativas “melhores”, ou seja, alternativas que propiciem
maiores benefícios e envolvam menos riscos?1 Neste artigo, abordarei
sobretudo a terceira questão: as alternativas ao uso dos transgênicos,
suas possibilidades de implementação e os tipos de pesquisa científica
que podem contribuir para esclarecê-las.
[1] Lacey, H. A controvérsia sobre os
transgênicos: questões científicas e éticas.São Paulo:Idéias e Letras,2006.
A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA E O CONTEXTO SOCIOECOLÓGICO
A apreciação crítica dessas questões obviamente deve refletir os
compromissos éticos e socioeconômicos,e isto explica,em parte,por
que permanece muitas vezes enredada em controvérsias insolúveis2.
Não obstante isso, pode-se e deve-se fundamentá-las com informações oriundas de investigações empíricas sistemáticas (ou seja,científicas),relevantes e apropriadas,cuja metodologia deve levar em conta
os contextos social e socioecológico da produção e distribuição de
produtos agrícolas. Porém, as pesquisas que deram origem ao desenvolvimento dos transgênicos descontextualizam, ou seja, investigam as
características que se desejam dessas culturas, suas bases genéticas e
as condições químicas e biológicas das quais dependem, utilizando
estratégias usuais das pesquisas da biologia molecular e da biotecnologia. Tais estratégias enquadram-se no que chamo de abordagem descontextualizada:sujeitados às suas restrições,os objetos e as respectivas
possibilidades são investigados nos termos dos seus componentes,
processos,interações e estruturas subjacentes,bem como das leis que
os governam, de forma desassociada dos contextos humano, social e
ecológico nos quais estão inseridos e são utilizados3.
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[2] Idem, “On the interplay of the
cognitive and the social in scientific
practices”.Philosophy of Science,n.72,
pp.977-88,2005.
[3] Para mais detalhes ver idem, Is
science value free? Values and scientific
understanding. Londres: Routledge,
1999; e “Existe uma distinção relevante entre valores cognitivos e sociais?”
Scientiae Studia,n.1,pp.121-49,2003.
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Os transgênicos são claramente objetos biológicos e uma boa
quantidade de conhecimentos sobre eles e suas potencialidades pode
ser obtida por pesquisas que adotam a abordagem descontextualizada. Entretanto, os transgênicos não são apenas objetos biológicos,
mas também socioeconômicos: são, na maior parte, mercadorias ou
detentores de direitos de propriedade intelectual.Não levar em consideração o contexto socioeconômico impede que os benefícios, os riscos e as alternativas sejam investigados de forma apropriada.Embora
as pesquisas moleculares e biotecnológicas subjacentes ao desenvolvimento e à implementação da tecnologia de transgênicos sejam
indispensáveis à investigação, não são suficientes, pois estão alienadas dos seus contextos.
RISCOS
[4] Considerar, como exemplo, os
riscos em idem, A controvérsia sobre os
transgênicos: questões científicas e éticas,
op. cit., cap. 4; e “O Princípio de Precaução e a autonomia da ciência”.
Scientia Studia,n.4,pp.373-92,2006.
Os riscos potenciais do uso dos transgênicos podem advir do seu
caráter biológico ou socioeconômico4. As avaliações de risco-padrão
lidam com os riscos diretos (de curto prazo) à saúde humana e ao
ambiente,associados a mecanismos biológicos,químicos,bioquímicos e físicos,cujas quantidades possam ser quantificadas e as probabilidades,estimadas.São avaliações que se fundamentam em pesquisas
realizadas pela abordagem descontextualizada. Portanto, ignoram os
riscos de longo prazo e raramente colocam em prática a monitoração sistemática dos efeitos acumulativos potenciais, sobre a saúde e o meio
ambiente, do cultivo e do consumo de transgênicos; ignoram, igualmente, os riscos indiretos potenciais implicados nos contextos e mecanismos socioeconômicos, como os riscos à biodiversidade pelo uso
disseminado de monoculturas transgênicas,as ameaças à viabilidade
de formas alternativas de agricultura (por exemplo, a orgânica), e as
ameaças à segurança do mundo resultantes de um cenário onde corporações privadas controlem de forma ainda mais ampla os recursos
mundiais de alimentos e sementes.
Esses riscos não são apenas largamente desconsiderados, como
também descartados de forma efetiva, quando os cientistas alegam,
com foros de autoridade, que o uso dos transgênicos não causa riscos
sérios que não possam ser compensados pelos benefícios que traz e
administrados mediante uma política regulamentar com base legal.
Essa alegação, contudo, não representa, nem poderia representar, um
dado científico estabelecido, a menos que os riscos indiretos fossem
investigados. A não realização de pesquisas relevantes sobre os riscos
indiretos repercute essa convicção,comum no meio científico,de que a
investigação se torna “menos científica” caso não seja redutível a pesquisas que adotam a abordagem descontextualizada. Tal perspectiva,
porém,não cumpre plenamente as finalidades da ciência.Isto pode ser
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difícil de aceitar, pois, segundo a tradição da ciência moderna, a pesquisa científica caracteriza-se pela aplicação da abordagem descontextualizada, embora essa visão sempre estivesse em tensão com outra,
que fundamenta o meu argumento: a de que a investigação científica
deve ser sistemática,empírica e mantida conforme os padrões de objetividade, e, portanto, incluir não apenas a física nuclear e a biologia
molecular,entre outras,mas também as ciências sociais e ecológicas.
Para alguns, a convicção de que a abordagem descontextualizada é
parte essencial da investigação científica baseia-se em pressupostos
materialistas ou reducionistas,em uma visão metafísica segundo a qual
todos os fenômenos são passíveis de explicação (por princípio) por
categorias admissíveis no âmbito da abordagem descontextualizada,
uma visão que, ela própria, não pode ser confirmada pela abordagem
descontextualizada5. Para outros, a convicção nessa abordagem está
vinculada à consciência de que a sua adoção da abordagem descontextualizada seja a fonte das descobertas tecnocientíficas e,de forma mais
geral,fundamente-se nas relações de reforço mútuo existentes entre os
valores do progresso tecnológico e a aceitação da alegação de que a abordagem descontextualizada serve efetivamente para definir a metodologia única para a ciência6. Além disso, uma outra convicção impõe-se,
inconteste entre os progressistas, de que, primeiro, a tecnociência seja
uma fonte de inovações, de valor e poder insuperáveis, que aumenta o
bem-estar humano e soluciona problemas (incluindo aqueles causados pelas aplicações tecnológicas dos resultados científicos); e,
segundo, que as inovações tecnocientíficas prima facie tenham valor
social generalizado,não estando apenas a serviço de interesses particulares, de forma que a sua implantação normalmente é justificável em
termos éticos e sociais7. Quando visões como essas preponderam, as
preocupações com riscos indiretos esmaecem,tornam-se insignificantes, e até mesmo a sugestão de que a implementação dos transgênicos
em larga escala deva ser desacelerada para dar tempo às investigações
empíricas acerca dos riscos potenciais é interpretada como uma oposição ao desenvolvimento científico8. Essa posição tende a predominar
onde há poderosas relações de reforço mútuo (fortalecidas pela importância cada vez maior da biotecnologia) entre os interesses comerciais
e os valores do progresso tecnológico.
ALTERNATIVAS
As metodologias das pesquisas biotecnológicas são insuficientes
(embora necessárias) para a investigação não apenas da gama completa de riscos potenciais resultantes da utilização de transgênicos,
mas também das possibilidades produtivas, entre outras, de formas
alternativas de agricultura, como a agroecologia. No parágrafo ante34 HÁ ALTERNATIVAS AO USO DOS TRANSGÊNICOS? ❙❙ Hugh Lacey
[5] Idem,“Existe uma distinção relevante entre valores cognitivos e sociais?”, cit. Marcelo Leite discute
como as visões metafísicas, assim
como o materialismo e o determinismo, serviram para privilegiar as
metodologias reducionistas, em vez
de as interacionistas, nas pesquisas
biológicas (Promessas do genoma. São
Paulo:Editora da UNESP,2007).
[6] Lacey, H. “As formas nas quais as
ciências são e não são livres de valores”. Crítica, n. 6, pp. 89-111, 2000; e
“Existe uma distinção relevante entre
valores cognitivos e sociais?”, cit.
[7] Idem, “As formas nas quais as
ciências são e não são livres de valores”,cit.
[8] Idem, A controvérsia sobre os transgênicos: questões científicas e éticas,op.cit.
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[9] Ibidem,cap.5.
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rior, mencionei dois conjuntos de relações de reforço mútuo: 1. entre
progresso tecnológico e exclusividade da abordagem descontextualizada;e 2.entre comércio e progresso tecnológico.Quando as relações
do segundo conjunto são fortes, as instituições científicas tendem a
não levar a sério a possibilidade de haver alternativas corroboráveis
por conhecimentos científicos obtidos por meio de metodologias não
redutíveis à abordagem descontextualizada.
Na verdade, os porta-vozes das instituições científicas e agroindustriais proeminentes reiteram com insistência que não há alternativas de cultivo que possam substituir as técnicas baseadas em transgênicos, e que possam produzir, de forma satisfatória, maiores
benefícios em termos de produtividade,sustentabilidade e satisfação
das necessidades humanas,sem incorrer em riscos inaceitáveis,como
não produzir alimentos suficientes para alimentar e nutrir a crescente
população mundial ou ser inviáveis nas regiões do mundo que sofrem
com a fome crônica,intensificada ainda mais pelas mudanças climáticas.Os transgênicos,insistem,são necessários para alimentar o mundo
nas próximas décadas e, sobretudo, exigidos em caráter de urgência
nas regiões mais pobres, onde as condições agrícolas foram devastadas.Essa insistência é fundamentada em resultados científicos ratificados ou demonstra um alinhamento às instituições políticas e
socioeconômicas predominantes, cujas trajetórias solapam as condições necessárias para que as alternativas se desenvolvam e prosperem?
As evidências de que as pesquisas científicas atuais não confirmam
a não-existência de alternativas são cada vez maiores. Tais evidências
sustentam que os métodos agroecológicos (em conjunto com outras
alternativas) que estão sendo e podem ser desenvolvidos têm capacidade para gerar uma alta produtividade em culturas essenciais e, ao
mesmo tempo, com menos riscos. Além disso, mesmo que a agricultura baseada em transgênicos seja capaz de alimentar o mundo,podem
existir alternativas “melhores”. Mais especificamente, pode existir
uma diversidade de métodos alternativos complementares, específicos ao local, que, a um só tempo, (a) produzam gêneros alimentícios
nutritivos, ambientalmente sustentáveis, que protejam a biodiversidade e fortaleçam as comunidades locais; (b) estejam mais em sintonia com as aspirações das comunidades rurais e as variações regionais
e culturais; (c) sejam capazes de desempenhar um papel integral na
produção dos alimentos necessários para abastecer a crescente população mundial;e (d) sejam particularmente apropriados para garantir
que as populações rurais dos países “em desenvolvimento” recebam
alimentos e nutrientes suficientes,de forma que,sem a sua consolidação,é provável que os padrões atuais de fome persistam9.
A agroecologia é, em particular, uma alternativa que se destaca. É
uma forma de agricultura fundamentada por resultados científicos
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derivados da utilização de metodologias não enquadradas pela abordagem descontextualizada:
A agroecologia é considerada uma disciplina científica que transcende os
limites da própria ciência,ao pretender incorporar questões não tratadas pela
ciência clássica (relações sociais de produção,eqüidade,segurança alimentar,
produção para auto consumo,qualidade de vida,sustentabilidade)10.
Mais que isso, os seus métodos são apropriados para a investigação das três questões mencionadas, os benefícios, os riscos e as alternativas; e, no Brasil, estudos científicos11 e um crescente movimento
rural dão uma forte sustentação à agroecologia12.O principal objeto de
investigação da agroecologia, como disciplina científica, é o agroecossistema, isto é, o sistema socioecológico em que a produção agrícola e a
distribuição dos seus produtos acontecem. Logo, a investigação
agroecológica,diferentemente das realizadas por meio da abordagem
descontextualizada,não pode ser reduzida a uma pesquisa sobre processos, interações, estruturas e legislações subjacentes aos componentes dos agroecossistemas.Os ecossistemas,nesse tipo de investigação, são tratados a um só tempo como locais e integrantes de um
sistema socioeconômico mundial13, incluindo análises de como se
relacionam com os requisitos almejados:produtividade,sustentabilidade (integridade ecológica e preservação da biodiversidade), saúde
social, respeito às tradições culturais e fortalecimento da atuação das
populações locais. Todas essas análises incluem, ainda, descobrir as
condições sob as quais os requisitos desejados podem ou não ser concretizados em um equilíbrio adequado (e como variam de acordo com
o local),bem como os princípios que os explicam14.
Em outro trabalho,documentei alguns dos sucessos da agroecologia como uma abordagem às atividades agrícolas,e ofereci uma perspectiva
geral dos estudos que demonstram como, em determinadas condições,a capacidade produtiva da agroecologia não é inferior às técnicas
agrícolas convencionais ou baseadas em transgênicos15. Esses sucessos comprovam a promessa da agroecologia, em particular aos que
não são beneficiários da expansão das empresas agroindustriais;
porém,sem esforços maiores de pesquisa,a extensão de tal promessa
não pode ser determinada.Mesmo assim,em razão do número insuficiente de pesquisas relevantes que possam fornecer as evidências, os
defensores da utilização de transgênicos podem retorquir — corretamente,ainda que de forma enganosa — que não há prova científica de
que uma das abordagens alternativas, ou mesmo todas em conjunto,
complementando-se, apresente uma produtividade suficiente para
abastecer o mundo com alimentos16. No entanto, esta réplica é irrelevante,como deixa claro a seguinte passagem:
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[10]EMBRAPA (Grupo de trabalho em
agroecologia). Marco referencial em
agroecologia. Brasília: EMBRAPA Informação Tecnológica, 2006, p. 42. A
propósito do pluralismo de metodologias nas pesquisas agrícolas, ver Gomes,J.C.C.& Rosenstein,S.“A geração
do conhecimento na transição agroambiental: em defesa da pluralidade
epistemológica e metodológica na prática científica”. Cadernos de Ciência e
Tecnologia, n. 17, pp. 29-57, 2000; Gomes, J. C. C. “Bases epistemológicas
da agroecologia”. In: Aquino, A. M. de
& Assis, R. L.de (orgs.). Agroecologia:
princípios técnicos para uma agricultura
orgânica sustentável. Brasília: EMBRAPA Informação Tecnológica, 2005, pp.
71-99.;e Lacey,H. A controvérsia sobre os
transgênicos: questões científicas e éticas,
op.cit.,cap.2.
[11] Analisados de forma breve em
EMBRAPA. Marco referencial em
agroecologia,op.cit.
[12] Ver o site da AS-PTA: Assessoria e
Serviços a Projetos em Agricultura
Alternativa.http://www.aspta.org.br.
[13] As estratégias de pesquisas multi
e interdisciplinares em agroecologia
são bem adequadas para investigar os
riscos indiretos e as incertezas de
longo prazo relacionados aos transgênicos, ao passo que integram, na
qualidade de componentes, sistemas
agroecológicos que também incluem
iniciativas de investimento intensivo
de capital e pertencentes ao sistema
do mercado internacional.
[14] Ver EMBRAPA Marco referencial
em agroecologia, op. cit., p. 27; Altieri,
Miguel. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. Porto
Alegre:Editora da UFRGS,1998.
[15] Lacey, H. A controvérsia sobre os
transgênicos: questões científicas e éticas,op.cit.,pp.151-7.
[16]Uma vez que as pesquisas relevantes não foram realizadas, é evidente que não há provas científicas
disponíveis de que há alternativas;
porém, isso não implica a existência
de comprovações científicas de que
não haja alternativas.
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[17] Tavares, Edson Diogo. “Mensagem de e-mail”, 26 set. 2006. Sou
grato ao Edson D.Tavares,agrônomo
e membro do grupo de autores da
EMBRAPA Marco referencial em
agroecologia, e ao Miguel Guerra, pelas informações úteis.
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Quanto à questão sobre se a agroecologia poderia produzir alimento
suficiente para a população mundial,considero-a como uma falsa questão.
1. Hoje (segundo dados da FAO) a produção mundial de alimentos é
suficiente para alimentar toda a humanidade e ainda sobra.Portanto,o problema não é a produção de alimentos (pois senão não haveria mais fome no
mundo) e sim o acesso à renda que permita a sua aquisição.
2. A ciência agronômica convencional (modelo da agricultura “moderna” ou baseada na “revolução verde”) organizou-se baseada nos seguintes princípios:mecanização,uso de adubos industrializados,uso de agrotóxicos,e seleção de variedades que respondessem às demais tecnologias;tudo isso
baseado no uso de combustíveis fósseis que permitiam trazer a agricultura
para a lógica e a dinâmica das cadeias produtivas industriais (agora agroindustriais).Tudo isso foi possível graças a elevados investimentos em pesquisa,
difusão de tecnologias,crédito,garantia de preços mínimos aos agricultores e
subsídios à produção industrial de insumos e à sua comercialização e utilização.No Brasil e na maioria dos países em desenvolvimento tudo isso foi promovido com recursos públicos e utilizaram-se como paradigma modelos
desenvolvidos em países de clima temperado.O desenvolvimento de todo esse
complexo tem se dado durante os últimos cinqüenta anos.Se a agroecologia
tiver todo esse apoio,será que daqui a cinqüenta anos não teremos uma agricultura sustentável?
Voltando para a realidade brasileira,hoje posso lhe dizer que a agroecologia tem se desenvolvido principalmente em comunidades, cooperativas e
organizações de agricultores que não têm acesso a crédito,a assistência técnica nem a tecnologia para seus sistemas de produção que não prescindam de
altos investimentos em insumos.Nesse cenário estão se desenvolvendo modelos de agricultura com baixo uso de insumos externos, práticas de rotação e
consórcio de culturas,policultivo,práticas de conservação do solo e da água.
Modelos que têm permitido a famílias sobreviver,se alimentar e se desenvolver sem depender de recursos externos.Se este modelo está dando certo sem
apoio estatal,não dará mais certo com apoio? É nisso que estamos pensando
na EMBRAPA17.
POLÍTICA AGRÍCOLA PÚBLICA
O argumento apresentado aqui não determina que a utilização de
transgênicos em culturas de plantio seja ilegítima ou que, de forma
geral,a agroecologia se mostrará a longo prazo uma alternativa melhor
que a agricultura baseada em transgênicos.Em vez disso,sustenta que
a ciência ainda não solucionou as questões acerca das alternativas.
Mais ainda,tendo em vista as pesquisas já realizadas até o presente,o
argumento refuta-se aqui a idéia de nega que a autoridade da ciência
seja um sustentáculo para legitimar a priorização do desenvolvimento
de transgênicos nas políticas agrícolas públicas, e questiona-se que
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essa legitimidade possa ser obtida antes da realização de pesquisas
capazes (em princípio) de determinar que a produtividade da agroecologia (e de outras alternativas) seja intrinsecamente limitada. Além
disso, estreitar em demasia uma concepção de ciência, restringindo
suas metodologias às que se enquadrem na abordagem descontextualizada, inibe, a meu ver, não apenas a realização de pesquisas relevantes,mas também a consciência da sua necessidade18.
No entanto, talvez o aspecto mais significativo do meu argumento
seja contribuir para o reconhecimento de que as questões de política
agrícola pública devam confluir para a seguinte pergunta:“Quais métodos agrícolas (“convencional”, transgênico, orgânico, agroecológico,
biodinâmico, de subsistência), e em quais combinações e variações,
poderiam ser sustentáveis e suficientemente produtivos quando acompanhados de métodos de distribuição viáveis para atender às necessidades de alimentos e nutrientes da população mundial em um futuro previsível?”. Esta questão não influencia os resultados das pesquisas, mas
permite,embora não garanta,que a agricultura baseada em transgênicos
faça parte da resposta ou mesmo do seu núcleo;e,ademais ,dá liberdade
para que as metodologias apropriadas,como as da biologia molecular e
da agroecologia19,possam ser determinadas de acordo com as características do objeto da investigação (por exemplo, estrutura genômica ou
agroecossistema). Porém, o uso de transgênicos não foi introduzido
como resposta a essa pergunta muito abrangente,mas a estas especificamente relacionadas aos transgênicos: “Quais características podem ser
inseridas por engenharia genética nas plantas? Quais delas podem ser exploradas comercialmente? A utilização de transgênicos pode aumentar a
produtividade de culturas de forma mais sustentável que o uso dos
métodos agrícolas chamados convencionais?”. E, em seguida, para responder a questões sobre o valor social geral dos transgênicos:“Como os
resultados de pesquisas com transgênicos podem ser utilizados para
ajudar a resolver os problemas de pequenos fazendeiros (por exemplo,a
produção em agroecossistemas pobres) e suas comunidades (por exemplo, fome e desnutrição) nos países pobres?”. Em outras palavras,
embora o desenvolvimento dos transgênicos fundamente-se nos resultados comprovados da biologia molecular e da biotecnologia,a tendência da sua aplicação prática é pressupor, sem investigações pertinentes
terem sido realizadas,que a disseminação rápida e ampla da agricultura
baseada em transgênicos tenha um valor social geral.
Os proponentes do uso de transgênicos preferem concentrar-se
nas discussões sobre as questões especificamente relacionadas aos
transgênicos,e não considerar a questão mais abrangente proposta no
parágrafo anterior, que não pressupõe a importância dos transgênicos, dando a entender que essa é a maneira “científica” a ser adotada.
Essa questão, contudo, não está fechada à investigação científica,
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[18]Acontece que a autoridade científica exercida de forma apropriada não
apóia a concessão de privilégios especiais e pesos indevidos à participação
de especialistas em pesquisas biotecnológicas em instituições (como a
CTN-Bio) que são responsáveis pelas
decisões sobre o uso comercial dos
transgênicos e outras inovações de
biotecnologia, tampouco a prioridades e a métodos de pesquisa que
sejam eticamente admissíveis nas
ciências agronômicas e médicas.
[19]Alternativas que rejeitam a utilização de transgênicos podem aproveitar os resultados de pesquisas em biotecnologia, como: de genoma para
mapear ecossistemas; de culturas de
tecidos para aprimorar a reprodução
de plantas que possam ser importantes para ecossistemas sustentáveis;ou
do conhecimento do genoma de plantas de cultivo como auxílio a fazendeiros na seleção de variedades para cultivo (Guerra,M.P.;Nodari,R.O.;Reis,
M. S. dos; Schmidt, W. “Agriculture,
biodiversity and ‘appropriate technologies’ in Brazil”. Ciência e Cultura,
n.50,pp.408-16,1998,Guerra,M.P.;
Nodari, R. O.; Reis, M. S. dos; Orth,
A.I.“A diversidade dos recursos genéticos vegetais e a nova pesquisa agrícola”. Ciência Rural, Santa Maria, n.
28,pp.521-8,1998;Lacey,H.A controvérsia sobre os transgênicos: questões
científicas e éticas, op. cit., p. 129). O
meu argumento levanta questões
sobre o uso de transgênicos, mas não
exclui a possibilidade de existirem
funções indispensáveis da biotecnologia na agricultura, ou funções complementares entre a agricultura intensiva de transgênicos e a agroecologia.
Essas funções, todavia, estariam
subordinadas a finalidades agrícolas
mais amplas, implícitas à questão
aberta colocada anteriormente.
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Recebido para publicação
em 10 de junho de 2007.
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contanto que se reconheça a necessidade de aplicar metodologias que
não se limitem somente àquelas que possam ser enquadradas pela
abordagem descontextualizada. Além do mais, pode-se questionar o
quão “científica” é uma investigação da questão (referente ao uso de
transgênicos para abordar o problema da pobreza) que propõe oferecer “soluções” (derivadas das pesquisas sobre a tecnologia de transgênicos) sem considerar o contexto socioeconômico do qual advêm a
origem e a manutenção do problema a ser estudado.
Separar a questão mais abrangente das agendas científicas predominantes não é justificável pelos termos da metodologia científica, tampouco pelas finalidades da ciência.Proponho que se possa compreender
melhor a questão, levando-se em conta as duas relações de reforço
mútuo apresentadas anteriormente: 1. entre progresso tecnológico e
exclusividade da abordagem descontextualizada; e 2. entre comércio e
progresso tecnológico.Tudo se passa como se a alegação feita pelos proponentes dos transgênicos,de que não há alternativas,estivesse inquestionavelmente identificada à alegação de que não há alternativas viáveis
de cultivo (a não ser em nichos específicos) no âmbito do sistema socioeconômico baseado no capital e no mercado.Isto ajuda a explicar o sentido de inexorabilidade da dominação final do cultivo de transgênicos que aparece
em tantas discussões. A alegação de que não há alternativas não reflete
conhecimento científico,mas sim poder econômico.E esse aspecto fica
oculto quando as políticas sobre o uso de transgênicos são encobertas
pelo manto da ciência.Isto também ajuda a explicar por que há obstáculos significativos às pesquisas em agroecologia e aos métodos de cultivo
que buscam se desenvolver e expandir.Neste contexto,não é suficiente
produzir evidências do potencial produtivo da agroecologia:é necessário torná-la socialmente viável em ampla escala.Contudo,os interesses
conjuntos das alianças entre grandes corporações agroindustriais e
governos são bem diferentes.O fato é que as possibilidades da realização
bem-sucedida de pesquisas em agroecologia;da expansão e do aperfeiçoamento de cultivos agroecológicos;das atividades e do crescimento de
movimentos que englobam os valores representados pelas finalidades
da agroecologia (sustentabilidade, fortalecimento popular etc.); e do
redirecionamento das prioridades das instituições de pesquisa, estão
indissociavelmente interconectadas.
Hugh Lacey é professor emérito de filosofia no Swarthmore College (Pensilvânia,EUA) e atua com
freqüencia como professor visitante na FFLCH-USP.Ultimamente tem escrito sobre o papel dos valores na pesquisa científica e sobretudo sobre a controvérsia em torno dos transgênicos.
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