MEGATENDÊNCIAS Material produzido por: MEGATENDÊNCIAS "A evolução se desenrola na direção de uma crescente complexidade, que é acompanhada por uma correspondente elevação do nível de consciência." Teilhard de Chardin Introdução Nos últimos tempos, notamos que há algo de novo no ar, algo que permanece no horizonte e que funciona como uma megatendência que irá influenciar todas as demais megatendências, dando mais sentido e mais direção para as rápidas mudanças deste novo século. Essa megatendência nos puxa para o futuro e será o sinalizador para nos orientar dentro de um mundo que insiste em se mostrar permanentemente mutante. Esse fenômeno é o que chamamos de “processo de individuação do ser humano”, que é um fenômeno que está ocorrendo em todos os quadrantes do planeta. Dos grandes movimentos de massa — que, não por acaso, coincidiram com o grande consumo de massa —, como a Revolução Russa de 1917, o nazi-fascismo a partir dos anos 1930, ou ainda os protestos urbanos da década de 1960, os movimentos estão se deslocando mais para o indivíduo, esse ser único e inimitável, multifacetado e tantas vezes surpreendente, que afinal é quem dirige, é a razão e é quem dá sentido às empresas, às máquinas e a todos os grupos sociais nos quais nos inserimos, ou seja, ao próprio processo civilizatório. O fenômeno pode ser percebido dentro das nossas próprias casas. Para quem tem filhos pequenos, basta lembrar como era a nossa relação com nossos pais e refletir sobre a natureza da relação deles conosco e com os demais adultos. Se você não tiver filhos pequenos, pense nos filhos dos amigos, nos irmãos menores ou nos sobrinhos, e reflita sobre o que há de novo com essas crianças que serão adultos neste século. O novo é que eles não aceitam mais ordens. Eles querem — e exigem — saber o porquê de tudo antes de se disporem a uma ação. Contam, também, com informações suficientes para tomar decisões inimagináveis para a nossa geração. Têm opiniões sobre praticamente todos os assuntos e julgam os adultos com base nas suas posições e na sua natural ingenuidade e imaturidade emocional. Esse não é um fenômeno que acontece apenas nas classes mais esclarecidas ou privilegiadas das grandes cidades brasileiras. É universal. Se você duvida, visite creches e converse com as crianças nas ruas, no Brasil e em outros países, e ficará bem claro sobre o que estamos falando. Material produzido por: 2 O próprio movimento das crianças de rua nas grandes cidades brasileiras reflete essa mudança. Você conhece alguma mãe que se atreva a vestir dois gêmeos com roupas iguais, tal como se fazia não muito antigamente? Os pais, muitas vezes estimulados pelas próprias crianças, já compreendem o fenômeno da individuação, embora nem sempre o saibam conceituar. Outros fenômenos apontam na mesma direção. Um deles é o do crescente papel da mulher na sociedade. Não se trata apenas dos postos que ocupam no mercado de trabalho, embora isto seja de fundamental importância para uma nova leitura das organizações, pois estas ganham um caráter diferente ao incorporar a figura feminina e os valores femininos à sua estrutura. Mas é também o papel representado pela dona de casa que não se contenta mais com a velha história de ser “uma grande mulher atrás de um grande homem”. Hoje se sabe que a mulher — trabalhe ou não fora de casa — tem o papel mais importante na decisão de compras, nas opções sobre o trabalho do homem, sobre a moradia da família e sobre tantas outras coisas mais. Isso sem falar nos milhões delas que chefiam o próprio grupo familiar, um fenômeno novo, muito forte no Brasil e que vem se acentuando gradativamente desde o pós-guerra. Quando, em 1992, fizemos uma série de seminários de desenvolvimento gerencial em uma grande multinacional instalada em São Paulo, 7% dos gerentes eram mulheres. Em 1999, ao retornarmos à empresa para um novo trabalho, 37% dos gerentes eram mulheres. Quanto às minorias, é possível afirmar que se há alguma coisa que possa definir melhor a década passada, isso há de ser a luta das minorias. Velhos, deficientes, homossexuais, portadores de várias doenças, membros de raças ou de castas minoritárias — todos eles deram as caras e tentaram impor seus direitos (em parte com sucesso) nos anos 1990. Ou seja, essa história de que a maioria decide, ou de que a maioria sempre tem razão (uma característica das sociedades de massa), caiu por terra definitivamente. De tal forma que as organizações minoritárias continuam a existir e a se multiplicar pelo globo. O fenômeno das ONGs é outro exemplo de consciência das minorias que não se conformam com métodos tidos como ultrapassados para encaminhar os problemas ecológicos e sociais em escala local ou planetária. Empresários e executivos também se mostram sensíveis à sua própria individuação. Temos nos deparado, cada vez mais, com pessoas — nos mais diferentes níveis, dentro das empresas — que trocam, de bom grado, altos salários e benefícios por satisfação pessoal. A onda da terceirização e a tecnologia têm ajudado os mais radicais desses indivíduos a concretizarem seus sonhos de se tornarem independentes das organizações e de tomarem seu destino nas próprias mãos. A cidadania tornou-se um valor do qual ninguém mais abre mão. Em muitos países do mundo, empresas privadas ou públicas que desrespeitam este direito básico —poluindo o meio ambiente, tendo uma política de Recursos Humanos Material produzido por: 3 ultrapassada ou infringindo as normas de “bem conviver” (por exemplo, utilizando recursos antiéticos nas suas relações com o mercado ou com o governo) — são simplesmente levadas à falência pelo mercado consumidor, que nega-se a adquirir seus produtos e serviços. Muitos consumidores de todo o planeta demonstram seu processo de individuação também de outras formas: são capazes de abandonar um produto ou serviço de preço menor por outro que tenha agregado um atendimento melhor, ou de deixar na prateleira um produto aparentemente mais “eficiente” e levar outro que tenha características que causem maior satisfação (como design mais moderno, marca mais “confiável”, sabor mais agradável, facilidade de operação, serviço de pós-venda, assistência técnica garantida e outras vantagens). Outro aspecto da questão pode ser evidenciado pelos seguintes fatos: a revista Fortune publicou recentemente um artigo onde mostra que a Divisão de Bicicletas da Panasonic do Japão tem cadastrado 11.800.000 modelos de bicicletas! O consumidor japonês, ao entrar em uma loja de bicicletas, pode pedir a sua de acordo com o seu peso, a sua altura, o tamanho dos seus glúteos, dos seus braços, das suas pernas, com o detalhe que quiser. Ao fazer o pedido, um dia depois ele recebe, em sua casa, a bicicleta que atende a sua individualidade. Outro exemplo: recentemente, em um seminário no Vale do Paraíba, em São Paulo, havia cerca de 40 participantes na sala e, desses, 90% estavam calçados com tênis. Constatamos que não existia um tênis semelhante ao outro, no grupo, apesar de as pessoas terem o mesmo nível social e muito certamente fazerem as suas compras nos shoppings da região, e de serem apenas três ou quatro as marcas básicas. Isto significa a busca pelo consumidor de produtos que atendam exclusivamente aos seus desejos individuais. Sinal dos tempos, um jovem americano resolveu passar todo o ano 2.000 trancado dentro de uma casa vazia, apenas com seu computador, preenchendo todas as suas necessidades através da internet. Centenas de jovens talentos abandonam empregos, que seriam o sonho das gerações anteriores, para abrirem empresas virtuais no fundo de suas casas. A revolução da individuação está aí para quem quiser ver. E muitos administradores das empresas brasileiras a têm visto, possam ou não conceituála, o que se traduz numa nova postura de empresários e executivos. Evidentemente, para isso muito têm colaborado as atuais mudanças estruturais da economia brasileira — mas quem disse que as mudanças surgem por geração espontânea, sem crises? A diferença entre a atual situação e as que nos afligiram nas décadas passadas é que, agora, temos também a necessidade de o país se inserir na economia mundial marcada pelo excesso de competitividade, pelas rápidas mudanças e pelo respeito à individuação. Isso exige ações empresariais criativas e ousadas que estejam sintonizadas com os novos tempos. As sombras do futuro já se fazem presentes, para muitos que Material produzido por: 4 conseguem antevê-las. Os novos tempos chegarão muito antes do que se pensa e os paradigmas que devem vigorar nestas primeiras décadas do novo milênio serão inspirados pela megatendência da individuação. O que está por trás do fenômeno da Individuação Analisando este fenômeno de uma forma mais holística, verifica-se que a emancipação dos indivíduos e a autoconsciência são processos que vêm de milênios de evolução humana e vêm se acelerando cada vez mais, nas últimas décadas, principalmente nas culturas ocidentais. Olhando apenas alguns milênios para trás, observamos a cultura egípcia onde, na língua do povo, não existia, ainda, a palavra EU. A consciência nessa época era grupal e não individual. O faraó, meio homem e meio deus, representava o EU de seu povo e era o dono da consciência coletiva. Era um “EU coletivo”. Sua preocupação estava na outra vida e, por isso, todo o seu empenho concentravase na construção de uma pirâmide que não era mais do que seu túmulo. O processo pensante das pessoas acontecia através de imagens e não de conceitos abstratos. Era a época da teocracia, onde a vida espiritual-cultural, a vida político-jurídica e a vida econômica formavam uma unidade e pertenciam aos faraós. O período greco-romano é a época na qual o espírito e a matéria mantêm uma perfeita integração. No homem desperta a consciência individual. A palavra EU aparece pela primeira vez na língua dos povos. Nasce o intelecto e com ele a filosofia grega. A mitologia das épocas anteriores é gradativamente substituída pela filosofia que não trabalha mais com imagens, e sim com conceitos abstratos. Com a tomada de consciência do EU individual cresce o egoísmo, o que faz surgir o direito romano que regulamenta a convivência entre as pessoas. A jurisprudência romana estabelece o direito civil romano, a lei da propriedade privada e a lei da herança, que têm sua validade até os dias atuais. A primeira metade da época grega ainda é muito voltada para o Oriente, com seus valores espirituais. A mitologia grega é um testemunho deste fato. A segunda metade, que nos leva à cultura romana, é totalmente orientada para o mundo externo. Surge a democracia e o ser humano começa a ter uma consciência política. Com isso a vida político-jurídica se desmembra da vida econômica e da vida espiritual-cultural. A unidade teocrática da época egípcia desmembra-se em uma dualidade que se reflete nas constantes lutas pelo poder entre o papa e o imperador, durante a Idade Média. Nessa fase da humanidade as dimensões espiritual-cultural, político-jurídica e econômica se desmembram em igreja, reis e comércio. Desencadea-se um Material produzido por: 5 processo de fragmentação social que se torna fundamental para o futuro desenvolvimento do conceito de Sociedade. Com o advento do século XV verificamos um outro salto na consciência do homem, um grande despertar para o mundo material. Começamos a descobrir as leis da natureza, objetivas, verdadeiras, comprováveis e livres de influências espirituais, misticismo, preconceitos e superstições. O homem começa a dominar a natureza e a sua individualidade, o EU torna-se cada vez mais forte e livre. Paralelamente às descobertas das leis da natureza, surgem as descobertas de outros continentes e tem início o comércio intercontinental. A vida econômica emancipa-se da vida político-jurídica. Esse processo se ampliou com o crescente movimento de erradicação da escravidão, principalmente na Europa e América do Norte. O que era uno na teocracia do Egito e dual na Grécia e em Roma torna-se definitivamente trimembrado com o advento da Revolução Francesa: Vida espiritual-cultural. Vida político-jurídica. Vida econômica. O indivíduo é, então, livre e consciente de si, atuando nas três dimensões, simultaneamente. A situação do homem moderno Com o fortalecimento do processo de fragmentação a dimensão econômica se hipertrofiou, passando a reger a vida espiritual-cultural e a vida políticojurídica. O conhecimento virou mercadoria, as guerras são feitas por causas econômicas e as tradições foram abandonadas. Ao longo desse processo que denominamos individuação, perdemos gradativamente todos os vínculos que apoiavam o desenvolvimento e a consolidação de nossa individualidade: Perdemos a ligação com os mundos espirituais. Perdemos a força de coesão de grupos pelos laços de sangue. Perdemos as tradições e as normas de comportamento social. Perdemos o contato com a natureza, dominando-a e destruindo-a. Enfim, sentimo-nos como individualidades livres, emancipadas, mas também solitárias no mundo. Este processo de individuação fez surgir alguns fenômenos concretos. Seguem alguns exemplos: A emancipação da mulher que conquista o seu novo papel na sociedade. Liberdade sexual. Material produzido por: 6 Competição no trabalho profissional. Divisão do trabalho em casa. Separação e divórcio. Um novo estilo de vida, principalmente nos países do chamado “primeiro mundo”, onde as pessoas vivem cada vez mais sozinhas (50% dos habitantes da Europa ocidental do norte praticam este estilo de vida, denominado de single life), gerando impacto nos seguintes aspectos: A educação dos filhos. Responsabilidades financeiras. Participação nas propriedades. Exclusividade nas relações. Total rejeição de qualquer autoridade imposta, o que implica questões como: Indisponibilidade para servir. Liderança. Formas de trabalho. Auto-realização e autodesenvolvimento. Educação das crianças. Desejos cada vez mais personalizados dos consumidores, fazendo surgir a questão da qualidade como premissa e não mais como algo a ser alcançado. Como conseqüência de todo este processo de individuação ou emancipação do indivíduo, cada vez mais acelerado, surgem duas forças básicas na alma humana: o egoísmo e o medo. O medo, por vários motivos: De perder o respeito. Do desconhecido. Do risco. Da mudança. Do fracasso. Da velhice. Do futuro. Da perda. Da morte. Do desemprego. Outros medos. Material produzido por: 7 O egoísmo simplesmente porque vivemos como indivíduos conscientes num corpo físico, e o medo porque tornamo-nos conscientes de nossa solidão interior. Muitas das questões não têm solução, por enquanto. Talvez não existam mais soluções globais, e sim soluções individuais que têm de ser descobertas individualmente. Por outro lado, se existe essa corrente da individuação que vem do passado, ela se faz notar também nos tempos atuais, com ênfase maior em uma segunda corrente que vem do futuro, e cujo impacto apenas começamos a vislumbrar. São ventos que prenunciam um grande vendaval. Essa corrente a que nos referimos é a corrente da Integração, que na essência é a contra-força que responde também a necessidades intrínsecas do ser humano. Essa megatendência pode ser verificada, por exemplo, no surgimento de fenômenos tais como: movimento pela Qualidade Total; globalização da economia; unificação européia; crescente consciência ecológica e sobre o futuro da Terra; surgimento de inúmeros movimentos independentes como as ONGs; e, mais recentemente, o movimento de responsabilidade social e cidadania nas empresas do esfera econômica . Neste início de século e de milênio, estaremos, todos, presenciando o embate entre estas duas correntes. A opção novamente é individual. Qual será o lado de cada um? Aquele que levará a humanidade a um estágio da “guerra de todos contra todos”, com a exacerbação do processo de fragmentação, ou o lado que pode nos levar a um outro patamar de consciência onde, individualmente ou coletivamente, possamos caminhar na direção de uma sociedade realmente livre, fraterna e igualitária? Temos consciência de que desvirtuação da vida econômica está gerando as conseqüências nocivas que estamos vivenciando na vida moderna. No entanto, na será com a hipertrofiação das outras dimensões que encontraremos as soluções para essa crise. O domínio da esfera espiritual-cultural sobre as demais leva ao fundamentalismo, assim como a ascensão da dimensão políticojurídica sobre as outras conduz ao totalitarismo. Toda a humanidade encontra-se em imenso processo de desenvolvimento, em busca de um novo modelo social, onde predomine a Liberdade no mundo espiritual-cultural, a Fraternidade no mundo econômico e a Igualdade no mundo jurídico. Esses novos ideais da humanidade foram enunciados com maior consciência a partir da Revolução Francesa. Nossa grande tarefa será traduzir essas idéias em ação e prática consistente em todas as esferas da vida social em nosso planeta. Após percorrer o longo caminho do desenvolvimento da consciência humana, podemos perceber que todo esse processo é consistente com uma sabedoria muito antiga, que diz: “Só pode ser integrado aquilo que for devidamente separado.” Material produzido por: 8