DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS - CADEIRA 31 - EM 28-5.1992
Desde os bancos universitários tinha o hábito de passar pelo Largo do Arouche e admirar, corn reverência, o
prédio da Academia, inaugurado em 15 de dezembro de
1955, por Goffredo da Silva Telles - eu, que, a época,
ouvia, corn admiracao incontida, as aulas de seu filho,
Goffredo da Silva Telles Junior, irmão do acadêmico Ignácio da Silva Telles, na Faculdade de Direito de São Paulo.
Lancava, no ano seguinte, urn pequeno livro de poesias
intitulado Pelos caminhos do silêncio, cuja edicao o amigo
Paulo Bomfim tanto incentivou, embora eu convencido estivesse, nos idos de 1956, de que apenas ele mereceria, urn
dia, ingressar no rol dos imortais. E, apesar de, ainda hoje,
continuar convencido de que apenas ele aqui mereceria
estar, por urn gesto de fidalga hospitalidade e generosa
nobreza, sou hoje recebido neste sodalIcio, que tanto venerei e venero.
As Academias são, em verdade, as luzes culturais de
uma nacão. Nelas, os valores permanentes ultrapassam o
capricho dos modismos, o verniz das circunstâncias e a
monotonia das repetiçôes insuficientes. Os povos cultivam
hábitos e, muitas vezes, entusiasmam-se por solucöes, que
consideram criativas, apesar da mediocridade das propostas, apenas perceptivel pelos verdadeiros cultores dos elementos que conformam urna civilizacao.
Li, outro dia, num estudo de Scantimburgo sobre a
Revoluçao Francesa, que, após os pensadores gregos, a
producão filosófica posterior, embora brilhante e ampla,
foi periférica, visto que as linhas essenciais da reflexão
pura tinham sido tracadas na Grécia européia e asiática.
Confortou-me tal leitura, pois, ha anos, venho repetindo,
não corn o talento e elegância daquele autor, que a oferta
cultural dos gregos, no campo da filosofia, foi definitiva.
Seus alicerces continuam inabaláveis. A natureza humana
nunca foi tao bern retratada, em sua estrutura e anseios,
como por aqueles pensadores, mesmo quando alguns deles,
a tItulo do uso extrerno da inteligência, se tivessem desviado para proposiçöes sofistas. Os paradoxos de Zenon
e suas divergências corn o imobilismo de Parmênides, a
mutabilidade de Heráclito, os elementos essenciais de AnaxImenes, Anaxágoras e Tales, ó transcendentalismo de Pitágoras e a multifacetada forma de raciocinar dos filósofos
pré-socráticos teriam que causar impacto a concentração de
gênios na trIade maxima do pensamento mundial formada
por Socrates, PlatAo e Aristóteles.
Os filósofos posteriores outra coisa nao fizeram que
acrescentar, ao nücleo sólido das verdades então descobertas, componentes mais ricos na técnica de pensar do que
na prOpria essência do pensamento. Descartes inova a abordagem filosófica, mas a premissa de sua revisão absoluta
é contestável, pois mais lógica teria sido - porque mais
verdadeira - a constatação de que o ato de pensar é decorrência de algo que o antecede, que é a existência. Não
deveria dizer, apesar da tabula rasa que fez das especulacöes anteriores, "penso, logo existo", mas "penso, porque
existo". 0 Padre Viotti, em seus estudos, deve ter se encantado corn a impressionante identidade, no campo da
filosofia, entre os grandes pensadores da Igreja e Platão e
Aristóteles, mormente na producao agostiniana e na do
Santo Angelico. A própria filosofia medieval, principal2
mente a do século XII, é fundamentalmente cristä, mas
corn alicerces fincados nas indagacöes dos gregos. ttienne
Gilson contestava o pensamento de Fénelon e Malebranche,
que desvendararn, inclusive, no "existir" de Platão, urna
nocão de Deus idêntica a cristã, a partir da proposição da
idéia por Platão assim expressa: "o grau de diversidade é
proporcional ao grau do ser. 0 ser mais diverso é, pois, o
ser mais ser. Logo o ser mais ser é o Ser Universal ou Todo
o Ser" (Etienne Gilson, El espIritu de la Jilosof ía medieval, Rialp, 1981, p. 52).
A crItica de Gilson a tal universalizacäo, como a de
Aristóteles ern FIsica (VIII, 6) - é dele a refiexão "Segundo o que se disse, está ciaro que ha urna substância
eterna, irnóvei e separada das coisas sensIveis" -, deve-se
mais a aceitacão, por tais fiiósofos, da existência de outros
deuses do que a proposicão, que se assemeiha muito a concepcão cristã, do "Ser em si mesmo, que é o próprio Deus,
Set Causa e nao ser Causado", no dizer de Frederick D.
Wilhelmsen (El pro blema de la transcendencia en la metaJIsica actual, Madrid, Ed. Riaip - Universidad de Navarra,
1963). 0 mesmo se pode dizer dos experimentalistas ingleses, dos iluministas franceses e dos estruturalistas aiernães.
Kant, nas duas crIticas a razão pura e prática - principairnente na razão pura - suspende-se acima das reiacöes
detectadas de "causa e efeito", rnas em piano que os gregos
nao desconheceram, muito embora nern Kant nem os gregos
tivessem vislumbrado soiucoes estáveis. Hegel, em seu idealisrno, perde-se nas próprias dobras de suas indagaçoes,
vaiendo sua afirmacao, todavia, no justificar as dificuldades do ofIcio de pensar, decididarnente não transpostas, de
que apenas a matemática traria certeza absoluta, por ser
uma ciência pobre, sem variantes maiores. "A evidéncia
desse conhecimento defeituoso, do qual a matemática se
orguiha e corn o qual se arma igualmente a filosofia, repousa
somente sobre a pobreza do seu fim e a deficiência da sua
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matéria. IE, pois, de uma espécie tal que a filosofia tern o
dever de desprezá-la. Seu fim ou conceito é a grandeza.
Trata-se exatarnente da relaçao inessencial e carente de
conceito. 0 rnovimento do saber passa, por conseguinte,
sobre a superfIcie, não toca a coisa mesma, não atinge a
esséncia ou o conceito e, por essa razão, nao ë urn conceber.
o espaço e o uno constituem a matéria corn relacão a qual
a maternática garante seu tesouro consolador de verdades.
o espaço é o existir no qual o conceito inscreve suas duerenças como num elemento vazio e morto e no qual essas
diferenças estão igualmente sem rnovirnento e sern vida. 0
efetivarnente real não é algo espacial, tal como é tratado na
matemática. Nem a intuicAo sensIvel concreta nern a fibsofia se ocupam corn esse tipo de inefetividade que são
as coisas da rnatemática. Corn efeito, num tal elernento
inefetivo ha igualmente apenas urn verdadeiro inefetivo,
ou seja, proposiçOes fixas e mortas" (A fenomenologia do
espIrito, Abril, 1974, P. 31). Implicitarnente, reconhece que
a lógica é fundamentalmente rnaternática, instrumento necessário para o trabaiho especulativo, mas que não deve
ser confundida corn o trabaiho ern si. E aqui paro para
voltar a razão de ser destas perfunctórias consideracoes sobre os gregos, não sern antes lembrar que o direito, ern sua
concepcão moderna, nao é uma criacão grega, mas urn
presente dos gregos aos rornanos.
A evidência, o direito não surge ern Roma. Surge corn
as primeiras sociedades organizadas, em sua dirnensao social, muito embora os direitos naturais se insiram no proprio aparecirnento do homem sobre a Terra.
Como dizia o autor da Declaração Universal dos Direitos do Homem, Rene' Cassin: "Não é porque as caracterIsticas fIsicas do homern rnudararn pouco desde o corneço
dos tempos verificáveis que a lista de seus direitos fundamentais e liberdades foi idealizada para ser fixada perma4
nentemente, mas em funcao da crença de que tais direitos
e liberdades ihe são naturais e inatos" (Human Rights Since
1945: An Appraisal, in The Great Ideas 1971, Ed. Britannica, p. 5).
Ha direitos naturais que apenas a sociedade pode reconhecer, como o direito a vida, que é inerente ao próprio
hornern, e ha outros direitos que o Estado pode criar, como
as formas de governo, por exemplo. Os prirneiros são permanentes. Os segundos, que esculpem o nücleo real do
direito positivo, são sempre alteráveis conforme a conjuntura. 0 complexo destes, por suas prirneiras codificaçoes
conhecidas, antecede em muito a conformacao rornana. Os
Códigos e leis de Shulgi, Entemena, Urukagina, Gudez,
Urnammu, Lipit-Ishtar, Eshunna, Manu, Harnurabi, Drácon, Solon, Licurgo são todos anteriores ao direito romano.
0 que de admirável ocorre em Roma, todavia, é que, pela
prirneira vez, instrumentaliza o direito como forma de conquista. Antes de Roma, o direito era utilizado para cornpletar o exercIcio do poder, sempre de natureza divina,
sobre o povo. Os reis, imperadores, mandarins, faraós e
governantes, corn a rnais variada titulacao, sentiam-se mandatários dos deuses e, dessa forma, concediam ao povo,
considerado inferior, a benesse do estatuto jurIdico que o
controlava.
Roma, não. Roma fez do direito instrumento de realização do povo. De domInio do império. De garantia das
comunidades. 0 irnpério romano durou dois mil e cern
anos, em seus espacos oriental e ocidental, gracas a instrumentalizacao do direito como mecanismo de conquista. 0
estatuto e a garantia do jus civile e do jus genhium romanorum, a medida que se vai alargando pelo irnpdrio, vai
assegurando a todos os alienIgenas, que ganham a cidadania romana, direitos que nenhum povo no passado assegurara as gentes conquistadas. E quando Antonino Caracala,
em 212 d.C., estende a cidadania romana a todo o império,
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retarda em duzentos e cinqüenta anos a queda do império
ocidental, já mortalmente ferido em suas entranhas, por
lutas intestinas insuperáveis.
Por que Roma instrumentalizou o direito, corno arma
de conquista? Espero que os eminentes historiadores da
Academia, aqui presentes, Lycurgo de Castro Santos Filho,
Duilio Crispim Farina, Pe. Hélio Abranches Viotti, Hernãni
Donato, Odilon Nogueira Matos, Myriam Ellis, Mario Graciotti e Paulo Nogueira dos Reis, me perdoem a incursão
em sua area, mas estou convencido de que a instrumentalizaçao decorreu da impossibilidade de se governar o mundo, a partir do pensamento grego, sem levar em consideraçAo o homem. Os gregos, em rigor, abriram uma nova
perspectiva ao homem-povo. Ao homem comum. Ao homem corrente. Este percebeu sua dignidade. Não mais, após
os gregos, seria possIvel governar sem conhecer tal realidade, razão por que o gênio romano foi ter percebido a
licAo dos gregos e criado urn instrumento capaz de assegurar suas conquistas. Os povos conquistados tornavam-se
aliados de Roma por forca das garantias pertinentes a seu
direito. A segurança das leis romanas, para os aliados e
para as comunidades, era mais desejável do que a que ofertavam as leis do próprio pals conquistado, lembrando-se,
apenas a tItulo elucidativo, a surpresa do "centurião" ao
saber da cidadania romana de Saulo. 0 "cidadão" romano
tinha direitos de tal ordem que os habitantes dos povos
conquistados os ambicionavam ao ponto de ter o referido
militar dito que adquirira sua cidadania por alto preco, ao
que Saulo retorquiu ser a sua de nascimento.
0 direito moderno, portanto, tem, nos gregos, sua
matriz filosófica e, nos romanos, sua escultura jurIdica, os
quais continuam, ainda hoje, a dimensionar, em seu ramo
estável, que é o direito civil, a moldura legal de todos os
paIses.
E aqui cabe, ao encerrar esta parte, uma observaçao
e homenagern ao grande filósofo e jurista Miguel Reale, de
quern fui aluno na Universidade e continuo aluno ate hoje.
Vislumbrou o eminente amigo e mestre, no direito, a tridimensionalidade de seus componentes, em que a norma é
apenas urn dos integrantes. Não mais, nem menos relevante
que os fatos, que conforma, e que o valor que a estrutura.
Nada obstante nunca seja citado, apesar de ser a major
expressão do direito pátrio, pela escola preguiçosa do direito, que ainda dornina determinada Universidade no Pals
- a qual, a luz da pureza da norma, se nega a aprofundarse na fenornenologia fática e axiologica, de complexidade
consideraveirnente rnaior do que o mero discurso impositivo, por mais perfeito que seja -, Miguel Reale penetrou,
fundamente, nos mistérios dessa realidade admirável que
permite ao homem viver em sociedade, para descobrir sua
dimensão major, de ciência reguladora de todas as demais
ciências sociais, no plano convivencial, como a filosofia é
a ciência universal por excelência, no piano especulativo.
E Miguel Reale é filósofo e jurista, sobre ser poeta, historiador, ensaIsta e humanista de escol. E, pois, multifacetadamente universal. E rendo, neste momento, homenagem
aos outros juristas da Academia, os mestres Geraldo Vidigal
e Frederico Marques, assim como ao pensador Joao Scantimburgo.
Tais consideracoes já demasiadamente longas - serão
mais curtas a partir de agora - objetivam apenas demonstrar que a filosofia grega e o direito romano, sobre estarem
umbilicalmente interligados, sao, ainda hoje, o alicerce de
tudo o que se escreve neste campo, aos filósofos gregos
devendo-se a criação de centros de estudos e de discussOes
culturais, que culminou com a fundacao da Academia de
Platão e o Liceu de Aristóteles, aquela apenas extinta por
Justiniano em 529 de nossa era.
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Fundada por volta de 385 a.C. e tendo o nome retirado de herói ático (Hecademus), que permitira aos irmãos
de Helena descobrir o lugar onde Teseu a escondera, foi
durante quase urn milênio ponto de integracão cultural, em
que os intelectuais se encontravam para renovar forcas de
criação superior. Toynbee, em sua teoria sobre o colapso
das civilizacôes, atribuiu o fechamento da Academia a
"inversão de papéis", após ter vivido o mecanismo da
"mirnese", caracterIsticas que acompanham o crescer e fenecer dos povos e das culturas. Pela primeira, sempre que
as civilizaçoes passam a repetir o que fora ütil no passado,
sem criar, terminam por ser superadas. Pelo segundo, o
organismo social, como o humano, na parte que obedece
a vontade e näo exciusivamente a reflexos biológicos pode-se falar em biologia social, corn a permissão do amigo
e acadêmico Paulo Nogueira Netto -, sempre que tal vontade criativa prevalece, o organismo cresce e as civilizacoes
se fortalecem.
0 desaparecimento da Academia de Platão nao representou, todavia, o desaparecimento do espIrito acadêmico,
que, principalmente, após a Renascença, começou a explodir em toda a Europa. A Academia Francesa ganha sua
dimensão atual corn Richelieu. Colbert funda a Academia
de Ciências, Letras e Artes em 1665. Em Florenca surge a
Academia della Aurea, em 1582, na Espanha a Real Academia Espanhola, em Portugal a Academia de Ciências de
Lisboa, em Londres, em 1662, a Royal Society, na Suécia,
a Svenska Akademien, que oferta o Prêmio Nobel, e, nos
Estados Unidos, a American of Arts and Sciences.
No Brash, tivemos a Academia BrasIlica dos Esquecidos em 1724, de que Sebastiäo da Rocha Pita e os irmäos
Gusmão foram participantes, a Academia dos Felizes em
1736-1740, a Academia dos Seletos em 1752, a Academia
dos Renascidos, na Bahia (1759-1761), a Academia Cien8
tIfica do Rio de Janeiro e a Academia Militar, das GuardasMarinhas, de Belas Artes (1816), a Nacional de Medicina
(1829) e, por fim, a Academia Brasileira de Letras, em
1896.
Algumas Academias, principalmente as portuguesas,
permita-me o Mestre Amora, meu presidente de quem sou
confessado acólito, foram fundadas corn nomes estranhos
(Academia dos Generosos, Academia dos Singulares, Academia dos Anónimos, Academia dos Solitários, Academia
dos tJnicos), sendo, todavia, a Arcadia Lusitana, a Academia de Belas Artes (1790), a Academia Real de História,
a Academia Real de Ciências aquelas que mais marcaram
a histórica portuguesa.
E, a evidência, neste rol de Academias, a Paulista
de Letras aquela que mais de perto nos toca a todos, porque é a Academia da gente da paulicéia, que deu ao Brasil
as dirnensöes atuais. 0 Brasil é, hoje, uma nacão continental, gracas aos portugueses, que não permitiram sua pulverização em pequenos Estados, e aos paulistas que estenderam o Tratado de Tordesilhas muito além de seus limites
acordados antes da descoberta do Pals.
A Academia do Estado de São Paulo é a Academia do
bravo povo que construiu o Brasil e o ofertou aos demais
Estados, que, nos dois primeiros séculos de nossa história,
quando do bandeirantismo de apresamento, sustentou o
Norte corn a mão-de-obra capturada no Sul e alargou as
fronteiras do Pals. No século seguinte, descobriu as riquezas e o ouro, para nos dois ültimos manter, economicamente, a nacão, sendo, ainda hoje, sozinha, responsável
por quase 50% da producão de riquezas no Pals.
Nesta terra doadora e generosa, sua Academia teria
que ser uma instituição de idênticas dimensöes, corn as
mesmas raIzes, a mesma estatura e a mesma importância
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do Estado que a hospeda. E pelos vultos que aqui passa.
ram, desde 1909, sem sombra de düvida, nada deve, em
sua composicão, a Academia Brasileira de Letras, pois dela
sempre participaram, salvo seu mais novo membro, os maiores vultos da história da cultura do Pals.
Foi assim que sempre vi a Academia Paulista de Letras, razão pela qual me sinto particularmente emocionado
em ser aqui recebido como urn de seus membros ao lado
dos acadêmicos já citados e dos eminentes poetas como
Cyro Pimentel, Benedicto Ferri de Barros, Afrânio Zuccolotto, Domingos Carvaiho da Silva, Geraldo Pinto Rodrigues, Jose' Tavares de Miranda, romancistas como Marcos
Rey, Lygia Fagundes Telles, Francisco Marins, além dos
autores Nilo Scaizo, Ana Maria Martins, Odilon da Costa
Manso, Rubens Teixeira Scavone, Erwin Theodor Rosenthal, Milton Vargas, Honório de Sylos, Antonio D'Elia,
Israel Dias Novaes, lose' Benedicto Silveira Peixoto e Alcântara Silveira.
E passo, agora, na parte final deste modesto e perfunctório discurso de posse, a breves referências aos ilustres
nomes que me antecederam na cadeira 31, a começar por
seu patrono.
0 patrono da cadeira 31 é Rangel Pestana, jornalista,
formado em direito, defensor dos justos ideais democráticos
no século passado, que eram a Federacao, a Repüblica e o
abolicionismo. Seu primeiro ocupante, Hipólito da Silva,
embora não formado em direito, foi jornalista, comerciante,
defensor de idênticos ideais, não tendo tornado posse, pois
sua morte prematura, em 25 de setembro de 1909, frustrou
o sodalIcio dessa alegria, tendo em seu lugar assumido
Spencer Vampré, que a ocupou ate 14 de juiho de 1964.
Jurista, com notável vocaçäo para a processualistica, foi
substituldo por Carlos Rizzini, também formado em direito, homem püblico como os demais, historiador e jornalis10
ta, que a ocupou ate 1972, sendo sucedido por outro notávet jurista e homem püblico, que foi Alfredo Buzaid, que
a ocupou ate 1991, ano de seu falecimento.
As coincidências são marcantes. Range! Pestana, Hipólito da Silva e Carlos Rizzini foram mais jornalistas que
politicos, embora tenha Hipólito da Silva sido eleito deputado para. a Junta Comercial de São Paulo, Range! Pestana
participado do governo provisório paulista, logo após a
Proclamaçao da Repüblica, e Carlos Rizzini sido eleito
deputado estadual pelo Estado do Rio de Janeiro e vereador para. a Câmara Municipal de Petropolis. Rangel Pestana e Hipólito da Silva fizeram o jornalismo de pregação.
Rizzini, aquele de informacão. Fundaram, os prirneiros, o
jorna! A ProvIncia de São Paulo, depois de terem colaborado, organizado e trabalhado nos jornais Tymbira, Futuro
e Epoca. Carlos Rizzini, professor de jornalismo, também
colaborou em diversos jornais, tais como Rio Jornal, 0
Jornal, Diário de NotIcias, tendo, todavia, no magistério
marcado seu momento mais etevado, como professor da
Universidade do Brasil em jornalismo (1951-1961) e diretor da Fundaçao Casper LIbero, de 1961 a 1965. Sua obra
é marcadamente didática e histórica, como 0 liuro, o jornal
e a tipografia no Brasil, 0 jornalismo antes da tipografia e
Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. Politico, professor, mas antes de tudo jornalista.
Spencer Vampré e Alfredo Buzaid também escreveram em jornais, também foram homens püblicos marcantes, tendo Alfredo Buzaid sido elevado a condicao de ministro da Justica a época em que, nada obstante a excecão
do regime, os homens que assumiam cargos de tal envergadura eram cultos, dignos e não semi-alfabetizados, como
em perIodos posteriores. Nenhum ministro, desde a época
imperial, vislumbraria, sem terem os dons de Esopo e La
Fontaine, na raga canina identidade ontológica corn o
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homo sapiens, referência capaz de pôr em dtivida a propria estirpe de quern a fez, corn tanta convicção. Foram,
os dois, fundamentalmente juristas. Foram professores. Foram mestres em direito processual. Marcararn época. Sua
obra, hoje e sempre, continuará a orientar a processualIstica nacional. Fizeram escola. Spencer Vampré, corn seus
notáveis estudos Das sociedades anônimas, Do agravo e da
carta testemunhável, Da apelacao civil e criminal, Da falência e da concordata, Dos embargos e das provas em
direito comercial e administrativo. Alfredo Buzaid escreveu obras de igual relevo e importância, entre as quais se
destaca Da açâo declaratória, Do mandado de seguranca,
Estudos de direito, Da acão renovatória, sobre ter coordenado a comissão que redigiu o atual COdigo de Processo
Civil.
Os cinco nomes ligados a cadeira 31 são de homens
que estão unidos por urn mesmo ideal. 0 ideal de urn pals
mahisculo, alicercado em sólida cultura.
Rangel Pestana e HipOlito da Silva, após os desmandos do início do regime republicano, retraIrarn-se, desiludidos corn os interesses menores daqueles que diziam professar os mesrnos ideais. HipOlito, inclusive, se visse o nIvel
dos desrnandos atuais reforrnularia a letra de seu Hino Republicano "Seguirás da vitória seguro, proclamando a igualdade por lei, e verás teu brilhante futuro, sem a sombra
funesta de urn rei". E que sombras rnais funestas tomaram
conta da Repüblica brasileira, hoje afundada em irnenso
lodacal de homens minüsculos corn interesses rninüsculos,
que envergonharn a nação, empobrecern o povo e escravizarn a sociedade. Pigmeus püblicos, cujo exemplo devem
os pais sugerir a seus filhos que não sigarn. A desilusão corn
O fracasso republicano não desmerece, porém, a luta pelos
ideais que batalhararn, corn forca e ousadia, nurna época
ern que os politicos eram mais respeitáveis e respeitados.
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0 certo ë que Os crnco lutaram por urn pals meihor
e, embora não tenham assistido a realizacão de seus sonhos,
deixaram obra suficiente e marcante para que sua lembrança permaneca a sinalizar os caminhos retos do futuro.
E chego ao fim. Nas coincidências, comovido. Na
Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo,
a que fui conduzido pelos votos de Paulo Bonfim e Gilberto
de Mello Kujawasky, ocupei a cadeira Julio de Mesquita.
Aqui ocuparei a cadeira de seu incansável colaborador Rangel Pestana. Na Academia Paulista de Direito ocupo a Cadeira de Campos Salles, que corn Rangel Pestana, Hipólito
da Silva e Julio de Mesquita lutou pelos mesmos princIpios.
Ocupo, na Academia LusIada de Ciências, Letras e Artes,
a cadeira Ruy Barbosa, que corn Rangel Pestana preparou
a Constituicao de 1891 e tarnbém foi ardoroso republicano,
federalista e abolicionista, muito embora, no fim de sua
vida, lamentasse ter substituldo a "instabilidade" do regime
parlamentarista pela "irresponsabilidade" do regime presidencialista.
Quando presidi o Instituto dos Advogados de São
Paulo, foi-me dada a honra de hornenagear Alfredo Buzaid,
de quem fui aluno de escola e na vida, Miguel Reale e
Goffredo da Silva Telles Junior, assim como ao meu padrinho, Geraldo Vidigal, a quern sucedi na presidência daquela instituicão. E o Instituto teve, como urn de seus maiores vultos, Spencer Vampré. Descobri, quando presidente,
ao resgatar a memória do Instituto, que fora este fundado
em 1874, pelo Barão de Ramaiho corn a colaboracão de
Vieira de Carvalho, bisavô de todos os Mesquitas que hoje
dirigem o grupo 0 Estado de S. Paulo. Descobri, também,
histórica fotografia em que Vicente Ráo e Spencer Vampré
receberam Ruy Barbosa no Instituto. E urn neto de Rangel
Pestana, o saudoso Francisco Rangel Pestana, foi meu mestre em advocacia e diretor da Foiha de S. Paulo.
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As coincidências espantam-me, mas não ao Criador,
que sabe a razão da tapecaria que tece, corn o entrecruzamento das linhas e das cores. Sinto-me conduzido por esta
série de coincidências sem saber como explicá-las. A major
delas foi a de ter em Geraldo Vidigal, de quern sou, em
direito econômico, o mais disciplinado discIpulo, apadrinhamento amigo e fraternal. Prirneiramente, para o Instituto dos Advogados, obrigando-me a assumir a presidência,
como seu sucessor e de Cássio Martins da Costa Carvaiho.
E, agora, lancei-me candidato a vaga aberta pelo falecimento do leal amigo Alfredo Buzaid, por ele incentivado.
Geraldo, que é poeta meihor do que eu, jurista meihor do
que eu - pianista nAo sei -, mas compositor certarnente,
e a quem, gostaria, neste momento, de expressar publicamente minha especial gratidao por tudo que fez por mirn.
Homenagem esta que também presto a mernória de Alfredo
Buzaid, rneu professor nos bancos da Academia, e que, nos
ültimos anos de sua vida, a este aluno confiava as questOes
tributárias de seu escritório. Mestre saudoso. Amigo inesquecIvel.
Não poderia, ao final destas lembrancas, deixar de
prestar reverência a minha amada de sempre, mae de meus
seis filhos, e aos meus queridos pais, cuja persistência, na
educacao de sua prole, agradeço, corn emoçäo - ele urn
imigrante português, que se auto-educou ate ser hoje escritor, e ela, que, no carinho permanente, adocou a eficaz Severidade paterna. A minha mulher ofereço, uma vez mais,
apaixonado hoje, corno ha 39 anos, quando cornecei a namorá-la, soneto feito no passado e cuja intensidade continua igual, no arnor devotado que ihe tenho:
"Trinta anos completei, no mesmo passo,
Descortinando auroras e lembrancas,
Num caminho em que o tempo sem espaco
Jamais desfez os sonhos e esperanças.
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Sornente o olhar agora está mais lasso,
Mas, nele quantas vezes tu descansas?
o amor, porérn, renasce, nunca escasso,
Qual nos idos das mültiplas andancas.
Trinta anos completaste, sempre igual,
Tao muiher, tao silente, tao amiga,
Sem süplicas, sem crises, sem rival,
Que eu não sei que dizer, por mais que diga,
Quanto amor eu te tenho e quanto o mal
Se desfaz quando eu faco esta cantiga".
E paro. Nunca pensei, quando, ainda acadêrnico de
direito, ao passar pelo Largo do Arouche e contemplar o
prédio recérn-construIdo, que albergava a cultura do Pals,
que urn dia estaria entre seus integrantes. E aqui estou. Não
por méritos pessoais, mas pela generosa manifestacão de
carinho e estima de todos. Certamente o menor dos acadêmicos, mas igual a todos na luta pelos superiores ideais
da insuperável Academia Paulista de Letras.
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do arquivo pdf - Advocacia Gandra Martins