Memórias... Escrevendo a história de Guarapuava "Lembranças são águas que correm entre os fatos e feitos que se fizeram acontecer. Elas vivem e não morrem. É o simbólico rio da História, que nunca para de correr". Foi assim que Nivaldo Krüger definiu em seu livro “Guarapuava: seu território, sua gente, seus caminhos, sua história” o efeito de lembrar, o doce ato de recordar, de ter vivos em seu profundo íntimo os momentos vividos. Segundo este mesmo livro, em 1521 o primeiro branco pisou nas terras que hoje chamamos Guarapuava. A partir daí, muitas lembranças foram conquistadas, memórias foram criadas e a história em si foi feita na cidade. Mas para falarmos das lembranças desse povo ou da história dessa terra não precisamos ir tão longe. Podemos simplesmente conversar com aqueles com mais idade, que com certeza têm interessantes e inspiradoras memórias para relatar. Minha bisavó, hoje com 98 anos, é uma dessas pessoas. Hoje sem poder andar devido à problemas no joelho, ela vive vagando em lembranças de tempos passados. Está sempre contando histórias sobre sua mocidade, saudosa dos tempos onde seu maior problema de vista era a visão turva ao acordar e os hoje constantes lapsos de memória simplesmente não existiam. Sentada em sua cadeira de balanço, com sua fiel companheira, a cuia de chimarrão, ela está a reclamar do calor, e após algum tempo divagando começou a me relatar o que, em seu tempo de infância, fazia em dias como esse, de altas temperaturas. No acontecimento relatado ela alegou ter entre 6 e 8 anos, sem conseguir se lembrar ao certo o ano em que aquilo acontecera. Quem conseguiria com quase um século de vida? Segundo o que ela contava, era uma tarde quente de dezembro. Ela, que sempre se orgulha de ter sido muito estudiosa, estava de férias do colégio. Nesse período ajudava o pai nos trabalhos da roça. Seus pais aliás, vieram da Ucrânia, sendo que ela mesma falara o ucraniano antes do português, um exemplo da mistura de culturas e etnias que forma nossa cidade. Com os olhos marejados pelo doce misto de dor e nostalgia da saudade, contou-me que, como o calor era muito intenso, ela e uma amiga foram até o rio Jordão se banhar. As jovens garotas, se espelhando em suas mães, resolveram tirar suas roupas para brincar de lavá-las no rio, como viam as mulheres mais velhas fazendo. Quando os pais foram encontrá-las, estavam despidas de qualquer malícia, divertindo-se desnudas nas águas do rio. Deslumbrante inocência infantil. Contou ainda como, desde aquele tempo, a vida mudou muito, bem como a cidade e seu povo. Para melhor? Para pior? Ela não me soube responder, mas é certo que a mudança aconteceu. Ela me disse que a infância foi alterada, e realmente foi, uma vez que é mais fácil encontrar um pequeno jogando videogame ou assistindo televisão em casa que brincando e jogando bola na rua e em parques. Os costumes mudaram, a estrutura da sociedade foi alterada. Até mesmo parte da inocência foi perdida... Mas as mudanças adentraram também o espaço. O próprio rio mudou. O cenário da cidade evoluiu, crescendo para os lados e para cima, com os modernos prédios que deram uma nova cara à cidade. A bisa me disse que mal reconhece a cidade hoje em dia. Uma grande mudança aconteceu no Parque do Lago. O que hoje é um dos principais pontos turísticos da cidade, conta minha mãe que outrora fora nada mais que um lamaçal. As fotografias da época comprovam suas lembranças. Com a revitalização, um vale insalubre foi transformado em um aprazível espaço de prazer, que encanta com suas formosas cerejeiras, e se transformou em um esplêndido cenário alvo ao cair da neve em 2013, a qual não caía há cerca de 40 anos. Mais memórias sendo construídas. A conversa continuou por um bom tempo. Minha bisavó contou que a história da cidade pode estar registrada nos museus e livros, mas o mais valioso registro é a memória e as lembranças de seu povo. A história da cidade vai além dos livros, pois cada passagem das pessoas que aqui vivem ou viveram, como uma simples brincadeira no rio, compõe a história da nossa terra. Sendo assim, a história de Guarapuava está escrita nas memórias de cada guarapuavano. Luiz Gustavo Lemes _ 2°ano Ensino Médio ESI Colégio Nossa Senhora de Belém