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ENTREVISTA
“Já dissemos a doentes com
cancro que há medicamentos
que não estão disponíveis”
ROMANA BORJA-SANTOS
13/04/2015 - 09:13
Nova presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia
considera que falta dinheiro para tratar o cancro em Portugal.
Para Gabriela Sousa só a dedicação dos profissionais de saúde
ajuda a que os resultados não sejam piores.
“O sofrimento que as pessoas associam ao cancro, a dor física, é hoje algo que
se consegue tratar” ENRIC VIVES-RUBIO
Para a nova presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia
(SPO) só a dedicação dos médicos nos últimos anos tem evitado
piores resultados no combate ao cancro em Portugal. Mas Gabriela
Sousa avisa que “hoje a tolerância dos profissionais é zero” e quem
pode reforma-se ou sai do Serviço Nacional de Saúde. Aos 45 anos
e a trabalhar no Instituto Português de Oncologia de Coimbra, a
médica acredita que o combate a estas doenças conta com
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terapêuticas cada vez melhores. Contudo, admite nem sempre são
introduzidas com a velocidade necessária, numa doença em que a
palavra “tempo” é determinante.
A especialista, que se dedica ao estudo e tratamento de doenças da
mama e do aparelho ginecológico e urinário, sendo ainda
responsável pela consulta de risco familiar de cancro da
mama/ovário, considera que nos próximos anos o papel da SPO
passará, sobretudo, por assegurar melhor formação para os mais
novos, por batalhar pela qualidade de vida dos doentes, mas
também pela saúde dos médicos. “Quando estamos no limite a
possibilidade de errar é cada vez maior”, alerta, defendendo que a
suborçamentação impede resultados melhores.
Começou agora um mandato de três anos à frente da
SPO. Quais as prioridades?
A nossa prioridade é unirmo-nos para elevar a qualidade da
oncologia em Portugal. Apesar de termos profissionais excelentes,
existem algumas barreiras que nos limitam no tratamento do
cancro. A SPO é uma sociedade científica, em que o objectivo
maior é a formação e a educação médica contínua, sobretudo dos
mais novos. A nossa sociedade tem também algumas
particularidades, porque o tratamento do cancro é multidisciplinar
e cada vez mais profissionais têm de estar envolvidos. A
especialidade de oncologia é relativamente recente e temos muitos
oncologistas que vêm da medicina interna. Agregamos ainda a
radioterapia, a cirurgia, além de outras especialidades.
Uma das suas preocupações são os jovens especialistas?
O dia-a-dia de quem trabalha com cancro é extremamente difícil,
desgastante muitas vezes. Temos um volume de trabalho muito
grande e estamos a trabalhar numa doença que leva as pessoas ao
seu limite, emocional, social, familiar... É uma profissão com
elevado risco de as pessoas desistirem. Quando foi criada a
especialidade, em 1995, de início houve vários internos que
mudaram a sua área. A nossa preocupação enquanto SPO é apoiar
os jovens neste percurso difícil e extremamente competitivo.
Queremos dar-lhes mais ferramentas com a formação e em áreas
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que as pessoas normalmente não apanham no seu percurso
formativo, como epidemiologia, estatística, sexologia ou
oncofertilidade.
Mas está preocupada com a saída de profissionais do
Serviço Nacional de Saúde? Noutras especialidades a
saída de quadros mais velhos tem comprometido a
formação dos internos.
Isso é transversal. Assistimos de facto a um fluxo de saídas. Hoje a
tolerância dos profissionais é zero e as pessoas, quando têm
possibilidade de reforma, optam por sair. Pouco os agarra à vida
profissional e nesse sentido claro que a formação fica um pouco
comprometida. Tem havido a preocupação de formar mais pessoas
e os serviços ficam cheios, têm muitos internos.
Também há problemas nos medicamentos inovadores.
Com a hepatite C ganhou maior expressão o debate sobre
o preço. Como estão as coisas na área do cancro?
Tem que haver uma discussão alargada, com envolvimento da
sociedade civil e das entidades pagadoras, para se perceber qual
vai ser o modelo de financiamento. Hoje discute-se muito o que é
inovação e isso pode gerar alguma polémica. No cancro o que é
inovador é diferente do que acontece em algumas doenças
infecciosas como a hepatite C, em que o medicamento tem uma
taxa de cura. No cancro quando falamos em inovação é em termos
de qualidade de vida ou de aumento do tempo de sobrevivência.
Muitas vezes é questionado se acrescentar mais dois ou três meses
de sobrevivência é suficiente pelo custo. Tem de se encontrar um
modelo que funcione para que os medicamentos cheguem aos
doentes em tempo útil. Muitas vezes quando o medicamento fica
disponível já não vai ser útil. É uma doença em que o tempo é
fundamental. Estes medicamentos vêm normalmente para
situações de doença avançada em que o doente se degrada
rapidamente. Nós, oncologistas, somos treinados diariamente para
definir esse timing. Não se trata de dar ao doente um
medicamento a qualquer custo, é numa perspectiva de lhe garantir
qualidade de vida.
O final do mandato da anterior direcção ficou marcado
pela denúncia de problemas como a falta de camas nos
IPO, que estaria a atrasar cirurgias.
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Não estamos a falar só do tratamento cirúrgico, ainda que esse
ganhe mais importância, uma vez que muitas vezes é o tratamento
curativo. Estamos a falar da quimioterapia, o tratamento
hormonal, sistémico e a própria radioterapia. Não podemos falar
num atraso mas em dificuldade em reunir uma equipa
multidisciplinar.
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