Escrita da violência: o que ainda pode ser obsceno na literatura dos nossos dias? Renata Damiano Riguini Ilka Franco Ferrari Para começar este trabalho, faz-se necessário buscar transpor, para psicanálise, o que estamos chamando de „obsceno‟, já que tal palavra não é um conceito que nos pertença, ou seja, que pertença ao corpo teórico psicanalítico, tampouco pertence a outras áreas. Ao mesmo tempo, „obsceno‟ é uma palavra que circula em diversos campos de saber instaurando seus usos. Isto porque o obsceno não está no só no senso comum. Na contemporaneidade, podemos afirmar, ele está mesmo na ordem do dia Cotidianamente, a obscenidade se liga à violência e à pornografia, mas, ligá-lo diretamente à pornografia e à violência limita o obsceno ao campo do Mal, o que não é, definitivamente, o ponto que gostaríamos de elucidar. Em psicanálise, e mesmo na literatura chamada pornográfica, no domínio das artes e da comunicação, encontraremos novas formas e conteúdos para expandir o uso do obsceno. Uma das possíveis e mais repetidas etimologias da palavra „obsceno‟ vem do latim, “obscenus” que, inicialmente, significou de mau agouro, mau presságio, funesto ou sinistro, tendo um parentesco com a palavra obscuro. Neste sentido, o obsceno sugere o escondido, o secreto ou o que se impõe a cena para obstruir, fazendo violência à visão, mancha potencialmente siderante. Para Bernas e Dakhlia (2008), faz-se necessário esclarecer que o obsceno não é o sem mancha, mas é a mancha mesma. Curiosamente, o termo desliza para ser usado para pessoas impudicas ou desonestas, que devem esconder seus hábitos sexuais, tendo também sido usada para referir-se aos órgãos genitais masculinos. Ou ainda, como sua própria etimologia carece de esclarecimentos, obsceno pode derivar também do latim “ob-caenum”, que remete a algo sujo, lodoso, indecente e imundo. Podemos dizer ainda de uma origem semântica grega do termo obsceno. Esta se liga a pornografia: pornos + grafôs. Desta forma, a pornô (prostituição) grafia (escrita), definia uma coleção de gravuras ou pinturas obscenas, ou o caráter obsceno de uma publicação. Unidas, pornografia e obscenidade, o pornô deixa de enfatizar simplesmente o fato sexual e a cena para a função do pudor de quem olha, envergonhado ou extasiado, frente à extrema fragilidade do desejo quando está conectado com a potência do gozo. Mas temos ainda, segundo Genoves (2014, p 34) uma origem da palavra “que vincula a voz obscena com a forma, não menos latina, ob-scaenam, aquilo que fica fora da cena, que não se mostra em uma peça teatral, o que na cena estaria fora de lugar”. Devemos esclarecer também que, segundo Erhardt (2008) representar, não é mostrar – e a autora aqui se refere ao teatro, mas acreditamos que sua pontuação é preciosa para nosso desenvolvimento – representar é dar visibilidade, valor ao que aparece e sugere uma ausência, “uma linha de flutuação do olhar reserva uma massa invisível, e faz signo para um fora-do-campo” (ERHARDT, 2008, p.37). Ou seja, neste sentido, o obsceno é o que permanece encoberto por um véu, ou, como no teatro, pelas cortinas. Vale lembrar que, hoje em dia, a preocupação em velar o real, o cru, o obsceno é, no mínimo, paradoxal. Enquanto é permitido, a qualquer momento, acessar qualquer cena capaz de chocar, somos assolados por um turbilhão de semblantes que se colocam como tela, ou anteparo, contra o encontro sem mediação simbólica do que seria insuportável. Um bom exemplo é a pornografia na internet. Podemos dizer que é obsceno? De que perspectiva? Talvez para algumas pessoas, mas não para aquelas que já conhecem a série que repete a mostração de um ato ensaiado e digamos, com código de barras, sem a experiência do encontro de fato, talvez até sem angústia. Por mais aberrante que possa parecer a cena – a pornografia na internet se encarrega de trazer os conteúdos mais bizarros e as fantasias mais impossíveis a fim de atingir todos os gostos e todo o público. Uma pergunta já se nos impõe: este contexto preservaria o poder de escândalo e a força de inquietude que o obsceno pode provocar em cada sujeito? Visto desta forma, acreditamos que não menos importante se torna esta palavra na clínica psicanalítica. A obscenidade faz falar e faz calar os analisantes e analistas desde Freud. Na clínica atual observamos ainda cada sujeito lidando com o fenômeno atual da proliferação de imagens, muitas vezes imagens obscenas para quem assiste, imagens que olham o sujeito de um ponto onde ele não se vê, provocando angústia e sintomas. Tudo pode ser visto por todos, desde a nudez do vizinho, aos atropelamentos e acidentes registrados ao vivo até a aparência de doenças e pessoas em estado terminal, os também testemunhos de traumas e violência proliferam nas redes sociais, tudo que antes eram os segredos de túmulo. Está tudo a apenas um clique. Tudo e todo tipo de violência obscena está registrado e pode ser visto. Responsabilidade de quem quiser mostrar, ver e saber! Mas, enquanto pesquisadores, perguntamos: por onde passaria a linha que traça o limite entre cena e obsceno nas representações pessoais, artísticas, midiáticas, jornalísticas ou mesmo políticas? Em um caso recebido por uma analista, um jovem rapaz descobriu no computador de sua namorada um vídeo onde ela fazia com sexo mais três amigos de sexos variados, porém a “baguncinha” aconteceu antes de conhecê-lo. Ora, hoje em dia a juventude não pode fazer balburdia por qualquer „surubinha‟ entre colegas. Pega mal, e é careta. Continua o namoro como se nada tivesse acontecido, como se tudo estivesse tranquilo para ele, e quando pensa racionalmente, acha que está tudo bem, e que realmente não há nada demais no passado de sua namorada. Mas o bem jovem apaixonado e doce se transformou em um grande ciumento. Estas imagens não saem de sua cabeça e, como uma obsessão, exercem total domínio sob seus pensamentos. Sintomas físicos, inibição, menos valia, ciúmes, agressividade e rivalidade vieram a toda. O imaginário se mostra ocupando toda a cena e a vida, agora, do casal, que não para de brigar. O namoro provavelmente não sobreviverá ás imagens que, não por se tratarem de imagens sexuais, mas por sua força intrusiva se fizeram deveras obscenas para nosso jovem o que, no entanto, permitiu que ele se tornasse analisante e começasse a tecer uma narrativa, simbólica, a partir deste ponto – coisa também não muito comum hoje aos dezoito anos. Veremos que sendo o obsceno entendido como algo violento, como visibilidade excessiva que faz obstrução, como esclareceu Bernas e Dakhlia (2008), é o inverso do sensível. Ele subjuga os sentidos na medida em que os tetaniza. Enquanto obstáculo suplementar e siderante, o obsceno também varia conforme a época. Sendo variável conforme o tempo, acreditamos que ele também pode nos dizer destas mudanças. Provocador, o obsceno esmaga o sentido, sendo uma linguagem da falha, do não-sentido, ou uma escrita do abismo, como se expressou Bayon (2008), provavelmente inspirada por Sartre que em „A Náusea‟ associa o obsceno aos episódios que dão nome ao livro: são os espasmos, as visões do abismo, a revolta da carne. É então uma experiência de corpo. Interessante assinalar que Schiavi (2008) nota o obsceno como aquilo que coloca em causa o corpo, a carne e sua mais valia, diríamos, com Lacan, seu gozo. Portanto, assustador e fascinante, o obsceno profere uma experiência de efeito inefável justamente porque são da ordem do irrepresentável e não do símbolo. Esmagando o sentido, ela anula o espírito e os significados frente ao corpo obscenificado, coisificado (Bernas e Dakhlia, 2008). A obscenidade era um dos temas preferidos pelo autor maldito Georges Bataille que inicia sua obra em 1928. Em seu importante ensaio sobre ele, “Prefácio à transgressão”, Michel Foucault (2001), entre outras reflexões importantes, coloca a linguagem como um rochedo para a qual a ruptura é essencial. Isto importa muito ao autor porque, em mínimas palavras e correndo o risco de sermos por demais breves em um assunto deveras denso, é a violência do discurso que desnaturaliza a experiência humana. Tal noção o coloca a dizer dos limites da linguagem, entre as paredes do significável, e das rupturas, momentos de despedaçamento do todo, transgressão da norma linguageira para a indicação de um mais além. O excesso de sentido, para Foucault no texto citado, coloca a questão da totalidade e do ideal de apreensão do todo sem restos dado pela ciência. Mas Foucault entende que Bataille faz ao contrário: seu percurso visa o avesso, cego e branco e, como um olho revirado, descobre a ligação da linguagem com a morte. Ou, como expressou Holier (2008), o obsceno, em Bataille, se junta à morte e, desta forma, contribui para a expansão do silêncio. A escrita batailliana seria, assim, antidiscursiva, na medida em que deixa a última palavra à morte. Começaremos, com Bataille e uma questão que vai aparecer desde sua primeira publicação da ‘História do Olho’ em 1928. Desde então sabemos que a „História... ’ é um texto controverso, difícil de classificar, de um autor inclassificável. Para Teixeira (texto pdf ianotade), trata-se de um curto romance, ou uma novela rápida, onde a violência e o frenesi erótico são colocados com um realismo de descrições em cenas curtas, rápidas, onde a provocação e a incongruência estão acima de qualquer valor estético. O texto, carregado de paixões subterrâneas, provoca o leitor de forma clandestina ao comunicar sobre a subjetividade erótica dos personagens que vão contagiar quem lê com tais elementos. Como disse Bataille na primeira edição da novela (Teixeira, p. 5), é um “randonnèe dans l’impossible”1 que conduz ao silêncio. Para tanto, nosso autor se apóia na experiência que pode ser obtida ao nível da linguagem ao operar com o trabalho informe das palavras – como o que faz com a palavra „olho‟ e com o próprio órgão em jogo. Ou seja, neste trabalho, está engajada 1 “randonnèe”: palavra usada para o circuito que alguns animais fazem em torno do mesmo lugar quando se sentem desalojados ou perseguidos. Na segunda edição da novela ele usará a palavra “promenade”, passeio, no lugar de “randonnèe”, passeio pelo impossível. uma despesa, um valor de uso, um colocar em jogo que mobilizam as palavras: deslizantes, vacilantes, instáveis e inflamadas (ibidem, p.7). Este realismo, esclarece Teixeira, tal tamanha vontade de “abrir os olhos” torna o olho violento e voraz. Aqui encontramos (um ou o) ponto de obscenidade da novela: a paixão violenta de ver. Em “Le gros orteil” (1929, p. 17), Bataille escreve que “a vida humana comporta de fato uma paixão violenta por ver que se alimenta de um movimento de vai e vem do dejeto ao ideal, do ideal ao dejeto”2. Consideraremos „A História do Olho’ uma novela obscena? Não há dúvidas de sua obscenidade, mas é necessário discernir como e em que ponto tal afirmativa se torna válida. Fato é que a ‘História...’ foi uma leitura interdita desde sua primeira edição em 1928. E, além de ser publicado, clandestinamente, o texto era assinado por pseudônimo bem como sua edição e ilustração eram de assinatura desconhecida. O editor e autor francês Jean-Jacques Pauvert, o qual foi responsável por grande número de publicações censuradas na França, publicou, em 1995, uma coletânea de quatro volumes sobre a história dos livros interditos, a „Anthologie historique dês lectures erotiques‟ (1995). Entre eles, Bataille não poderia faltar. Dedicando-se ao assunto, Lahanque (2008) nos conta que tal coletânea foi constituída a partir da história de obras que ofendiam o pudor no domínio da sexualidade ou que ofendessem o bom gosto pelo caráter chocante e inconveniente. Pauvert é um dos grandes responsáveis por isto. Lahanque observa, no entanto, que podemos dizer, sobre as obras recolhidas na coletânea feita pelo editor francês, que “são textos descarados, libertinos, licenciosos, eróticos, pornográficos, jubilatórios” que demonstram uma posição de resistência à injunção e ao gosto compartilhado pela maioria – as pessoas de olhos castrados – e amam a “realidade trivial da carne” (Lahanque, 2008, p. 180). Portanto, não é ao bom gosto que se dirige à literatura obscena, ela é antes uma literatura violenta que vem ferir e ultrapassar códigos, costumes e o bom senso do senso comum. Aqui, e em Bataille, o obsceno está diretamente ligado ao interdito e, vale lembrar que esta era uma questão importante para Bataille já que ele sabia bem que o mesmo interdito estava na base do fundamento das sociedades regulando as relações sexuais e as instituições do pudor, e criando, no mesmo golpe, o campo da obscenidade. 2 Tradução nossa, fragmento de “O dedão do pé”: ‘La vie humaine comporte em fait la rage de voir qu’il s’agit d’um mouvement de va-et-vient de l’ordure à l’ideal et de l’ideal à l’ordure”. Mas Lahanque se pergunta ainda se tais textos guardariam em si a força da provocação e o poder de chocar intactos já que, nos nossos dias, quase não há censura, ou interdição, sobre a literatura: toda violência é dita em linguagem crua, e os costumes já não são os mais puritanos. Poderíamos nos perguntar se as palavras alcance, importância, a ponto de produzir uma linguagem violenta? Ou seja, guardariam tais textos, especialmente, guardaria a ‘História do Olho’ uma obscenidade essencial ou irredutível para que possamos apontá-las como de fato obscena? O Marquês de Sade é a bússola do autor do artigo para localizar o obsceno entre os outros autores. Para ele, Sade é insuportável e sua obscenidade radicava no princípio o princípio máximo de “tudo dizer” que acompanha seu século, a liberdade da linguagem está intrinsecamente ligada à liberdade do pensamento. Sade foi o autor que mais feriu seus contemporâneos e os que vieram depois. De fato, todo o século XIX leu Sade – e ainda continua a ser lido. Lahanque nos mostra o feito sadiano: uma obra interdita de 1800 a 1947, mas lida clandestinamente desde sempre, é lida até hoje e, principalmente, entre os autores de literatura obscena. Assim, Pauvert acredita que os textos interditos são tecidos como intertextos sadianos. Nos últimos 30 anos as obras obscenas, não mais interditas, são marcantes pela linguagem violenta ou pela violência da linguagem, tirada da algaravia do cotidiano (LAHANQUE, 2008). A violência se dirige, em sua maior parte, contra os semblantes tradicionais considerados como aprisionadores da sexualidade humana. Dirige-se, portanto, contra os homens em suas pretensões viris, e contra as mulheres e suas pretensões muitas vezes consideradas por demais românticas. Esta violência destina-se também a dizer as “monstruosidades” da carne, esclarece o autor. Os personagens não recuam frente ao obsceno, mas esta atitude é antes de tudo um sintoma: uma profunda confusão afetiva ou psicológica. Aqui o princípio que conduz os personagens, em especial os femininos, é uma espécie de lema: “Vale fornicar, desde que não haja amor”. A ambigüidade reside no fato de multiplicar suas relações sexuais não garante a felicidade e, muitas vezes, nem é fonte de prazer senão de devastação. Tais obras se aproximam de Sade, bem como de Bataille, quanto ao uso da linguagem violenta e crua, das temáticas sexuais, do uso inquietante do corpo por se reapropriar da potência da agressão, mas se distancia quanto ao contexto social e literário e quanto ao uso que faz da escrita. Será importante, aqui, esclarecermos ainda qual o sentido dar ao recurso do obsceno na escrita destes textos. Podemos dizer, com Lahanque, que nas obras contemporâneas3 há o sentido de uma exasperação, de uma fascinação e de um ódio contra o mundo e contra si mesmo. Recorrer ao obsceno permite autores, como Michel Houellebecq, que trazemos como paradigma, vislumbrar a época e desmascarar os ideais. Aqui, a obscenidade não mais será a testemunha do afrouxamento das condutas, mas colocará em cena, repetidamente, o infortúnio e a culpa, o ódio de si e o desgosto pela vida. O paradoxo – já descoberto por Freud, mas mais uma vez desvelado – é que o homem sofre sem limites na proporção que goza sem entraves. Há um rebaixamento a quase zero da censura e uma liberação e que se torna quase um ideal. Tal contexto, tido como perfeito para o ser humano adulto e sadio, se torna, no entanto, devastador. Um bom exemplo citado por Lahanque, conhecido pela sua atualidade e pela proporção de sua influência musical na cena underground, é do famoso Kurt Cobain (1967-1994)4 que um dia disse como quem resume esta posição, ou como “o porta-voz de uma geração”, lugar que nunca quis estar: “I HATE MYSELF AND I WANT TO DIE”. Bem diferente, portanto, dos imperativos morais encontrados sob a pena sadiana e da soberania dos heróis da ‘História...’(onde a obscenidade, ligada ao erotismo, dá acesso ao êxtase, ao arrebatamento). Para Bataille, o erotismo só pode ser entendido com o sentido de uma violência escandalosa e transgressiva e, assim, ele vai constituindo um domínio de obscenidade que engloba a sexualidade e a morte. A mulher e seu sexo são lugares de abertura e experiência. Tudo isto torna o erótico, e mesmo o obsceno – como forma de erotismo – uma experiência sacrificial e sagrada, atingida pela transgressão. O parceiro do escritor era a própria censura. 3 Deixaremos como referência de tais obras um autor que, em especial, tem circulado na frança e internacionalmente: Michel Houlebecque. Entre suas obras, destacamos Partículas Elementares ( ), editado no Brasil pela... Neste romance como em outros de sua autoria, segundo Van Wesemael (2008), ele apresenta criaturas angustiadas que estão impossibilitadas de fugir do infortúnio do mundo onde a sociedade é que é obscena. Houellebecque faz ainda críticas pungentes ao século XX: liberalismo sexual, feminismo e individualismo, às vezes tomando uma posição anti-libertária. Notamos no autor um pessimismo que se mostra com raízes intelectuais e afetivas em uma narrativa noir que seduz pela atração mórbida que o autor mantém pelo obsceno e pelo macabro (em especial, a carne em decomposição). Em Houellebecq o sexo é marcado por traumas afetivos que se tornam doenças da sexualidade, um erotismo violento e brutal, e a mulher é constantemente objeto de aversão. 4 Kurt Donald Cobain foi um cantor, compositor e guitarrista, famoso por fundar a banda Nirvana em Seattle, EUA, e, com ela, popularizou um sub-gênero do rock alternativo, o grunge. Kurt Cobain, do início á metade dos anos 1990, tornou-se o porta-voz de uma geração, posição que destacou como desconfortável para si. Encarou a dependência em heroína e o diagnóstico de depressão, além da pressão da fama e da imagem pública. Aos 27 anos se suicida. Se não há o interdito (tampouco haverá transgressão), a censura, se as barreiras do pudor e do bom gosto são estendidas e o território literário do obsceno se torna proporcionalmente mais restrito. O núcleo irredutível de violência que habita a parte mais íntima do obsceno, no entanto, ainda deve ter um destino nestes textos. Os autores contemporâneos, ao que parece, escolheram dirigir tal violência contra o mundo e contra e si mesmo, usando tal recurso como última estratégia contra o insuportável encontrado em um sentimento de pura desolação, pessimismo e cólera. Escrever de forma livre permite dizer dos falsos semblantes e denunciar os efeitos devastadores da liberdade ideal, sem limites, mas ainda não sabemos quais serão as aberturas e saídas que tais palavras podem trazer. A princípio, poderíamos pensar se o que a literatura violenta se encarrega de mostrar, hoje, em sua obscenidade, não é mais algo da ordem do sexual, mas justamente representações do mal-estar frente a esta, frente ao gozo desenfreado provocado pela mais-valia, um mal-estar frente às desordens do amor e da impossibilidade de escrever a relação sexual. Referências Bibliográficas: 1. BATAILLE, Georges. História do olho. (1928) 2. BERNAS, Steven; DAKHLIA, Jamil. Présentation. In: Obscène, Obscènités. Paris: L‟Harmattan, 2008, p. 3-16. 3. ERHARDT, Sandrine. Entre régles et obscène. In: Obscène, Obscènités. Paris: L‟Harmattan, 2008, p. 17-36. 4. FOUCAULT, Michel. Prefácio à transgressão. (1963) In: Ditos e Escritos III. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. 5. HOLIER, Denis. The Use-Value of Documents. In: Papers of Surrealism. Issue 7, 2007. 6. LACAN, Jacques. O Seminário: livro 20: Mais, ainda (1972-73). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. 201 p. 7. LAHANQUE, Reynald. Le gôut de l’obscène en littérature. In: Obscène, Obscènités. Paris: L‟Harmattan, 2008, p. 175- 187. 8. TEIXEIRA, Vincent. L’oeil à l’oeuvre: histoire de l’oeil de Georges Bataille et ses illustrations. Gallimard, La Pleiade, 2004, p. 363. 9. VANWESEMAEL, Sabine. Obscénités en littérature: le cas Houllebecq. In: Obscène, Obscènités. Paris: L‟Harmattan, 2008, p. 187-201.