Filosofia na Escola: o pensar reflexivo e crítico para mudança de comportamento Priscila Fraga Bastos i Sônia Aparecida Belletti Cruz ii Resumo Este artigo é fruto de pesquisa de iniciação científica, financiada pela UNIP e realizada por meio de observação e entrevista semi-estruturada com um professor de filosofia para crianças em uma escola de Araraquara-SP. Seu objetivo foi conhecer a linha teórica e metodológica adotada e saber se as crianças apresentam mudança de comportamento no decorrer dos estudos. Os resultados mostraram que, apoiadas nas ideias de Lipman e de Ramos de Oliveira, com histórias de personagens e enredos próximos ao padrão cultural brasileiro, elas melhoraram a relação com os colegas à medida que avançavam nas reflexões e na percepção de si e de sua realidade. Tornaram-se mais participativas e interessadas e prestaram mais atenção nos acontecimentos do país e do mundo e, muitas delas, voltaram-se à leitura de livros, jornais e revistas científicas. O professor interveio de forma afetiva nas mediações, buscando atender às diferenças de ser e de agir dos alunos. Palavras-chave: filosofia, filosofia para crianças, pensamento crítico, pensamento reflexivo, diversidade cultural. Abstract This article derives from a scientific initiation research, funded by UNIP, performed through observation and semi-structured interview with a professor of philosophy for children in an Araraquara’s (SP) school. The goal of this article was to identify the theoretical and methodological framework adopted by the professor and whether the children have behavioral change during the studies. The results showed that, based on the ideas of Lipman and Ramos de Oliveira, including stories of characters and plots close to the cultural norms, they have improved the relationship with colleagues as they advanced in thinking and in the perception of themselves and their reality. They became more participative and interested. Additionally, they paid more attention to the events in their country and in the world. Consequently, many of them started reading books, newspapers and journals. The teacher intervened affectively in mediations, attending the differences of being and acting as students. Keywords: philosophy, philosophy for children, critical thinking, reflective thinking, cultural diversity. Introdução Muitas vezes, surgem-nos perguntas que não sabemos responder; presenciamos fatos aos quais não sabemos o que pensar a seu respeito; defrontamo-nos com situações que não sabemos como nos comportar... Somente pela filosofia podemos alcançar atitudes que se distinguem de outras formas de pensamento; até a tomada de decisão para problemas mais corriqueiros pode ser transformada em tema de profunda reflexão, buscando e revelando significados que trazem clareza às ações. O termo Filosofia vem do grego philos (que ama) e sophia (sabedoria) e refere-se ao “amor à sabedoria”. Segundo Aranha (2003), filosofia é o pensar reflexivo do homem sobre seu cotidiano para compreender seus atos e seus pensamentos. Não se trata de qualquer reflexão, mas o refletir sobre o próprio pensar; “pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece” (2003, p. 74). Por meio da reflexão o homem tem outra dimensão, além da oferecida pelo agir imediato e lhe é possibilitada a superação da situação dada e não escolhida. Dentro desta concepção, podemos interpretar a filosofia como atitude, pensar permanente e crítico que busca superar obstáculos na direção de uma resposta clara e segura, na tentativa de responder questões fundamentais da realidade e compreender o que há de vago e confuso em nossas ideias habituais. Portanto, pode ser entendida como uma busca da verdade e não a própria verdade, como muitas vezes, pode parecer. A este respeito, Russell (1959) enfatiza: Na vida cotidiana admitimos como certas muitas coisas que, depois de um exame mais minucioso, nos parecem tão cheias de contradições que só um grande esforço de pensamento nos permite saber em que realmente acreditar. Na busca da certeza é natural começar pelas nossas experiências presentes e, num certo sentido, não há dúvida de que o conhecimento deriva delas. É possível, no entanto, que qualquer afirmação acerca do que nossas experiências imediatas nos permitem conhecer esteja errada. (p.7) É o que acontece, muitas vezes, quando nos deparamos em uma situação para resolver um determinado problema, mas não conseguimos chegar à solução dele; isso acontece porque não refletimos, não pesquisamos mais sobre o assunto, não nos questionamos se o que estamos fazendo é certo. Neste caso, a filosofia nos traz grande ajuda para refletir a respeito da realidade e questionar nossas ações, bem como para respeitar pontos de vistas diferentes. É o ato consciente e crítico, o “filosofar espontâneo do homem comum” (ARANHA, 2003, p. 73). Filosofia para Crianças A filosofia é pouco acolhida no universo acadêmico e, no processo de formação dos professores, embora seja matéria obrigatória, o único espaço de contato que usufrui com os futuros docentes consta de bibliografias de caráter enciclopédico, cujo repertório aparece apenas com a história das ideias filosóficas sobre a educação ou com correntes do pensamento filosófico sobre a educação. Mesmo assim, no exercício do magistério, há docentes que se interessam no aprofundamento de seus conhecimentos para ensinar aos seus alunos as habilidades necessárias para o domínio do pensamento filosófico. Apesar dos obstáculos os mais diversos, a filosofia pode ser uma opção para as crianças no ambiente escolar e, se bem aplicada, torna-se um instrumento motivador à vivência infantil, desde a mais tenra idade. Ela atrai a atenção e participação para temas significativos da vida, oferecendo habilidades de raciocínio, dentro do espírito aberto e crítico. Para Lipman (1990), a filosofia é uma ciência de investigação, que por meio do diálogo entre alunos/alunos/professor é possível construir ideias, pensar independente, trazendo para suas vidas nova percepção de descoberta, de invenção, de interpretação e de crítica. Segundo o autor: “A filosofia oferece às crianças a oportunidade de discutir conceitos, tais como o de verdade, que existem em outras disciplinas, mas que não são abertamente examinados por nenhuma delas.” (p.13). Portanto, a ideia de unir educação e filosofia para a aprendizagem escolar, voltadas para o desenvolvimento de valores e da ética traz interessantes resultados para o exercício da cidadania. Na visão de Lipman (1990), há duas posições em relação aos valores que devem ser ensinados na escola: educação para a mudança, enfatizando as habilidades e de estabilidade, garantindo a continuidade do grupo social por meio do conteúdo. O importante numa sociedade/democracia é que “a diversidade de fins, característica de uma sociedade pluralista pode repousar numa uniformidade de meios, e é este consenso em relação a procedimentos que pode formar um contexto satisfatório para a educação de valores” (p.66) E tornando a escola um ambiente cooperativo e comunitário, as crianças poderão alcançar todas as habilidades de autocrítica e de autocorreção, habilidades estas necessárias para o cidadão assumir as responsabilidades que a cidadania lhe traz. Para o autor, os jovens devem ser preparados para o respeito aos princípios dos valores e da ética e, já no Ensino Fundamental, são capazes de compreender as teorias de Aristóteles, Kant e Mill. Porém, a escola dentro da sua função para o desenvolvimento do caráter tem se mostrado contraproducente, pois se apresenta como modelo para os alunos, onde as crianças internalizam as formas de comportamento dos adultos. O ideal seria transformar a sala de aula num ambiente onde as crianças pudessem participar, cooperar e investigar de forma reflexiva e racional, preparando-as para raciocinar juntamente com o adulto que não precisasse apelar para a arbitrariedade e violência. E, para que a preparação do jovem cidadão se concretize é necessária a presença de um professor comprometido com a investigação, um professor que o incentive a pensar por si só, um professor que o ajude a descobrir sua filosofia de vida, sem, contudo, esquecer-se que suas atitudes têm grande valor para o aluno. A esse respeito, Lipman (1994) salienta: “Todos os professores revelam os seus valores através do que dizem e do que fazem, seja pela inflexão de voz, gestos ou expressões faciais, o modo de conduzir a aula ou de fazer uma prova.” (p. 122) Portanto, a sala de aula é ambiente favorável para o desenvolvimento da filosofia para o bem pensar, onde cada aluno necessita desenvolver o seu ponto de vista, seu estilo de pensamento, sua perspectiva de vida. Baseados na importância que a filosofia tem para a formação da cidadania, surgiramnos alguns questionamentos a respeito da efetivação de sua prática na sala de aula: as instituições escolares consideram necessária a formação da criança para o exercício da reflexão? Em quais escolas da cidade de Araraquara-SP é oferecida a disciplina Filosofia para os alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental? Quais critérios são utilizados para sua aplicação? Sua implantação trouxe mudança de comportamento e de aproveitamento escolar dos alunos? Essas questões foram fruto de nosso desejo de saber se as crianças que têm o ensino de Filosofia na escola encontram-se mais instrumentalizadas para a convivência social e escolar, já que a educação para o filosofar tem por objetivo desenvolver habilidades que tendem a tornar os seres humanos melhores, aperfeiçoando seu modo de ser, de agir e de pensar, segundo modos de vida mais democráticos e éticos. Na visão de Cunha (2008), O filosofar é, em suma, uma atividade de produção e de reflexão crítica de conhecimentos úteis para a vida [...] O filosofar que pretendemos está vinculado à história presente, ao cotidiano, à vida pulsante, aos interesses e motivações dos desafios atuais, em especial, aqueles vividos pelas crianças. (p. 13) Assim sendo, é na escola que, além da experiência motora ou emocional, acontece o convite à experiência reflexiva, na qual a imaginação impulsiona a criatividade e o autoaprimoramento traz melhoria da vida humana em geral. Este trabalho descritivo, de caráter qualitativo, embasado nos moldes de Selltiz (1965), Lüdke e André (1986), Triviños (1992), Minayo (2000) e Barnes (1995), teve como objetivo saber quais escolas de ensino fundamental da cidade de Araraquara-SP oferecem às crianças das séries iniciais a disciplina de Filosofia, conhecer a metodologia de ensino utilizada e quais as mudanças observadas no comportamento e no aproveitamento escolar de seus alunos. Contextualizando o ambiente e os sujeitos envolvidos nas aulas de filosofia para crianças Os dados aqui apresentados foram coletados no segundo semestre de 2009 em pesquisa de iniciação cientifica, financiada pela UNIP, realizada por meio de observação e de entrevista semi-estruturada com um professor de Filosofia de uma escola de Araraquara (a única da cidade, segundo informação da Diretoria de Ensino da região de Araraquara-SP) que oferece em seu currículo a disciplina de Filosofia nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A escola: Instituição cooperativa educacional, localizada em bairro periférico da cidade, oferece ensino nos níveis da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio. De acordo com o Plano de Gestão, a escola atendeu no ano de 2009, cerca de 600 alunos, com o trabalho de 76 professores, conforme demonstra o quadro abaixo: Etapa Educação Infantil Ensino Fundamental Ciclo I Ensino Fundamental Ciclo II Ensino Médio nº de alunos 69 199 195 166 nº de professores 07 26 26 17 Em relação ao pessoal de suporte pedagógico, a escola conta com a presença de diretor, orientador educacional e de coordenador em todos os níveis de ensino. Ao entrarmos na escola, a primeira impressão que tivemos foi que é um lugar agradável, tanto na sua ampla estrutura física, que se apresenta limpa e organizada, quanto no aspecto social, mostrando existir muita cordialidade entre as pessoas que ali trabalham. Espalhados pelos corredores encontram-se expostos trabalhos elaborados pelos alunos e cartazes de campanhas educativas. Os alunos aparentam sentirem-se felizes na escola e transitam tranqüilos pelos corredores e demais ambientes da escola. Para as aulas de Filosofia, a escola disponibiliza espaço com duas lousas, um armário onde são guardados os materiais utilizados nas aulas, duas estantes com jogos educativos e carteiras organizadas em círculo para a visão recíproca dos participantes. O professor: A respeito da formação do professor, observamos os seguintes dados: graduação em Ciências Sociais pela UNESP de Araraquara, concluída em 1991; mestrado em Sociologia, também pela UNESP de Araraquara, concluído em 2002; especialização no curso de Filosofia para Criança, com habilitação para as séries iniciais do Ensino Fundamental, pelo Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças. Durante os estudos, obteve bolsa de pesquisa do CNPq, por um período de 3 anos na graduação, e da FAPESP, por 2 anos na pós-graduação. Quanto ao tempo de trabalho docente, o professor leciona desde 1994, trabalhando em escolas públicas, em cursinhos pré-vestibulares e em escolas privadas. Na atual escola privada trabalha há oito anos. Leciona, também, em duas instituições de ensino superior. Em relação às áreas de atuação, disse ter ministrado aulas de Sociologia, Ciências Políticas e Antropologia, História, Filosofia e Geografia. Começou a trabalhar como professor de Geografia do Ensino Fundamental, na escola pública. Deu aulas de História, Filosofia e Sociologia no Ensino Médio. Há oito anos é professor de Filosofia para crianças nas séries iniciais do Ensino Fundamenta e nos 8° e 9° anos, de História, nos 6° e 7° anos e de Filosofia e Sociologia, no Ensino Médio. Nas faculdades, ministra várias disciplinas na área das Ciências Humanas. No que se refere à filosofia para crianças, o professor disse ter iniciado esse trabalho na atual escola há oito anos. “... comecei o primeiro semestre e ainda não tinha o curso. E nesse tempo, li o material e me inteirei. Nas férias de julho me especializei e continuo dando aula até hoje.” Segundo ele, foi durante o curso de mestrado que se interessou pela filosofia para crianças, fundamentado na linha teórica de Matthew Lipman, com adaptação de métodos e recursos organizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Filosofia para Crianças (GEPFC), liderado pela Profa Dra Paula Ramos de Oliveira da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara. O ambiente filosófico e a metodologia de ensino-aprendizagem: Antes mesmo de soar o sinal da escola, os alunos aguardam na porta da sala de aula a chegada do professor. Acompanhados por ele, entram no ambiente de filosofia demonstrando entusiasmo e satisfação. Sentam-se nas carteiras que desejam, exceto quando o professor solicita a algum deles que se sente ao seu lado, e logo se comunicam entre si e com o professor; tiram dúvidas, perguntam, fazem comentários sobre fatos ocorridos, lançam opiniões. Segundo o professor, essas atitudes de curiosidade e de discussão sobre fatos da realidade são parte dos propósitos do ensino de filosofia, no que se refere às habilidades cognitivas, ao raciocínio lógico, à capacidade de criatividade. Seu objetivo principal é desenvolver nas crianças as habilidades de pensamento. “... a Filosofia para criança está muito menos preocupada com o conteúdo filosófico, propriamente dito, e mais com o desenvolvimento do raciocínio e habilidades de raciocínio, como por exemplo: aprender a pensar com lógica, fundamentar seu pensamento, respeitar as opiniões diferentes dos outros colegas e assim por diante.” Em relação à linha metodológica adotada, segundo o professor, durante 7 anos a escola trabalhou filosofia com a metodologia de Lipman e seu material. E a partir de 2009, foram feitas algumas mudanças, incluindo o material de Ramos de Oliveira. ... O material é inovador, porque está adequado à realidade brasileira. Tanto é que foi elaborado por alunos daqui da UNESP de Araraquara ... Por exemplo: não tem um plano de discussão fechado, as crianças encaminham a discussão de forma mais aberta. Fora que antes as crianças ficavam um pouco enjoadas. Quando utilizava Issao e Guga, havia dividido o material em dois anos. Eram várias novelinhas, mas sempre com os mesmos personagens e isso chegava ao final do segundo ano e elas estavam enjoadas. Já este material tem várias histórias com personagens diferentes, sendo mais empolgante para as crianças. Segundo o professor, o referencial teórico chamado “Um mundo de histórias”, foi elaborado junto com seu Grupo de Estudos e Pesquisas “Filosofia para Crianças”, no qual são abordados temas sobre a natureza, a física quântica e a origem do universo e do ser humano. A relação professor/aluno/aluno: Segundo o professor, a ação docente deve mediar o conhecimento e o sujeito da aprendizagem. No papel de mediador ele conduz a discussão reflexiva de forma a proporcionar aos alunos instrumentos que norteiem as idéias e sua seqüência, atingindo autonomia para o bem pensar, para a compreensão e para a tomada de decisão. “... Se a discussão tomou um caminho e as crianças estão motivadas no assunto, eu as deixo prosseguir, fazendo colocações eventuais – isso que você está dizendo tem coerência ou é contraditório? – enfim, faço mediações.” No que se refere à relação professor/aluno, o vinculo afetivo deve prevalecer, na opinião do professor. E na relação dos alunos entre si, ele considera importante primar pelo respeito às diferenças. “Às vezes me perguntam: ‘como você consegue prender a atenção dos alunos e ganhar tanto respeito deles? ’ Afetividade. Estabeleço vínculo afetivo com eles. Agora, aluno/aluno, a questão se refere ao respeito às diferenças. Diferenças biológicas, uns são magrinhos outros são gordinhos; às diferenças psicológicas, uns são introvertidos outros extrovertidos; social, uns são mais ricos, outros não; cultural, quando a discussão pende para a questão religiosa. Têm muitos alunos que são espíritas e outros que são católicos, e eles precisam respeitar a diferença religiosa.” A intervenção afetiva enfatizada pelo professor na entrevista pôde ser observada no desenvolvimento das aulas. Os alunos demonstram amizade, respeito e admiração por ele. Pudemos observar ações de um profissional ético, comprometido com a aprendizagem dos alunos, que domina os conteúdos que serão estudados e que se mostra atencioso, o que lhe garante confiança dos alunos. Suas aulas são dinâmicas, com explicações claras, apresentadas com calma e pausadamente. Mas quando se trata de indisciplina ou de desrespeito dos alunos, tal comportamento é questionado, refletido e, coletivamente, são buscadas formas mais adequadas de comportamento. Os alunos e as mudanças comportamentais: De acordo com o professor, os alunos demonstram satisfação em participar das aulas de filosofia. Eles fazem indagações, querem conversar sobre suas curiosidades. “... coisa que muitas pessoas vão perdendo ao longo do tempo. Por que a gente perde essa curiosidade, essa vontade de conhecer? A Escola de Frankfurt fala que, a própria sociedade tolhe o pensamento criativo e prima somente pelo pensamento instrumental: português, matemática, o mundo do trabalho etc. As artes e a filosofia acabam ficando de lado. É um referencial que gosto bastante.” No decorrer das aulas, os alunos são instigados a participar das discussões. Por meio de questionamentos do professor, as opiniões vão surgindo, fazendo com que as aulas sejam interessantes. Todos querem falar, colocar seu ponto de vista e suas hipóteses, demonstrando entusiasmo, curiosidade e criatividade em relação ao que está sendo abordado. Segundo o professor, a maior parte dos alunos percebe a importância de suas ações e atitudes diante da sociedade e da natureza, procurando fazer o melhor e refletindo sobre as consequências de ações e de atitudes equivocadas. Para o professor, os alunos demonstram vontade de discutir questões que fazem parte da sua realidade, de entender um fato a seu modo, de refletir, de fazer relações de como, quando e por que as coisas acontecem. Eles gostam de ler e de se informar sobre os acontecimentos no país e no mundo por meio de leitura de jornais, de obras literárias, como Harry Poter e O mundo de Sofia e, até mesmo, de revistas científicas. Quando lhe foi perguntado se percebe mudança no comportamento dos alunos após iniciarem as aulas de filosofia, o professor respondeu afirmativamente. Para ele, a metodologia de filosofia para crianças traz momentos de percepção do pensamento e da forma de se pensar. “Percebo sim. Os alunos que não tiveram filosofia desde a primeira série, carregaram alguns problemas para as aulas de filosofia, no que diz respeito a saber ouvir, falar, respeitar opiniões, o que acaba refletindo no comportamento. É isso que faz com que os alunos amadureçam em seu pensamento.” Na opinião do professor, os alunos passam a pensar mais racionalmente e a demonstrar atitudes com mais autonomia intelectual. Acatam regras com mais serenidade e se comportam melhor ao participar das discussões, o que exige que prestem atenção no que o colega está falando, que respeitem a opinião do outro, que esperem a vez para falar. Com o tempo, vão se soltando, ganham confiança ao perceberem que já conseguem pensar melhor, se colocar, testar seu pensamento. O professor disse perceber diferença no comportamento das crianças que participam das aulas desde o terceiro ano do Ciclo I em relação àquelas que não tiveram essa oportunidade, como as que chegam transferidas, que demonstram mais dificuldade para se relacionar. Mas, à medida que vão avançando nos estudos, mostram-se capazes de melhorar a relação com os colegas, participam mais das reflexões e adquirem melhor percepção de si e da realidade. Refletindo sobre as aulas de filosofia para crianças A infância é a fase privilegiada para a formação da identidade, do caráter e dos valores para a convivência respeitosa e cooperativa entre todas as pessoas. E, é comum nas crianças, assim como acontece com os filósofos, a capacidade de se maravilhar. São, também, as crianças as maiores apreciadoras de atitudes bonitas e elas gostam de repeti-las. Portanto, a educação para o filosofar encontra nesta fase o momento mais intenso e mais fértil para a percepção do eu e do outro. Educar para pensar bem por si só, para refletir, dialogar e investigar honestamente é formar o cidadão livre e ético, consciente de si e da escolha de valores com os quais se identifica. (CUNHA, 2008). Considerando a observação das aulas e a descrição feita pelo professor no decorrer da entrevista sobre o ensino de filosofia para crianças, oferecido pela escola em questão, pudemos verificar que por meio dela as crianças desenvolvem um conjunto de habilidades, mostrando-se participativas e interessadas em discutir assuntos tratados nas histórias que elas próprias escolhem no livro estudado. Nos debates, apoiadas pelo professor-mediador, que levanta questionamentos a respeito do tema tratado, demonstram saber opinar, apresentar respostas pensadas e respeito à opinião do colega. Quando colocadas em situação problematizadora para tomada de decisão, investigam hipóteses, trocam opinião, testam as respostas, retomam a sequência de raciocínio, tentando nova forma de pensamento para solucionar o problema. Segundo Cunha (2008), crianças filosoficamente inteligentes são as que fazem boas perguntas sobre o que antes se acreditava inquestionável. Boas perguntas exigem que se pense de novo e melhor sobre o que já havia sido pensado. Uma das melhores definições do filosofar é justamente esta: “filosofar é a atividade de repensar o já pensado, para pensar o ainda não pensado. Isso só é possível quando não se tem medo de fazer as perguntas que a situação permite, explorando novos modos de ver e pensar”. (CUNHA, 2008, p.60) Assim, ensinar o processo do filosofar infantil é a primeira tarefa da educação filosófica. Trata-se, antes de mais nada, de o professor organizar o ambiente socioemocional e dispor-se a provocar as palavras na criança. “Às vezes, é preciso nomear essas palavras em voz alta, ajudando, assim a completar o percurso da fala. Além de aumentar seu repertório de percepção e idéias”. (CUNHA, 2008, p.51) Quanto à afirmação do professor de que as aulas priorizam o desenvolvimento das habilidades de pensamento em detrimento dos conteúdos filosóficos, propriamente dito, esta vem ao encontro das idéias de Cunha (2008), que considera o filosofar uma atividade de produção e de reflexão crítica de conhecimentos úteis para a vida. E que, o filosofar não pode restringir-se a repassar conhecimentos de erudição filosófica, voltada para a história já passada e sim, vinculado à história presente, ao cotidiano, aos interesses e motivações dos desafios atuais vividos pelas crianças. Em relação aos temas que mais trazem motivação às crianças, o professor salienta que os alunos de oito anos mostram interesse em discutir os fenômenos da natureza, enquanto que os de dez anos querem discutir assuntos científicos. Alguns se interessam até por física quântica, coisas do espaço, a origem do universo e do ser humano e por questões do pensamento. Para Ramos de Oliveira (2004), gostar da dúvida, da reflexão, do pensar é saudável e leva a criança a se distanciar do dogmatismo. E o papel da filosofia no Ensino Fundamental é desenvolver a reflexão metódica, o estranhamento, a curiosidade, o saber perguntar. A esse respeito, a autora ressalta que “o educador não pode fazer do processo educativo uma corrente de mão única. Precisa ver o aluno como parte essencial deste processo, estimulando-o a usar sua voz e levando-o a desenvolver sua reflexão, seu pensar.” (p. 06). Portanto, pudemos verificar nas palavras e atitudes do professor que ele acredita em seu trabalho e considera sua metodologia de ensino uma proposta inovadora para o ensino de filosofia para crianças. Tem a intenção de formar cidadãos autônomos, criativos, com voz para enfrentar obstáculos, enfim, com postura de ser social crítico. Considerações finais Os dados coletados nesta pesquisa nos mostram que o exercício do filosofar propicia às crianças educação mais reflexiva, preparando-as para formação pessoal mais completa. Por meio de intervenções pedagógicas e afetivas o professor as orientam a testar seus pensamentos e a refletir sobre atitudes voltadas à prática a cidadania. Aprendendo valores éticos, demonstram sua aprendizagem no comportamento, que tem se mostrado mais maduro, emancipado e consciente. À medida que as crianças participam dessas aulas respeitando todas as regras, elas amadurecem e crescem a cada dia, mostrando-se capazes de refletir criticamente sobre situações ocorridas, opinando de forma autônoma e livre. Portanto, perceber a importância do ensino de filosofia na escola é somente o começo. A adoção de métodos do Programa de Filosofia para Crianças é um eficiente processo de humanização cidadã. Referências Bibliográficas ARANHA, M. L. e MARTINS, M. H. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2003. BARNES, R. Seja um ótimo aluno: guia prático para um estudo universitário eficiente. Campinas: Papirus. 1995. CUNHA, J. A. (org) Filosofia para criança: orientação pedagógica para educação infantil e ensino fundamental. Campinas: Editora Alínea, 2008. LIPMAN, M. A filosofia vai à escola; tradução Maria E. de Brzezinski e Lúcia M. S. Kremer. São Paulo: Summus, 1990. LIPMAN, M. A filosofia na sala de aula; tradução Ana L. F. Falcone. São Paulo: Nova Alexandria, 1994. LÜDKE, M. & ANDRÉ, M. E. D. A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo. EPU. 1986. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2000. RAMOS DE OLIVEIRA, P. Filosofia para a Formação da Criança. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. SELLTIZ, C. et al. Métodos de pesquisa das relações sociais. São Paulo. Herder. 1965. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo. Atlas. 1987. i Graduanda em Pedagogia pela UNIP/Araraquara; aluna de iniciação científica pela UNIP; monitora do Projeto de Extensão Apoio Pedagógico na Alfabetização, escrita e Leitura e Raciocínio Lógico-Matemático de Crianças com Dificuldades de Aprendizagem; participante do Grupo de Estudos e Pesquisas Filosofia para Crianças na UNESP/Araraquara. [email protected] ii Doutoranda em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara; professora da UNIP e da E. E. “Deputado Leonardo Barbieri”; orientadora de iniciação científica e de trabalhos de conclusão de curso; professora responsável pelo Projeto de Extensão Apoio Pedagógico na Alfabetização, escrita e Leitura e Raciocínio Lógico-Matemático de Crianças com Dificuldades de Aprendizagem. [email protected]