CEFAC
CENTRO ESPECIALIZADO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA
MOTRICIDADE ORAL
HÁBITOS DELETÉRIOS X MALOCLUSÃO
Nos limites da Tipologia Facial
Katia Carminatti
Rio de Janeiro
2000
1
RESUMO
Durante a infância, o crescimento e desenvolvimento craniofacial ocorrem de
forma intensa e constante e, portanto, são mais suscetíveis às modificações
estruturais.
A presença de hábitos deletérios em crianças pode representar uma
influência negativa ao crescimento e desenvolvimento craniofacial, podendo
desencadear alterações significativas.
Estabelecer e especificar relações entre hábitos deletérios e a tipologia facial
é o objetivo este trabalho teórico, pois a interação dos tipos faciais com os
diversos hábitos permite uma variabilidade muito relativa na relação de causa e
efeito, sendo as características individuais o fator determinante.
Ao evidenciar a individualidade, este trabalho contribui para a formação do
diagnóstico diferencial, essencial na elaboração de condutas, direcionando a
orientação aos pais, os encaminhamentos para outros profissionais e a terapia
fonoaudiológica.
2
ABSTRACT
During childhood, the growth and development of the cranium-face area are
constant and intense, and, therefore, more easily influenced by structural changes.
The existence of unhealthy habits among children may have a prejudicial
effect on the growth and development of the cranium-face region, and is liable to
give rise to major alterations.
The present theoretical work is aimed at establishing and specifying
connections between unhealthy habits and face types, inasmuch as the interaction
between these two elements implies a very relative variability in the cause-effect
relation, the individual characteristics being the determinant.
On highlighting individuality, this study contributes information for the making
of differential diagnosis, which, being essential for the designing of conducts,
provides guidance as far as parent counseling, speech therapy and transference to
other professionals are concerned.
3
AGRADECIMENTOS
Iniciar este trabalho foi um desafio, desenvolvê-lo foi estimulante, concluí-lo
foi uma tarefa muito difícil que a minha irmã Graziela, com sua inteligência e
generosidade, ajudou-me a realizar.
4
Katia Carminatti
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SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO......................................................................................................7
2.DISCUSSÃO TEÓRICA........................................................................................9
2.1.CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO CRANIOFACIAL ..........................9
2.2. HÁBITOS DELETÉRIOS ..............................................................................14
2.2.1. Respiração bucal ...................................................................................16
2.2.2. Deglutição atípica...................................................................................16
2.2.3. Sucção prolongada ................................................................................17
2.2.4. Hábitos de lábios....................................................................................19
2.2.5. Onicofagia..............................................................................................19
2.2.6. Posturas incorretas durante o sono .......................................................20
2.3. MALOCLUSÃO ............................................................................................21
2.3.1. Maloclusão transversa ...........................................................................22
2.3.2. Maloclusão vertical.................................................................................23
2.3.3 Maloclusão horizontal .............................................................................23
2.4.TIPOLOGIA FACIAL .....................................................................................28
2.4.1. Padrão mesofacial .................................................................................29
2.4.2. Padrão braquifacial ................................................................................30
2.4.3. Padrão DólicofaciaL ...............................................................................32
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................39
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................41
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1.INTRODUÇÃO
No que se refere ao crescimento e desenvolvimento craniofacial, sabe-se
que durante toda vida ocorrem variações em sua estrutura, em decorrência da
demanda e solicitações a ele projetadas, como, por exemplo, pelos hábitos orais.
Hábitos são padrões de contração muscular que servem como estímulo ao
crescimento normal do complexo craniofacial. Assim, a face necessita além de
estímulos genéticos, de estímulos externos para seu desenvolvimento, oferecidos
naturalmente pelas funções de respiração, sucção, mastigação e deglutição.
Hábito é a disposição adquirida pela frequente repetição dos mesmos atos,
porém eles serão classificados como deletérios quando forem capazes de interferir
no processo de desenvolvimento, provocando modificações que possam
comprometer o equilíbrio da face.
É aparente que qualquer influência nociva em um elemento irá prejudicar
todo sistema, interferindo na sua integração. Porém, o desequilíbrio facial nem
sempre é o resultado de um determinado fator etiológico, o que existe é uma
predisposição, a qual o hábito deletério apenas viria desencadear ou intensificar.
Tais hábitos podem, então, contribuir para modificações significativas no
complexo craniofacial, podendo haver desequilíbrio oclusal e muscular, uma vez
que alterações estruturais levarão a mecanismos funcionais adaptativos.
Os hábitos deletérios, portanto, podem interferir no crescimento e
desenvolvimento craniofacial. Porém, é a interação desses hábitos com os tipos
7
faciais que determina sua influência na face, sendo a qualificação do hábito e as
características individuais o fator diferencial.
8
2.DISCUSSÃO TEÓRICA
2.1.CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO CRANIOFACIAL
Fazem parte do sistema respiratório estomatogmático, segundo Tanigute
(1998), dois grupos distintos de estruturas bucais: as estruturas estáticas ou
passivas e as estruturas dinâmicas ou ativas. .
As estruturas estáticas ou passivas são representadas pelos arcos dentários,
maxila e mandíbula, relacionadas entre si pela articulação temporomandibular. Já
as estruturas dinâmicas ou ativas são representadas pela unidade neuromuscular,
que mobiliza as partes estáticas. Estas estruturas interligadas formam um sistema
com características próprias, o sistema estomatognático.
De acordo com Bianchini1 (1998), as estruturas do sistema estomatognático,
controladas pelo sistema nervoso central, desempenham as funções de
respiração, sucção, mordida, mastigação, deglutição e fala. Tais estruturas,
porém, não são individualmente especializadas em determinada função. Todas
agem de forma conjunta, de modo que uma desordem em qualquer destas
estruturas leva a um desequilíbrio generalizado.
Este sistema passa por processos de crescimento e desenvolvimento que,
para Tanigute (1998), acontece através de características genéticas de cada
indivíduo, sendo os fatores atuantes nesse crescimento: hereditariedade,
desnutrição, doenças, raça, hábitos, fatores sócio-econômicos e clima.
9
Vellini-Ferreira (1998), portanto, descreveu os fatores controladores do
crescimento craniofacial, catalogados por Van Limborgh em fatores genéticos
intrínsecos, epigenéticos locais e gerais e fatores ambientais locais e gerais.
Os fatores genéticos intrínsecos são aqueles inerentes aos tecidos
craniofaciais. Os epigenéticos locais são representados por órgãos que tem seu
próprio contigente genético e manifestam sua influência sobre estruturas com as
quais se relacionam. Já os hormônios sexuais, por exemplo, são fatores
epigenéticos gerais que controlam o crescimento craniofacial.
Influências locais, não genéticas, originárias do ambiente externo, como
pressão externa local, forças musculares, etc., constituem – se nos fatores
ambientais locais. Os fatores ambientais gerais são representados pelas
influências gerais, não genéticas, que se originam do ambiente externo, tais como
suprimento alimentar e oxigênio.
A teoria da “Matriz funcional” proposta por Moss, relatada por Bianchini1
(1998), considera, porém, que o tecido ósseo é influenciado durante o crescimento
por todos os tecidos moles no qual está incluído, contendo as informações
genéticas para o crescimento. Tamanho e forma do esqueleto craniofacial seria o
resultado de uma resposta à demanda provocada pelos tecidos externa e
internamente a eles relacionados, sendo a função a parte dominante para o
crescimento.
Cabrera & Enlow (1997), baseados na teoria do crescimento introduzida por
Moss, afirmam que o principal fator de crescimento facial é genético, porém
extrínseco ao osso, ligado então a fatores epigenéticos, definidos como matrizes
funcionais.
10
“O esqueleto craniofacial se constitui em um conjunto de áreas funcionais
independentes, que nada mais são do que partes ósseas delimitando espaços
ocupados por tecidos moles relacionados à distintas funções – respiração, visão,
fonação, mastigação, olfato. Estes tecidos moles representam as matrizes
funcionais, em torno das quais se forma o osso” ( Vellini-Ferreira, 1998, p. 49).
“O crescimento craniofacial é um processo que requer íntimas inter-relações
morfogênicas entre todas as partes de tecidos duros e moles em crescimento,
mudança e funcionamento que o compõem. Nenhuma parte é independente ou
auto-suficiente no desenvolvimento” ( Enlow, 1993, p.32).
Ainda para Enlow (1993), o crescimento e desenvolvimento facial é um
processo morfogenético que trabalha para um complexo estado de equilíbrio
estrutural e funcional conjunto entre todas as partes em crescimento e
modificação.
O princípio do V proposto por Enlow ( 1993) considera que muitos ossos
faciais e cranianos têm a configuração em V. Assim, o crescimento dos terços
médio e inferior da face segue o princípio do V em expansão, ocorrendo
deposição óssea na face interna do V e reabsorção na superfície externa, sendo
que a direção do movimento de crescimento é para a extremidade aberta do V,
aumentando, ao mesmo tempo, nas dimensões gerais.
Dessa forma, os ossos crescem pela adição de novo tecido óseo de um lado
e remoção do lado oposto. A face voltada para a direção do crescimento recebe
nova deposição óssea, enquanto a face do lado oposto sofre reabsorção,
produzindo um movimento de crescimento.
O osso, portanto, não “cresce sozinho”. O crescimento é produzido pela
11
matriz do tecido mole, que recobre inteiramente cada osso. Os determinantes
genéticos e funcionais do crescimento ósseo residem no complexo dos tecidos
moles que inicia e pára; acelera e desacelera as ações do tecido conjuntivo
osteogênico (periósteo, endósteo, suturas, membrana periodontal, etc.). Portanto,
a velocidade da atividade de crescimento varia entre os vários campos de
reabsorção e deposição ao longo de um osso.
Durante a fase de crescimento, a aposição óssea é prevalente; no adulto os
dois processos estão equilibrados e na senilidade prevalece a reabsorção, pois de
acordo com Sanseverino (1999), os maiores incrementos de crescimento ocorrem
durante os primeiros anos de vida. O desenvolvimento craniofacial na criança
sucede de forma intensa e constante, apresentando um crescimento diário, além
dos surtos de crescimento que ocorrem próximo à puberdade.
Enlow (1993) afirma que conforme um osso cresce, ele simultaneamente se
afasta de outros ossos em contato direto com ele. Isso cria o “espaço” no qual o
crescimento ósseo ocorre. Este processo é chamado deslocamento primário e é
um movimento físico de todo osso, sendo que a medida que o osso cresce, pela
deposição óssea em determinada direção, ele é simultaneamente deslocado para
a direção oposta.
O processo de deposição do novo osso não causa o deslocamento por
compressão contra a superfície de contato articular de outro osso. Em vez disso, o
osso é levado pela força de expansão de todos os tecidos moles que o recobrem.
Conforme isso acontece, novo osso é acrescido diretamente sobre a superfície de
contato e os dois ossos separados permanecem em constante junção articular.
O complexo nasomaxilar, por exemplo, está em contato com o assoalho do
12
crânio. Toda região maxilar é deslocada para baixo e para frente do crânio pelo
crescimento expansivo dos tecidos moles na região média da face. Isso
desencadeia então o crescimento de novo osso nas várias superfícies de contato
das suturas entre o complexo nasomaxilar e o assoalho do crânio. O
deslocamento assim prossegue, para baixo e para frente, enquanto ocorre
simultaneamente a deposição óssea na direção oposta, ou seja, para cima e para
trás.
De maneira semelhante, toda mandíbula é deslocada de sua articulação pelo
crescimento normal do complexo de tecidos moles na face em crescimento. A
medida que isso acontece, o côndilo e o ramo crescem para cima e para trás, em
direção ao “espaço” criado pelo processo de deslocamento.
Durante o crescimento, também ocorre o deslocamento secundário, que é o
movimento de todo osso causado pelo crescimento separado de outros, que
podem estar próximos ou distantes.
O processo geral de crescimento apresenta a função de posicionar,
estruturar e construir cada osso e todas suas partes regionais, de modo que
possam desempenhar as funções inerentes ao osso, sendo que as informações
funcionais enviadas pelo complexo de tecidos moles fazem o osso se desenvolver
até sua forma definitiva.
13
2.2. HÁBITOS DELETÉRIOS
“O osso, por ser um tecido plástico, reage a todo tipo de pressão exercida
sobre ele. Quando estamos em posição de repouso, há um equilíbrio entre os
músculos e todos os tecidos peribucais. A quebra deste equilíbrio pode gerar
pressões anormais, podendo fazer com que haja alterações de estímulo de
crescimento anormal dos maxilares, alterando as funções bucofaríngeas, que
exercem um papel importante no crescimento craniofacial”. (Moresca & Feres,
1994, p.166).
A “Equação Ortodôntica” ou “Equação de Dockrell” interpreta a etiologia da
maloclusão considerando que os fatores causais atuam em períodos contínuos ou
intermitentes, sobre tecidos moles, osso, dentes e neuromusculatura, produzindo
desequilíbrio facial.
Assim,
de
acordo
com Moyers
(1979), o sistema neuromuscular
desempenha sua principal função, na etiologia da deformidade dentofacial, através
dos efeitos das contrações no osso e no dente, sendo estes afetados pelas muitas
atividades na região orofacial. Essa região é fonte de enormes e variados
impulsos sensoriais, tornando possível uma variedade de atividades, todas
determinando a forma esquelética e a estabilidade oclusal.
Os ossos da face (particularmente a maxila e mandíbula) servem como base
para os arcos dentários. Alterações no seu crescimento podem modificar as
relações e funções oclusais, podendo ocasionar, segundo Moyers (1979), a má
14
oclusão e/ou má função.
Mercadante1(1998), cita a divisão dos fatores etiológicos da maloclusão,
proposta por Graber, em dois grupos: intrínsecos ou locais e extrínsecos ou
gerais.
Os fatores intrínsecos ou locais são mais diretamente relacionados à
cavidade bucal e são controláveis, sendo que devem ser detectados e eliminados
para que a correção seja mantida e não ocorram recidivas.
Hereditariedade, deformidades congênitas, meio ambiente, hábitos e
pressões anormais, postura, etc. representam os fatores extrínsecos ou gerais que
agem à distância, muitas vezes durante a formação do indivíduo e que, portanto,
são dificilmente controláveis, com exceção dos hábitos orais.
“As funções atuam no crescimento, dando forma ao osso. A função
executada de maneira adequada permite que o osso cresça adequadamente. Se
essa função é alterada teremos uma alteração também na forma. E uma vez que a
forma esteja alterada, a função não mais consegue ser realizada adequadamente.
Daí a prevenção dos hábitos”. (Sanseverino, 1999).
Cabrera & Enlow (1997) considera as determinantes genéticas e as funções
do anexo do esqueleto craniofacial como atributos influenciadores da morfogênese
craniofacial, conduzindo-as ao padrão de normalidade.Durante o período dinâmico
do crescimento e desenvolvimento craniofacial, a respiração bucal, a deglutição
atípica e outros hábitos deletérios, quando manifestados de forma crônica, podem
promover desvios nesse padrão.
15
2.2.1. Respiração bucal
A obstrução das vias aéreas superiores obriga os indivíduos a respirarem
pela boca, buscando suprir a exigência pulmonar. O respirador bucal, geralmente,
apresenta os lábios entreabertos, o palato mole se levanta e a língua mantém-se
inteiramente apoiada na manbíbula, para baixo e para frente, sem contato com a
abóbada
palatina.
Em
decorrência
destas
posturas
neuromusculares
e
conseqüentes funções inadequadas, podem ocorrer efeitos secundários nocivos
promovendo a rotação da mandíbula no sentido horário.
2.2.2. Deglutição atípica
Embora não seja possível uniformizar um padrão de deglutição da infância
até a maturidade, para Cabrera & Enlow (1997) as atipicidades funcionais são
notadamente reconhecidas pela interposição da língua entre os arcos dentários, a
fim de obter, de acordo com Soares & Totti (1996), um vedamento para realizar a
deglutição.
“Esta ação constante poderá promover maior sobressalência da porção
maxilar em relação à mandíbula, diastemas entre os incisivos superiores e/ou
inferiores e conseqüentes mordidas abertas. As ações contínuas tendem a
deformar o perímetro do arco dentário superior, mais suscetível a este tipo de
ação que o arco inferior. Tal situação pode alterar a morfologia do arco dentário
superior, instalando uma mordida cruzada posterior unilateral ou bilateral”.
(Cabrera & Enlow, 1997, p.36)
16
Na respiração bucal e deglutição atípica, a postura e função inadequadas
poderão alterar o equilíbrio exercido pela língua e orbicular dos lábios sobre os
dentes e processos alveolares dos arcos dentários. Do mesmo modo, a sucção
digital poderá promover resultantes indesejadas.
2.2.3. Sucção prolongada
Segundo Ferreira (1997), a sucção é uma função vital, que irá suprir não
somente as necessidades nutricionais ( sucção nutritiva) do recém nascido, como
também suas necessidades emocionais (sucção não nutritiva) e maturacionais,
através do envio de estímulos do sistema nervoso central. Caso essa função
persista
(sucção
prolongada),
provavelmente
haverão
alterações
no
comportamento da musculatura peribucal e deformidades dento-alveolares.
A maioria dos hábitos de sucção digital, para Moyers (1979), começam muito
precocemente na vida e quase sempre são superados até os três ou quatro anos
de idade. No entanto, a época do aparecimento desse hábito tem um significado
importante, pois pode estar relacionado com a fome, satisfazendo o instinto de
sucção, insegurança ou mesmo um desejo para atrair atenção.
Assim, o hábito de sucção digital, que aparece durante as primeiras
semanas de vida, é relatado como problemas na alimentação. Entretanto, algumas
crianças não começam a succionar o polegar ou outro dedo, até que este seja
usado sobre o local de um molar temporário com erupção dificultada. Todavia,
algumas crianças usam a sucção digital para liberação de tensões emocionais, as
quais não são capazes de superar, consolando-se em regressar a um padrão de
comportamento infantil.
17
Ainda para Moyers (1979), porém, a informação de que as crianças com
hábito de sucção digital não demonstram nenhuma diferença psicológica
consistente em relação àquelas que não apresentam tal hábito, sustenta a teoria
de que o hábito de sucção digital é uma simples resposta aprendida. É sugerido,
portanto, que este hábito é um dos exemplos mais precoces de aprendizado
neuromuscular na criança.
Mercadante2 (1998), clinicamente, relata que a sucção digital provoca, na
maioria das vezes, uma mordida aberta anterior e distalização da mandíbula,
ocasionada por pressão exercida pela mão e braço, resultando em um
estreitamento dos arcos superior e inferior. Este hábito não somente produz
deformação por pressão sobre os arcos, como também prejudica a estabilidade do
osso alveolar, impedindo o contato funcional dos dentes.
Tem-se, portanto, uma vestibulização dos dentes superiores anteriores e
uma mordida aberta originada da interferência do dedo entre os arcos. O não
contato dos dentes provoca uma rotação de manbíbula no sentido horário. A
pressão do dedo não se faz somente sobre os dentes, mas também sobre o osso
alveolar e palato, provocando uma pressão negativa intra-bucal e, como
conseqüência, o palato se estreita e aprofunda.
O hábito de sucção da chupeta é descrito por Cervera (1996) como uma
necessidade fisiológica do recém-nascido, pelo instinto de sucção, sendo
substituto do peito materno em uma situação não nutritiva, com o objetivo de
acalmar o bebê. Com a erupção dentária esta necessidade vai diminuindo, dando
lugar à mastigação.
O uso prolongado da chupeta, no entanto, pode ocasionar uma mordida
18
aberta a nível de incisivos, podendo produzir, posteriormente, uma mordida
cruzada unilateral (conseqüência da falta de mastigação e trituração em
movimentos laterais e falta do desgaste das cúspides dos molares e caninos
decíduos). O prolongamento do uso à 4- 5-6 anos pode ocasionar a mordida
cruzada bilateral na dentição decídua.
2.2.4. Hábitos de lábios
Os hábitos de lábios, de acordo com Cervera ( 1996), podem ser ativos ou
passivos. Os ativos são representados pelos hábitos de morder os lábios, deslizar
o lábio sobre os dentes, apoiá-lo fortemente nos dentes, etc. Os hábitos passivos
referem-se às posições de apoio no dente superior.
Moyers (1979), porém, considera que, na maioria dos casos, é o lábio
inferior que está envolvido e que o resultado desses hábitos é a labioversão dos
dentes superiores e anteriores, mordida aberta e línguoversão dos incisivos
inferiores.
2.2.5. Onicofagia
Onicofagia é o hábito de roer unhas. Porém , do ponto de vista ortodôntico,
segundo Soares e Totti (1996), deve-se agrupar também o hábito de morder lápis
ou outros objetos, pois causam as mesmas alterações que a onicofagia, a qual
Moyers (1979) menciona como causa de más posições dentárias. A maloclusão
associada com este hábito deletério é, portanto, de natureza mais localizada. Os
problemas psicológicos existentes apresentam uma importância clínica maior que
o hábito propriamente dito.
19
2.2.6. Posturas incorretas durante o sono
Durante o sono adquirimos as mais variadas posições. Contudo, pode-se
condicionar o hábito de dormir com o rosto sobre o travesseiro, acompanhado pelo
braço ou a mão, provocando pressões anormais , podendo acarretar um
crescimento assimétrico e/ou alterações na arcada dentária, resultando em
mordidas cruzadas uni ou bilaterais. Além disso, Soares & Totti(1996) consideram
que o hábito da criança sustentar a cabeça com auxílio das mãos pode também
provocar alterações no crescimento e desenvolvimento da face.
Os hábitos deletérios, porém, atuam sob uma tríplice ação: FREQUÊNCIA,
DURAÇÃO e INTENSIDADE. Assim, a freqüência e a intensidade com que ocorre
o hábito e o período de vida que ele dura, o qualifica e, conseqüentemente, sua
influência sobre o crescimento e desenvolvimento craniofacial.
Numa referência de Marchesan (1998), Lino afirma que os hábitos deletérios
enquandram-se dentro dos fatores extrínsecos causadores de maloclusão. Porém,
a presença de condições favoráveis nem sempre significa, por si só, a garantia de
que surgirá uma maloclusão. Além da qualificação do hábito, existem mecanismos
individuais de ajuste no desenvolvimento e modificações de crescimento que
podem, até certo ponto, compensar tais situações, permitindo uma evolução
normal da oclusão.
20
2.3. MALOCLUSÃO
A oclusão pode ser definida, segundo Silva Filho (1997), como a relação que
os dentes estabelecem entre si, no mesmo arco e entre os arcos antagônicos,
havendo uma interação mútua entre todos os elementos que compõem o sistema
estomatognático, agrupados em sistema dentário, esquelético e neuromeuscular.
O sistema dentário compreende o dente com suas estruturas de suporte
implantadas no osso alveolar, representado, portanto, pela maxila e mandíbula. O
sistema neuromuscular compreende os tecidos moles que recobrem, externa e
internamente, os outros sistemas.
A oclusão normal abrange os diferentes componentes do sistema
estomatognático, redefinindo-a como o produto final da inter-relação anatômica e
funcional harmoniosa entre os sistemas dentário, esquelético e neuromuscular. A
oclusão resume-se, no entanto, em um processo de mudanças adaptativas ao
crescimento, maturação e função do sistema estomatognático.
Alterações no processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial
determinam a desproporção entre as partes que compõem o sistema
estomatognático,
sendo
que
a
relação
alternativa
dessas
partes
desproporcionadas define, para Martins & Cotrim-Ferreira (1998), a maloclusão,
podendo afetar dentes, osso e músculos. Assim, a maloclusão pode ser dentária,
quando envolve apenas os elementos dentários ou dentoesqueléticas, quando
também houver comprometimento das bases ósseas.
21
Bianchini1 (1998) sustenta a teoria que no período de dentição mista
aumentam as possibilidades de se instalar situações anômalas na relação da
forma dentoesquelética e o comportamento neuromuscular, já que este período
inicia-se com a erupção dos primeiros molares permanentes, considerados peçaschave para o estabelecimento da oclusão dentária dentro da normalidade.
Este período de dentição mista é caracterizado pela aparência facial
desarmoniosa. Isto se deve ao tamanho dos dentes permanentes, os quais têm a
erupção numa fase em que ainda não se completou o crescimento dos ossos que
os sustentam. Também as funções estomatognáticas encontram-se instáveis em
decorrência de perdas dentárias e conseqüentes espaços que se apresentam.
Esta
situação
é
normal
e
constitui
um
seguimento
do
processo
de
desenvolvimento como um todo.
Durante este período as possibilidades de haver maloclusão aumentam em
decorrência das discrepâncias de posicionamento, que podem ocorrer quanto aos
dentes e relação à parte esquelética e com tais bases entre si.
A classificação geral da maloclusão é dividida, de acordo com Cabrera
(1997), em transversa, vertical e horizontal, referindo-se à relação espacial entre
as partes componentes da estrutura facial, definindo as características oclusais
nos três sentidos.
2.3.1. Maloclusão transversa
As maloclusões transversas apresentam, geralmente, o perímetro do arco
dentário superior constrito, em relação ao arco dentário inferior, caracterizando a
mordida
cruzada,
podendo
ser
apenas
22
dentária
ou
dentoesquelética,
apresentando um ou mais elementos dentário ou até todo perímetro do arco
dentário superior situado internamente ao perímetro do arco inferior.
2.3.2. Maloclusão vertical
As posições verticais incorretas, quando comparadas com a oclusão normal,
caracteriza a maloclusão vertical, podendo ser dentária ou dentoesquelética,
catalogadas em aberta, topo a topo e profunda.
A maloclusão vertical aberta caracteriza-se pelo distanciamento das bordas
incisais dos incisivos superiores em relação aos inferiores, apresentando
trespasse vertical negativo, definindo a mordida aberta anterior. A mordida aberta
posterior, porém, é rara.
Na maloclusão vertical topa a topo, as bordas incisais dos incisivos
superiores tocam as bordas incisais dos incisivos inferiores, referindo-se a
mordida de topo anterior, enquanto a mordida de topo posterior localizada na
região posterior do arco dentário.
A maloclusão vertical profunda é localizada na região anterior, apresentando
trespasse vertical, excessivamente positivo, ultrapassando os limites normais da
sobremordida, caracterizando a mordida profunda.
2.3.3 Maloclusão horizontal
De acordo com Petrelli (1994), Angle tomou como referência a oclusão do
primeiro molar permanente superior, supondo que sua posição na arcada era
imutável.
Baseou-se
nas
relações
ântero-posteriores
classificando a maloclusão horizontal em Classe I, II e III.
23
entre as
arcadas,
Na Classe I, a relação molar encontra-se na chave ideal definida por Angle,
segundo Martins & Cotrim-Ferreira (1998), como a oclusão correta entre os
molares permanentes superiores e inferiores, na qual a cúspide mésio-vestibular
do primeiro molar superior oclui no sulco mésio-vestibular
do primeiro molar
inferior.
Na Classe I é freqüente a presença de um perfil reto e equilíbrio nas funções
orais. As alterações oclusais que podem ocorrer são, normalmente, devido à falta
ou excesso de espaço no arco dentário, resultando em apinhamentos ou
diastemas, ou ainda por más posições dentárias individuais, já que também não
há desproporção antero-posterior na relação maxilomandibular.
É classificada como Classe II, a maloclusão na qual o primeiro molar
permanente inferior situa-se distalmente em relação ao primeiro molar superior,
sendo dividida em primeira e segunda.
A Classe II, primeira divisão, define a maloclusão com inclinação vestibular
dos incisivos superiores, criando uma sobressalência (overjet), podendo a arcada
superior estar atrésica e apresentar perfil convexo. É freqüente o desequilíbrio da
musculatura facial, descrito por Bianchini1 (1998) como modificações labiais,
caracterizadas por lábio superior em hipofunção e algumas vezes incompetente
devido à inclinação vestibular dos incisivos superiores. Lábio inferior evertido,
encaixado na sobressalência e com hipertonia do músculo mentoniano,
aparecendo, durante a deglutição, atividade intensa dos músculos do mento e
bucinadores, na tentativa de promover o vedamento anterior, dificultado pela
posição dos dentes. Esta maloclusão está freqüentemente associada à mordida
aberta anterior.
24
A relação molar de Classe II, na qual os incisivos centrais superiores
encontram-se em posição vertical, enquanto os laterais inclinam-se para frente,
refere-se à Classe II, segunda divisão. O perfil facial associado é o perfil reto e
levemente convexo, apresentando, geralmente, mordida profunda anterior. Nessa
Classe, a musculatura labial pode estar normal, ocorrendo, mais facilmente, o
vedamento labial.
Ainda para Bianchini1 (1998), a relação maxilomandibular tipo Classe II ou II
esquelética, pode caracterizar-se por quatro formas:
1. Maxila normal e mandíbula recuada em relação à base craniana –
retrognatismo;
2. Maxila avançada e mandíbula normal em relação à base craniana;
3. Maxila avançada e mandíbula recuada em relação à base craniana;
4. Maxila e mandíbula recuadas em relação à base craniana.
Tais
possibilidades
ósseas
podem acarretar adaptações
funcionais
caracterizadas por modificações labiais, em razão da discrepância óssea ânteroposterior. Com a redução do espaço ântero-posterior
inferiormente, a língua
encontra-se com o dorso em posição mais elevada, tocando o palato mole e
elevando-o. Aparece deslize mandibular anterior durante a realização das funções
orais para aumentar o espaço intrabucal. A deglutição caracteriza-se por
movimento póstero-anterior e interposição de língua associada à hipercontração
da musculatura perioral. Ocorrem distorções na fala, principalmente nos fonemas
labiais, onde a oclusão labial é substituída pela oclusão do lábio inferior com os
incisivos superiores, com deslize mandibular e projeção de língua sobre os
rebordos das arcadas. Há alteração da posição postural da cabeça com
25
anteriorização e elevação da mesma, compensada através de queda na posição
dos ombros.
Na Classe II, os primeiros molares inferiores relacionam-se medialmente em
relação aos superiores, estando o arco dentário inferior mais anterior em relação à
maxila. O perfil facial predominantemente côncavo, freqüentemente acompanha
mordida cruzada anterior.
A musculatura está, em geral, desequilibrada, apresentando modificações
funcionais na postura de repouso, com lábios entrabertos, estando o inferior
hipotônico; ou lábios fechados, com lábio inferior muito à frente do superior,
hiperfunção do músculo mentoniano e lábio superior mais alongado e em
hiperfunção devido ao freqüente contato com os dentes inferiores. A língua
apresenta-se com tensão reduzida, ocupando o soalho bucal e, por vezes,
apoiada nos incisivos inferiores. Ocorre mastigação incoordenada, com
predomínio de movimentos verticais devido à alteração oclusal e deglutição com
pressões de lábios e língua e distorções nos sons da fala, especialmente nos
fricativos.
A Classe III esquelética, pode apresentar-se em três formas, mostrando
perfil côncavo:
1. Maxila normal e mandíbula avançada em relação à base craniana –
prognatismo;
2. Maxila recuada e mandíbula normal em relação à base craniana;
3. Maxila recuada e mandíbula avançada em relação à base craniana.
Esta desproporção na relação maxilomandibular pode apresentar-se como
características funcionais: alteração labial, normalmente tendendo à hipotonia do
26
lábio inferior e hiperfunção do lábio superior, ocluindo com incisivos inferiores,
tanto em repouso, quanto durante a realização das funções orais. A língua
mantém-se no soalho da boca que é maior e mais profundo. Na mastigação há
predomínio de movimentos verticais, em razão da mordida cruzada ou com
utilização excessiva de dorso de língua fazendo esmagamento do alimento contra
o palato. A deglutição ocorre com anteriorização de língua e participação ativa da
musculatura perioral, além de modificações articulatórias de fala, sendo os
movimentos de ponta de língua substituídos pelo meio ou dorso e os fonemas
labiais e/ou labiodentais efetuados com predomínio de lábio superior.
27
2.4.TIPOLOGIA FACIAL
As miscigenações étinico-raciais ocorrem em larga escala, proporcionando,
segundo Cabrera (1997), diferentes matizes biotipológicas entre os seres
humanos. Portanto, existe uma variabilidade de características que determinam os
vetores de crescimento e desenvolvimento craniofacial, assumindo diferentes
sentidos quanto a sua direção de crescimento. São as características
morfodiferenciais.
Essas características individuais irão permitir diferentes manifestações no
crescimento e desenvolvimento facial, bem como diferentes combinações entre os
elementos faciais, resultando em tipos faciais distintos.
Existem três padrões faciais definidos na literatura, descrevendo a face
verticalmente. O padrão mesofacial possui as dimensões horizontais e verticais
correspondentemente proporcionais, expressando o equilíbrio facial. O braquifacial
e o dólicofacial possuem características, diametralmente, opostas entre si,
representando as variações extremas do crescimento facial.
É preciso, no entanto, desvincular o conceito de anormalidade dos padrões
braqui e dólicofacial. Pode-se encontrar oclusão normal e face harmoniosa
independentemente do biotipo facial. O caráter de normalidade está vinculado à
simetria e harmonia das proporções faciais, em cada um dos biotipos. Neste caso,
as boas proporções entre os elementos faciais possibilitam uma disposição
28
muscular que se acomoda normalmente à face, não necessitando efetuar
adaptações funcionais.
A funcionalidade do sistema estomatognático, para Bianchini1 (1998), tem
relação direta com as características esqueléticas, pois para cada padrão facial é
esperado um padrão muscular diferente, definindo a tipologia facial e obtendo,
assim, não apenas as informações estruturais do indivíduo, mas também as
possibilidades funcionais para cada um deles.
2.4.1. Padrão mesofacial
No padrão mesofacial, de acordo com Cabrera & Enlow (1997), os vetores
de crescimento e desenvolvimento facial apresentam-se em harmonia com a face,
crescendo para baixo e para frente, caracterizando-se por um padrão facial médio,
com terços da face proporcionais, não necessitando, portanto, haver adaptações
para realização das funções do sistema estomatognático. Neste grupo
intermediário da classificação biométrica da face, normalmente, as possíveis
maloclusões
são
mais
discretas,
comprometimento das bases ósseas.
29
geralmente
dentárias,
com
raro
Padrão mesofacial
Ilustração de Cabrera & Cabrera (1997, p.28)
2.4.2. Padrão braquifacial
A altura facial inferior reduzida, representada pela diminuição do terço
inferior da face, caracteriza o padrão braquifacial. A predominância dos vetores de
crescimento no sentido mais anterior sugere um crescimento horizontal.
O padrão de crescimento condilar para cima e para frente, verificado por
Rickets, em referência de Bianchini1 (1998), faz com que a rotação mandibular
seja no sentido anti-horário, determinando ângulo mandibular (gonício) fechado.
Portanto, para Cabrera & Enlow (1997), o perfil ósseo convexo apresentado pela
maior projeção ântero-posterior da maxila, propõe uma face verticalmente baixa e
horizontalmente larga.
30
Direção de crescimento condilar superior e anterior, no sentido anti-horário.
Ilustração de Bianchini (1998, p.21, fig. 7A)
Em relação aos arcos e elementos dentários, é verificado, no padrão
braquifacial, arco dentário alargado, estando os ápices dos arcos dentários
superiores próximos ao plano palatino, enquanto os ápices dos arcos dentários
inferiores aproximam-se do plano mandibular, caracterizando a mordida profunda.
O modo pelo qual o osso mandibular se adapta dentro desse complexo
facial, determina uma disposição muscular mais concentrada, estando os
músculos masseter e temporal também diminuídos verticalmente e mais largos no
plano horizontal, o que permite uma resistência tal que estabelece uma
musculatura facial bastante potente.
Numa análise externa é verificado o pronunciamento do osso zigomático,
revelando uma face mais alargada e, consequentemente, um espaço nasofaríngeo
mais amplo, que contribui para a respiração nasal, favorecendo a funcionalidade
de todo sistema.
É comum, porém, segundo Bianchini1 (1998), apresentar deslize mandibular
anterior na articulação da fala. Ao anteriorizar a mandíbula, devido a mordida
profunda, ocorre um excessivo espaçamento dos dentes posteriores verticalmente
(mordida
aberta
posterior
funcional),
consequentemente,
pode
aparecer
sigmatismo lateral, por escape de língua, posterior bilateral, ocupando este
31
espaço.
Devido a pouca altura facial inferior, o lábio superior pode estar afinado e
apoiado em lábio inferior. Assim como, além da mordida profunda, o padrão
braquifacial pode apresentar mordida cruzada unilateral, interposição de lábio
inferior por entre os incisivos, vestibuloversão e diastema entre os incisivos
superiores, contribuindo para o agravamento da maloclusão, que pode estar
associada ao quadro.
Padrão braquifacial
Ilustração de Cabrera & Cabrera (1997, p. 29)
2.4.3. Padrão DólicofaciaL
Ainda para Cabrera & Enlow (1997), o padrão dólicofacial é caracterizado
por um crescimento vertical, havendo predominância dos vetores de crescimento
mais no sentido inferior, apresentando, consequentemente, o terço inferior
aumentado, definindo assim uma face longa. A musculatura facial, portanto,
32
apresenta-se mais estirada verticalmente e consequentemente com menor
potência muscular.
O padrão de crescimento condilar posterior e superior, característico do
padrão dólicofacial, determina ângulo goníaco aberto, pela rotação da mandíbula
no sentido horário. A pouca resistência muscular nesse sentido favorece a
vetorização inferior, perpetuando o crescimento vertical.
Direção de crescimento condilar superior e posterior, no sentido horário.
Ilustração de Bianchini (1998, p.21, fig. 7B)
A face encontra-se em proporção vertical alta e horizontalmente estreita,
apresentando perfil ósseo tendendo a reto, pela menor projeção ântero-posterior
da maxila em detrimento de uma maior participação no sentido vertical. Apresenta
arco dentário estreito, estando seus ápices dentários superiores afastados do
plano palatino e os ápices dos arcos dentários inferiores do plano mandibular,
caracterizando a mordida aberta.
O osso temporal, maxilar e mandibular também apresentam-se nessas
mesmas proporções, determinando altura inferior alta, bem como espaço faríngeo
estreitado, reduzindo o espaço para passagem de ar e tornando qualquer fator
obstrutivo significativo, dificultando a respiração nasal. A respiração
bucal
contribui para variação vertical extrema, agravando a maloclusão, como mordida
33
aberta; topa a topo; mordida cruzada unilateral, bilateral ou total, que pode estar
associada ao padrão dólicofacial. Para Bianchini1 (1998), este padrão caracterizase por apresentar lábio superior em hipofunção, devido ao excesso ósseo vertical
da maxila; hipotonia de lábio inferior e hipertonia de mento, para auxiliar no
vedamento labial, dificultado pelo aumento do terço inferior da face; mastigação
ineficiente; deglutição com interposição lingual e articulação da fala podendo
apresentar enfraquecimento dos fonemas labiais, anteriorização da língua nos
fonemas línguo-alveolares e/ou interposição anterior da língua nos sibilantes.
Padrão dolicofacial
Ilustração de Cabrera & Cabrera (1997, p. 29)
Existem várias combinações patológicas possíveis, cuja etiologia pode ser
um fator genético associado aos fatores do meio ambiente. Assim, as
discrepâncias entre as bases ósseas no sentido sagital, ou seja, as maloclusões
esqueléticas de Classe II e Classe III, podem manifestar-se, segundo Cabrera
34
(1997), em todos os padrões faciais. Porém, diante do padrão dólicofacial, ambas
discrepâncias apresentam prognóstico ruim para tratamento não cirúrgico.
A estabilidade neuromuscular do sistema estomatognático pode estar
prejudicada, de acordo com Bianchini2 (1998), pela presença de hábitos
deletérios. Além dos hábitos de sucção digital, uso prolongado da chupeta, sucção
de língua ou lábios desencadeando alterações faciais e/ou adaptações funcionais,
existem os hábitos, principalmente, relacionados com os músculos mastigatórios,
como
bruxismo, apertamento dental, onicofagia, mordedura de bochechas ou
lábios.
Estes hábitos resultam em uma solicitação anormal dos músculos
masseteres, temporais e pterigóideos, tanto medial, quanto lateral. Tais músculos,
em estado de hiperfunção, podem passar a apresentar sintomatologia dolorosa e
diminuição de sua coordenação.
Os hábitos deletérios são, portanto, considerados importantes fatores
contribuintes também de alterações neuromusculares e da ATM. No entanto, o
hábito deletério não modifica nem desenvolve um tipo facial, segundo Cervera
(1996), porém o acentua. Sua influência na face, porém, é determinada não só por
sua qualificação (tempo/freqüência/intensidade/duração), como também pelas
características faciais, sendo que sua ação pode contribuir para variação extrema
da direção de crescimento facial, acentuando o tipo facial e a maloclusão que
pode estar associada.
Ainda para Cervera (1996), o uso prolongado da chupeta pode ocasionar
mordida aberta a nível de incisivos, reproduzindo, com o tempo, uma mordida
cruzada unilateral, conseqüência da falta de mastigação e trituração em
movimentos laterais e falta de desgaste das cúspides dos molares e caninos
35
decíduos. Prolongando o uso pode-se apresentar mordida cruzada bilateral.
O uso prolongado da chupeta, porém, não provoca, normalmente, efeitos
faciais, desse modo o desenvolvimento da face não é afetado. Isso só ocorre
quando há um tipo facial que favorece a ação desse hábito, como quando há uma
Classe II, tipo hiperdivergente, que é mais suscetível a ação deste hábito,
acentuando os desvios faciais, como, por exemplo, levando a um overjet grave,
favorecendo a interposição do lábio e a sucção do mesmo. Já para a classe II
hipodivergente, o uso prolongado da chupeta é menos significativo, pois apresenta
uma resistência maior a ação do hábito, delimitando sua influência na face,
apresentando efeito apenas nos dentes.
O hábito de sucção dos dedos traz o fracassso para as correções de Classe
II, divisão primeira. Nestes casos, há uma matriz orgânica e um tipo facial que
favorece, estimulando e provocando estímulos sensoriais que fixam este hábito.
Sendo que, os efeitos dentários produzidos apresentam uma tendência a mordida
aberta anterior, protusão dos incisivos inferiores, falta de desenvolvimento da
arcada superior, ocasionando mordida cruzada uni ou bilateral.
Estas alterações produzidas na dentição temporária podem persistir para
dentição permanente, se o hábito estiver associado a outras características de
desenvolvimento de Classe II, como no respirador bucal.
Nos tipos mesodivergente e hipodivergente, quando ocorre a sucção dos
dedos, as maloclusões se auto corrigem com o término do hábito. Nos casos
hiperdivergentes, de natureza dento-alveolar, com o término do hábito, a mordida
aberta melhora, mas não totalmente. Se o caso for de Classe II esquelética, o
overjet que se produz predispõe a interposição de lábios e língua após o término
36
do hábito de sucção os dedos.
Analisando o uso prolongado da chupeta e a sucção de dedo, conclui-se,
segundo Cervera (1996), que o uso da chupeta é mais prejudicial para o
desenvolvimento da dimensão transversal do arco superior, predispondo mais à
mordida cruzada do que a sucção de dedo. Porém, o uso prolongado da chupeta é
um hábito que pode ser retirado mais facilmente e a sucção do dedo persiste por
muito tempo, sendo assim, o efeito, muito pior.
Cervera (1996) refere-se aos hábitos de língua enquadrando-se em duas
hipóteses: casos em que a força da língua pode causar a maloclusão e casos em
que a língua se adapta à oclusão apresentada, não sendo assim considerada fator
etiopatogênico ativo e sim uma adaptação de toda cadeia muscular orofacial.
Os hábitos de língua estão mais relacionados com casos que apresentam
mordida aberta e também com Classe III. Somente nos casos de Classe II, divisão
primeira, há hábito de língua, sendo que a maioria dos casos dessa Classe, com
interposição de língua em repouso e para deglutição, se relacionam com o overjet
acentuado e lábios incompetentes. A correção deste hábito depende, portanto, da
correção do overjet.
Moyers, de acordo com Cervera (1996), classifica os hábitos de língua da
seguinte forma:
1. Projeção simples como em casos de Classe II;
2. Projeção de língua completa, nos casos de mordida aberta;
3. Deglutição infantil, nos casos de mordida aberta total ou bilaterais em
Classe III;
4. Postura inadequada de língua, relacionada com as mordidas abertas e
37
Classe III;
5. Hábito de sucção de língua.
Os hábitos de lábios estão diretamente relacionados com a Classe II, tanto
na divisão primeira como na segunda, podendo ser ativos ou passivos. Os ativos
ocorrem quando há o hábito de morder os lábios, deslizá-los sobre os dentes, de
apoiá-los fortemente nos dentes. Já os passivos referem-se mais as posições dos
lábios de apoio no dente (lábios incompetentes).
Já o hábito de roer as unhas não é etioatogenia de nenhum tipo de
maloclusão, enquanto a respiração bucal altera significativamente a funcionalidade
de todo sistema estomatognático, favorecendo modificações na face.
38
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tecido ósseo é influenciado durante o crescimento por todos os tecidos
moles nos quais está incluído. Porém, existem mecanismos individuais de ajustes
no crescimento e desenvolvimento que podem, até certo ponto, compensar a ação
dos hábitos deletérios na face, considerando também a freqüência e intensidade
do hábito, bem como as condições de nutrição e saúde do indivíduo.
Conforme a qualificação do hábito apresentado e da sua interação com o
tipo facial, determina-se o desvio no padrão de crescimento e desenvolvimento
craniofacial, de modo a existir diferentes possibilidades estruturais e funcionais,
que irão caracterizar diferencialmente cada indivíduo.
A influência dos hábitos deletérios na face, é portanto, delimitada pela
tipologia facial, pois para cada padrão facial é esperado um vetor de crescimento e
uma ação muscular diferente, variando as conseqüências do hábito na face.
A tipologia facial busca redefinir as relações entre os hábitos deletérios e as
malocluões, através da valorização das características morfológicas individuais, as
quais irão conduzir o crescimento e desenvolvimento craniofacial a assumir
determinados tipos faciais, diferentes em seus aspectos estruturais e funcionais.
São estas particularidades que irão definir a ação desses hábitos na face.
Abordando estes limites tem-se como objetivo o diagnóstico diferencial, com
a intenção de estabelecer, em cada caso, as possibilidades do próprio indivíduo,
da intervenção fonoaudiológica e, principalmente, a necessidade da atuação
39
interdisciplinar.
Quando se aceita as limitações do outro, o enfoque terapêutico e familiar se
redireciona, sendo que os resultados serão terapias com menos frustrações e
culpa, com uma alta possível e satisfatória. (Bianchini1, 1998).
40
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo. Artes Médicas, 1998, p.31-56.
43
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