Como se faz 480 Orthodontic Science and Practice. 2012; 5(20):476. André Trevisi Zanelato Ms. em Ortodontia pela Universidade Metodista de São Paulo. Prof. do Curso de Esp. de Ortodontia da Escola de Odontologia de Cuiabá - MT. Prof. do Curso de Esp. de Ortodontia da FAMOSP de Presidente Prudente - SP. Prof. do Curso de Clínico de Ortodontia da Consolidar e Validar, Porto - Portugal. Prof. Adj. de Ortodontia da Universidad Del Desarrollo, Concepicon - Chile. Durante o diagnóstico e o planejamento ortodôntico identificar a direção e a quantidade dos movimentos dentários requeridos para a correção da má-oclusão nem sempre é uma tarefa fácil. Casos mais complexos certamente vão exigir do ortodontista um estudo detalhado dos movimentos desejados a cada fase do tratamento para se chegar aos resultados esperados. Uma das principais causas de insucesso no tratamento ortodôntico pode ser atribuída à perda de controle na movimentação ortodôntica por não se ter um “plano de voo” adequado a ser seguido. As análises cefalométricas são partes importantes no diagnóstico e planejamento do tratamento ortodôntico. No entanto, poucas análises fornecem informações sobre a direção e a quantidade dos movimentos dentários requeridos. Neste sentido, a Análise de movimentação dentária, ou simplesmente VTO Dentário, complementa o estudo do caso fornecendo estas informações, sendo, portanto, muito útil durante o processo de diagnóstico e planejamento do tratamento ortodôntico, auxiliando, inclusive, no processo de decisão sobre extrações e no nível de ancoragem a ser adotado. Para nos apresentar em detalhes o VTO Dentário temos o prazer de contar com a experiência do Dr. André Trevisi Zanelato. Construção e aplicação da análise de movimentação dentária (VTO) no auxílio à montagem de planos de tratamentos - parte 1. Em Ortodontia, os problemas podem se apresentar das mais diversas maneiras. Buscando identificar tais problemas, os ortodontistas devem analisar as más oclusões em três sentidos: transversal, vertical e sagital. No eixo transversal, deve-se avaliar se as cúspides cêntricas dos dentes posteriores de cada arco estão ocluindo corretamente nas fossas dos dentes antagonistas. No eixo vertical, busca-se uma correta relação anterior entre os dentes superiores e inferiores. Vários autores consideram va- lores numéricos ou percentuais para definirem uma quantidade normal para o trespasse vertical, tanto para incisivos quanto para caninos. Outros, porém, postulam que, com certo bom senso, o trespasse vertical, a ser considerado normal, é aquele que simplesmente promove a desoclusão posterior sem causar interferências posteriores. No eixo sagital, há três tipos de problemas, sendo eles as relações de Classe l, de Classe ll e de Classe lll. Dentre os pacientes que procuram por tratamento ortodôntico, um 481 Orthodontic Science and Practice. 2012; 5(20):477. número menor apresenta-se com má oclusão de Classe lll, restando para a maioria dos pacientes, as más oclusões de Classe l e de Classe ll. Algumas análises contribuem para a identificação e a quantificação dos problemas e, posteriormente, podem ser usadas como base para a montagem do plano de tratamento. Dentre as análises utilizadas como importante ferramenta de diagnósticos no sentido sagital, há a Análise de Movimentação Dentária ou VTO* Dentário (*a sigla VTO significa visualização do tratamento ortodôntico). Inicialmente, esta análise foi desen- volvida por Lawrence Andrews, sendo, posteriormente, amplamente estudada, debatida e simplificada até chegar à disposição atual2,4,7. O principal objetivo do VTO dentário é a obtenção do propósito de movimento (Figura 1), onde se podem visualizar todos os movimentos sagitais necessários para a correção das más oclusões nesse sentido. Para chegarmos ao propósito de movimento, primeiramente devemos quantificar a relação interarcos (Figura 2) e, em seguida, os possíveis problemas existentes na região anterior do arco inferior (Figura 3). Figura 1 - Propósito de movimentação. Figura 2 - Diagrama utilizado para quantificação da relação interarcos. Relação interarcos Figura 3 - Quadro de problemas do arco inferior. Com os modelos de gesso do paciente articulados, define-se e quantifica-se a relação interarcos. O mais correto aqui é considerar o que Andrews definiu como normal em seu artigo das Seis chaves para uma boa oclusão1, ou seja, para estar caracterizada a Classe l, a ponta da cúspide do segundo pré-molar superior deve estar na ameia entre o segundo pré-molar inferior e o primeiro molar. Nessa situação, o valor a ser lançado no diagrama é zero (Figura 4). Qualquer outra posição deve ser quantificada em milímetros e por meio de setas lançada no diagrama, como segue o exemplo abaixo. Se o paciente apresentar relação de Classe ll, as setas deverão estar para mesial no arco superior (Figura 5). Se a relação for de Classe lll, as setas também deverão estar para mesial no arco inferior (Figura 6). 482 Linhas médias O mesmo procedimento se faz no lançamento da posição das linhas médias. Se as mesmas estiverem centralizadas, o valor lançado deverá ser zero, se houver desvios, devemos diagnosticar qual das linhas médias está desviada e lançar o valor correspondente ao desvio (Figura 7). Figura 5 - Relação interarcos de Classe ll de 4 mm bilateral. Figura 4 - Relação interarcos de Classe l. Figura 6 - Relação interarcos de Classe lll de 2 mm bilateral. Problemas na região anterior do arco inferior O arco inferior é menos maleável e suscetível a mudanças que o superior. O arco superior é for- Figura 7 - Desvios das linhas médias superior e inferior. mado pela união de dois ossos, as duas maxilas. Tal fato muitas vezes permite a realização de movimentos no eixo transversal. Ademais, os tuberes maxilares permitem a realização de movimentos 483 distais nos molares superiores, oferecendo uma opção adicional para o tratamento da Classes ll. Assim, considerando-se tal situação, os tratamentos ortodônticos são conduzidos com o objetivo de tratar os mais diferentes tipos de más oclusões tendo, sempre, o arco inferior como referência. Na verdade, verificando que o arco inferior apresenta mais limitações, o almejado é encaixar o arco superior neste arco. Assim, a proposta de movimentação é montada, tendo primeiramente como base, os problemas e as possíveis soluções para o arco inferior. Depois de análise criteriosa do modelo inferior do paciente, lançamos no quadro de problema inferior situações que demandam espaço para serem solucionadas. A maioria dos valores ali presentes não possui sinal, pois, por demandarem espaços, subentende-se que sejam negativos. Devemos computar e lançar o apinhamento anterior (A3/3); o apinhamento posterior (A4e5); a profundidade da curva de Spee; o desvio da linha média (LM) e a diferença entre a posição inicial do incisivo e a posição final desejada (P Inc). Ao final, a somatória desses problemas determinará o T3/3. Se este resultado for negativo, o canino sofrerá movimento de distalização e, se o resultado for positivo, indicará mesialização dos caninos. Apinhamento anterior inferior (A 3/3) O apinhamento anterior inferior é quantificado medindo-se da linha média dentária até a distal do canino do lado direito e do lado esquerdo, separadamente (Figura 8). Profundidade da curva de Spee A definição da profundidade da curva de Spee5 deve ser analisada avaliando-se os lados direito e esquerdo separadamente. Segundo Steiner3 (1984), curvas de Spee planas ou com profundidades até 3 mm são consideradas fisiológicas. Tratamentos que apresentam essa característica devem apresentar valor zero lançado no quadro de problema inferior. Adicionalmente a este valor, a curva de Spee deve ser nivelada, o que invariavelmente acarreta aumento no comprimento do arco. Curvas de Spee de 3 mm a 3,5 mm de profundidade necessitam de 0,5 mm no arco para serem niveladas. Profundidades maiores que esta, necessitam de 1 mm (Figura 9). Ademais do aumento no perímetro do arco, o espaço necessário para o nivelamento da curva de Spee também pode ser obtido com desgastes anteriores. Figura 9 - A medição da profundidade da curva de Spee deve ser realizada separadamente em ambos os lados. Linha média inferior Figura 8 - Quantificação do apinhamento anterior inferior. A linha média dentária pode se mostrar desviada por várias razões. Porém, deve ficar claro neste item de análise que somente será computado o desvio da linha média inferior. Uma característica que indica o desvio da linha média infe- 484 rior é quando, neste arco, o paciente apresenta quantidade de apinhamento diferente em ambos os lados. Outra orientação é observar o aspecto facial do paciente e levá-lo em consideração para determinar, com exatidão, a posição e qual das linhas médias está desviada. Na análise, o desvio da linha média inferior é lançado e corrigido, ou seja, para o lado em que a linha média apresenta-se desviada o sinal é positivo e, para o lado oposto, ou seja, para onde a linha média será desviada, o sinal é negativo. Este procedimento ocorre devido ao fato de que, para se corrigir a linha média, ganha-se espaço do lado do desvio e consome-se espaço do lado em que a linha média tem de ser desviada (Figura 10). Posição final desejada para o incisivo inferior Para determinar o valor a ser lançado neste item do quadro de problema inferior, baseamo-nos na possível mudança sofrida pela medida cefalométrica 1-NB. Na verdade, deverá ser lançada a diferença entre o valor do 1-NB inicial e de uma projeção do 1-NB final do paciente. Toda vez que o valor final for projetado para ser maior que o valor inicial, a intenção é a de protruir os incisivos inferiores. Consequentemente, esta medida acarretará em aumento no comprimento do arco e em ganho de espaço. Diferentemente do que ocorreu até agora, o valor a ser lançado no quadro problema deverá levar sinal positivo (Figura 11). Se a projeção final do 1-NB for retruir os incisivos, este valor será menor que o inicial. Este movimento consome espaço e o valor a ser lançado deverá continuar sem sinal, ou seja, negativo (Figura 12). Se a biomecânica planejada não provocar alteração na posição do incisivo, o valor correspondente a ser lançado na análise será zero. Entre os menos experientes, este item da análise pode gerar certa dificuldade. Mas, com algumas informações das características do paciente, além de noções de direção dos vetores de força das biomecânicas e com uma boa dose de bom senso, o profissional é capaz, até com certa acuidade, de projetar a quantidade e a direção em que o incisivo vai se movimentar. Dentre as principais características dos pacientes, devem-se considerar: •o perfil esquelético (Classe l, Classe ll ou Classe lll esquelética); •o padrão do esqueleto (meso, braqui ou dolicofacial); •a má oclusão, o overjet e o overbite presentes; Figura 10 - Desvio de 2 mm da linha média para o lado direito. •as medidas celafométricas iniciais dos incisivos inferiores (IMPA e 1-NB). Sabemos que indivíduos que apresentam perfil esquelético de Classe ll e de Classe lll pedem tratamentos ortodônticos compensatórios. Na Classe ll, a proposta, muitas vezes, é finalizar os incisivos inferiores mais protruídos. Contrariamente, na Classe lll os incisivos devem ser finalizados mais retruídos. Com relação ao padrão do esqueleto, os indivíduos dolicofaciais tendem a apresentar overbite diminuído ou, até mesmo, mordida aberta. Para facilitar o tratamento desses problemas, os incisivos devem ser deixados mais retruídos. Os braquifaciais têm maior tendência à mordida profunda e, por isso, pedem incisivos mais protruídos. Antes de progredirmos, vale ressaltar que, tão importante quanto à quantidade projetada de mudança no 1-NB final, é a direção para onde o incisivo é movimentado, ou seja, se o incisivo se movimenta anteriormente, aumentando o comprimento do arco, movimenta-se também posteriormente, diminuindo o comprimento do mesmo. Somatória dos problemas anteriores inferiores T3/3 A somatória do apinhamento anterior (A3/3), da profundidade da curva de Spee, do desvio da linha média (LM) e da diferença entre a posição inicial do incisivo e a posição final desejada (P Inc) determinará o T3/3, significando o total de problema anterior inferior. T3/3 = A3/3 + curva de Spee + LM + P Inc 485 Na verdade, o T3/3 representa a direção e a quantidade de movimento do canino inferior. Quando o T3/3 apresentar valor negativo, ou seja, se não apresentar sinal, significa que o canino deverá ser distalizado (Figura 13). Se o valor somado apresentar resultado positivo, indica que o canino deverá ser mesializado (Figura 14). Nessa primeira parte do presente artigo, foram abordados os itens necessários para a realização e a construção do VTO. O preenchimento do quadro de problema inferior e da relação interarcos é fundamental para obtermos o T3/3 e, posteriormente, montarmos o propósito de movimentação. Na próxima edição, veremos alguns exemplos de propostas de movimentação e como o VTO pode auxiliar na montagem de planos de tratamentos. Figura 11 - Proposta de protrusão dos incisivos inferiores com consequente aumento do comprimento do arco e ganho de espaço. Figura 12 - Proposta de retrusão dos incisivos inferiores com consequente diminuição do comprimento do arco e consumo de espaço. Figura 13 - A somatória de problemas anteriores conferiu ao T3/3 valor negativo. Portanto, os caninos inferiores deverão ser movimentados para distal. Figura 14 - A situação indica que os incisivos inferiores serão protruídos. Portanto, os caninos inferiores deveram ser movimentados para mesial. Referências bibliográficas 6. Zanelato A.T. O Uso da Análise de Movimentação Dentária (VTO) no auxílio do tratamento ortodôntico e na definição do sistema de ancoragem. Dentistry Clínica Edição Portuguesa. Março, 2009. 7. Zanelato A.C.T. et al. Análise da movimentação dentária (VTO dentário) Rev. Clín. 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