1 FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO I SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP 26 A 30 DE NOVEMBRO DE 2012 – SÃO PAULO/SP A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS PROFESSORES DA REDE PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO Luís Sérgio Brandino Fundação Escola de Sociologia de São Paulo Resumo A partir do Consenso de Washington, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o governo brasileiro – especialmente com Fernando Henrique Cardoso – adota o ideário neoliberal baseado no tripé ajuste fiscal, controle da inflação e estabilização econômica. O neoliberalismo produziu profundas mudanças nos padrões de consumo, de acumulação e a reestruturação produtiva do trabalho. A partir desta análise, buscamos entender como estas mudanças atingiram também os trabalhadores do serviço público no Estado de São Paulo, especialmente os professores da rede estadual, a partir da adoção da meritocracia e da precarização na contratação de docentes temporários.O trabalho precário atingiu boa parte dos professores desde a edição da Lei 500/74, que permitiu ao governo do Estado de São Paulo contratar professores por tempo determinado – embora a maioria deles chegou a se aposentar aos 25 ou 30 anos de trabalho. Com a criação da SPPrev, em 2007, a precarização se aprofundou, pois os professores assinam contrato por até 12 meses e depois têm que cumprir quarentena para retornar às salas de aula. Uma das consequências é o fim, na prática, da aposentadoria especial para estes professores. Palavras-chave: neoliberalismo; flexibilização do trabalho; professores do Estado de São Paulo; precarização do trabalho. Introdução A partir da década de 1990, a onda neoliberal que havia varrido a Europa Ocidental dez anos antes chega ao continente latino-americano. O neoliberalismo intensificou o processo de reestruturação produtiva do capital. Esse novo regime, baseado na lógica do mercado e seus pressupostos de eficiência e eficácia entrou em confronto com a rigidez do regime de produção e acumulação do fordismo, na análise 2 de David Harvey (2008). Harvey identifica esta reestruturação produtiva como acumulação flexível, que “apoia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, do mercado de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (2008, p. 140). Além disso, Harvey afirma que a acumulação flexível provocou desemprego “estrutural”, “rápida destruição e reconstrução de habilidade, ganhos modestos (quando há) de salários reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista” (2008, p. 141). A partir do Consenso de Washington1, o governo brasileiro passa a ensaiar a implementação do neoliberalismo. O primeiro ensaio significativo ocorreu no governo Fernando Collor, mas o “processo de reestruturação produtiva deslanchou por meio do Plano Real, a partir de 1994, sob o governo Fernando Henrique Cardoso” (ANTUNES, 2011, p. 127). Se a proposta do neoliberalismo na política econômica era a de substituir o keynesianismo-fordismo (base de sustentação do walfare state) pelo monetarismo e pela flexibilização, na esfera do Estado era a de garantir a eficácia de funcionamento das instituições públicas. A eleição de Mário Covas (PSDB) ao governo de São Paulo em 1995 trouxe para o Estado o modelo da gestão empresarial. A lógica do mercado dá o tom do governo. A educação pública não fugiu desta lógica. Covas promoveu, junto com sua secretária da Educação, Rose Neubauer, um amplo projeto de reformulação educacional – que ficou conhecido como “choque de gestão”. As principais mudanças implantadas na escola pública paulista foram o regime de progressão continuada e a reorganização da rede física, com foco na transferência para os municípios a responsabilidade e manutenção das escolas de primeiro ciclo do ensino fundamental. Outro ponto que vai de encontro ao ideal neoliberal é a adoção de avaliação externa, com a implementação, a partir de 1995, do Saresp (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), que resultou no bônus mérito concedido a professores de escolas que apresentassem bons desempenhos. Valter Almeida Costa (2011a) escreve que, em linhas gerais, estas políticas “demonstram sintonia com o modelo do gerenciamento, trazido do mundo empresarial para a busca de mais 'produtividade'”. Para o filósofo István Mészáros (2010, p. 27), 1 Em novembro de 1989, funcionários do governo norte-americano e organismos financeiros – FMI, Bando Mundial e BID – reuniram-se em Washington para avaliar e propor reformas econômicas a países latino-americanos. “Ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendando, por meio das referidas entidades, como condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral.” BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Disponível em: http://www.fau.usp.br/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94cons-washn.pdf. Acessado em 16/11/2012. . 3 “limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital significa abandonar de uma só vez o objetivo de uma transformação social qualitativa”. Estas mudanças na gestão educacional sofreram pequenas alterações ao longo destes últimos dezessete anos – período em que o PSDB comanda o Palácio dos Bandeirantes – , mas a essência da gestão empresarial se mantém. Contudo, nosso principal objetivo neste artigo é entendermos como estas mudanças na educação pública paulista, e especialmente a adoção de um modelo de gerenciamento empresarial, que mercantiliza a educação, vem interferindo na vida funcional do professorado e têm contribuído para a precarização profissional. E responder a seguinte questão: a política de meritocracia e de bonificação por desempenho – em detrimento a uma política salarial de valorização profissional – levou o professor a individualizar suas aspirações salariais e a não mais participar das lutas gerais do sindicato da categoria – no caso de São Paulo, a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo)? A onda neoliberal e as novas relações do trabalho No século XX o homem experimentou uma contínua e acelerada mudança tecnológica que, como consequência, revolucionou praticamente toda a produção capitalista industrial. No pós-guerra, de acordo com Nicolau Sevcenko (2007, p. 2425), houve um grande impulso para a transformação dos recursos produtivos. Estados Unidos e a Europa ocidental conheceram um crescimento econômico sem precedentes das economias industriais. “Entre 1953 e 1975 a taxa de produção industrial cresceu na escala extraordinária de seis por cento ao ano” (Sevcenko, 2007, p. 25). Os estados nacionais passaram a controlar a economia e as grandes corporações, impondo-lhes um sistema de taxação pelo qual “transferem parte de seus lucros para os setores carentes da sociedade” (Sevcenko, 2007, p. 25). Esta redistribuição de recursos beneficiava os setores de saúde pública, educação, moradia, infraestrutura, seguro social etc.. Ação que “caracteriza a fórmula mais equilibrada de prática democrática, chamada de ‘Estado de bem-estar social’” [welfare state]. No mesmo sentido, as organizações operárias, os sindicatos e as associações da sociedade civil atuavam tanto para pressionar as corporações a reconhecer os direitos e assegurar as garantias conquistadas pelos trabalhadores, como para pressionar o Estado a exercer seu papel de proteção social, amparo às populações 4 carentes, redistribuição de oportunidades e recursos, contenção dos monopólios e contrapeso ao poder econômico. Assim, sociedade e Estado se tornaram aliados no exercício de controle das corporações e numa partilha mais equilibrada de benefícios da prosperidade industrial. (Sevcenko, 2007, p. 31) A partir especialmente das crises do petróleo em 1973 e no início da década de 1980, o welfare state entra em declínio. Um novo conceito de organização socioeconômica de matriz neoliberal começa a tomar força. Uma operação ideológica dos conservadores leva a tese do “estado mínimo” a contaminar a sociedade. É neste contexto que surgem duas novas lideranças mundiais de perfil conservador e puritano (no sentido weberiano do termo): o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e a primeira-ministra da Grã-Bretanha, Margaret Thatcher, que Sevcenko alcunha de “Adão e Eva” da ordem neoliberal. Ambos foram os responsáveis pela consolidação da nova agenda conservadora: (...) [retração do Estado] em função das grandes corporações e do livre fluxo de capitais, abalando sindicatos, disseminando o desemprego, rebaixando a massa salarial e concentrando a renda. Foi a grande epidemia mundial das privatizações e das megafusões entre grandes empresas. (Sevcenko, 2007, p. 40) Introduzido por Winslow Taylor no final do século XIX, o “trabalho científico” acentuou a divisão social e técnica do trabalho, fragmentação dos empregos e da produção que “fez com que as ações dos trabalhadores se tornassem bastante incompreensíveis para eles mesmos” (SANTOMÉ, 1998, p. 10). Esta mecanização homogeneizadora se aprofunda com a organização e distribuição de tarefas numa esteira transportadora criada por Henry Ford. No taylorismo e no fordismo predominam as políticas de controle e degradação do trabalho humano a partir de sistemas piramidais e hierárquicos de autoridade. O fordismo, por sua vez, influenciou normas de consumo, pois para se produzir mais, e desta forma aumentar a acumulação de capital, era necessário aumentar o consumo, o que obrigou a elevar os salários dos trabalhadores que tinham que se converter em consumidores. Como já nos mostrou Sevcenko, é neste sentido que o fordismo e o estado de bem-estar social andaram de mão dadas. O neoliberalismo e a globalização contribuíram para a reorganização do capital e do trabalho, quebrando a rigidez do fordismo e fazendo surgir a acumulação felxível. Arnaldo Nogueira (2005a) entende que a raiz da reestruturação da produção do capital está na terceira revolução industrial e suas inovações, ou seja, aumento da importância do complexo eletrônico, um novo paradigma de produção industrial, com a 5 flexibilização e o crescimento do trabalho morto, transformação das estruturas empresarias, a globalização. “Essas inovações representam formas de reestruturação da economia sob a hegemonia do grande capital e com pouca capacidade de intervenção do trabalho” (NOGUEIRA, 2005a, p. 70). Sobre o flexibilização do mundo do trabalho, escreve Richard Sennet que A pedra angular da prática administrativa moderna é a crença em que as redes elásticas são mais abertas à reinvenção decisiva que as hierarquias piramidais, como as que governam a era fordista. A junção entre os nódulos na rede é mais frouxa; pode-se tirar uma parte, pelo menos em teoria, sem destruir outras. O sistema é fragmentado; aí está a oportunidade de intervir. Sua própria incoerência convida a nossas revisões. (SENNET, 2010, p. 55) Esta fragmentação provocou uma radical reestruturação do mercado de trabalho. Para Harvey (2008, p. 143), a inconstância do mercado, o aumento da competição, a grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregada ou subempregada), aliado ao enfraquecimento do poder sindical, foram fatos que possibilitaram aos patrões impor “regimes e contratos de trabalhos mais flexíveis”, que implicaria em jornadas de trabalho mais longas em períodos de pico da produção, horas-extras que seriam compensadas com redução do tempo de trabalho em períodos de queda de demanda. Contudo, o mais importante para Harvey é a menor oferta de emprego regular em “favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado” (2008, p. 143). Esta nova estrutura, ainda de acordo com o autor, é conformada por trabalhadores de “centro” e de “periferia”. Os trabalhadores de “centro” gozam de maior segurança no emprego, perspectivas de promoção e de reciclagem, pensão e seguro. A “periferia” é formada por dois subgrupos distintos. O primeiro, por trabalhadores em tempo integral e que possuem habilidades “facilmente disponíveis no mercado de trabalho” (secretárias, pessoal do setor financeiro, pessoal da área de trabalho rotineiro etc). Este grupo é caracterizado pela alta taxa de rotatividade. O segundo grupo periférico inclui empregados em tempo parcial, com contrato temporário de trabalho ou subcontratos. Têm, portanto, “menos seguranças de emprego do que o primeiro grupo periférico” (2008, p. 144). A crise no mundo do trabalho levou autores importantes como André Gorz a discutir as metamorfoses do trabalho e até prever o fim do proletariado. No contraponto às ideias de Gorz, Ricardo Antunes (2005) entende que é preciso compreender as metamorfoses do trabalho e seu caráter multiforme, polissêmico e polimorfo. Para o autor, a noção ampliada e moderna de classe trabalhadora inclui a 6 totalidade daqueles homens e mulheres que vendem sua força de trabalho em troca de salário. Essa nova morfologia do mundo do trabalho tem como núcleo central os trabalhadores produtivos (no sentido dado por Marx, especialmente no Capítulo VI), e não se restringe ao trabalho manual direto, mas incorporada a totalidade do trabalho social e do trabalho coletivo assalariado (...). E é preciso acrescentar que a moderna classe trabalhadora também inclui os trabalhadores improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o capitalista, e que não se constituem como elemento diretamente produtivo no processo de valorização do capital. (ANTUNES, 2005, p. 60) O processo de precarização do trabalho do professor Em nossa pesquisa bibliográfica, identificamos três períodos precarização do trabalho do professor na rede estadual de ensino de São Paulo: década de 1940, 1974, com a Edição da Lei 500, e o aprofundamento da precarização, com a edição da Lei da SPPrev (Lei Complementar 1010/2007). Para entendermos o processo de precarização do trabalho do professor, contudo, é preciso antes fazermos uma pequena introdução à história da educação no Brasil, a partir da colonização, passando pelo Império, primeira e segunda repúblicas e o processo de desenvolvimento capitalista tardio. Fundada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava, a economia colonial brasileira possibilita o aparecimento de unidade básica do sistema de produção, de vida social e do sistema de poder representado pela família patriarcal. A sociedade colonial era formada por uma minoria de donos de terra e senhores de engenho, que predominavam sobre uma massa de agregados e escravos. De acordo com Otaíza Romanelli (1988), a educação cabia apenas aos membros das famílias proprietárias de terra, “mesmo assim em número restrito”, pois a escola “era frequentada somente pelos filhos homens que não os primogênitos (...) Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que estava destinada a educação escolarizada” (1988, p. 33). A educação era proferida pelos jesuítas. Mesmo depois da expulsão da Companhia de Jesus, em 1759, a educação no Brasil manteve-se estruturada nas bases jesuíticas, que perpassam o período colonial, imperial e atingem o período republicano. No século XIX, com o surgimento de uma camada social intermediária 7 (embora ainda pequena), formada por artesãos, comerciantes e funcionários públicos, o ensino continuou a ser elitista. A exigência de uma educação mais abrangente vem com o desenvolvimento do capital industrial, especialmente depois da Revolução de 1930. “A intensificação do capitalismo industrial no Brasil (...) determinou consequentemente o aparecimento de novas exigências educacionais” (ROMANELLI, 1988, p. 59). De acordo com a autora, a expansão do ensino, acompanhada da intensificação do processo de urbanização, entre outros pontos, fizeram com que a taxa de analfabetismo caísse. Em 1900, por exemplo, 65,3% da população era analfabeta; em 1940, a taxa cai para 56,2%. Romanelli aponta ainda o crescimento da expansão do ensino. Se em 1920 apenas 9% da população entre 15 e 19 anos frequentava escola, em 1940 esta taxa já era de 21,43% (ROMANELLI, 1988, p. 64). O crescimento da demanda por matrículas evidenciou a precariedade do profissional do magistério secundário e normal paulista em meados dos anos 1940, conforme constatam Vicentini e Lugli (2011b). “A situação funcional dos professores secundários no estado de São Paulo era muito instável em meados dos anos 1940, pois os professores efetivos eram em pequeno número, sendo a maior parte dos cargos supridos por nomeação de docentes interinos” (2011b, p.9-10). Em 1944, os professores do ensino do magistério secundário realizaram um congresso em São Carlos (SP). Entre suas principais reivindicações estavam o pagamento com regularidade dos professores interinos, contratados e assistentes, seja qual for a forma de nomeação ou de contrato; equiparação de vencimentos; inclusão na folha de pagamento das aulas extraordinárias; efetivação de todos os professores que foram aprovados nos últimos concursos de títulos e provas (VICENTINI; LUGLI, 2011b, p. 7). Deste Congresso originou-se a ideia de se fundar uma associação estadual de professores. Em março de 1945, reunidos na Escola Normal Caetano de Campos, os professores fundaram a APESNOESP – depois APEOESP, que a partir de 1988 transformou-se em sindicato estadual. Segundo Vicentini e Lugli, os momentos iniciais, a APESNOESP não fora assistencialista. Raul Schwinden assumiu a presidência da entidade em 1960, sendo reeleito para este cargo até 1979. De acordo com os autores, depois de ter seu mandato na Assembleia Legislativa cassado em 1968, Schwinden deu novos rumos à entidade associativa. A ação da APESNOESP “tornou-se menos agressiva, sobretudo com relação ao movimento reivindicatório da categoria, concentrando-se nas atividades assistenciais, sobressaindo-se pela atuação de seu Departamento Jurídico” (2011b, p.15). 8 Tanto a Constituição de 1967 quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 5692/71 – promoveram mudanças estruturais na educação brasileira, tornando obrigatório e gratuito os oito anos do ensino de 1º grau (atual Ensino Fundamental) e dando-lhe um caráter de preparação dos estudantes para o mundo do trabalho. De acordo com Bárbara Freitag (1986, p.77), “a educação [está] novamente a serviço dos interesses econômicos”. Um parecer do Ministério da Educação de 1975 confirma este caráter: “1º) mudar o curso de uma das tendências da Educação brasileira, fazendo com que a qualificação para o trabalho se tornasse a meta” (FREITAG, 1986, p. 95). A obrigatoriedade do ensino até os 14 anos e preocupação com a formação da mão-de-obra para a indústria fez com que o governo iniciasse o processo de universalização do ensino. E isto gerou uma demanda por cursos de licenciatura e, por parte do Estado, a contratação de novos professores. Desde a Constituição de 1934, o ingresso no serviço público deve ser feito por meio de concurso de provas e títulos. Como a realização de concursos públicos depende de uma burocracia e aprovação pelas assembleias legislativas, os governos apelaram para brechas constitucionais e iniciaram a contratação em caráter temporário. No Estado de São Paulo, a Lei 500/74, editada pelo então governador biônico Laudo Natel, permitiu ao Estado a admissão em caráter temporário. Embora o contrato de trabalho fosse precário, o professor nesta situação só era desligado da Secretaria da Educação se não conseguisse aulas. Além disso, a Lei 500 garantia ao servidor temporário basicamente os mesmos direitos dos funcionários concursados, inclusive o direito à aposentadoria especial – no caso dos docentes – e da utilização do serviço de assistência de saúde, por meio do Instituto de Assistência Médica dos Servidores Públicos (IAMSPE). Além disso, eram contratados pelo mesmo regime jurídico. Na primeira década deste século, foram realizados quatro concursos públicos: em 2004, para 50 mil vagas; em 2005, para 60 mil colocações para professor do ensino básico do primeiro ciclo; em 2007 o concurso contemplou as disciplinas de Educação Física, Filosofia, Física, Geografia e Matemática; em 2010 abriu-se concurso para 10.083 vagas. Mesmo com a realização de concursos públicos, o número de professores admitidos em caráter temporário (ACTs) sempre foi muito grande na rede. Em 2007, por exemplo, contavam-se 106.132 professores temporários – 48,18% do total. Em 2012, segundo dados da própria Secretaria da Educação, do universo de 220 mil docentes, 105 mil não eram efetivos, ou seja, 47,7% do total. A precarização dos temporários se aprofundou a partir de 2007. Com a criação da SPPrev (São Paulo Previdência), o governador José Serra mudou a legislação para 9 a contratação de professores por tempo determinado. A proposta do governo era manter apenas os efetivos no novo projeto de aposentadoria dos servidores. Cerca de 105 mil servidores à época passariam a ser contratados por tempo determinado de 12 meses e teriam de cumprir 200 dias para poder assinar novo contrato com o governo e passariam para o regime de aposentadoria do INSS. Uma greve liderada pela APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) forçou o governo a alterar o projeto e manter na SPPrev os professores admitidos pela Lei 500/74 que lecionavam até a data da promulgação da nova legislação. O projeto aprovado garantiu também estabilidade a cerca de 70 mil destes 105 mil professores2, e reduzir de duzentos para quarenta dias o interstício para nova contratação. A Lei do SPPrev fragmentou a categoria em professores efetivos, professores categoria “F” (estáveis) e categoria “O” – admitidos depois da promulgação da lei e ingressantes do magistério – e aprofundou a precarização. Os professores categoria “O” são obrigados a prestar uma prova de admissão e assinam contrato por até 12 meses, depois se submetem a uma quarentena para serem readmitidos, sob as regras do regime jurídico do INSS. Este tipo de contratação, na prática, acaba com a aposentadoria especial do magistério – 25 anos para mulheres e 30 anos para homens. Parafraseando David Harvey, podemos dizer que atualmente a rede de ensino oficial do Estado de São Paulo mantém trabalhadores de “centro”, porque efetivos ou estáveis, portanto que gozam de segurança e têm perspectiva de se aposentar, e trabalhadores da “periferia” com contrato temporário de trabalho e sem segurança de emprego. São Paulo adota a meritocracia Como já abordamos na introdução deste artigo, outro ponto de congruência com o ideal neoliberal é a adoção de avaliação externa e da meritocracia. Em 1995, o governo Covas implantou o bônus mérito concedido a professores de escolas que apresentassem bons desempenhos no Saresp. Esta política de meritocracia sofreu mudanças nos governos do PSDB que sucederam Covas, mas manteve o cerne do projeto inicial: para ter direito ao bônus, a escola tem que manter uma meta a ser cumprida e da taxa individual de absenteísmo (o servidor que falta mais do que um terço do tempo de trabalho fica de fora, contando neste caso inclusive as faltas médicas – com atestado – e as licenças de saúde). 2 Jornal da APEOESP nº 268, dezembro de 2005 10 Em entrevista ao autor3, a atual presidente da APEOESP, Maria Izabel Azevedo Noronha, fez duras críticas à política de bonificação. “Em primeiro lugar, esta política é excludente, pois baseada no desempenho dos alunos, não leva em consideração as condições sócio-econômicas do entorno da escola; em segundo lugar, porque discrimina o professor que adoece.” De acordo com a professora Maria Izabel, em recente pesquisa realizada pelo sindicato, constatou-se que os motivos de adoecimento do professor são estresse, doenças da voz e tendinites. A superlotação das salas de aulas, os baixos salários – que levam os professores a lecionarem em mais uma rede – também são motivos de adoecimento, de acordo com a presidente do sindicato. Na gestão de Paulo Renato à frente da Secretaria da Educação – durante o governo de José Serra –, o Plano de Carreira dos Professores foi alterado e criou-se a promoção por mérito, que também tem no absenteísmo um pilar. O então Plano de Carreira em vigor, aprovado em 1997, previa a evolução pela via acadêmica (tempo de serviço) e pela via não-acadêmica, a partir de três fatores: atualização; aperfeiçoamento profissional (curso de extensão, mestrado, doutorado); e produção de trabalhos na respectiva área de atuação. Com as mudanças adotadas, para progredir na carreira o professor titular ou temporário teria de se submeter a uma prova e, se aprovado, receberia 25% de reajuste salarial. O nó da questão, contudo, estava na porcentagem de professores aprovados que teriam direito à promoção – entre 1% e até 20% dos docentes, dependendo dos recursos previstos em orçamento. Ou seja, supondo-se que 50 mil professores fossem aprovados, dependendo da dotação orçamentária, seriam promovidos de 500 (1%) a 10 mil professores (20%). O novo atual secretário da Educação, Herman Vooreard, mudou as regras. Todos os professores que prestarem a prova e forem aprovados farão jus a um reajuste de 10,3%. Os professores podem se inscrever a cada três anos e neste período não podem ter faltas registradas – licença médica também impede o servidor de prestar a prova. Para Maria Izabel, a política de bonificação “institucionaliza a competição entre os professores e não respeita a isonomia salarial”. Ainda segundo ela, esta política não melhorou a qualidade de ensino público. “Números do INEP4 deste ano [divulgados no dia 16 de maio de 2012] apontam, por exemplo, que São Paulo ocupa a oitava pior posição entre os Estados no que diz respeito à reprovação no Ensino Médio”. 3 4 Entrevista concedida em maio de 2012 na sede do sindicato. INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação. 11 Podemos afirmar que esta política de meritocracia reduziu o poder de mobilização sindical. Até 1979, a APEOESP (então associação, pois a legislação proibia sindicato de servidores públicos) era basicamente assistencialista. Professores ligados a grupos de vanguarda lideram, em 1978, uma greve contra o governo Paulo Maluf por reajuste salarial, à revelia da direção sindical. No ano seguinte, disputaram e ganharam a eleição, dando um caráter combativo ao sindicato. Durante a década de 1980, a APEOESP liderou nove greves de professores, totalizando 206 dias de paralisação (a maior greve, de 82 dias, aconteceu em 1989, durante o governo de Orestes Quércia). Na década de 1990, aconteceram também nove greves. Os professores cruzaram os braços durante 179 dias. O número de greve caiu vertiginosamente na década seguinte. Registrou-se greve em 2000, 2005, 2008 e 2010, num total de 108 dias de paralisação. Todas com baixos índices de adesão. De acordo com reportagem da “Folha de S. Paulo” de 23 de maio de 2000, a greve teria atingido 15% depois de confronto entre grevistas e policiais militares na avenida Paulista. Em 2005, ainda de acordo com reportagem da “Folha”, a partir de dados fornecidos pelo sindicato da categoria, a adesão chegou a 30%. Na greve de 2008, que durou 22 dias, sindicato e imprensa divulgaram índices muito díspares. Em reportagem do dia 16 de junho, a “Folha” informa que , segundo a APEOESP, 75% aderiram à paralisação; a Secretaria da Educação fala em menos de 2%. O mesmo acontece com a greve de 2010, com o sindicato e governo anunciando índices díspares de adesão ao movimento. Enquanto a APEOESP anunciava até 60% de professores que aderiram á greve, o governo falava em apenas 1%. Considerações finais Embora o novo regime de acumulação flexível tenha impacto mais visível no mundo do trabalho privado, entendemos que a partir dos anos 1990, quando o neoliberalismo chegou aos países periféricos e as tecnologias de informação começaram a desempenhar papel importante, a precarização attingiu também o mundo do trabalho público, especialmente dos professores do ensino estadual de São Paulo, a partir do momento em que divide-os em três categorias de servidores: os efetivos, os estáveis e os temporários. Ao adotar política de meritocracia baseada no absenteísmo e em resultados de avaliação interna – em detrimento de uma política salarial –, o governo conseguiu desmobilizar a categoria, conhecida por sua combatividade nos anos 1980 e 1990. Pelo número de filiados – 165 mil, numa base de 220 mil professores –, o sindicato 12 ainda mantém um grande poder, mas na última década, especialmente, viu seu poder de mobilização perder força. Bibliografia ANTUNES, Ricardo. Algumas teses sobre o presente (e o futuro) do trabalho. In O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005, p.59-66. _______________. As formas diferenciadas da reestruturação produtiva e o mundo do trabalho no Brasil. In O continente do labor. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 125-133. COSTA, V.A.. Política Educacional para o Ensino Médio e Educação Técnica no Estado de São Paulo. Dissertação de mestrado, USP, 2011a. FREITAG, Bárbara. A política educacional ao nível da legislação. 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