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FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
I SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP
26 A 30 DE NOVEMBRO DE 2012 – SÃO PAULO/SP
A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOS PROFESSORES DA REDE
PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Luís Sérgio Brandino
Fundação Escola de Sociologia de São Paulo
Resumo
A partir do Consenso de Washington, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o
governo brasileiro – especialmente com Fernando Henrique Cardoso – adota o ideário
neoliberal baseado no tripé ajuste fiscal, controle da inflação e estabilização
econômica. O neoliberalismo produziu profundas mudanças nos padrões de consumo,
de acumulação e a reestruturação produtiva do trabalho. A partir desta análise,
buscamos entender como estas mudanças atingiram também os trabalhadores do
serviço público no Estado de São Paulo, especialmente os professores da rede
estadual, a partir da adoção da meritocracia e da precarização na contratação de
docentes temporários.O trabalho precário atingiu boa parte dos professores desde a
edição da Lei 500/74, que permitiu ao governo do Estado de São Paulo contratar
professores por tempo determinado – embora a maioria deles chegou a se aposentar
aos 25 ou 30 anos de trabalho. Com a criação da SPPrev, em 2007, a precarização se
aprofundou, pois os professores assinam contrato por até 12 meses e depois têm que
cumprir quarentena para retornar às salas de aula. Uma das consequências é o fim,
na prática, da aposentadoria especial para estes professores.
Palavras-chave: neoliberalismo; flexibilização do trabalho; professores do Estado de
São Paulo; precarização do trabalho.
Introdução
A partir da década de 1990, a onda neoliberal que havia varrido a Europa
Ocidental dez anos antes chega ao continente latino-americano. O neoliberalismo
intensificou o processo de reestruturação produtiva do capital. Esse novo regime,
baseado na lógica do mercado e seus pressupostos de eficiência e eficácia entrou em
confronto com a rigidez do regime de produção e acumulação do fordismo, na análise
2
de David Harvey (2008). Harvey identifica esta reestruturação produtiva como
acumulação flexível, que “apoia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, do
mercado de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (2008, p. 140). Além disso,
Harvey afirma que a acumulação flexível provocou desemprego “estrutural”, “rápida
destruição e reconstrução de habilidade, ganhos modestos (quando há) de salários
reais e o retrocesso do poder sindical – uma das colunas políticas do regime fordista”
(2008, p. 141).
A partir do Consenso de Washington1, o governo brasileiro passa a ensaiar a
implementação do neoliberalismo. O primeiro ensaio significativo ocorreu no governo
Fernando Collor, mas o “processo de reestruturação produtiva deslanchou por meio do
Plano Real, a partir de 1994, sob o governo Fernando Henrique Cardoso” (ANTUNES,
2011, p. 127).
Se a proposta do neoliberalismo na política econômica era a de substituir o
keynesianismo-fordismo (base de sustentação do walfare state) pelo monetarismo e
pela flexibilização, na esfera do Estado era a de garantir a eficácia de funcionamento
das instituições públicas. A eleição de Mário Covas (PSDB) ao governo de São Paulo
em 1995 trouxe para o Estado o modelo da gestão empresarial. A lógica do mercado
dá o tom do governo. A educação pública não fugiu desta lógica.
Covas promoveu, junto com sua secretária da Educação, Rose Neubauer, um
amplo projeto de reformulação educacional – que ficou conhecido como “choque de
gestão”.
As principais mudanças implantadas na escola pública paulista foram o regime
de progressão continuada e a reorganização da rede física, com foco na transferência
para os municípios a responsabilidade e manutenção das escolas de primeiro ciclo do
ensino fundamental. Outro ponto que vai de encontro ao ideal neoliberal é a adoção de
avaliação externa, com a implementação, a partir de 1995, do Saresp (Sistema de
Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), que resultou no bônus
mérito concedido a professores de escolas que apresentassem bons desempenhos.
Valter Almeida Costa (2011a) escreve que, em linhas gerais, estas políticas
“demonstram sintonia com o modelo do gerenciamento, trazido do mundo empresarial
para a busca de mais 'produtividade'”. Para o filósofo István Mészáros (2010, p. 27),
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Em novembro de 1989, funcionários do governo norte-americano e organismos financeiros – FMI,
Bando Mundial e BID – reuniram-se em Washington para avaliar e propor reformas econômicas a países
latino-americanos. “Ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha
insistentemente recomendando, por meio das referidas entidades, como condição para conceder
cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral.” BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de
Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Disponível em:
http://www.fau.usp.br/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94cons-washn.pdf. Acessado em 16/11/2012.
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3
“limitar uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do
capital significa abandonar de uma só vez o objetivo de uma transformação social
qualitativa”.
Estas mudanças na gestão educacional sofreram pequenas alterações ao longo
destes últimos dezessete anos – período em que o PSDB comanda o Palácio dos
Bandeirantes – , mas a essência da gestão empresarial se mantém. Contudo, nosso
principal objetivo neste artigo é entendermos como estas mudanças na educação
pública paulista, e especialmente a adoção de um modelo de gerenciamento
empresarial, que mercantiliza a educação, vem interferindo na vida funcional do
professorado e têm contribuído para a precarização profissional. E responder a
seguinte questão: a política de meritocracia e de bonificação por desempenho – em
detrimento a uma política salarial de valorização profissional – levou o professor a
individualizar suas aspirações salariais e a não mais participar das lutas gerais do
sindicato da categoria – no caso de São Paulo, a APEOESP (Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo)?
A onda neoliberal e as novas relações do trabalho
No século XX o homem experimentou uma contínua e acelerada mudança
tecnológica que, como consequência, revolucionou praticamente toda a produção
capitalista industrial. No pós-guerra, de acordo com Nicolau Sevcenko (2007, p. 2425), houve um grande impulso para a transformação dos recursos produtivos. Estados
Unidos e a Europa ocidental conheceram um crescimento econômico sem
precedentes das economias industriais. “Entre 1953 e 1975 a taxa de produção
industrial cresceu na escala extraordinária de seis por cento ao ano” (Sevcenko, 2007,
p. 25).
Os estados nacionais passaram a controlar a economia e as grandes
corporações, impondo-lhes um sistema de taxação pelo qual “transferem parte de
seus lucros para os setores carentes da sociedade” (Sevcenko, 2007, p. 25). Esta
redistribuição de recursos beneficiava os setores de saúde pública, educação,
moradia, infraestrutura, seguro social etc.. Ação que “caracteriza a fórmula mais
equilibrada de prática democrática, chamada de ‘Estado de bem-estar social’” [welfare
state].
No mesmo sentido, as organizações operárias, os sindicatos e as
associações da sociedade civil atuavam tanto para pressionar as
corporações a reconhecer os direitos e assegurar as garantias
conquistadas pelos trabalhadores, como para pressionar o Estado a
exercer seu papel de proteção social, amparo às populações
4
carentes, redistribuição de oportunidades e recursos, contenção dos
monopólios e contrapeso ao poder econômico. Assim, sociedade e
Estado se tornaram aliados no exercício de controle das corporações
e numa partilha mais equilibrada de benefícios da prosperidade
industrial. (Sevcenko, 2007, p. 31)
A partir especialmente das crises do petróleo em 1973 e no início da década de
1980, o welfare state entra em declínio. Um novo conceito de organização
socioeconômica de matriz neoliberal começa a tomar força. Uma operação ideológica
dos conservadores leva a tese do “estado mínimo” a contaminar a sociedade.
É neste contexto que surgem duas novas lideranças mundiais de perfil
conservador e puritano (no sentido weberiano do termo): o presidente dos Estados
Unidos, Ronald Reagan, e a primeira-ministra da Grã-Bretanha, Margaret Thatcher,
que Sevcenko alcunha de “Adão e Eva” da ordem neoliberal. Ambos foram os
responsáveis pela consolidação da nova agenda conservadora:
(...) [retração do Estado] em função das grandes corporações e do
livre fluxo de capitais, abalando sindicatos, disseminando o
desemprego, rebaixando a massa salarial e concentrando a renda.
Foi a grande epidemia mundial das privatizações e das megafusões
entre grandes empresas. (Sevcenko, 2007, p. 40)
Introduzido por Winslow Taylor no final do século XIX, o “trabalho científico”
acentuou a divisão social e técnica do trabalho, fragmentação dos empregos e da
produção que “fez com que as ações dos trabalhadores se tornassem bastante
incompreensíveis para eles mesmos” (SANTOMÉ, 1998, p. 10). Esta mecanização
homogeneizadora se aprofunda com a organização e distribuição de tarefas numa
esteira transportadora criada por Henry Ford. No taylorismo e no fordismo predominam
as políticas de controle e degradação do trabalho humano a partir de sistemas
piramidais e hierárquicos de autoridade. O fordismo, por sua vez, influenciou normas
de consumo, pois para se produzir mais, e desta forma aumentar a acumulação de
capital, era necessário aumentar o consumo, o que obrigou a elevar os salários dos
trabalhadores que tinham que se converter em consumidores. Como já nos mostrou
Sevcenko, é neste sentido que o fordismo e o estado de bem-estar social andaram de
mão dadas.
O neoliberalismo e a globalização contribuíram para a reorganização do capital
e do trabalho, quebrando a rigidez do fordismo e fazendo surgir a acumulação felxível.
Arnaldo Nogueira (2005a) entende que a raiz da reestruturação da produção do capital
está na terceira revolução industrial e suas inovações, ou seja, aumento da
importância do complexo eletrônico, um novo paradigma de produção industrial, com a
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flexibilização e o crescimento do trabalho morto, transformação das estruturas
empresarias, a globalização. “Essas inovações representam formas de reestruturação
da economia sob a hegemonia do grande capital e com pouca capacidade de
intervenção do trabalho” (NOGUEIRA, 2005a, p. 70).
Sobre o flexibilização do mundo do trabalho, escreve Richard Sennet que
A pedra angular da prática administrativa moderna é a crença em
que as redes elásticas são mais abertas à reinvenção decisiva que
as hierarquias piramidais, como as que governam a era fordista. A
junção entre os nódulos na rede é mais frouxa; pode-se tirar uma
parte, pelo menos em teoria, sem destruir outras. O sistema é
fragmentado; aí está a oportunidade de intervir. Sua própria
incoerência convida a nossas revisões. (SENNET, 2010, p. 55)
Esta fragmentação provocou uma radical reestruturação do mercado de
trabalho. Para Harvey (2008, p. 143), a inconstância do mercado, o aumento da
competição, a grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregada ou
subempregada), aliado ao enfraquecimento do poder sindical, foram fatos que
possibilitaram aos patrões impor “regimes e contratos de trabalhos mais flexíveis”, que
implicaria em jornadas de trabalho mais longas em períodos de pico da produção,
horas-extras que seriam compensadas com redução do tempo de trabalho em
períodos de queda de demanda.
Contudo, o mais importante para Harvey é a menor oferta de emprego regular
em “favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou
subcontratado” (2008, p. 143). Esta nova estrutura, ainda de acordo com o autor, é
conformada por trabalhadores de “centro” e de “periferia”. Os trabalhadores de “centro”
gozam de maior segurança no emprego, perspectivas de promoção e de reciclagem,
pensão e seguro. A “periferia” é formada por dois subgrupos distintos. O primeiro, por
trabalhadores em tempo integral e que possuem habilidades “facilmente disponíveis
no mercado de trabalho” (secretárias, pessoal do setor financeiro, pessoal da área de
trabalho rotineiro etc). Este grupo é caracterizado pela alta taxa de rotatividade. O
segundo grupo periférico inclui empregados em tempo parcial, com contrato
temporário de trabalho ou subcontratos. Têm, portanto, “menos seguranças de
emprego do que o primeiro grupo periférico” (2008, p. 144).
A crise no mundo do trabalho levou autores importantes como André Gorz a
discutir as metamorfoses do trabalho e até prever o fim do proletariado. No
contraponto às ideias de Gorz, Ricardo Antunes (2005) entende que é preciso
compreender as metamorfoses do trabalho e seu caráter multiforme, polissêmico e
polimorfo. Para o autor, a noção ampliada e moderna de classe trabalhadora inclui a
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totalidade daqueles homens e mulheres que vendem sua força de trabalho em troca
de salário.
Essa nova morfologia do mundo do trabalho tem como núcleo central
os
trabalhadores
produtivos
(no
sentido
dado
por
Marx,
especialmente no Capítulo VI), e não se restringe ao trabalho manual
direto, mas incorporada a totalidade do trabalho social e do trabalho
coletivo assalariado (...).
E é preciso acrescentar que a moderna classe trabalhadora também
inclui os trabalhadores improdutivos, aqueles cujas formas de
trabalho são utilizadas como serviço, seja para uso público ou para o
capitalista, e que não se constituem como elemento diretamente
produtivo no processo de valorização do capital. (ANTUNES, 2005, p.
60)
O processo de precarização do trabalho do professor
Em nossa pesquisa bibliográfica, identificamos três períodos precarização do
trabalho do professor na rede estadual de ensino de São Paulo: década de 1940,
1974, com a Edição da Lei 500, e o aprofundamento da precarização, com a edição da
Lei da SPPrev (Lei Complementar 1010/2007). Para entendermos o processo de
precarização do trabalho do professor, contudo, é preciso antes fazermos uma
pequena introdução à história da educação no Brasil, a partir da colonização,
passando pelo
Império,
primeira
e
segunda
repúblicas
e o processo de
desenvolvimento capitalista tardio.
Fundada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava, a economia
colonial brasileira possibilita o aparecimento de unidade básica do sistema de
produção, de vida social e do sistema de poder representado pela família patriarcal. A
sociedade colonial era formada por uma minoria de donos de terra e senhores de
engenho, que predominavam sobre uma massa de agregados e escravos.
De acordo com Otaíza Romanelli (1988), a educação cabia apenas aos
membros das famílias proprietárias de terra, “mesmo assim em número restrito”, pois a
escola “era frequentada somente pelos filhos homens que não os primogênitos (...)
Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que
estava destinada a educação escolarizada” (1988, p. 33).
A educação era proferida pelos jesuítas. Mesmo depois da expulsão da
Companhia de Jesus, em 1759, a educação no Brasil manteve-se estruturada nas
bases jesuíticas, que perpassam o período colonial, imperial e atingem o período
republicano. No século XIX, com o surgimento de uma camada social intermediária
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(embora ainda pequena), formada por artesãos, comerciantes e funcionários públicos,
o ensino continuou a ser elitista.
A exigência de uma educação mais abrangente vem com o desenvolvimento
do capital industrial, especialmente depois da Revolução de 1930. “A intensificação do
capitalismo industrial no Brasil (...) determinou consequentemente o aparecimento de
novas exigências educacionais” (ROMANELLI, 1988, p. 59). De acordo com a autora,
a expansão do ensino, acompanhada da intensificação do processo de urbanização,
entre outros pontos, fizeram com que a taxa de analfabetismo caísse. Em 1900, por
exemplo, 65,3% da população era analfabeta; em 1940, a taxa cai para 56,2%.
Romanelli aponta ainda o crescimento da expansão do ensino. Se em 1920 apenas
9% da população entre 15 e 19 anos frequentava escola, em 1940 esta taxa já era de
21,43% (ROMANELLI, 1988, p. 64).
O crescimento da demanda por matrículas evidenciou a precariedade do
profissional do magistério secundário e normal paulista em meados dos anos 1940,
conforme constatam Vicentini e Lugli (2011b). “A situação funcional dos professores
secundários no estado de São Paulo era muito instável em meados dos anos 1940,
pois os professores efetivos eram em pequeno número, sendo a maior parte dos
cargos supridos por nomeação de docentes interinos” (2011b, p.9-10).
Em 1944, os professores do ensino do magistério secundário realizaram um
congresso em São Carlos (SP). Entre suas principais reivindicações estavam o
pagamento com regularidade dos professores interinos, contratados e assistentes,
seja qual for a forma de nomeação ou de contrato; equiparação de vencimentos;
inclusão na folha de pagamento das aulas extraordinárias; efetivação de todos os
professores que foram aprovados nos últimos concursos de títulos e provas
(VICENTINI; LUGLI, 2011b, p. 7).
Deste Congresso originou-se a ideia de se fundar uma associação estadual de
professores. Em março de 1945, reunidos na Escola Normal Caetano de Campos, os
professores fundaram a APESNOESP – depois APEOESP, que a partir de 1988
transformou-se em sindicato estadual.
Segundo Vicentini e Lugli, os momentos iniciais, a APESNOESP não fora
assistencialista. Raul Schwinden assumiu a presidência da entidade em 1960, sendo
reeleito para este cargo até 1979. De acordo com os autores, depois de ter seu
mandato na Assembleia Legislativa cassado em 1968, Schwinden deu novos rumos à
entidade associativa. A ação da APESNOESP “tornou-se menos agressiva, sobretudo
com relação ao movimento reivindicatório da categoria, concentrando-se nas
atividades assistenciais, sobressaindo-se pela atuação de seu Departamento Jurídico”
(2011b, p.15).
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Tanto a Constituição de 1967 quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) – Lei 5692/71 – promoveram mudanças estruturais na educação
brasileira, tornando obrigatório e gratuito os oito anos do ensino de 1º grau (atual
Ensino Fundamental) e dando-lhe um caráter de preparação dos estudantes para o
mundo do trabalho. De acordo com Bárbara Freitag (1986, p.77), “a educação [está]
novamente a serviço dos interesses econômicos”. Um parecer do Ministério da
Educação de 1975 confirma este caráter: “1º) mudar o curso de uma das tendências
da Educação brasileira, fazendo com que a qualificação para o trabalho se tornasse a
meta” (FREITAG, 1986, p. 95).
A obrigatoriedade do ensino até os 14 anos e preocupação com a formação da
mão-de-obra para a indústria fez com que o governo iniciasse o processo de
universalização do ensino. E isto gerou uma demanda por cursos de licenciatura e, por
parte do Estado, a contratação de novos professores.
Desde a Constituição de 1934, o ingresso no serviço público deve ser feito por
meio de concurso de provas e títulos. Como a realização de concursos públicos
depende de uma burocracia e aprovação pelas assembleias legislativas, os governos
apelaram para brechas constitucionais e iniciaram a contratação em caráter
temporário. No Estado de São Paulo, a Lei 500/74, editada pelo então governador
biônico Laudo Natel, permitiu ao Estado a admissão em caráter temporário.
Embora o contrato de trabalho fosse precário, o professor nesta situação só era
desligado da Secretaria da Educação se não conseguisse aulas. Além disso, a Lei
500 garantia ao servidor temporário basicamente os mesmos direitos dos funcionários
concursados, inclusive o direito à aposentadoria especial – no caso dos docentes – e
da utilização do serviço de assistência de saúde, por meio do Instituto de Assistência
Médica dos Servidores Públicos (IAMSPE). Além disso, eram contratados pelo mesmo
regime jurídico.
Na primeira década deste século, foram realizados quatro concursos públicos:
em 2004, para 50 mil vagas; em 2005, para 60 mil colocações para professor do
ensino básico do primeiro ciclo; em 2007 o concurso contemplou as disciplinas de
Educação Física, Filosofia, Física, Geografia e Matemática; em 2010 abriu-se
concurso para 10.083 vagas. Mesmo com a realização de concursos públicos, o
número de professores admitidos em caráter temporário (ACTs) sempre foi muito
grande na rede. Em 2007, por exemplo, contavam-se 106.132 professores temporários
– 48,18% do total. Em 2012, segundo dados da própria Secretaria da Educação, do
universo de 220 mil docentes, 105 mil não eram efetivos, ou seja, 47,7% do total.
A precarização dos temporários se aprofundou a partir de 2007. Com a criação
da SPPrev (São Paulo Previdência), o governador José Serra mudou a legislação para
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a contratação de professores por tempo determinado. A proposta do governo era
manter apenas os efetivos no novo projeto de aposentadoria dos servidores. Cerca de
105 mil servidores à época passariam a ser contratados por tempo determinado de 12
meses e teriam de cumprir 200 dias para poder assinar novo contrato com o governo e
passariam para o regime de aposentadoria do INSS. Uma greve liderada pela
APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo)
forçou o governo a alterar o projeto e manter na SPPrev os professores admitidos pela
Lei 500/74 que lecionavam até a data da promulgação da nova legislação. O projeto
aprovado garantiu também estabilidade a cerca de 70 mil destes 105 mil professores2,
e reduzir de duzentos para quarenta dias o interstício para nova contratação.
A Lei do SPPrev fragmentou a categoria em professores efetivos, professores
categoria “F” (estáveis) e categoria “O” – admitidos depois da promulgação da lei e
ingressantes do magistério – e aprofundou a precarização. Os professores categoria
“O” são obrigados a prestar uma prova de admissão e assinam contrato por até 12
meses, depois se submetem a uma quarentena para serem readmitidos, sob as regras
do regime jurídico do INSS. Este tipo de contratação, na prática, acaba com a
aposentadoria especial do magistério – 25 anos para mulheres e 30 anos para
homens.
Parafraseando David Harvey, podemos dizer que atualmente a rede de ensino
oficial do Estado de São Paulo mantém trabalhadores de “centro”, porque efetivos ou
estáveis, portanto que gozam de segurança e têm perspectiva de se aposentar, e
trabalhadores da “periferia” com contrato temporário de trabalho e sem segurança de
emprego.
São Paulo adota a meritocracia
Como já abordamos na introdução deste artigo, outro ponto de congruência
com o ideal neoliberal é a adoção de avaliação externa e da meritocracia. Em 1995, o
governo Covas implantou o bônus mérito concedido a professores de escolas que
apresentassem bons desempenhos no Saresp. Esta política de meritocracia sofreu
mudanças nos governos do PSDB que sucederam Covas, mas manteve o cerne do
projeto inicial: para ter direito ao bônus, a escola tem que manter uma meta a ser
cumprida e da taxa individual de absenteísmo (o servidor que falta mais do que um
terço do tempo de trabalho fica de fora, contando neste caso inclusive as faltas
médicas – com atestado – e as licenças de saúde).
2
Jornal da APEOESP nº 268, dezembro de 2005
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Em entrevista ao autor3, a atual presidente da APEOESP, Maria Izabel
Azevedo Noronha, fez duras críticas à política de bonificação. “Em primeiro lugar, esta
política é excludente, pois baseada no desempenho dos alunos, não leva em
consideração as condições sócio-econômicas do entorno da escola; em segundo
lugar, porque discrimina o professor que adoece.” De acordo com a professora Maria
Izabel, em recente pesquisa realizada pelo sindicato, constatou-se que os motivos de
adoecimento do professor são estresse, doenças da voz e tendinites. A superlotação
das salas de aulas, os baixos salários – que levam os professores a lecionarem em
mais uma rede – também são motivos de adoecimento, de acordo com a presidente
do sindicato.
Na gestão de Paulo Renato à frente da Secretaria da Educação – durante o
governo de José Serra –, o Plano de Carreira dos Professores foi alterado e criou-se a
promoção por mérito, que também tem no absenteísmo um pilar.
O então Plano de Carreira em vigor, aprovado em 1997, previa a evolução pela
via acadêmica (tempo de serviço) e pela via não-acadêmica, a partir de três fatores:
atualização; aperfeiçoamento profissional (curso de extensão, mestrado, doutorado); e
produção de trabalhos na respectiva área de atuação. Com as mudanças adotadas,
para progredir na carreira o professor titular ou temporário teria de se submeter a uma
prova e, se aprovado, receberia 25% de reajuste salarial. O nó da questão, contudo,
estava na porcentagem de professores aprovados que teriam direito à promoção –
entre 1% e até 20% dos docentes, dependendo dos recursos previstos em orçamento.
Ou seja, supondo-se que 50 mil professores fossem aprovados, dependendo da
dotação orçamentária, seriam promovidos de 500 (1%) a 10 mil professores (20%).
O novo atual secretário da Educação, Herman Vooreard, mudou as regras.
Todos os professores que prestarem a prova e forem aprovados farão jus a um
reajuste de 10,3%. Os professores podem se inscrever a cada três anos e neste
período não podem ter faltas registradas – licença médica também impede o servidor
de prestar a prova.
Para Maria Izabel, a política de bonificação “institucionaliza a competição entre
os professores e não respeita a isonomia salarial”. Ainda segundo ela, esta política
não melhorou a qualidade de ensino público. “Números do INEP4 deste ano
[divulgados no dia 16 de maio de 2012] apontam, por exemplo, que São Paulo ocupa a
oitava pior posição entre os Estados no que diz respeito à reprovação no Ensino
Médio”.
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Entrevista concedida em maio de 2012 na sede do sindicato.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação.
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Podemos afirmar que esta política de meritocracia reduziu o poder de
mobilização sindical. Até 1979, a APEOESP (então associação, pois a legislação
proibia sindicato de servidores públicos) era basicamente assistencialista. Professores
ligados a grupos de vanguarda lideram, em 1978, uma greve contra o governo Paulo
Maluf por reajuste salarial, à revelia da direção sindical. No ano seguinte, disputaram e
ganharam a eleição, dando um caráter combativo ao sindicato.
Durante a década de 1980, a APEOESP liderou nove greves de professores,
totalizando 206 dias de paralisação (a maior greve, de 82 dias, aconteceu em 1989,
durante o governo de Orestes Quércia). Na década de 1990, aconteceram também
nove greves. Os professores cruzaram os braços durante 179 dias.
O número de greve caiu vertiginosamente na década seguinte. Registrou-se
greve em 2000, 2005, 2008 e 2010, num total de 108 dias de paralisação. Todas com
baixos índices de adesão. De acordo com reportagem da “Folha de S. Paulo” de 23 de
maio de 2000, a greve teria atingido 15% depois de confronto entre grevistas e
policiais militares na avenida Paulista. Em 2005, ainda de acordo com reportagem da
“Folha”, a partir de dados fornecidos pelo sindicato da categoria, a adesão chegou a
30%.
Na greve de 2008, que durou 22 dias, sindicato e imprensa divulgaram índices
muito díspares. Em reportagem do dia 16 de junho, a “Folha” informa que , segundo a
APEOESP, 75% aderiram à paralisação; a Secretaria da Educação fala em menos de
2%. O mesmo acontece com a greve de 2010, com o sindicato e governo anunciando
índices díspares de adesão ao movimento. Enquanto a APEOESP anunciava até 60%
de professores que aderiram á greve, o governo falava em apenas 1%.
Considerações finais
Embora o novo regime de acumulação flexível tenha impacto mais visível no
mundo do trabalho privado, entendemos que a partir dos anos 1990, quando o
neoliberalismo chegou aos países periféricos e as tecnologias de informação
começaram a desempenhar papel importante, a precarização attingiu também o
mundo do trabalho público, especialmente dos professores do ensino estadual de São
Paulo, a partir do momento em que divide-os em três categorias de servidores: os
efetivos, os estáveis e os temporários.
Ao adotar política de meritocracia baseada no absenteísmo e em resultados de
avaliação interna – em detrimento de uma política salarial –, o governo conseguiu
desmobilizar a categoria, conhecida por sua combatividade nos anos 1980 e 1990.
Pelo número de filiados – 165 mil, numa base de 220 mil professores –, o sindicato
12
ainda mantém um grande poder, mas na última década, especialmente, viu seu poder
de mobilização perder força.
Bibliografia
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Resumo Introdução