Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 A PRINCESA À GUERREIRA: UMA ANÁLISE FÍLMICA DA SIGNIFICAÇÃO DA MULHER NOS CONTOS DA DISNEY Tuanny Dantas Lameirão- UFF1 Resumo: Nesse artigo dois novos campos da historia serão entrelaçados, a história das mulheres e a historia das imagens, precisamente o cinema. Intentando fazer uma historia da representação e da decodificação da mulher através de objetos cinematográficos. Para tal analisando a representação da feminilidade através da configuração das protagonistas femininas que recebem o status de princesas ao longo das décadas de 80 e 90 nas produções longas-metragens da Disney, focando o caráter de gênero. Palavras chaves: Gênero, cinema de animação e princesa. Introdução: The Walt Disney Company é o maior conglomerado de mídia e entretenimento, fundada em 1923 surge como um estúdio de animação, tornando-se ao longo de algumas décadas um dos maiores estúdios de Hollywood. Um dos grandes marcos históricos da Disney, e do cinema mundial é o lançamento do primeiro longa metragem de animação com difusão comercial, o Filme “Branca de neve e os sete anões”. Lançado em 1937 “Branca de Neve e os sete anões”2 foi uma grande produção que se tornou referência para as próximas gerações de animadores, devido sua alta qualidade, mas também pelo domínio técnico demonstrado pelos criadores dos Estúdios Disney. A partir dela iniciou-se uma seqüência de longas-metragens baseados em adaptações de contos de fadas tradicionais, cujas protagonistas recebem o status de princesas: “Cinderela”3, cuja produção, em 1950, teve mesma nomenclatura; Aurora, de “A bela adormecida”4 (1959); Ariel, de “A pequena sereia”5 (1989); Bela de “A bela e a fera”6(1991); “Pocahontas”7, em 1995, e “Mulan”8, de 1998, essa duas últimas também deram nome a suas produções e apesar de não serem da realeza tem o status de princesas dado pela Disney9 . Tais produções tiveram grande visibilidade e repercussão, tanto o aspecto onírico quanto suas representações se impermearam no imaginário que, de acordo com Silva (2003), agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado e, através de um mecanismo grupal/individual, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de aspirar ao estar no mundo 10. Isso ocorre devido à capacidade socializante do cinema e o seu poder de transmissão de valores e idéias. 1 Aluna do curso de História ICHF- UFF Branca de Neve e os sete anões. Direção:Walt Disney. Estados Unidos: Walt Disney, 1937. 3 Cinderela. Direção: Wilfred Jackson, Hamilton Luske, e Clyde. Geronimi.Estados Unidos: Walt Disney, 1950. 4 A Bela Adormecida. Direção: Clyde Geronimi; Elenco Mary Costa. Estados Unidos: Walt Disney, 1959. 5 A Pequena Sereia. Direção: Ron Clements e John Musker. Estados Unidos: Walt Disney, 1989. 6 A Bela e a Fera. Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise. Estados Unidos: Walt Disney, 1991. 7 Pocahontas. Direção: Mike Gabriel, Eric Goldberg. Walt Disney: Estados Unidos: 1995. 8 Mulan. Direção: Tony Bancroft e Barry Cook. Estados Unidos: Walt Disney, 1998. 9 Disponível em Http://www.disney.pt/DisneyOnline/princesas, 31/10/2010. ás 15.33 10 SILVA, Juremir M. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2003, p.11. 2 Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 1 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 O cinema deve ser entendido como uma arte de duplo caráter, objeto cultural e prática socializante, o que torna inalienável a presença de traços históricos em sua matéria simbólica, ao mesmo tempo em que está associado a comportamentos e estereótipos difundidos na sociedade. Além disso, essa arte se tornou símbolo e motor de uma nova mentalidade de lazer, que desde a década de 30 iniciou um contínuo aumento de público. A cinematografia proposta possui a classe princesas como elemento comum, de modo que é notório as questões de gênero presentes em um amplo circuito de produções. Refletindo as grandes transformações culturais, e apoiando-se em pesquisas bibliográficas, percebe-se o quanto à representação feminina e de feminilidade transformou-se no decorrer de gerações. Apoiando-se em dois novos campos da historia: historia da mulher, a emergência desse campo de estudo não se deve apenas à expansão dos limites da historia, como também acompanhou as campanhas feministas para melhoria das condições profissionais; e a historia-cinema, que eleva o cinema à categoria de “novo objeto” da história, tendo em vista o cinema como uma arte de duplo caráter, esse trabalho mostrará o diálogo entre o cinema e a história através do exame dos filmes já citados (A Pequena Sereia, A Bela e a Fera, Pocahontas e Mulan). Objetiva-se investigar as representações femininas nesses longas-metragens. Em busca da presença de valores feministas da independência e do multiculturalismo. A história contada e a história representada: A proposta de se trabalhar fontes históricas não verbais não é recente, como se vê na publicação feita pela revista Cultures11, onde Boleslas Matuszewski analisava as relações mútuas do cinema e da história, ou livro organizado por George Saudoul em 1961 que contava com alguns capítulos que discutiam o tema, até mesmo no Brasil em 1952 Hónorio Rodrigues em “A pesquisa Histórica no Brasil” fazia reflexões sobre a possibilidade que o cinema oferecia à pesquisa histórica. Mas é a partir da publicação de Ferro na Nova História12, que o cinema é elevado a categoria de “novo objeto”, assumindo este teórico uma fundamental importância nesse novo olhar sobre o cinema. Para Ferro o cinema é testemunha ocular de seu tempo, pois não está sobre o controle de nenhuma instância de produção, como o Estado, por exemplo. Além disso, possui uma tensão própria, trazendo à tona, elementos que permitem avaliação da sociedade em suas mais diversas características, sem privilegiar qualquer segmento de poder. Sua preocupação central era o uso do cinema como fonte histórica, mas ele também compreendia que o cinema poderia ser objeto, já que buscava entender tanto a realidade figurada quanto à própria obra. A analise de Ferro se diferencia das análises de imagem utilizadas até então. O cinema desprende suas significações do caráter unicamente cinematográfico que tinha com a semiótica e passa com a teoria de Ferro a ser observado como um produto, uma imagemobjeto, que tem caráter de testemunho13. O historiador não está preso à totalidade das obras, pode compor séries e conjuntos através de seqüências ou imagens, mas o mais importante deve integrar o filme ao mundo social, analisando o contexto em que surgem as obras e confrontar os elementos cinematográficos (diageticos e não diageticos) e os não cinematográficos, tais como: o tempo de produção, a própria produção, autor, público, 11 G.M.S. “Le cinéma et l'histoire: un document de 1898” in: Cultures, (1):233, 1974. LE GOFF, Jaques (org.) “Nova Historia” , São Paulo: Edições 70, 1991 13 FERRO, Marc. “Le film, une contre-analyse de la société?”, pp.241, 246 12 Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 2 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 regime político, ou formas de censura. É na sincronia entre esses aspectos e o conteúdo que a mensagem do filme é transmitida ao espectador, mensagem essa que esta transfigurada nas representações. O grande historiador Francês Roger Chartier, especialista em história cultural, criou o conceito de representação, que segundo ele designa o modo pelo qual em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade é pensada e construída14. O autor tem uma grande preocupação com problemas conceituais como representação, prática e apropriação. È partir deles que ele considera questões como as formas narrativas do discurso histórico e literário, fundamentais à interpretação dos documentos que o historiador toma por objeto. Chartier tem uma visão abrangente de cultura, mas não homogenia, ele rompe com o modelo anterior na medida que rejeita a visão dualista de cultura popular e cultura erudita. Para ele o conceito de representatividade é complementar ao conceito de prática e poderiam ser examinados pela relação interativa que estabelecem. A elaboração das identidades sociais é o resultado de uma relação de forças. Entre as representações estabelecidas por aqueles que têm poder de classificar e a definição, resistente, que cada comunidade constrói de si mesma. A representação nessa visão pode ser articulada em três tipos de interação com o social: a relação de delimitação das múltiplas configurações intelectuais, a interação com as praticas, que funcionam como reconhecimento da identidade social e a relação institucionalizada onde um representante (ou instâncias coletivas) marca a existência do grupo, classe ou comunidade. Logo é possível atrávez de uma emersão no discurso fílmico e nos seus aspectos formadores, diageticos e não diagestico, promover uma analise de linguagem e discurso que contextualizada seria capaz de explicitar as representações de gênero e feminilidade emersa nos filmes. O gênero é um conceito capaz de redefinir a organização social da relação entre os sexos, rejeitando o determinismo biológico entre os sexos. “O gênero enfatiza igualmente o aspecto relacional das definições normativas da feminilidade” 15. Para Joan Scott o gênero dá conta de definir mulheres e homens em termos recíprocos e sendo analisados conjuntamente. A escassez de vestígios acerca do passado das mulheres, produzidos por elas próprias se contrapõem com a certa facilidade em obter representações femininas em de discursos, que ditam normas ou fazem apreensões de seu cotidiano. Sendo assim, Françoise Thébaud propõem que a história das mulheres deve ser concebida junto com uma história das representações e das decodificações das imagens e dos discursos, levando em conta que a imagem pode agir como repressora ou vanguardista dependendo de qual identidade visual deseja-se passar. Para a autora o estudo da historia das mulheres é um questionamento sobre a evolução do sistema de gêneros. “Nesta perspectiva, o leitor não deve interrogar- se sobre as conquistas femininas, mas sobre a evolução do sistema de gênero <gender system>, simultaneamente conjunto de funções sociais sexuadas e sistema de pensamento ou representações definindo culturalmente o masculino e o 16 feminino e modelando as identidades culturais. Para tal analise conta-se com uma metodologia de análise do discurso, nesse caso a de Michel Pêcheux. Este método intenta “descrever, explicar e avaliar criticamente os 14 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p.16 15 SCOTT, Joan, Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, vol. 16, no 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990, p.5. 16 DUBY, Georges e Perrot, Michelle (orgs.). Historia da Mulher no Ocidente. V. 5. EBRADIL: São Paulo. 1990. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 3 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados àquele produtos na sociedade”. 17 Trata-se de uma metodologia que privilegia a interdisciplinaridade, articuladora de arcabouço histórico e lingüístico. “A semântica discursiva é a análise científica dos processos característicos de uma formação discursiva, que deve dar conta da articulação entre o processo de produção de um discurso e as 18 condições em que ele é produzido” Princesas, as mocinhas da Disney: O gênero de animação, conforme o exposto por Meckee (2006)19 sustenta-se pelas leis do metamorfismo universal, a partir das quais tudo pode ser criado e transformado, independentemente de normativas físicas. Porém uma das características marcantes das produções aqui estudadas é que possuem caráter hiporealistas, ou seja, buscam uma similaridade com o real. Sendo todos os personagens idealizados em 3D, o que lhes confere maior semelhança com atores propriamente dito. Como dito anteriormente a historia da mulher em muito é concebida através de uma historia de representações, de forma que a mulher já foi apresentada sob muitas formas. E foi através do status de princesa que se encontrou presentificada no primeiro longametragem comercial de animação e em uma série de outros que o sucederam. Princesas Clássicas: Branca de Neve é a primeira princesa desta sequência sua cinematografia explora um padrão que associa a beleza da mulher, à bondade, à ternura, à delicadeza, à fragilidade e à ingenuidade. A beleza é um ponto fundamental da trama, é ela o motor da inveja da madrasta, beleza essa que esta fortemente assentada em conceitos eurocêntricos como a brancura da pele. A gentileza, a obediência e o recado também são exaltados, além dos trabalhos domésticos, o saber limpar e cozinhar, são estes dotes que fazem com que os anões permitam que se hóspede na casa deles: “Se me deixarem ficar eu tomo conta de tudo, eu lavo, varro, costuro e cozinho (...) sei fazer boas tortas e bons pudins.”20 Tal estereotipia estende-se às próximas princesas Cinderela e Aurora. Sonhadoras, obediente e ingênua não percebiam o perigo, por isso tinham de ser protegidas. Branca de Neve era zelada pelos sete anões; Cinderela era protegida por uma fada madrinha; enquanto três fadas madrinhas eram as guardiãs de Aurora. Outra característica dessas produções é a representação do mal por uma figura feminina, a rainha má de Branca de Neve, a madrasta de Cinderela e a bruxa Malévola em A Bela Adormecida, estas personagens se caracterizam pela inveja, maldade, falta de moral e princípios, eram invejosas e ardilosas. Mesmo que altivas e belas, incidia sobre elas um final infeliz. Todas as tramas tinham como tema principal o amor, e apenas no encontro do amor verdadeiro que as princesas poderiam realizar seus sonhos e alcançar a felicidade. Esse sonho era apresentado ao publico logo no começo através dos cânticos entoados pelas protagonistas no inicio das historias, “Desejo” cantado por Branca, “O sonho é um desejo d’lma” na voz de Cinderela e “Musica de Aurora” e “Foi você” ambos cantado pela princesa. 17 PINTO, José. Comunicação e discurso: Introdução à análise de discurso. (1999, p.112) ORLANDI, E. P. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 1999. 19 MCKEE, H. “ Computers and Composition” , 2006. 20 Branca de Neve e os sete anões. Direção:Walt Disney. Estados Unidos: Walt Disney, 1937 18 Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 4 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 “[Um dia (um dia) eu serei feliz] Cantando (cantando) assim.] Aquele (aquele) com quem eu sonhei] Eu quero (eu quero)] 21 Para mim (para mim)” “O que importa o mal que te tormenta] Se o sonho te 22 contenta] E pode se realizar.” “Aonde (aonde)] Aonde eu irei encontrar um alguém] que me 23 queira, me adore] Alguém que me faça feliz” “Foi você o sonho bonito que eu sonhei] Foi você eu lembro tão bem] Você na linda visão] E me fez sentir] Que o meu amor nasceu então] e aqui esta você (somente você)] A 24 mesma visão] Aquela do sonho que sonhei. Esse sonho será referenciado ao longo de toda trama e culminando no momento em que a princesa é salva pela figura do príncipe, homem forte, belo e corajoso, onde as protagonistas encontram o amor e felicidade. Novas princesas: Dado um intervalo de vinte anos, importantes processos sociais, notabilizadas pela mulher, insistiram num movimento de alteração da configuração social. Processos esses como o feminismo, discurso intelectual que tem como meta romper os valores repressores, baseado no gênero. A historia desse movimento é dividido em três ondas: A primeira onda, ocorrida no iniciou do século XX era referente principalmente à luta pelo sufrágio universal, a segunda onda refere às idéias e ações associadas com os movimentos de liberação feminina em meados da década de 60 e a terceira onda que começou no início década de 1990, como uma remodelagem da segunda onda para suprir sua falhas, e também uma retratação às iniciativas e movimentos criados pela segunda onda. O feminismo da terceira vertente visa desafiar ou evitar aquilo que vê como as definições existencialistas. Associados a esse movimento têm o surgimento de um novo paradigma social, o do multiculturalismo, que buscava desfazer a visão de uma identidade única e valorizava as 21 “Desejo” in: Branca de Neve e os sete anões. Direção:Walt Disney. Estados Unidos: Walt Disney, 1937 22 “O sonho é um desejo d’alma” in: Cinderela. Direção: Wilfred Jackson, Hamilton Luske, e Clyde. Geronimi.Estados Unidos: Walt Disney, 1950. 23 “Musica de Aurora” A Bela Adormecida. Direção: Clyde Geronimi; Elenco Mary Costa. Estados Unidos: Walt Disney, 1959. 24 “Foi você” A Bela Adormecida. Direção: Clyde Geronimi; Elenco Mary Costa. Estados Unidos: Walt Disney, 1959. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 5 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 diferentes manifestações culturais, quebrando a afirmação da existência de identidades homogenias.25 As princesas acompanharam estas transformações. O longa “A pequena sereia” é lançado em 1989, apresentando ao público Ariel, uma princesa que como as demais, é considerada a mais bela de seu reino. Curiosa, distraida e até mesmo irresponsável, Ariel se diferencia das princesas já citadas. Inquieta ela tem um encantamento pela superfície, local o qual seu pai proíbe de ir. É durante uma de suas excursões a superfície que ela se apaixona por Eric, a quem a princesa salva a vida sem que ele, desacordado, a veja. Ela desafia os desejos e os planos de seu pai, para alcançar seu amor. “Se Branca de Neve, Aurora e Cinderela esperavam pelos seus príncipes, Ariel o escolheu e teve de alcançá-lo, impondo-se a um imperativo cultural até então vigente em seu 26 reino”. Essa busca pelo o amor como nos longas anteriores é o norteador de toda a trama, é por ele que Ariel faz um acordo com Úrsula, uma bruxa maligna e rancorosa, que a oferece a chance de se tornar humana para que possa tentar conquistar seu amado. Novamente a figura da maldade é representada por uma mulher. Úrsula não tem aspectos de beleza, sua pele é azul, ela é gorda e metade do seu corpo é de polvo. A bruxa também tem alguns aspectos comuns as vilãs descritas anteriormente, ela é altiva, inteligente traiçoeira e vaidosa. Nesse longa-metragem surge a figura até então inédita do pai, no caso o rei Tritão é um personagem poderoso e sábio, protetor e amoroso com suas filhas em especial com Ariel, que lhe dá mais trabalho. Ariel é muitas vezes representada pela adolescente rebelde que desafia Pai, tendo atitudes e muitas vezes irresponsáveis e impulsivas, o que coloca ela seu amado e seu pai em perigo. “Ariel, já que, embora desafie a autoridade do pai, não completa a ruptura com o modelo patriarcal de sociedade, 27 porque se volta para o casamento/marido”. Nesta mesma direção, temos o lançamento de “A Bela e Fera” em 1991. Filha de um cientista, Bela é uma sonhadora, sua beleza não é o mais destacado ao longo da produção, mas outras características, como sua inteligência, sua doçura e o gosto pela leitura. Bela era uma voraz leitora e instigada pelo novo. “Homens: Essa garota é muito esquisita,] o que será que há com ela, Mulheres: Sonhadora criatura,] 25 QUIJADA, Mónica. “El paradigma de la homogeneidad” In: Homogeneidad y Nación, 2000. FOSSATTI, Carolina Lanner. “Cinema de animação e as princesas: Uma análise das categorias de gênero” disponível em : http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sul2009/resumos/R16-0120-1.pdf 28/08/11 ás 16:55 27 ARAUJO, Erica e AGUSTINE, Carmen. “As Representações do feminino em filmes Infantis” Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/4259/3176 às: 15:50 26 Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 6 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 Homens: Tem mania de leitura Todos: É um enigma para nos, a nossa Bela. [...] Mulher: O nome dela que dizer beleza,] não há melhor nome para ela, Homem: Mas por trás dessa fachada ela é muito fechada,] ela metida a inteligente, Todos: Não se parece com agente,] essa é uma moça 28 divergente,] Bela.” Bela escapa dos padrões de sua vila, não tem os mesmos sonhos das outras meninas. Gaston é o vilão dessa trama e o homem mais belo e desejado da vila. Ele mantém uma paixão não correspondida por Bela, segundo Bela ele é “um homem primitivo”, auto confiante, egoísta e soberbo, ele pretende mudá-la e esposa-la. “Bela já é tempo de você afastar a cabeça desses livros e dar atenção em coisa mais importante, tipo eu. A aldeia toda só fala nisso, não é direito uma mulher lê, logo 29 começa a pensar a ter idéias, a pensar!”. Gaston corteja insistentemente Bela, ambiciona casar-se e ter muitos filhos com ela. No entanto, Bela se opõe: rejeita Gaston, não compartilha os mesmos sonhos e objetivos, almeja sua liberdade e independência. “Eu quero mais que a vida do interior] Tem que ter um mundo bem mais amplo] com coisas lindas para ver] E o que eu mais desejo ter] é alguém para me entender] tenho tantas 30 coisas para fazer.” A principio o ideal de felicidade para Bela não está ligado ao amor, mas há um sonho de encontrar alguém que a compreenda, alguém que não a julgue, que converse e compartilhe os momentos. Esse companheiro vai se moldando ao longo do filme na Fera. A primeira impressão da Fera é a de um monstro assustador e egoísta. Essa imagem se quebra pela primeira fez quando a Fera arrisca a própria vida para salvar a Bela de Lobos, a partir daí vê-se uma transformação da Fera, transformação essa que se dará através da intervenção de Bela, com conselhos e discussões, mostrando ao fim ser um homem gentil e altruísta capaz de despertar o amor da moça apesar da aparência. “Sentimento são fácies de mudar]mesmo entre quem não consegue ver que alguém pode ser seu par [...] 28 “Bonjour”, in: A Bela e a Fera. Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise. Estados Unidos: Walt Disney, 1991. 29 A Bela e a Fera. Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise. Estados Unidos: Walt Disney, 1991. 30 “Mesier Gaston”, in: A Bela e a Fera. Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise. Estados Unidos: Walt Disney, 1991. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 7 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 Sentimentos assim,] é sempre uma surpresa,] quando ele 31 vem nada o detem,] é uma chama acessa.” Ariel e Bela emergem, dando transparência a um novo discurso. São princesas que não aceitam as verdades impostas por seus reinos; elas transcendem as normas. Elas configuram um Bloco II nas produções, um bloco que dicotomiza ao primeiro caracterizado fundamentalmente pela não obediência, por não serem exemplos dos seus mundos. Elas desejam conhecer um mundo além dos limites dados. Essas princesas revelam-se corajosas, interessadas pelo novo, insatisfeita com suas perspectivas. Ariel e Bela são apaixonadas por príncipes que não seriam os padrões para suas comunidade e família, um humano e uma fera respectivamente. È importante frisar que apesar das mudanças das protagonistas o fator principal das tramas ainda é o amor, no caso de Ariel suas metas estavam fortemente atreladas ao desejo por uma figura masculina. Com “Pocahontas” em 1995 abri-se um terceiro bloco de princesas. Pela primeira vez temos uma protagonista não européia. Pocahondas é uma personagem forte, intuitiva e impulsiva, uma mulher guiada pela emoção. Como diz o sábio da aldeia “Ela tem espírito Arroyo, vai onde o vento leva”32, está ávida por poder traçar seu próprio caminho. Vive em um dilema existencial, no qual diferentes e contraditórias possibilidades vão se confrontando, compelindo-a a decidir seus caminhos. Desvela-se uma mulher forte, decidida, e que não permite se subjugar, seguindo suas emoções O longa traz a história de uma jovem e bela índia, filha do chefe da tribo e cuja a mão havia sido oferecida a um valente guerreiro índio. “Ele quer eu seja estável como rio] mas ele não é estável, o rio [...] Lá na curva o que tem?] Quero saber. [..] Lá na curva o que 33 que tem?] eu ou ver [..] Lá na curva o que que tem,] para min?” Ao perseguir da historia ela acaba se apaixonado por inglês, John Smith recém chegado de uma expedição para colonizar o novo mundo. O Inglês é um aclamado conquistador, que já dominou e matou muitos povos indígenas, e pela primeira vez é questionado sobre o que é selvagem, o que é colonizar, se é certo ou errado pela índia. E ao longo do filme ela o auxilia a ampliar sua visão e entender o outro. Mas o amor de Pocahontas e John Smith se vê no meio de uma guerra, de um lado a aldeia de Pocahontas de outro a expedição de Smith. O índio ao qual Pocahontas é destinada morre em combate com a infantaria européia, enquanto John Smith é capturado pela aldeia indígena. Os dois lados, cheios de raiva, começam a se preparam para o combate. Mas antes que seu pai degolar John na frente dos ingleses, a índia surge e se coloca na frente do amado, impedindo seu pai de mata-lo. “Pocahontas: Olhe isso é veja o que o caminho do ódio nos trouxe. (com o pescoço sobre o do amado) Esse é o caminho que eu escolho, qual você escolhe?”. 31 “Uma canção para a bela e a Fera” , in: A Bela e a Fera. Direção: Gary Trousdale e Kirk Wise. Estados Unidos: Walt Disney, 1991. 32 Pocahontas. Direção: Mike Gabriel, Eric Goldberg. Walt Disney: Estados Unidos:1995. 33 “Lá na curva o que tem?” In: Pocahontas. Direção: Mike Gabriel, Eric Goldberg. Walt Disney: Estados Unidos:1995. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 8 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 “Chefe Indígena: Minha filha falou com sabedoria alem da sua idade, viemos aqui com ódio no coração, mas 34 ela veio com coragem e compreensão”. Quando a guerra parecia encerrada o governador Ratcliffe pega a arma de um de seus combatentes e atira em direção ao chefe indígenas, porem John Smith se atira na frente. Esta é uma história atípica, na qual o final não é definido por uma união, nem mesmo se tem a certeza de um final feliz. Por último temos o Longa-metragem “Mulan” de 1997. Não mais da realeza, Mulan é mais uma jovem chinesa. Ao contrario de todas as princesas anteriores ela não tem a beleza como um das características, não era uma mulher cobiçada, nas falas da casamenteira “Muito magra para ter filho” e “um desgraça, pode até parecer uma noiva, mas (...) nunca trará à sua família honra”.35 Diferentemente daquelas princesas que almejam o encontro e o casamento com seus príncipes, Mulan não o faz naturalmente. Seu objetivo em ir a casamenteira é apenas o de honrar a família, e não uma busca por felicidade e amor. “A moça vai trazer grande honra ao seu lar] achando um bom par] e com ele se casar. [...] Mas terá de ser bem calma] obediente e ter vigor]com bons 36 modos] e muito amor] traz mais honra a todas nos.” Ousada, inteligente, destemida, impulsiva e destabanada, Mulan não se encaixava nos padrões de uma boa esposa, mas do que isso de boa mulher. Mas sua coragem é tão grande que para salvar a vida do seu pai se veste de homem e vai à guerra em seu lugar, botando em ameaça a sua vida e a honra de sua família. Já no exercito apesar de despreparada e fraca, Mulan demonstra mais uma vez sua coragem, lealdade, determinação, inteligência e astúcia. Ao final mesmo sendo descoberta e mandada de volta a casa, ela segue o exército para avisa-los do perigo, lutando novamente entre os homens, agora vestidos com vestes femininas, e salvando a China. “Shang: Ela é uma heroína! Chi Fu: É uma mulher! Nunca será digna de nada. Imperador: Agora já basta! Já ouvi muito ao seu respeito Fa Mulan, roubou a armadura de seu pai, fugiu de casa, fingiu ser um soldado, enganou seu oficial comandante, desonrou nosso exercito e (referenciando Mulan) salvou a vida de 37 todos!” Dessa forma no fim suas qualidades diferentes passam a receber grande valor, existe um proverbio partilhado no filme que reforça a posição de Mulan: “a flor que desabrocha na diversidade é a mais bela e rara de todas”. Ou na fala do Imperador “não se encontra uma garota como essa em toda a dinastia”38. 34 Pocahontas. Direção: Mike Gabriel, Eric Goldberg. Walt Disney: Estados Unidos:1995. Mulan. Direção:Tony Bancroft e Barry Cook. Estados Unidos: Walt Disney, 1998. 36 “Honrrar a todas nos”, in: Mulan. Direção:Tony Bancroft e Barry Cook. Estados Unidos: Walt Disney, 1998 37 Mulan. Direção:Tony Bancroft e Barry Cook. Estados Unidos: Walt Disney, 1998. 38 Mulan. Direção:Tony Bancroft e Barry Cook. Estados Unidos: Walt Disney, 1998. 35 Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 9 Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e Psicologia – ISSN 2178-1281 O amor também é tema presente nesse longa, mas não a trama principal ele é uma consequência dos acontecimentos e não o motivador das ações. Pela primeira vez o amor está em segundo plano. Não existe um encantamento imediato entre Shang e Mulan, eles se apaixonam a medida que vão se conhecendo e convivendo. Pocahontas e Mulan ganham um novo enlace nas histórias: além de uma característica de beleza não européia, são altamente marcadas pela coragem e valentia. Ao contrario das princesas clássicas, que sofrem as ações, sejam negativas como as perseguições ou positivas como as proteções, essas duas personagens sujeitam a trama à ação delas, é por intermédio delas que o desfecho se faz. O próprio amor é encontrado por consequência do rumo da história. Elas não atendem a estereotipo impostos, formando características e opiniões diferentes do cotidiano de suas terras. Ainda lidam com fatores externos aos dramas pessoais como nos dois casos a guerra. Considerações Finais. Analisamos, nesse texto, a figura do feminino produzida nas representações fílmicas apresentadas e podemos notar que ao longo da história, as características das princesas vão sofrendo transformações, adequando se aos processos sociais. Se nos primeiros filmes vemos a beleza como marca fundamental das princesas, ao longo da filmografia ela vai cedendo espaço para outras características, sem é claro continuar sendo parte dessa constituição, mesmo que em menor escala. Nesse mesmo sentido as princesas passam a ter um caráter mais ativo durante as tramas, não necessitam ser protegidas ou salvas e podendo infligir sobre assunto mais amplos, que vão alem da vida da personagem. Essas transformações enunciadas não excluem as continuidades, aspectos como a pureza, doçura e a gentileza ainda são traços essenciais dessas protagonistas. E o amor ainda é parte integrante de todas as narrativas, mesmo que não sendo mais tão ambicionado, ele é mostrado como um fator necessário para se atingir a felicidade. Por tal entende-se que o processo histórico feminista, que avançou na busca dos direitos da mulher e o progresso de uma corrente multiculturalista, que busca romper com uma visão única e eurocêntricas de mundo, proporcionou uma transformação organização social. É essa transformação social que reflete numa alteração da representação da mulher e seus aspectos de feminilidade. Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281 10