Por outro lado, Branca de Neve é a narrativa exemplar da estrutura do poder como cálculo sobre a vida das mulheres. A mera vida, a vida do simples corpo que se mantém vivo enquanto não é capturado pelo poder. Ela representa o ideal da mulher bela e boa, protótipo do gênero feminino, sobre o qual todo poder se exerce como dominação. Todos decidem por ele. Mais do que pertencer a um homem ou a uma classe social, Branca de Neve perambula entre a vida e a morte, entre a casa e a floresta, vítima de um eterno banimento que a faz sujeito de seu próprio corpo de mulher, sempre excluído, mas sempre incluído no cálculo dos demais. A condenação de Branca de Neve é a de ser sempre uma prisioneira de sua condição feminina. Deverá casar-se com o príncipe, o bom moço que vem “salvá-la” da morte. Ela, então, entrará para sempre no reino do domus de onde não sairá jamais3. Um dos maiores acontecimentos do século 20 é a revolução feminista; então, essa mudança de comportamento das personagens não teria como ser diferente, principalmente porque os contos de fadas são, em parte, reflexo da busca da identidade da mulher. E essa busca é constante, porque a sociedade está sempre mudando. Se as princesas da Disney são hoje mais aguerridas, elas também são multiétnicas. Depois de uma série de garotas brancas e de traços ocidentais, surgiram uma princesa árabe (Jasmine, de Aladdin), uma chinesa (Mulan, de Mulan), uma indígena (Pocahontas, de Pocahontas) e uma negra (Tiana, de A Princesa e o Sapo). Trata-se de uma demanda da sociedade, que reflete tanto a globalização palpável pós-internet quanto uma preocupação nitidamente mercadológica e financeira de a Disney ter visibilidade e empatia em diferentes e grandes mercados mundiais. De qualquer sorte, o fascínio pelo arquétipo da princesa indefesa que espera pelo príncipe encantado ainda é muito forte entre as mulheres. Não importa o quão independente a mulher seja, a ideia de ser salva e provida por um homem não tem idade ou classe social. Daí que, se a mulher tiver uma postura, sapatinho 3 36 TIBURI, Marcia. Branca de Neve ou corpo, lar e campo de concentração. As mulheres e a questão da biopolítica. p. 53-73. In: TIBURI, Marcia; VALLE, Bárbara. Mulheres, filosofia ou coisas do gênero (Orgs.). EdUnisc: Santa Cruz do Sul, 2008. p. 63. Marli M. Moraes da Costa & Rosane T. Carvalho Porto