INSTRUÇÕES PARA OS AUTORES
A Revista Brasileira de Reumatologia (RBR), órgão oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia, foi fundada em 1957 e é publicada bimestralmente.
A revista publica artigos originais, artigos de revisão, comunicações breves,
relatos de casos e cartas aos editores.
A submissão dos manuscritos deve ser realizada online pelos sites:
http://ees.elsevier.com/bjr/ ou www.reumatologia.com.br/rbr.
A RBR segue as normas do Uniform Requirements for Manuscripts (URM)
Submitted to Biomedical Journals desenvolvidas pelo The International
Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) – fevereiro de 2006.
Apresentação do manuscrito
O manuscrito pode ser submetido em português ou inglês e deve ser
conciso, em espaço duplo, com margens de 2,5 cm. No texto não devem ser empregadas abreviaturas não convencionais, gírias (jargões)
médicas ou redação tipo telegráfica. A citação de medicamentos e produtos farmacêuticos deve ser feita utilizando-se apenas a nomenclatura
farmacológica, sem menção do nome comercial. Quando necessário, é
possível utilizar abreviaturas convencionais, desde que o significado
apareça por extenso pelo menos na primeira vez em que forem citadas.
Uma autorização para publicação do manuscrito (Author Agreement)
deve ser enviada online no ato da submissão, e uma cópia impressa
enviada para a Secretaria da SBR.
Secretaria Editorial RBR
Revista Brasileira de Reumatologia
Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 2.466 – conjs. 93-94
CEP: 01402-000 – São Paulo – SP – Brasil
Tel./fax: (11) 3289-7165
e-mail: [email protected]
Estrutura do manuscrito
Manuscript*, Title Page*, Cover Letter e Author Agreement* devem ser
enviados em arquivos separados, com páginas numeradas. Tabelas e figuras
devem ser numeradas conforme citadas no texto e enviadas em arquivos
separados, com títulos e legendas correspondentes. (*arquivos obrigatórios)
Página do título
Deve conter: a) título do artigo; b) nome completo dos autores e sua titulação
mais importante; c) departamento(s) e instituição(ões) onde se originou o trabalho; d) nome, endereço completo e e-mail válido do autor responsável para
correspondência; e) conflito de interesse e agências financiadoras relevantes;
f) título resumido com no máximo 60 caracteres.
Artigo Original
O artigo original deve conter: página do título, página de resumo com palavras-chave, introdução, material e métodos ou pacientes e métodos, resultados e
discussão, agradecimentos, referências, tabelas, figuras e legendas das figuras.
Não deve exceder 5.000 palavras, incluindo-se as referências e excluindo-se
a página do título, resumo, tabelas e legendas. Pode exibir até seis figuras ou
tabelas e até 50 referências.
Resultados
Devem ser claros e concisos. Tabelas e gráficos não devem duplicar informações.
Discussão
Deve ser concisa, interpretando os resultados no contexto da literatura atual. É
conveniente não ultrapassar a metade do número de páginas do trabalho completo.
Agradecimentos
Apenas às pessoas que contribuíram, por exemplo, com técnicas, discussão e
envio de pacientes. Auxílio financeiro deve ser referido na página do título.
Referências
Devem ser citadas no texto em algarismos arábicos, sobrescritos e depois da
pontuação, sem parênteses ou colchetes. A numeração deve ser sequencial,
de acordo com a ordem de citação no texto. Nas referências com mais de
seis autores, devem ser citados os seis primeiros, seguidos pela expressão
et al. Sugere-se a utilização dos programas Reference Manager ou Endnote,
seguindo-se o estilo Vancouver. Exemplos de referência para diferentes
formatos são apresentados a seguir. Os autores devem consultar o NLM’s
Citing Medicine para mais informações sobre os formatos das referências.
Artigo de revista
1. Rivero MG, Salvatore AJ, Gomez-Puerta JA, Mascaro JM, Jr., Canete JD,
Munoz-Gomez J et al. Accelerated nodulosis during methotrexate therapy
in a patient with systemic lupus erythematosus and Jaccoud’s arthropathy.
Rheumatology (Oxford) 2004; 43(12):1587-8.
Artigo extraído de endereço eletrônico
2. Cardozo JB, Andrade DMS, Santiago MB. The use of bisphosphonate in
the treatment of avascular necrosis: a systematic review. Clin Rheumatol
2008. Available from http://www.springerlink.com.w10069.dotlib.com.br/
content/l05j4j3332041225/fulltext. pdf. [Accessed in February 24, 2008].
Livro
3. Murray PR, Rosenthal KS, Kobayashi GS, Pfaller MA. Medical microbiology. 4th ed. St. Louis: Mosby; 2002.
Tabelas e Figuras
Cada tabela ou figura deverá ser numerada em algarismo arábico e enviada em
arquivo separado (.jpg, .tif, .png, .xls, .doc) com 300 dpi no mínimo. Título e
legenda devem estar no mesmo arquivo da figura ou tabela a que se referem.
Tabelas e ilustrações devem ser autoexplicativas, incluindo informações
suficientes para sua compreensão sem que se tenha de recorrer ao trabalho.
Fotomicrografias devem incluir a escala apropriada.
Artigo de Revisão
Revisões, preferencialmente sistemáticas, podem ser submetidas à RBR,
devendo abordar com profundidade um tema de interesse para o reumatologista. Não apresentam estruturação padronizada, prescindindo de introdução
ou discussão. Devem apresentar resumo sem subdivisões, com três a cinco
palavras-chave, e não devem exceder 6.000 palavras, incluindo-se as referências e excluindo-se a página do título, resumo, tabelas e legendas. Podem
exibir até cinco figuras ou tabelas e até 70 referências.
Relato de Caso
A finalidade dessa seção é definir o propósito e as razões para a realização
trabalho. Não se recomenda extensa revisão da literatura.
Deve incluir resumo e palavras-chave, sem necessidade de subdivisões. O texto,
porém, apresenta as seguintes seções: introdução, que deve ser concisa; relato de
caso, contendo a descrição e a evolução do quadro clínico, exames laboratoriais,
ilustrações e tabelas (que substituem as seções material e métodos e resultados);
e discussão. Deve conter no máximo seis autores, e não deve exceder 1.500
palavras, incluindo-se as referências e excluindo-se a página do título, resumo,
tabelas e legendas. Pode exibir até duas figuras ou tabelas e até 15 referências.
Pacientes e métodos ou Material e métodos
Comunicação breve
Deve incluir informações suficientes que permitam a reprodução do trabalho e,
quando pertinente, a aprovação pelo Comitê de Ética institucional. Os métodos
empregados na análise estatística devem sempre ser citados.
Aborda um ponto ou detalhe específico de um tema. Deve incluir resumo
com no máximo 250 palavras, e três a cinco palavras-chave. O texto não
necessita subdivisões, deve ter até 2.500 palavras incluindo-se as referências
e excluindo-se a página do título, resumo, tabelas e legendas. Pode exibir até
três figuras ou tabelas e até 25 referências.
Página de resumo
Deve conter: a) objetivo, métodos, resultados e conclusões, não excedendo
250 palavras; b) três a cinco palavras-chave.
Introdução
Regras para aplicar tempos verbais apropriados de acordo com
o contexto ou seção
Contexto ou seção
Resumo
Introdução
Métodos, materiais e
resultados
Discussão/Conclusão
Atribuições
Descrição de Tabelas e Figuras
Conhecimento estabelecido e
resultados prévios
Tempo verbal apropriado
Passado
Presente, quando se referir a fatos estabelecidos e conhecimento prévio
Passado
Combinado de passado (quando se referir a resultados obtidos no trabalho) e
presente (quando se referir a fatos estabelecidos e conhecimento prévio); às
vezes pode ser utilizado o futuro (especialmente quando se referir a perspectivas de trabalhos a serem realizados)
Passado
Ex.: Andrade et al. relataram...
Presente
Presente
Regras gerais para se obter uma boa escrita em um artigo científico:
1. Prefira a voz ativa. Evite excesso de uso da voz passiva.
2. As sentenças devem ser curtas. Evite sentenças longas e complicadas.
3. Inconsistência do uso de termos técnicos ou unidades. A unidade de
medida deve ser abreviada quando empregada com valores numéricos
(p. ex., 1 mg), mas escrita por extenso quando separada de valor
numérico. Utilize o Sistema Internacional de Unidades (SI units) para
definir as unidades de medida. Lembre-se de deixar um espaço entre o
número e a unidade (p. ex., 10 mg/dL), exceto quando for porcentagem,
que deve estar junto (p. ex., 70%). O plural das unidades de medida
é a mesma forma do singular (p. ex., 1 mL, 10 mL; 1 h, 10 h). Quando
iniciarem a frase, os números devem estar por extenso, e não em
algarismo arábico.
4. Defina a abreviação na primeira vez que aparecer no texto principal.
Após a definição, use sempre a abreviação em vez da forma por extenso.
Evite o uso de abreviações no título e no resumo.
5. Ao escrever em inglês, não utilize contrações (p. ex., prefira does not em
vez de doesn't).
Livro recomendado: Rogers SM. Mastering scientific and medical writing: a
self-help guide. Berlin: Springer; 2007.
Considerações éticas e legais
Segue as normas do Uniform Requirements for Manuscripts (URM) Submitted
to Biomedical Journals desenvolvidas pelo The International Committee of
Medical Journal Editors (ICMJE) – fevereiro de 2006.
Conflito de interesse
A confiança pública no processo de revisão por pares e a credibilidade
dos artigos publicados dependem, em parte, de como o conflito de
interesse é administrado durante a redação, a revisão por pares e a
decisão editorial. O conflito de interesse existe quando um autor (ou
instituição do autor), revisor ou editor tem relações financeiras ou
pessoais que influenciem de forma inadequada (viés) suas ações (tais
relações são também conhecidas como duplo compromisso, interesses
conflitantes ou fidelidades conflitantes). Essas relações variam entre
aquelas com potencial insignificante até as com grande potencial
para influenciar o julgamento, e nem todas as relações representam
verdadeiro conflito de interesse. O potencial conflito de interesse pode
existir dependendo se o indivíduo acredita ou não que a relação afete
seu julgamento científico. Relações financeiras (tais como emprego, consultorias, posse de ações, testemunho de especialista pago) são os conflitos
de interesse mais facilmente identificáveis e os mais suscetíveis de minar a
credibilidade da revista, dos autores e da própria ciência. No entanto, podem
ocorrer conflitos por outras razões, tais como relações pessoais, competição
acadêmica e paixão intelectual.
Consentimento informado
Os pacientes têm o direito à privacidade, que não deve ser infringida
sem o consentimento informado. A identificação de informações,
incluindo os nomes dos pacientes, iniciais ou números no hospital,
não devem ser publicadas em descrições, fotografias e genealogias, a
menos que a informação seja essencial para os propósitos científicos
e o paciente (ou responsável) dê o consentimento livre e esclarecido
para a publicação.
O consentimento informado para este propósito requer que o manuscrito
a ser publicado seja mostrado ao paciente. Os autores devem identificar
os indivíduos que prestam assistência a escrever e divulgar a fonte de
financiamento para essa assistência. Detalhes identificadores devem ser
omitidos se não são essenciais.
O anonimato completo é difícil de se conseguir; no entanto, no caso
de qualquer dúvida, o consentimento deve ser obtido. Por exemplo,
mascarar a região ocular em fotografias de pacientes é uma proteção
de anonimato inadequada. Se as características de identificação são
alteradas para proteger o anonimato, como na linhagem genética, os
autores devem garantir que as alterações não distorçam o significado
científico. Quando o consentimento informado foi obtido, ele deve ser
indicado no artigo publicado.
Princípios éticos
Ao relatar experimentos em seres humanos, os autores devem indicar
se os procedimentos seguidos estiveram de acordo com os padrões
éticos do comitê responsável por experimentação humana (institucional e nacional) e com a Declaração de Helsinki de 1975, revisado em
2000. Se houver dúvida se a pesquisa foi realizada em conformidade
com a Declaração de Helsinki, os autores devem explicar a razão
para sua abordagem e demonstrar que o corpo de revisão institucional
aprovou explicitamente os aspectos duvidosos do estudo. Ao relatar
experimentos com animais, os autores devem indicar se as orientações
institucionais e nacionais para o cuidado e a utilização de animais de
laboratório foram seguidas.
Registro de ensaios clínicos
Os ensaios clínicos devem ser registrados segundo recomendação da
OMS em www.who.int/ictrp/en/. A definição de ensaios clínicos incluem ensaios preliminares (fase I): um estudo prospectivo com o
recrutamento de indivíduos submetidos a qualquer intervenção relacionada à saúde (medicamentos, procedimentos cirúrgicos, aparelhos,
terapias comportamentais, regime alimentar, mudanças nos cuidados
de saúde) para avaliar os efeitos em desfechos clínicos (qualquer
parâmetro biomédico e de saúde, inclusive medidas farmacocinéticas
e reações adversas).
A RBR tem o direito de não publicar trabalhos que não cumpram estas
e outras normas legais e éticas explicitadas nas diretrizes internacionais.
Financiamento e apoio
Os autores devem, também, informar se receberam financiamento ou apoio
de instituições como CNPq, CAPES, Fundos Remanescentes da SBR,
instituições universitárias, laboratórios etc.
BRAZILIAN JOURNAL OF RHEUMATOLOGY
REVISTA BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA
Official Organ of Brazilian Society of Rheumatology
Órgão Oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia
MARCH/APRIL 2012 • VOLUME 52 • NUMBER 2
MARÇO/ABRIL 2012 • VOLUME 52 • NÚMERO 2
ISSN: 0482-5004
EDITORIAL | EDITORIAL
131
133
On mosaics and consensus: Gaudí, Brazil and rheumatoid arthritis
Sobre mosaicos e consensos: Gaudí, o Brasil e a artrite reumatoide
Licia Maria Henrique da Mota
ORIGINAL ARTICLE | ARTIGO ORIGINAL
135
152
2012 Brazilian Society of Rheumatology Consensus for the treatment of rheumatoid
arthritis
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite
reumatoide
Licia Maria Henrique da Mota, Boris Afonso Cruz, Claiton Viegas Brenol, Ivanio Alves Pereira, Lucila Stange Rezende-Fronza,
Manoel Barros Bertolo, Max Victor Carioca de Freitas, Nilzio Antonio da Silva, Paulo Louzada-Júnior,
Rina Dalva Neubarth Giorgi, Rodrigo Aires Corrêa Lima, Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro
175
181
Neuropsychological assessment of cognitive disorders in patients with fibromyalgia,
rheumatoid arthritis, and systemic lupus erythematosus
Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite
reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico
Lucylle Fróis de Melo, Sérgio Leme Da-Silva
189
195
Work and power of the knee flexor and extensor muscles in patients with
osteoarthritis and after total knee arthroplasty
Trabalho e potência dos músculos extensores e flexores do joelho de pacientes com osteoartrite
e com artroplastia total de joelho
Denise Bastiani, Cintia Helena Ritzel, Silvia Manfrin Bortoluzzi, Marco Aurelio Vaz
203
208
Profile of users of anticytokines offered by the health care system in the state of
Paraná for the treatment of rheumatoid arthritis
Perfil dos usuários de anticitocinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde no
estado do Paraná para o tratamento da artrite reumatoide
Astrid Wiens, Mônica Cavichiolo Grochocki, Deise Regina Sprada Pontarolli, Rafael Venson,
Cassyano Januário Correr, Roberto Pontarolo
214
220
Use of high-voltage cathodic current for pain in experimental nerve compression
Uso da corrente catódica de alta voltagem sobre a dor em compressão nervosa
experimental
Gladson Ricardo Flor Bertolini, Cassiane Merigo do Nascimento, Daniela Martins Cunha, Elisangela Lourdes Artifon, Anamaria Meireles
227
231
Laryngeal and tracheobronchial involvement in Wegener’s granulomatosis
Comprometimento da árvore respiratória na granulomatose de Wegener
Ascedio Jose Rodrigues, Marcia Jacomelli, Renata Xavier Baldow, Carmen Valente Barbas, Viviane Rossi Figueiredo
236
241
Rheumatic fever presentation and outcome: a case-series report
Apresentação e desfecho da febre reumática em uma série de casos
Simone Manso de Carvalho, Ivete Dalben, José Eduardo Corrente, Claudia Saad Magalhães
REVIEW ARTICLE | ARTIGO DE REVISÃO
247
252
Mechanisms of muscle wasting in sarcopenia
Mecanismos de perda muscular da sarcopenia
Vivian de Oliveira Nunes Teixeira, Lidiane Isabel Filippin, Ricardo Machado Xavier
260
265
Bisphosphonate-related osteonecrosis of the jaw
Osteonecrose maxilar associada ao uso de bisfosfonatos
Mariana Aparecida Brozoski, Andreia Aparecida Traina, Maria Cristina Zindel Deboni, Márcia Martins Marques,
Maria da Graça Naclério-Homem
271
278
Possible role of adipokines in systemic lupus erythematosus and rheumatoid
arthritis
Possível papel das adipocinas no lúpus eritematoso sistêmico e na artrite reumatoide
Vitalina de Souza Barbosa, Jozelia Rêgo, Nílzio Antônio da Silva
CASE REPORT | RELATO DE CASO
288
291
Erythema elevatum diutinum as a differential diagnosis of rheumatic diseases: case report
Eritema elevatum diutinum como diagnóstico diferencial das doenças reumatológicas:
relato de caso
Dário Júnior de Freitas Rosa, Ronaldo Figueiredo Machado, Rafael de Oliveira Fraga, Antônio Scafuto Scotton,
Viviane Angelina de Souza, Bruno Fernandes
295
297
Mycophenolate mofetil in primary Sjögren’s syndrome: a treatment option for
agranulocytosis
Micofenolato mofetil na síndrome de Sjögren primária: uma opção para o tratamento da
agranulocitose
Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho, Samuel Bergamaschi, Fabrício Souza Neves, Adriana Fontes Zimmermann,
Gláucio Ricardo Werner de Castro, Ivânio Alves Pereira
LETTER TO THE EDITORS | CARTA AOS EDITORES
300
301
Nazi past and changes in disease names: the Wegener’s disease case
Passado nazista e mudança do nome de uma doença: o caso da doença de Wegener
Morton Aaron Scheinberg
EDITORIAL
Sobre mosaicos e consensos: Gaudí,
o Brasil e a artrite reumatoide
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica,
crônica e progressiva, caracterizada pelo comprometimento da membrana sinovial, predominantemente das
articulações periféricas. A doença não tratada ocasiona dano radiográfico, incapacidade funcional e mortalidade precoce. Sua
prevalência é estimada em 0,5%–1% da população mundial.1
Acredita-se que entre as diversas personalidades possivelmente acometidas pela AR estaria o arquiteto catalão
neogótico Antoni Placid Gaudí i Cornet (1852–1926), cujas
concepções plásticas tornaram-se mundialmente famosas e
viraram símbolos de Barcelona, cidade onde passou a maior
parte de sua vida.2
Gaudí teria sido acometido desde sua infância por um tipo
de reumatismo, possivelmente uma artrite idiopática juvenil,
embora não haja registros de deformidades características da
doença no artista. Os longos períodos de repouso e limitação
impostos ao jovem pela possível doença articular teriam influenciado profundamente sua forma de observar e retratar a
natureza.2
Entre as diversas modalidades de representação artística
nas quais Gaudí se destacou, podemos sublinhar o mosaico,
forma de arte decorativa milenar caracterizada por um embutido de pequenas peças de pedra ou outros materiais formando
desenhos, integrados de maneira harmoniosa.
O Brasil, com sua mistura harmônica de etnias, culturas
e credos pontilhando sua vasta extensão territorial, pode ser
comparado, simbolicamente, a um fabuloso mosaico de Gaudí
– peças muito diferentes entre si compõem um todo coeso e
único em sua diversidade.
No entanto, manter a coesão e a harmonia ao lidar com toda
a diversidade das macrorregiões brasileiras, com seus cenários
econômicos e sociais tão distintos, a fim de homogeneizar
condutas e práticas para o manejo de doenças crônicas, não é
tarefa das mais fáceis.
Foi esse o desafio da Comissão de Artrite Reumatoide da
Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) ao escrever o
A
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):131-134
Consenso 2012 da SBR para o tratamento da AR.3 O consenso
é um instrumento educativo, mais que uma diretriz normativa,
que permite a seus autores acrescentar dados da experiência e
a opinião de especialistas à evidência científica.
Se, como publicação, o consenso perde em grau de recomendação e força de evidência, ganha como ferramenta
educativa, ao valorizar a experiência de quem convive com as
dificuldades da prática diária no manejo da doença. Assemelhase também a um mosaico, com as opiniões dos especialistas
que participam de sua elaboração, muitas vezes diversas e
conflitantes, harmonizando-se em um documento final unido
pelo amálgama da evidência científica.
Avaliando as características tão peculiares de um país gigantesco e singular em seus aspectos socioeconômicos como o
Brasil, de que forma montar um mosaico/consenso harmonioso
utilizando peças tão díspares entre si?
Haveríamos de considerar, sem dúvida, a evidência
científica e os grandes avanços no conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos da AR, com o desenvolvimento de
novas classes terapêuticas e a implementação de diferentes
estratégias de tratamento e acompanhamento dos pacientes,
como controle intensivo da doença e intervenção na fase
inicial dos sintomas.1
Mas também urgia levantar o impacto dos elevados custos
relacionados ao cuidado da AR, que decorrem tanto de fatores
diretos quanto indiretos, e que competem com os (limitados)
recursos para a saúde em outras intervenções essenciais.
De forma às vezes conflitante, ao consenso/mosaico caberia pontuar, em um momento de transição epidemiológica,
que ao mesmo tempo que comorbidades como hipertensão
arterial sistêmica, doença coronariana e diabetes mellitus, tão
prevalentes em nossa população, deveriam ser consideradas
como fatores importantes no acompanhamento dos pacientes
com AR, as doenças transmissíveis endêmico-epidêmicas (que
ainda são um importante problema de saúde pública no Brasil)
também deveriam ser contempladas no documento.
133
EDITORIAL
E assim foi elaborado o Consenso 2012 da SBR para o tratamento da AR, com o objetivo de fazer recomendações sobre o
tratamento da AR no Brasil, considerando-se as características
peculiares de nosso país, como disponibilidade de drogas, nível
socioeconômico da população, aspectos farmacoeconômicos
e ocorrência de diversas endemias. Em consonância com a
publicação próxima das Diretrizes para o Tratamento de AR,
o Consenso apresenta 20 recomendações e um fluxograma de
manejo medicamentoso da doença.
Gaudí, tão conhecido pela estética de sua arte, era também
homem de espiritualidade elevada – tanto que no Vaticano está
em andamento o processo de beatificação do arquiteto.4 Em
seus momentos de introspecção, Gaudí escrevia pensamentos,
dentre os quais notabilizou-se o seguinte: “A criação prossegue
incessantemente por meio do homem, mas o homem não cria:
descobre.”
Recentes diretrizes norte-americanas e europeias para o
tratamento da AR foram publicadas, e a evidência científica que
serviu de lastro para elas é a mesma que nos embasa. Assim,
não foi nosso objetivo criar recomendações completamente
diferentes do que é cientificamente comprovado e atualmente
134
aceito como correto para o tratamento da AR, mas descobrir
uma forma de adaptá-las à realidade brasileira.
Eis, então, nosso mosaico.
Licia Maria Henrique da Mota
Doutora em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina,
Universidade de Brasília – FMUnB; Professora Colaboradora de
Clínica Médica e do Serviço de Reumatologia, FMUnB;
Orientadora do Programa de Pós-graduação, FMUnB
REFERENCES
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Fronza LS, Bertolo MB
et al. 2011 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology for
diagnosis and early assessment of rheumatoid arthritis. Rev Bras
Reumatol 2011; 51(3):199–219.
Azevedo VF, Diaz-Torne C. The arthritis of Antoni Gaudí. J Clin
Rheumatol 2008; 14(6):367–9.
Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV, Pereira IA, Fronza LS, Bertolo MB
et al. 2012 Consensus of the Brazilian Society of Rheumatology
for treatment of rheumatoid arthritis. Rev Bras Reumatol 2012;
52(2):135–74.
Terragona JM. Antoni’s Gaudí beatifi cation. Available from:
http://www.antonigaudi.org/Eng/443/443/1.htm. [Acessed on
December 17, 2011].
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):131-134
ARTIGO ORIGINAL
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de
Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
Licia Maria Henrique da Mota1, Boris Afonso Cruz2, Claiton Viegas Brenol3, Ivanio Alves Pereira4,
Lucila Stange Rezende-Fronza5, Manoel Barros Bertolo6, Max Victor Carioca de Freitas7,
Nilzio Antonio da Silva8, Paulo Louzada-Júnior9, Rina Dalva Neubarth Giorgi10,
Rodrigo Aires Corrêa Lima11, Geraldo da Rocha Castelar Pinheiro12
RESUMO
Objetivo: Elaborar recomendações para o tratamento da artrite reumatoide no Brasil. Método: Revisão da literatura com seleção
de artigos baseados em evidência e opinião de especialistas da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de
Reumatologia. Resultados e conclusões: 1) A decisão terapêutica deve ser compartilhada com o paciente; 2) imediatamente
após o diagnóstico, uma droga modificadora do curso da doença (DMCD) deve ser prescrita e o tratamento ajustado para
atingir remissão; 3) o tratamento deverá ser conduzido por reumatologista; 4) o tratamento inicial inclui DMCD sintéticas;
5) o metotrexato é a droga de escolha; 6) pacientes que não alcançaram resposta após a utilização de dois esquemas de DMCD
sintéticas devem ser avaliados para DMCD biológicas; 7) excepcionalmente, DMCD biológicas poderão ser consideradas
mais precocemente; 8) recomenda-se preferencialmente o uso de agentes anti-TNF como terapia biológica inicial; 9) após
falha terapêutica a uma primeira DMCD biológica, outros biológicos poderão ser utilizados; 10) ciclofosfamida e azatioprina
podem ser consideradas em manifestações extra-articulares graves; 11) recomenda-se a utilização de corticoide oral em baixas
doses e por curtos períodos; 12) os anti-inflamatórios não hormonais devem sempre ser prescritos em associação à DMCD;
13) avaliações clínicas devem ser mensais no início do tratamento; 14) terapia física, reabilitação e terapia ocupacional são
indicadas; 15) deve-se recomendar tratamento cirúrgico para correção de sequelas; 16) métodos de terapia alternativa não
substituem a terapia tradicional; 17) deve-se orientar planejamento familiar; 18) orienta-se a busca ativa e o manejo de comorbidades; 19) atualizar e documentar a vacinação do paciente; 20) doenças transmissíveis endêmico-epidêmicas devem
ser investigadas e tratadas.
Palavras-chave: artrite reumatoide, terapêutica, Brasil, antirreumáticos, consenso.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Recebido em 19/11/2011. Aprovado, após revisão, em 13/12/2011. Os conflitos de interesse estão declarados ao final deste artigo.
Sociedade Brasileira de Reumatologia.
1. Doutora em Ciências Médicas, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília – FM-UnB; Orientadora do Programa de Pós-graduação em Ciências
Médicas, UnB
2. Médico Reumatologista do Biocor Instituto, Belo Horizonte
3. Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Coordenador do
Centro de Referência de Artrite Reumatoide, Hospital de Clínicas de Porto Alegre/SES-RS
4. Doutor em Reumatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – FMUSP; Chefe do Núcleo de Reumatologia, Hospital Universitário, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
5. Médica Reumatologista, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná – HC-UFPR; Ex-fellow do Serviço de Reumatologia, Hospital Geral AKH,
Áustria; Médica Investigadora do Centro de Estudos em Terapias Inovadoras – CETI
6. Professor-Associado e Coordenador da Disciplina de Reumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp; Superintendente do Hospital de Clínicas, Unicamp
7. Professor Adjunto, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará – UFCE
8. Professor Titular de Reumatologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás – UFG
9. Professor-Associado, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – FMUSP
10. Médica Reumatologista, Chefe da Seção de Diagnóstico e Terapêutica do Serviço de Reumatologia, Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
– HSPE-FMO
11. Médico Reumatologista, Chefe do Serviço de Reumatologia do HUB e preceptor da Residência médica do HBDF
12. Professor Adjunto e Coordenador da Disciplina de Reumatologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Correspondência para: Licia Maria Henrique da Mota. Av. Brigadeiro Luís Antônio, 2466 – Jardim Paulista. CEP: 01402-000. São Paulo, SP, Brasil.
E-mail: [email protected]
152
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
INTRODUÇÃO
A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune inflamatória sistêmica caracterizada pelo comprometimento da membrana sinovial das articulações periféricas. A prevalência da AR
é estimada em 0,5%–1% da população, com predomínio em
mulheres e maior incidência na faixa etária de 30–50 anos.1,2
A característica principal da AR é o acometimento simétrico
das pequenas e das grandes articulações, com maior frequência
de envolvimento das mãos e dos pés. O caráter crônico e destrutivo da doença pode levar a importante limitação funcional,
com perda de capacidade laboral e de qualidade de vida, a
menos que o diagnóstico seja feito em fase inicial da doença
e o tratamento determine melhora clínica.3 Além de deformidade irreversível e de limitação funcional, pacientes com AR
e doença avançada podem apresentar menor sobrevida, o que
confirma a gravidade dessa doença.4,5
Os custos relacionados à AR são elevados, o que decorre tanto
de fatores diretos (gastos com diversos medicamentos, alguns
deles de alto custo, como as drogas biológicas, além de despesas
médicas e hospitalares) quanto indiretos (perda da produtividade
pessoal, absenteísmo e pagamento de aposentadorias por invalidez, para aqueles com perda total da capacidade laboral).6
Nos últimos 10 anos houve grande avanço no conhecimento
dos mecanismos fisiopatológicos da AR, com o desenvolvimento de novas classes terapêuticas e a implementação de
diferentes estratégias de tratamento e de acompanhamento dos
pacientes, como controle intensivo da doença e intervenção na
fase inicial dos sintomas.7 O período inicial da doença, em especial seus 12 primeiros meses (AR inicial),5 é considerado uma
janela de oportunidade terapêutica, ou seja, um momento em
que a intervenção farmacológica rápida e efetiva pode mudar
o curso da doença em longo prazo. Esses fatores resultaram
em melhor controle clínico da doença, com a possibilidade de
remissão sustentada da AR.7,8
O presente consenso tem o objetivo de elaborar recomendações para o manejo da AR, com enfoque no tratamento
da doença, levando em consideração aspectos peculiares da
realidade socioeconômica brasileira. A finalidade deste documento é sintetizar a posição atual da Sociedade Brasileira de
Reumatologia (SBR) sobre o tema, objetivando orientar os
médicos brasileiros, em especial os reumatologistas, sobre o
manejo terapêutico racional da AR no Brasil.
MÉTODO DE ELABORAÇÃO DO CONSENSO
O método de elaboração do consenso para o desenvolvimento
das recomendações incluiu revisão da literatura e opinião de
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
especialistas membros da Comissão de Artrite Reumatoide
da SBR. O levantamento bibliográfico abrangeu publicações existentes nas bases MEDLINE, SciELO, PubMed e
EMBASE até novembro de 2011. As recomendações foram
escritas e reavaliadas por todos os participantes durante cinco
reuniões presenciais, ocorridas em outubro e dezembro de
2010, e fevereiro, julho e outubro de 2011, além de múltiplas rodadas de questionamentos e correções realizadas via
internet.
TRATAMENTO DA ARTRITE REUMATOIDE
O tratamento da AR inclui educação do paciente e de sua
família, terapia medicamentosa, fisioterapia, apoio psicossocial, terapia ocupacional e abordagens cirúrgicas. As
terapias medicamentosas incluem uso de anti-inflamatórios
não hormonais (AINH), corticoides, drogas modificadoras
do curso da doença (DMCD) sintéticas e biológicas e drogas
imunossupressoras.
Medidas educativas
Antes de iniciar qualquer forma de tratamento, o paciente
deve ser esclarecido sobre sua enfermidade e, particularmente, quanto às possibilidades evolutivas, terapêuticas e
de prognóstico. É preciso alertar sobre informações inadequadas veiculadas pelos meios de comunicação, em especial
a internet. A educação deve ser iniciada desde o primeiro
atendimento e deve incluir os familiares, para que todos
compartilhem das informações sobre a doença, o que resulta
em melhor manejo dos tratamentos medicamentosos e não
medicamentosos.9,10
Atividades educativas são essenciais para que se obtenha
a colaboração do paciente. Ele tem o direito de saber sobre
suas condições e sobre as opções terapêuticas disponíveis, e de
participar ativamente das escolhas. O paciente que entende sua
condição e compreende a ação dos medicamentos, os métodos
de prevenção de deformidades e o processo de reabilitação
apresenta melhor evolução clínica.11
O paciente deve ser informado sobre o papel dos exercícios e da proteção articular e as técnicas específicas de
fisioterapia e de reabilitação, para que possa dedicar-se às
atividades de prevenção de deformidades articulares. Além
disso, deve ser orientado sobre as possibilidades de ajuste
de equipamentos domésticos e de modificação do ambiente
de trabalho.12
Como o paciente é muitas vezes acompanhado por uma
equipe multidisciplinar, é necessário que todos tenham os
mesmos objetivos e trabalhem em conjunto e em harmonia.13
153
Mota et al.
Tratamento medicamentoso
Drogas modificadoras do curso da doença – DMCD
Anti-inflamatórios não hormonais – AINH
As DMCD devem ser indicadas ao paciente a partir da definição do diagnóstico de AR.23 A utilização de DMCD em
pacientes com artrite indiferenciada e biomarcadores preditores de AR, como positividade dos anticorpos antipeptídeos
citrulinados cíclicos (anti-CCP) e/ou fator reumatoide (FR),
pode ser considerada.24
A Tabela 1 resume as principais DMCD utilizadas no Brasil,
sua apresentação, dose e considerações sobre monitoração.20,25–94
Os AINH são úteis para diminuir o processo inflamatório e a
dor, principalmente no início da doença, pois as DMCD não
têm ação imediata. Podem ser empregados, também, quando
não se obtém controle completo da atividade e em reagudizações da AR.14,15
A escolha dos AINH deve ser individualizada, pois não há
superioridade conhecida de qualquer fármaco dessa classe.
Maior controle, substituição, suspensão, diminuição do tempo
de utilização e redução das doses devem ser os cuidados se
houver condições clínicas que possam ser agravadas pelos
AINH, como, por exemplo, hipersensibilidade prévia a AINH,
hipertensão arterial sistêmica (HAS), insuficiência cardíaca,
insuficiência renal, doença gastrintestinal, insuficiência arterial,
hepatopatia e distúrbios de coagulação.16
Para os pacientes com história prévia de doença gastrintestinal, os inibidores seletivos de ciclo-oxigenase 2
apresentam menor risco em relação aos demais AINH.17 Para
pacientes com maior risco de doença cardiovascular, o uso de
anti-inflamatórios, em geral, deve ser cauteloso.18
Corticoides
O efeito mais conhecido e esperado dos corticoides na AR
é a melhora do processo inflamatório e da dor. Contudo,
atualmente há evidência para indicá-los como participantes
na modificação do curso da doença, em associação com as
DMCD.19,20
A maioria dos estudos sobre o uso de corticoides no tratamento da AR sugere a utilização da prednisona ou prednisolona
em doses baixas (≤ 15 mg/dia). Não há estudos comparativos
que permitam indicar preferencialmente doses mais altas no
início do tratamento.19,20
Como os corticoides podem causar vários efeitos colaterais, seu tempo de uso deve ser abreviado ao mínimo
possível. Se a previsão for de três ou mais meses de uso,
deve-se fazer suplementação de cálcio e de vitamina D.
Dependendo do resultado de densitometria óssea, e em
pacientes com fatores de risco para fraturas, a utilização de
drogas antirreabsortivas, como os bisfosfonatos, pode ser
considerada.21 Em pacientes que mantêm a doença ativa em
poucas articulações pode-se usar o corticoide intra-articular
a qualquer momento do tratamento22 – porém, uma mesma
articulação não deve ser infiltrada mais de três a quatro vezes
ao ano. Para pacientes em uso concomitante de corticoide
e AINH, recomenda-se proteção gástrica com inibidor de
bomba de próton.22
154
DMCD sintéticas
a) Metotrexato – MTX
O MTX é um agente imunomodulador cuja ação consiste na
inibição da síntese de DNA, RNA, timidinato e proteínas.
Os efeitos anti-inflamatórios do MTX na AR parecem estar
relacionados, pelo menos em parte, com a modulação do
metabolismo da adenosina e com os efeitos possíveis nas
vias do fator de necrose tumoral (TNF, do inglês, tumor
necrosis factor). Os efeitos imunossupressivos e tóxicos
do MTX são devido à inibição do diidrofolato redutase,
enzima envolvida no metabolismo do ácido fólico, o que
evita a redução do diidrofolato a tetraidrofolato ativo. O
tempo até a concentração máxima é de 1–5 horas por via
oral (VO) e de 30–60 minutos por via intramuscular (IM)
ou subcutânea (SC). Elimina-se por via renal entre 40% e
90% de forma inalterada.25
O MTX é atualmente considerado o fármaco padrão no
tratamento da AR.26 Sua capacidade de reduzir sinais e sintomas de atividade da AR e de melhorar o estado funcional do
paciente foi demonstrada.27 Ele também reduz a progressão
das lesões radiográficas.
Recomenda-se dose inicial de 10–15 mg/semana, VO
ou parenteral (IM ou SC). Caso não se observe melhora ou
controle da doença com a dose inicial, deve-se aumentar
progressivamente a cada 2–4 semanas até alcançar a dose de
20–30 mg/semana, preferencialmente nas primeiras 12 semanas. A apresentação parenteral pode ser indicada em pacientes
com intolerância gastrintestinal ou com resposta inadequada
à forma oral.28
Os efeitos adversos mais frequentemente observados
são anemia, neutropenia, náuseas e vômitos, mucosite e
elevação de enzimas hepáticas. A pneumonia intersticial é
uma manifestação menos frequente. Sugere-se a associação do MTX ao ácido fólico na dose de 5–10 mg/semana,
24–48 horas após o MTX, a fim de minimizar efeitos
adversos.28 O MTX está contraindicado em pacientes com
insuficiência renal, hepatopatias, etilismo, supressão da
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
medula óssea e em mulheres em idade fértil que não estejam utilizando métodos anticoncepcionais. A gestação
e a amamentação estão formalmente contraindicadas nas
pacientes em uso do MTX. O medicamento deve ser usado
com cautela em pacientes com pneumopatias leves, e deve
ser evitado em indivíduos com comprometimento pulmonar
moderado ou grave.28
b) Sulfassalazina – SSZ
A SSZ pertence ao grupo dos salicilatos e sulfamidas, e é desdobrada pelas bactérias intestinais na sulfapiridina e no ácido
5-aminosalicílico. A sulfapiridina tem vários efeitos imunomodulatórios, como inibição da produção de prostaglandinas, de
diversas funções neutrofílicas e linfocitárias e da quimiotaxia.
É também um inibidor de enzimas folato-dependentes. O pico
de concentração sérica da SSZ é de aproximadamente 1,5–6
horas, e sua meia-vida de eliminação é de 5–10 horas. O metabolismo ocorre no trato gastrintestinal (via flora intestinal),
e a excreção é renal (75%–91%).29
A SSZ é considerada mais efetiva que o placebo na redução
da atividade da doença, no controle da dor e na avaliação clínica
global. Sua eficácia clínica e a interferência sobre a progressão
radiográfica estão confirmadas.29 Usualmente, é prescrita na
dose de 1–3 g/dia (VO).29,30
Os efeitos colaterais incluem intolerância gastrintestinal (anorexia, náuseas, vômitos), exantema cutâneo, elevação de enzimas hepáticas, úlceras orais e mielossupressão
(leucopenia com neutropenia). Raramente observam-se
pneumonia de hipersensibilidade, manifestações neurológicas ou alterações da fertilidade masculina. A maioria
dos efeitos é de caráter benigno, reversível com a retirada
da droga. 30
A SSZ está contraindicada em pacientes com história de
hipersensibilidade a sulfas, salicilatos ou a qualquer componente da fórmula, e em indivíduos com porfiria.29,30
c) Leflunomida – LEF
A LEF é um agente imunomodulador com atividade antiproliferativa que inibe a enzima diidroorotato desidrogenase,
envolvida na síntese da pirimidina. É absorvida no trato gastrintestinal, e a biotransformação ocorre provavelmente no
fígado e na parede gastrintestinal, onde a LEF é transformada
principalmente em M1, o metabólito ativo responsável por
todas as ações da medicação. O tempo para a concentração
máxima (pico) da M1 é de 6–12 horas, e a eliminação é renal
e intestinal.31
A LEF melhora a atividade da doença e a qualidade de vida
e reduz a progressão radiográfica.32,33 É prescrita na dose de
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
20 mg/dia (VO),31–33 mas pode-se prescrever dose de 20 mg
em dias alternados.
Os efeitos adversos incluem náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia, alterações das enzimas hepáticas, exantema
cutâneo e HAS.31 Está contraindicada em mulheres em idade
fértil que não estejam utilizando métodos anticoncepcionais, e
em pacientes com insuficiência renal e hepatopatias. A gestação e a amamentação estão formalmente contraindicadas nas
pacientes em uso da LEF. Sua suspensão é recomendada até
dois anos antes de uma possível gravidez. Em casos de intercorrências, em especial na gravidez, a LEF pode ser eliminada
com a utilização de colestiramina na dosagem de 8 g três vezes
ao dia, por 11 dias.31
d) Antimaláricos (difosfato de cloroquina – DCQ e sulfato de
hidroxicloroquina – HCQ)
Os antimaláricos vêm sendo usados no tratamento da AR
há mais de 50 anos. São medicamentos seguros e eficazes,
sobretudo para formas iniciais e leves. Seu mecanismo
de ação ainda é pouco conhecido, mas parece envolver
múltiplos fatores: atividade anti-inflamatória (estabilização das membranas lisossomais, inibição de enzimas
lisossômicas e da quimiotaxia e fagocitose de polimorfonucleares), interferência na produção de prostaglandinas,
entre outros. 34,35
As duas formas disponíveis dos antimaláricos são o
DCQ e o HCQ, das quais a última é preferível por seu
melhor perfil de segurança, sobretudo oftalmológico. A
dose máxima diária do DCQ é de 4 mg/kg/dia, e a do HCQ
é de 6 mg/kg/dia VO. O início de ação é lento, levando
de 3–4 meses para atingir o pico de eficácia em cerca de
50% dos pacientes.
Os efeitos colaterais são diversos e incluem, entre outros,
intolerância gastrintestinal (náuseas, vômitos, dor abdominal),
hiperpigmentação da pele, cefaleia, tontura, miopatia e retinopatia. Este último é infrequente, mas indica-se monitoração
oftalmológica regular (avaliação inicial e anual após cinco
anos, ou anual desde o princípio, se houver fatores de risco:
pacientes com disfunção renal ou hepática, com maculopatia,
idosos ou dose cumulativa superior a 1000 g para o HCQ ou
460 g para o DCQ).36
O HCQ é eficaz em comparação ao placebo, reduzindo os
parâmetros clínicos e laboratoriais (velocidade de hemosedimentação, VHS) analisados, embora isoladamente não tenha
alterado a progressão radiográfica.34,35,37 Resultados similares
foram observados com o DCQ, que tem menor custo. Ambos
são contraindicadas em pacientes com alterações retinianas e
de campo visual.36,37
155
Mota et al.
Embora seu uso seja tradicional no Brasil, muitas vezes
em associação a outras DMCD, os antimaláricos atualmente
são considerados drogas menos potentes, devendo ser usados
em casos iniciais de AR ou artrite indiferenciada, com baixo
potencial erosivo.
e) Sais de ouro
Os sais de ouro, especificamente sob as formas injetáveis
(aurotioglicose e aurotiomalato) são capazes tanto de reduzir
os sintomas constitucionais e articulares quanto de retardar a
evolução radiográfica da AR.38 Podem ser usados em monoterapia ou em combinação com outros agentes.39
A dose habitual é de 50 mg/semana, iniciando-se geralmente com 25 mg/semana, com possibilidade de aumento dos
intervalos de aplicações para doses quinzenais e mensais após
controle do quadro. A dose cumulativa não deve ultrapassar
3 g.38,39 Seu perfil de toxicidade inclui mielotoxicidade (marcadamente trombocitopenia), úlceras orais, reações cutâneas
(dermatite esfoliativa), nefropatia (podendo haver proteinúria
nefrótica) e doença intersticial pulmonar.38,39
Embora tenham sido citados em recentes recomendações
internacionais,20 atualmente os sais de ouro são bem pouco
utilizados no Brasil, dados seus efeitos adversos e a dificuldade
de aquisição da droga em nosso meio.
DMCD biológicas
Um dos mais relevantes avanços na terapia da AR foi o desenvolvimento das DMCD biológicas.40 Embora essas medicações
sejam eficazes no controle da AR, sua segurança a longo prazo
ainda não está estabelecida.41
Encontram-se aprovadas pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) para uso no Brasil as seguintes
DMCD biológicas:42
l Anti-TNF: adalimumabe, certolizumabe, etanercepte,
infliximabe e golimumabe;
l Depletor de linfócito B: rituximabe;
l Bloqueador da coestimulação do linfócito T: abatacepte;
l Bloqueador do receptor de interleucina-6 (IL-6): tocilizumabe.
As DMCD biológicas estão indicadas para os pacientes
que persistam com atividade da doença, apesar do tratamento
com pelo menos dois esquemas de DMCD sintéticas, dos
quais pelo menos um deles é combinação de DMCD. O uso
de agentes biológicos deve ser feito associado a uma DMCD,
preferencialmente MTX. Excepcionalmente, como discutido a seguir, uma DMCD biológica pode ser prescrita mais
precocemente no curso do tratamento da AR, sobretudo em
156
casos de doença com combinação de sinais de pior prognóstico (elevado número de articulações acometidas, erosões
radiográficas na fase inicial da doença, FR e/ou anti-CCP
presentes em altos títulos).13,20,43–46
Características sociais/educacionais/demográficas das
diferentes macrorregiões brasileiras, como a dificuldade
de aplicação de medicação SC por alguns pacientes e seus
familiares, bem como a inexistência de centros de infusão
para aplicação de medicação intravenosa (IV) em certos
locais, podem determinar a escolha de uma ou outra DMCD
biológica. Os centros de dispensação/infusão das drogas,
públicos ou privados, devem informar aos pacientes e aos
seus familiares o adequado acondicionamento de cada medicação, ou enviá-las diretamente para o local de infusão,
para evitar perda de eficácia do tratamento. Recomenda-se
que o uso desses fármacos seja indicado e monitorado por
um reumatologista.47
A associação de DMCD biológicas não deve ser utilizada,
devido ao potencial risco de infecções graves.48,49 Atualmente,
as DMCD biológicas mais utilizadas são os anti-TNF, mas
há evidências de que as demais DMCD biológicas também
promovam o controle de sinais e sintomas da AR e a inibição
da progressão radiográfica.
a) Anti-TNF
O TNF é uma potente citocina inflamatória expressa em
grandes quantidades no soro e no líquido sinovial de indivíduos com AR. Ele promove a liberação de outras citocinas
inflamatórias, particularmente as interleucinas IL-1, IL-6 e
IL-8, e estimula a produção de proteases. A inibição do TNF
demonstrou ser uma forma efetiva e rápida de controlar a
atividade da doença.50
Em termos de eficácia, não há dados que permitam afirmar
a superioridade de qualquer um dos cinco agentes anti-TNF
aprovados no Brasil para tratamento da AR.51,52
Os anti-TNF devem ser utilizados em associação ao MTX
ou a outras DMCD, pois o uso combinado mostrou-se seguro
e propiciou rápido benefício no controle da atividade da doença, comparado ao uso do anti-TNF como monoterapia. Em
pacientes que apresentem contraindicações ao uso de DMCD
sintéticas, os anti-TNF podem eventualmente ser prescritos
em monoterapia.46,53–63
l Adalimumabe – ADA
O ADA é um anticorpo humano contra o TNF, prescrito
para aplicação SC na dose de 40 mg uma vez a cada duas
semanas.55,56,64–68
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
Certolizumabe – CERT
O CERT pegol é um fragmento Fab de um anticorpo anti-TNF
humanizado, com alta afinidade ao TNF, conjugado com duas
moléculas de polietilenoglicol. É prescrito para aplicação SC
na dose de 400 mg a cada duas semanas, nas semanas 0, 2 e 4, e,
após isso, na dose de 200 mg a cada duas semanas ou 400 mg
a cada quatro semanas.61,62,69
l
l Etanercepte – ETN
O ETN é uma proteína de fusão composta pelo receptor solúvel do TNF mais a região Fc da IgG, prescrita em dose única
semanal de 50 mg por via SC.57,58,68,70
l Infliximabe – IFX
O IFX é um anticorpo monoclonal anti-TNF quimérico
humano-murino, prescrito na dose inicial de 3 mg/kg IV, seguida da mesma dose nas segunda e sexta semanas e, depois,
a cada oito semanas. Em pacientes com resposta insuficiente, a
dose pode ser elevada para 5 mg/kg por infusão, ou o intervalo
entre as doses pode ser reduzido. Doses mais altas trazem pouco
benefício terapêutico e maior risco de complicações infecciosas, portanto devem ser evitadas no tratamento da AR.54,59,63,68,71
Golimumabe – GOL
O GOL é um anticorpo monoclonal humano anti-TNF administrado mensalmente na dose de 50 mg por via SC.60,72
l
Efeitos adversos e contraindicações dos anti-TNF
Os efeitos adversos incluem reações infusionais para as drogas IV (febre, calafrios, dor torácica, oscilação de pressão
arterial, dispneia, prurido e/ou urticária) e manifestações nos
locais de injeção para as drogas SC (eritema, prurido, dor local
e/ou urticária). Essas drogas aumentam a chance de infecções,
especialmente no primeiro ano de uso, incluindo infecções
graves e aquelas causadas por patógenos intracelulares (como
bacilo da tuberculose, listeria, histoplasma, micobacterias
atípicas e legionella), além de disfunção cardíaca, doenças desmielinizantes, fenômenos autoimunes (produção
de autoanticorpos), vasculites cutâneas, doença pulmonar
intersticial e eventual aumento do risco de linfoma.68,73–75
Anticorpos antiquiméricos humanos podem ocorrer com
todas as drogas da classe, mas seu efeito sobre a eficácia
da terapia é incerto.76,77
As medicações anti-TNF são contraindicadas em mulheres
grávidas ou que estejam amamentando e em pacientes com
insuficiência cardíaca congestiva classe III e IV (segundo a
classificação da New York Heart Association), em vigência de
l
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
infecção ativa ou com elevado risco para o desenvolvimento
de infecções (úlcera crônica de membros inferiores, artrite
séptica nos últimos 12 meses), com infecções pulmonares recorrentes, esclerose múltipla e diagnóstico atual ou pregresso
de neoplasias (menos de cinco anos). Deve-se acompanhar
o paciente de maneira cuidadosa, avaliando o possível surgimento de sinais de infecção, que deve ser tratada de forma
pronta e imediata.73–75
b) Modulador da coestimulação
l Abatacepte – ABAT
O ABAT é uma proteína de fusão CTLA-4-IgG que atua como
inibidor de moléculas de coestimulação dos linfócitos T. É
indicado para pacientes com AR ativa que tenham apresentado
falha terapêutica à DMCD ou aos agentes anti-TNF. Pode ser
utilizado associado às DMCD ou em monoterapia. O ABAT
deve ser administrado como infusão IV, durante 30 min, na dose
de 500 mg nos pacientes com menos de 60 kg, 750 mg nos
pacientes entre 60–100 kg e 1.000 mg naqueles com mais de
100 kg de peso corporal. A dose seguinte deve ser administrada
duas e quatro semanas após a dose inicial, e depois a cada
quatro semanas.78–80
O uso do ABAT está associado à maior ocorrência de complicações infecciosas quando comparado ao placebo, assim como
observado com outras DMCD biológicas. As reações infusionais
com o ABAT são pouco frequentes e são, principalmente, reações de hipersensibilidade que se manifestam por exantema ou
broncoespasmo. Está contraindicado em pacientes com quadro
de doença pulmonar obstrutiva crônica, por exacerbação do
quadro de dispneia e maior ocorrência de infecções.78,81
c) Depletor de linfócitos B
l Rituximabe – RTX
O RTX é um anticorpo monoclonal quimérico dirigido contra o
linfócito CD20+, indicado em pacientes com AR em atividade
moderada a grave com falha terapêutica ao agente anti-TNF.
É administrado na dose de 1.000 mg em duas infusões IV em
um intervalo de 14 dias. Cada infusão é precedida de 100 mg
de metilprednisolona IV 60 min antes e de 1 g de paracetamol
e anti-histamínico, para diminuir a gravidade e a frequência
das reações infusionais.82–85
O RTX é utilizado preferencialmente em associação
com o MTX, podendo ser prescrito em associação com
outras DMCD. É importante ressaltar que pode haver
retardo em três a quatro meses para que se observe o
início da melhora sintomática. 82–84 Indivíduos com sorologia positiva para FR e/ou anti-CCP apresentam melhor
157
Mota et al.
resposta terapêutica. 86 Os pacientes com boa resposta ao
tratamento podem ser submetidos a novo curso de RTX,
caso reativem a doença, em intervalo de tempo não inferior
a seis meses.82–85
Os eventos adversos mais frequentes são as reações infusionais, que acometem 35% dos pacientes na primeira infusão
e cerca de 10% na segunda infusão. Complicações infecciosas
podem ocorrer, bem como pneumonia intersticial, neutropenia
e trombocitopenia.82–85
d) Bloqueador do receptor de IL-6
l Tocilizumabe – TOCI
O TOCI é um anticorpo monoclonal humanizado que se liga ao
receptor de IL-6, inibindo o efeito biológico da IL-6. Pode ser
usado em monoterapia, associado ao MTX ou a outras DMCD.
A incidência de infecções e de infecções graves é equivalente
aos outros agentes biológicos. É prescrito na dose de 8 mg/kg
por via IV, a cada quatro semanas.87–89
O uso de TOCI pode ocasionar neutropenia, plaquetopenia
e elevação de transaminases como efeitos adversos dosedependentes. Pode ainda ocorrer elevação do colesterol total
e da lipoproteína de baixa densidade, bem como aumento da
ocorrência de infecções.87–89 Deve-se evitar sua utilização em
pacientes com maior chance de perfuração intestinal, como
indivíduos com doença diverticular do cólon.90
Infecção em pacientes em uso de DMCD biológicas
Recomenda-se a triagem para doenças infecciosas antes
do início de DMCD biológicas, incluindo avaliação clínica minuciosa, sorologias para hepatite B e C, e, quando
pertinente, HIV e/ou outras doenças endêmicas. A triagem
para doenças endêmicas será mais bem detalhada em tópico posterior.
Drogas imunossupressoras
A base do uso de imunossupressores para o tratamento da
AR é a evidência de múltiplos mecanismos imunológicos
mediando sinovite e outras manifestações extra-articulares
da doença.
Diversos mecanismos de ação são descritos, incluindo redução da resposta celular (e menos efetivamente da humoral) e
propriedades anti-inflamatórias (interferência sobre a migração
e a ação de neutrófilos, linfócitos e monócitos).
O uso dos imunossupressores está restrito para as formas
mais severas da AR, já que a maioria dessas drogas apresenta
considerável toxicidade (mielossupressão grave, aumento
158
da ocorrência de infecções, esterilidade, toxicidade vesical e
aumento da ocorrência de neoplasias).
Azatioprina – AZA
Embora apresente perfil de segurança aceitável, há controvérsias sobre sua ação como DMCD. A AZA é considerada uma
opção terapêutica;91 entretanto, seu menor efeito no controle
de sinais e sintomas e a ausência de comprovação na redução
da progressão radiográfica colocam-na como uma alternativa
apenas em casos excepcionais.20
A dose habitual é de 1–3 mg/kg/dia VO. Ela é usada no
tratamento de formas moderadas a severas da AR, refratárias a outros tratamentos ou para controle de manifestações
extra-articulares graves, como a vasculite.20,91
Ciclofosfamida – CF
Agente alquilante com perfil de toxicidade desfavorável e
limitado benefício para controle da sinovite, a CF pode ser
usada por VO (1–2 mg/kg/dia) ou preferencialmente por via
IV (pulsos de 0,5–1 g/m2 de superfície corpórea). Seu uso só
se justifica nas formas extra-articulares graves, sobretudo na
vasculite.92
Ciclosporina – CS
A CS é uma alternativa eficaz no controle de sinais e
sintomas da AR. Pode retardar a progressão do dano articular, mesmo em pacientes com AR grave e refratária a
outros tratamentos, embora seu efeito pareça ser inferior
ao do MTX, da SSZ e da LEF. Pode ser usada em monoterapia, mas é geralmente prescrita em associação com o
MTX. 20,93,94
O mecanismo proposto é de uma ação imunomoduladora,
relativamente específica para os linfócitos T. É prescrita por
VO, com dose de 3–5 mg/kg/dia. Está contraindicada em
pacientes com alteração da função renal, hipertensão não
controlada e malignidade. Sua toxicidade, entretanto, limita a
utilização por pacientes com doença não responsiva a outras
DMCD, tornando-a uma droga de exceção para tratamento
da doença. É prescrita preferencialmente para pacientes com
manifestações extra-articulares, incluindo vasculite, além de
ser uma alternativa segura para pacientes com hepatopatia
e envolvimento pulmonar. Se houver desenvolvimento de
hipertensão ou aumento de creatinina em 30% do valor basal,
deve ser realizada redução de 25%–50% da dose. Persistindo
a hipertensão ou o aumento de creatinina, o tratamento deve
ser descontinuado.20,93,94
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Apresentação
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Até 4 mg/kg/dia (VO)
Comprimidos ou cápsulas:
150 mg ou 250 mg
Solucão injetável: 50 mg/0,5 mL
Difosfato de cloroquina
Sais de ouro
(aurotioglicose ou
aurotiomalato de sódio)
50 mg/semana
Seringas preenchidas: 200 mg
Frascos: 25 mg e 50 mg de
solução para reconstituição
Seringas preenchidas: 50 mg
Certolizumabe
Etanercepte
(Continua...)
400 mg (SC) a cada duas semanas
nas semanas 0, 2 e 4; após, 200 mg
a cada duas semanas ou 400 mg a
cada quatro semanas
Seringas preenchidas: 40 mg
40 mg (SC) a cada 15 dias
50 mg/semana (IM profunda),
iniciando-se habitualmente com
25 mg/semana. Espaçamento para
doses quinzenais e mensais após
controle do quadro. A dose cumulativa
não deve ultrapassar 3 g
Adalimumabe
Bloqueadores de fator
de necrose tumoral
Drogas modificadoras do curso da doença biológicas
Até 6 mg/kg/dia (VO)
Comprimidos: 400 mg
Sulfato de
hidroxicloroquina
Eficazes no controle de sinais e sintomas da AR e na redução da progressão radiográfica.
Devem ser preferencialmente prescritos após falha a dois esquemas com DMCD sintéticas
(dos quais um deve incluir terapia de combinação com DMCD sintéticas, com MTX
preferencialmente como a droga âncora da combinação), em associação ao MTX ou a
outra DMCD sintética.
Monitoração: avaliação de tuberculose latente antes do início do tratamento (história
clínica, radiografia de tórax, PPD e/ou IGRA), hemograma e enzimas hepáticas a cada
4–12 semanas. Monitoração cuidadosa da ocorrência de infecção, em particular no
primeiro ano de uso.
Eficazes no controle de sintomas e na redução da progressão radiográfica. São pouco
utilizados no Brasil devido a os efeitos adversos e à dificuldade de aquisição da droga em
nosso meio.
Monitoração: mensal, com hemograma, enzimas hepáticas e exame sumário de urina.
Os antimaláricos são atualmente considerados drogas menos potentes, e devem ser usados
em casos iniciais de AR ou artrite indiferenciada, com baixo potencial erosivo. Podem ser
usados associados ao MTX ou a outros DMCD.
Monitoração: exame oftalmológico inicial e anual após cinco anos (ou anualmente desde
o princípio, se houver fatores de risco para maculopatia ou retinopatia).
Reduz sinais e sintomas de atividade da AR, melhora o estado funcional e reduz a progressão
das lesões radiográficas.
Monitoração: hemograma, creatinina e enzimas hepáticas a cada 4–12 semanas. Pode ser
usada associada ao MTX e a outras DMCD.
20 mg/dia ou em dias
alternados (VO)
Comprimidos: 20 mg
Leflunomida
Reduz sinais e sintomas de atividade da AR, melhora o estado funcional e reduz a progressão
das lesões radiográficas.
Monitoração: hemograma e enzimas hepáticas a cada 8–12 semanas. Pode ser usada
associada ao MTX e a outras DMCD.
Sulfassalazina
Considerado atualmente o fármaco padrão no tratamanto da AR, reduz sinais e sintomas
de atividade da doença, melhora o estado funcional e reduz a progressão das lesões
radiográficas.
Monitoração: hemograma, creatinina e enzimas hepáticas a cada 4–12 semanas.
Resposta clínica e monitoração
1–3 g/dia (VO)
Comprimidos: 500 mg
Metotrexato
10–30 mg/semana
(VO, IM ou SC)
Dose
Comprimidos: 2,5 mg
Solução injetável: 50 mg/2 mL
Drogas modificadoras do curso da doença sintéticas
Droga
Tabela 1
Drogas modificadoras do curso da doença utilizadas no tratamento da artrite reumatoide no Brasil20,25–94
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
159
160
Monitoração: hemograma e enzimas hepáticas a cada 4–8 semanas.
Comprimidos: 50 mg
Frascos: 200 mg ou 1000 mg
Comprimidos: 50 mg e 100 mg
Ciclofosfamida
Ciclosporina
Pressão arterial e função renal a cada 2–4 semanas.
AR: artrite reumatoide; DMCD: droga modificadora do curso da doença; IGRA: ensaios de liberação do interferon gama; IM: intramuscular; IV: intravenoso; MTX: metotrexato; PPD: teste tuberculínico; RTX: rituximabe; SC: subcutânea; VO: via oral.
3–5,0 mg/kg/dia (VO)
2–2,5 mg/kg/dia (VO) ou pulsoterapia Reservado para pacientes com manifestações extra-articulares graves.
mensal com 750 mg a 1 g/m2 de Monitoração: a cada quatro semanas com hemograma, enzimas hepáticas e exame de urina
superfície corporal (IV) a cada quatro (pelo risco de cistite hemorrágica).
semanas
Comprimidos: 50 mg
Eficaz na redução de sinais e sintomas da AR e na redução da progressão radiográfica. Pode
ser prescrito após falha a DMCD sintéticas ou após falha e/ou intolerância aos anti-TNF ou a
outras DMCD biológicas. Uso preferencial associado ao MTX ou a outras DMCD sintéticas,
embora possa ser utilizado em monoterapia.
Monitoração: hemograma, enzimas hepáticas e lipidograma a cada infusão.
Azatioprina
1–3 mg/kg/dia (VO)
8 mg/kg/dose (IV) a cada
quatro semanas
500 mg a 1 g (IV) nos dias
0 e 14 (1–2 g/ciclo)
Eficaz na redução de sinais e sintomas da AR e na redução da progressão radiográfica.
Pode ser prescrito após falha e/ou intolerância aos anti-TNF ou a outras DMCD biológicas.
Não deve ser prescrito após falha a DMCD sintéticas, exceto em situações excepcionais.
A presença de FR e/ou anti-CCP prediz melhor resposta terapêutica ao RTX. Deve ser
prescrito preferencialmente associado ao MTX ou a outra DMCD sintética. Os ciclos podem
ser repetidos em intervalos mínimos de seis meses, de acordo com a evolução da doença.
Monitoração: hemograma e enzimas hepáticas a cada 4–12 semanas. Avaliar a ocorrência
de infecção.
Consideradas menos eficazes no controle de sinais e sintomas da AR e na redução da
progressão radiográfica. São opções inferiores às demais DMCD. Sua principal indicação é
para o tratamento de manifestações extra-articulares e vasculite.
Frascos: 80 mg ou 200 mg
Frascos: 500 mg
Frascos: 250 mg
Eficaz na redução de sinais e sintomas da AR e na redução da progressão radiográfica.
Pode ser prescrito após falha de DMCD sintéticas ou após falha e/ou intolerância a DMCD
biológicas. Uso preferencial associado ao MTX ou a outras DMCD sintéticas.
Monitoração: hemograma e enzimas hepáticas a cada 4–8 semanas. Monitorar ocorrência
de infecção.
Resposta clínica e monitoração
Drogas imunossupressoras
Tocilizumabe
Bloqueador do
receptor de IL-6
Rituximabe
Depletor de
linfócitos B
Abatacepte
500 mg (IV) nos pacientes com
menos de 60 kg, 750 mg (IV)
nospacientes com 60–100 kg e
1.000 mg naqueles com mais de
100 kg, a cada quatro semanas
50 mg (SC) mensalmente
Caneta aplicadora
preenchida: 50 mg
Golimumabe
Modulador da
coestimulação
3–5 mg/kg/dose (IV) nas semanas 0,
2 e 6, seguida pela mesma dose a
cada 6–8 semanas
Dose
Frascos: 100 mg
Apresentação
Infliximabe
Droga
Mota et al.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS PARA O
TRATAMENTO DA AR NO BRASIL
As DMCD devem ser iniciadas imediatamente após o
diagnóstico. Sempre que necessário, o tratamento deve ser
ajustado em avaliações clínicas frequentes em um período
de 30–90 dias.
Estratégias terapêuticas com base em metas específicas produzem melhores desfechos clínicos e capacidade
funcional, além de menor dano estrutural radiológico, em
comparação com tratamentos convencionais.95 A meta a ser
alcançada é a remissão, ou pelo menos a baixa atividade,
avaliada por índices compostos de atividade da doença
(ICAD), considerando-se como resposta terapêutica a redução
do valor do ICAD, conforme estabelecido no consenso 2011
da Sociedade Brasileira de Reumatologia para diagnóstico e
avaliação inicial da AR.5
A Figura 1 sintetiza o fluxograma de tratamento medicamentoso para a AR no Brasil, proposto pela Comissão de
Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Primeira linha – DMCD sintéticas
O MTX deve ser a DMCD de primeira escolha.20,96,97 Havendo
contraindicação, SSZ98 ou LEF99 podem ser utilizadas como
primeira opção.100 Os antimaláricos (DCQ e HCQ)101 devem
ser indicados apenas para pacientes com doença leve ou
artrite indiferenciada com baixo potencial erosivo. Em casos excepcionais, como pacientes com hipersensibilidade a
outras DMCD ou com hepatite viral, sais de ouro podem ser
utilizados. O MTX deve ser prescrito preferencialmente em
monoterapia, no início do tratamento.102
Não havendo a resposta clínica objetivada (remissão ou
baixa atividade da doença) com dose máxima tolerada de MTX,
ou na presença de efeitos adversos, recomenda-se a troca por
outra DMCD em monoterapia ou o uso de combinações de
DMCD. As combinações mais utilizadas são MTX com DCQ/
HCQ, com SSZ ou a associação dessas três drogas,27 bem
como MTX associado à LEF.103 A progressão da terapia deve
ser rápida, com avaliações mensais do paciente nos primeiros
seis meses de tratamento e ajuste de doses e esquemas, conforme necessário. Deve-se aguardar um período máximo de
seis meses para definir ausência de resposta à primeira linha
de tratamento instituída.20
Doses baixas de corticoides (máximo de 15 mg de prednisona ao dia ou equivalente) podem ser utilizadas no início
do tratamento, bem como anti-inflamatórios, recomendando-se,
no entanto, cautela e uso pelo menor tempo possível, para
minorar a ocorrência de efeitos adversos.20
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Segunda linha – DMCD biológicas
A terapia imunobiológica na AR está indicada para os pacientes
que persistem com atividade da doença moderada a alta (conforme ICAD), apesar do tratamento com pelo menos dois dos
esquemas propostos na primeira linha de tratamento. As drogas
anti-TNF são a primeira opção no Brasil, dentre os biológicos,
após falha dos esquemas com DMCD sintéticas. Isto é justificável pela experiência mais abrangente pós-comercialização, bem
como pelo maior volume de informações de segurança oriundas
de estudos clínicos, registros e recomendações nacionais104 e
internacionais.20 Entretanto, outras drogas, como o ABAT e o
TOCI, podem ser prescritas a critério do médico-assistente
após falha da DMCD sintética, tendo em vista a publicação
de ensaios clínicos randomizados que embasam essa indicação.78,89 A prescrição de RTX deve ser evitada como biológico
de primeira escolha,20 a não ser em casos específicos (pacientes
com contraindicação a outros biológicos, preferencialmente
que sejam positivos para FR e/ou anti-CCP, ou aqueles que
apresentam diagnóstico associado de linfoma, por exemplo).
Em situações excepcionais, a DMCD biológica pode ser indicada após falha do primeiro esquema de DMCD sintética naqueles
pacientes com vários fatores de mau prognóstico, incluindo doença
com atividade muito intensa, elevado número de articulações dolorosas/inflamadas, FR e/ou anti-CCP em altos títulos e ocorrência
precoce de erosões radiográficas.20 Os fatores de pior prognóstico foram mais bem detalhados no consenso 2011 da Sociedade Brasileira
de Reumatologia para diagnóstico e avaliação inicial da AR.5
O uso de DMCD biológicas como primeira linha para o
tratamento da AR não está indicado no Brasil, pois não há
evidências de custo-efetividade dessa indicação em nosso país.
Terceira linha – falha/intolerância à DMCD biológica
Em cenários clínicos que cursam com ausência de resposta ao
tratamento biológico inicial, evolução para perda da resposta
obtida ou presença de eventos adversos importantes, pode ser
feita a troca de um agente biológico por outro. Os biológicos
que apresentaram benefícios em ensaios clínicos randomizados
com pacientes que falharam ao anti-TNF são ABAT, RTX e
TOCI.105 Pacientes que apresentaram falha ao primeiro agente
anti-TNF também demonstraram benefício com o uso de uma
segunda droga da mesma classe, incluindo ADA, CERT, ETN,
IFX ou GOL em estudos observacionais prospectivos e também
randomizado controlado duplo-cego (GOL), mas persistem
incertezas sobre a magnitude de seus efeitos terapêuticos e a
custo-efetividade dessa estratégia.106
A escolha da sequência do tratamento a ser empregado fica
a critério médico, dependendo de particularidades de cada caso.
161
Mota et al.
Recomenda-se um período mínimo de três meses e máximo de
seis meses de avaliação clínica para realizar a troca de esquema
terapêutico (mudança entre DMCD biológicas).
Retirada de medicações e eventual suspensão de terapia
Não há dados que permitam definir o tempo de uso de terapia
para a AR. No momento, a medicação indicada e à qual o
paciente apresente resposta adequada deve ser mantida por
período indefinido, a critério médico. Em caso de reposta
completa (remissão) e sustentada (por mais de 6–12 meses),
pode-se tentar a retirada gradual e cuidadosa na seguinte
sequência: primeiramente AINH, seguido por corticoides e
DMCD biológicas, mantendo-se o uso de DMCD sintéticas.107
Excepcionalmente, se a remissão se mantiver, pode-se com
muita cautela tentar a retirada da DMCD sintética.20 A remissão
sustentada livre de drogas é pouco frequente, especialmente
em pacientes com biomarcadores como anti-CCP e/ou FR.
Monoterapia
(preferencialmente MTX)
Na doença inicial em pacientes que tenham doença ativa com
até um ano de sintomas, recomenda-se o acompanhamento
intensivo com visitas mensais e progressão medicamentosa
rápida, quando necessário.108,109 Os esquemas terapêuticos
e seus possíveis efeitos adversos foram abordados em itens
anteriores.
Em cada visita deve-se avaliar a eficácia e a segurança
da intervenção terapêutica, considerando as comorbidades
do paciente e visando preferencialmente remissão ou menor
atividade da doença possível, assim como melhora funcional
e da qualidade de vida. Em paciente com doença estabelecida, e
especialmente naqueles com doença controlada, as visitas
podem ser realizadas a cada três meses.108,109
A Tabela 2 resume, de forma esquemática, a frequência
de monitoração dos principais parâmetros considerados para
avaliação adequada de um paciente com AR em tratamento.
Em todas as fases:
•Prednisona até 15 mg/dia
ou equivalente (usar pelo
menor tempo possível)
Falha após 3 meses
Primeira
linha
Monitoração do tratamento
•Corticoide intra-articular
e/ou AINH e analgésicos
Resposta parcial ao MTX
Intolerância ao MTX
Falha após 3 meses
Combinação de
DMCD sintéticas
Troca entre os
DMCD sintéticas
Segunda
linha
Falha após 3 meses
DMCD sintética
(preferencialmente MTX)
+
DMCD biológica
(anti-TNF como primeira opção ou ABAT ou TOCI)
Terceira
linha
Falha após 3–6 meses
Figura 1
Fluxograma para o
tratamento medicamentoso
da artrite reumatoide.
Falha ou intolerância à DMCD biológica:
Manter DMCD sintética (preferencialmente MTX)
e mudar DMCD biológica para outro anti-TNF ou
ABAT ou RTX ou TOCI
Falha após 3–6 meses
Doença ativa:
Considerar os ICAD visando remissão,
ou pelo menos baixa atividade de doença
162
ABAT: abatacepte; AINH: antiinflamatórios não hormonais;
DMCD: droga modificadora
do curso da doença; ICAD:
índices compostos de atividade
da doença; MTX: metotrexato;
RTX: rituximabe; TOCI:
tocilizumabe.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
Tabela 2
Monitoração do tratamento da artrite reumatoide
Parâmetro
Educação de paciente e familiares
ICAD
+
HAQm ou HAQ DI (0–3 pontos)
Avaliação
inicial
Avaliação mensal
(AR inicial)
Consultas
extras
Avaliação trimestral
(AR estabelecida)
Avaliação
anual
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
(redução mínima desejada de 0,22 pontos)
X
X
(nos dois anos iniciais
podem ser repetidos,
caso sejam negativos
na primeira avaliação)
FR/anti-CCP
X
Radiografia convencional (mãos e punhos,
pés e tornozelos, outras articulações acometidas)
X
Ressonância ou ultrassonografia articular
(em caso de dúvida quanto à sinovite)
X
*Pesquisa de manifestações extra-articulares
X
X
X
X
X
**Avaliação de comorbidades
X
X
X
X
X
Provas de atividade inflamatória
(VHS e PCR)
X
X
X
X
X
***Avaliação laboratorial
X
X
X
X
X
Avaliação vacinal
X
****Tratamento medicamentoso específico
para AR
X
X
X
X
X
Tratamento medicamentoso de comorbidades
X
X
X
X
X
PPD (ou IGRA) e radiografia do tórax (em caso
de prescrição de DMCD biológica, em especial
anti-TNF)
X
Terapia ocupacional
X
X
X
X
X
Reabilitação
X
X
X
X
X
Avaliação da indicação de órteses
X
X
X
X
X
Avaliação de indicação cirúrgica
X
X
X
X
X
Coordenação de equipe multidisciplinar
X
X
X
X
X
Aconselhamento gestacional
X
X
X
X
X
X
Sorologias (hepatite
B e C no início da
investigação, HIV
em situações selecionadas)
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Avaliação de infecções (avaliação clínica
e eventualmente exames complementares)
*****Avaliação e orientação quanto
a situações de urgências
X
X
ICAD: índices compostos de atividade da doença (SDAI – índice simplificado de atividade de doença; CDAI – índice clínico de atividade de doença; DAS28 – índice de atividade de doença – 28 articulações);
+: para metas dos ICAD, vide publicação do Consenso 2011 da SBR para Diagnóstico e Avaliação Inicial da AR; mHAQ: health assessment questionnaire modificado; HAQ-DI: health assessment questionnaire
– índice de incapacidade; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCR: proteína C-reativa; PPD: teste tuberculínico; IGRA: ensaios de liberação do interferon gama.
*Manifestações extra-articulares: nódulos reumatoides, doença pulmonar intersticial, serosites, inflamação ocular e vasculites.
**Comorbidades: hipertensão arterial, isquemia cardiovascular, diabetes mellitus, aterosclerose, baixa massa óssea, depressão, fibromialgia etc.
***Exames laboratoriais: hemograma, função hepática, lipidograma e função renal; dependendo das comorbidades, considerar exames adicionais.
****Medicação para AR: considerar as questões de eficácia e segurança de cada medicação detalhadas ao longo do texto.
*****Urgências na AR: escleromalácea perfurante, mielopatias, mononeurite múltipla e vasculite, gravidez de pacientes em uso de medicações teratogênicas.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
163
Mota et al.
Terapia física e reabilitação
Durante as fases de atividade da doença, o repouso contribui
para a redução do processo inflamatório, devendo-se atentar,
porém, para a possibilidade de complicações, como rigidez
articular e deformidades em flexão.110
A cinesioterapia pode incluir exercícios passivos, nas fases
iniciais, e exercícios ativos, isométricos e/ou isotônicos. A finalidade desses programas de exercícios é garantir manutenção,
restauração ou ganho da amplitude de movimento articular,
fortalecimento e alongamento muscular, capacidade aeróbica
e desempenho para habilidades específicas.110
A maioria dos programas de exercícios dinâmicos segue
as recomendações do American College of Sports Medicine
(ACSM).111 Recomendamos que o exercício tenha duração
de 20 minutos ou mais, que seja realizado no mínimo duas
vezes por semana e leve a um aumento de 60% da frequência
cardíaca prevista para a idade, para apresentar efeitos clínicos positivos e sem detrimento à doença, ou seja, sem piora
da atividade da AR e sem causar dor. Quando se compara
o exercício dinâmico ao programa de reabilitação articular
convencional, observa-se melhora significativa na qualidade
de vida de pacientes com AR.112–114
Atividades aeróbicas como bicicleta, caminhada, corrida,
hidroginástica e natação possibilitam melhor condicionamento
cardiovascular e podem auxiliar na prevenção da limitação
relacionada à AR.110 Os meios físicos podem ser utilizados
como adjuvantes no controle da dor, da contratura muscular e
da rigidez da articulação.115–119
Terapia ocupacional
A terapia ocupacional emprega diversas técnicas para proteção articular e conservação de energia. O alvo do tratamento
é a redução da dor por meio do planejamento de atividades
de estimulação, repouso regular, alternância nos padrões de
movimento articular e uso de órteses e outros dispositivos.120
Adaptações nos ambientes doméstico e de trabalho auxiliam na preservação da independência do indivíduo com
limitações pela AR.121
Órtese é qualquer dispositivo médico usado no corpo do
paciente para suportar, alinhar, posicionar, imobilizar, prevenir
ou corrigir deformidades, auxiliar na força muscular ou melhorar a função articular. A órtese reduz a dor e a inflamação
locais pelo alívio da tensão e da carga sobre determinada
articulação.121,122 O uso de órteses/talas de repouso (para
punhos, por exemplo) previne a ocorrência de contraturas
em flexão. As talas funcionais de punho devem ser usadas
intermitentemente durante as atividades para restrição de
164
movimento, objetivando proteção articular.123 As órteses para
coluna cervical têm indicação para limitação da mobilidade,
especialmente a flexão, com consequente redução da dor,
da tensão muscular e da parestesia em casos de subluxação
atlanto-axial.120
Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico bem indicado contribui para melhora
da função, da mobilidade, do controle da dor e da qualidade
de vida do paciente com AR. Os procedimentos cirúrgicos
incluem, entre outros: sinovectomia, liberação de neuropatias
compressivas (p. ex., túnel do carpo), reparo e transferência de
tendões, artroplastia total e estabilização de vértebras cervicais
instáveis.124,125
Sinovectomia radioisotópica
A sinovectomia radioisotópica com ítrio (90Y) ou samário
(153SmPHYP) pode ser indicada para pacientes que apresentem sinovite residual em poucas articulações apesar da
otimização dos demais tratamentos instituídos, como uma
alternativa à sinovectomia cirúrgica.126
Terapias alternativas
Pacientes com doenças crônicas, como é o caso da AR, frequentemente buscam terapias alternativas, algumas vezes em
detrimento do tratamento tradicional. Essas terapias incluem
dietas, meditação, biofeedback, acupuntura, massagens,
quiropraxia, homeopatia, entre outras. Na maioria das vezes,
faltam estudos científicos sobre a segurança e a eficácia desses
tratamentos.127
O paciente deve ser orientado a sempre consultar seu médico antes do início de uma dessas terapias. Cabe ao médico
avaliar se o pretendido tratamento alternativo pode induzir algum dano ao paciente, e então é sua responsabilidade orientá-lo
no sentido de que tais métodos não devem substituir a terapia
tradicional para a AR.
Manejo de comorbidades
Comorbidades em pacientes com AR são frequentes, e incluem
HAS, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia e osteoporose.128–130
Além disso, neoplasias, infecções e doenças pulmonares
como bronquiectasia e pneumonite intersticial são também
mais prevalentes nesses pacientes.131–134 A presença dessas
comorbidades contribui para a diminuição da qualidade de
vida e aumenta a mortalidade dos pacientes com AR – por
isso elas devem ser diagnosticadas e tratadas na fase inicial.135
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
O manejo das comorbidades será revisado em recomendação
específica pela SBR.
Tratamento das manifestações extra-articulares da
artrite reumatoide
O tratamento da maioria das manifestações extra-articulares
graves da AR (vasculite reumatoide, esclerite, alguns subtipos histológicos da doença intersticial pulmonar, serosite
recalcitrante) inclui corticoides sistêmicos (orais ou venosos)
e imunossupressores, incluindo CF, CS e AZA.136 Resultados
anedotais de melhora clínica de casos de vasculite reumatoide
e envolvimento pulmonar estão relatados, mas são conflitantes e
carecem de estudos para confirmação.
Transplante de células autólogas
Até o momento, faltam dados conclusivos para referendar o
papel do transplante de células-tronco hematopoiéticas como
indutor de remissão prolongada na AR do adulto.137 Como a
toxicidade e a mortalidade associada ao procedimento ainda
são significativas, o transplante de células autólogas no Brasil
fica reservado para formas graves, com múltiplas manifestações
extra-articulares, refratária aos tratamentos instituídos e com
risco de óbito.
CONSIDERAÇÕES SOBRE FARMACOECONOMIA
DO TRATAMENTO DA ARTRITE REUMATOIDE NO
BRASIL
A introdução de potentes DMCD biológicas ampliou as alternativas para um tratamento efetivo da AR.138 No entanto, essas
drogas apresentam custos substancialmente altos em comparação às DMCD sintéticas tradicionais, competindo com os
limitados recursos da saúde em outras intervenções essenciais.
De maneira geral, o uso de MTX, SSZ e LFN em pacientes com AR ativa sem tratamento prévio com DMCD tem se
mostrado custo-efetivo em comparação ao uso de AINH e
corticoides em estudos internacionais.139,140 Por outro lado, o
uso de terapia biológica em monoterapia ou em combinação
com MTX nesse perfil de pacientes não é custo-efetivo em
comparação ao MTX em monoterapia.139
Após falha à primeira DMCD sintética, a introdução de LEF
pode ser uma estratégia custo-efetiva, à medida que posterga o
uso de biológicos.141 Podemos encontrar dados semelhantes na
literatura nacional. Em um estudo que utilizou modelo econômico segundo os princípios da análise de Markov, observou-se
que o MTX em monoterapia foi o mais custo-efetivo em um
período de 48 meses.142
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Na falha de tratamento com agentes anti-TNF, o RTX143
e o ABAT144 podem ser custo-efetivos. Já com relação ao uso
do segundo e terceiro agentes anti-TNF, nesse contexto, não
há ensaios clínicos randomizados que permitam a análise de
custo-efetividade.
Quanto à realidade da prática reumatológica brasileira,
Ferraz et al.145 publicaram os resultados de um questionário
aplicado a reumatologistas brasileiros sobre diagnóstico e
tratamento da AR. Verificou-se que aproximadamente 50% dos
pacientes com AR estão sendo diagnosticados adequadamente,
e que apenas metade deles está em tratamento regular. A prática
terapêutica realizada nos serviços públicos e privados não variou de maneira marcante. Em ambos os serviços, a associação
MTX + DCQ foi a terapia combinada (dois ou mais DMCD)
mais comumente utilizada, seguida de MTX + DCQ + SSZ
no serviço público e de MTX + LEF no serviço privado. Após
a falha dessas terapias, o agente biológico mais utilizado foi
o IFX, provavelmente por ser a única opção terapêutica no
Sistema Único de Saúde (SUS) durante o período de realização da pesquisa. As principais dificuldades apontadas para o
tratamento dos pacientes foram o acesso ao sistema de saúde
(serviço público) e o custo da medicação (sistema privado).
Outros aspectos que impõem desafios ao manejo adequado
dos pacientes reumatoides em nível nacional são diferenças
regionais de acesso aos serviços de saúde, distribuição não
homogênea de reumatologistas no território nacional e escassez
de serviços especializados.146
É necessário desenvolver estudos farmacoeconômicos com
base na realidade nacional capazes de gerar informações que
orientem racionalmente as tomadas de decisão no tratamento
dos pacientes com AR.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
Artrite reumatoide e gravidez
A AR não altera por si só a fertilidade, embora alguns medicamentos possam reduzir a taxa de ovulação. Também não há
aumento na ocorrência de complicações fetais ou maternas
pela doença, excetuando-se as formas graves que cursam com
vasculite sistêmica.147
Durante o período gestacional, observa-se geralmente
melhora das manifestações clínicas da AR em até 75% das
pacientes, embora 90% apresentem recaída nos primeiros seis
meses do puerpério.147
A maioria das drogas utilizadas no tratamento da AR
é contraindicada durante a gestação e a lactação, com exceção da HCQ e da SSZ, que parecem ser relativamente
165
Mota et al.
seguras. 148–150 Pacientes em uso de MTX, LEF, agentes
imunossupressores e DMCD biológicas devem sempre ser
orientadas a utilizar métodos contraceptivos seguros, a fim
de evitar a gestação.150,151
Artrite reumatoide e vacinação
Reconhecidamente, o risco global de infecção está aumentado na AR, particularmente para os pacientes em uso de
agentes imunobiológicos. Dessa forma, a necessidade de
vacinação para tais pacientes deve ser considerada.152–154
Antes de iniciar DMCD sintéticas ou biológicas, deve-se
pedir e atualizar o cartão vacinal do paciente. Vacinas que
não contenham organismos vivos, como é o caso daquelas
contra influenza (IM), pneumocócica (7V e 23V), tétano,
difteria, coqueluche, hemófilos tipo B, hepatite viral A e B,
poliomielite (inativada – VIP), meningocócica, HPV, febre
tifoide (IM) e raiva, podem ser realizadas com segurança e
devem ser administradas preferencialmente 14 dias antes
do início da medicação. De maneira mais sistematizada, a
maioria dos protocolos recomenda ao menos a vacina antiinfluenza (sazonal, anualmente, entre abril e setembro) e a
antipneumocócica (inicialmente, e reforço após cinco anos)
antes do início da terapia com DMCD biológicas.154
Vacinas com organismos vivos são contraindicadas durante
a imunossupressão e pelo menos três meses após o uso de tais
drogas. Esse grupo de vacinas inclui tríplice viral (sarampo,
caxumba e rubéola), BCG, vacinas contra influenza (nasal),
varicela zoster, febre tifoide, poliomielite (oral – VOP), varíola
e febre amarela.154 Devemos, no entanto, levar em consideração
algumas situações específicas, como é o caso da indicação da
vacina contra febre amarela para a população residente em
área endêmica para a doença.155,156
É importante observar que as vacinas, quando indicadas,
devem ser administradas preferencialmente antes do tratamento
com os imunossupressores ou DMCD biológicas, pois a resposta à vacina pode ser diminuída.153
O manejo da vacinação em pacientes com AR será revisado
em recomendação específica pela SBR.
Endemias brasileiras
As doenças transmissíveis endêmico-epidêmicas, como tuberculose (TB), hanseníase, malária, doença de Chagas, esquistossomose, febre amarela, dengue, filarioses, helmintíases e
hepatite B e C, ainda são relevante problema de saúde pública
no Brasil.157
Embora haja poucos estudos sobre a relação entre as endemias infecto-contagiosas e a AR, é importante considerar que
166
essas condições podem afetar tanto o diagnóstico (algumas
vezes mimetizando,5 outras vezes superpondo-se aos sintomas
articulares e sistêmicos da AR, além da possível ocorrência de
marcadores sorológicos como o anti-CCP e o FR em doenças
infecciosas158) quanto o manejo da doença. De especial interesse, o uso de terapias imunossupressoras, destacando aqui as
DMCD biológicas, deve ser cuidadosamente avaliado nessas
situações específicas.159
Em virtude da alta prevalência de TB em nosso meio
e dos relatos de reativação da doença em vigência de tratamento imunossupressor, 104,160–164 as DMCD biológicas
devem ser empregadas com extrema cautela em pacientes
com suscetibilidade ou história prévia de TB, recomendando-se a realização de radiografia de tórax e do teste da
tuberculina (PPD) antes do início da terapêutica em todos
os pacientes. 165 O risco é maior para pacientes que farão
uso de anti-TNF, em especial anticorpos monoclonais. 166
No Brasil não há estudos controlados que demonstrem a
relação custo-efetividade do teste tuberculínico em duas
etapas para pesquisa de fenômeno “booster” na população de pacientes com AR que serão submetidos à terapia
biológica. O PPD pode ser negativo em pacientes com
AR em função do distúrbio imunológico subjacente ou da
terapia em uso. 167 Embora os testes de liberação de gamainterferon (IGRA, do inglês, interferon gamma release
assays) in vitro, como Quantiferon® ou Elispot®, sejam
promissores, 168–170 já que são mais específicos, seu papel
na investigação da TB latente em nosso meio não está
bem definido. 168–171
A realização de TC de tórax de alta resolução para investigação de TB latente deve ser avaliada caso a caso. O
tratamento com isoniazida na dose de 5–10 mg/kg/dia, até a
dose máxima de 300 mg/dia, por período de seis meses, deve
ser realizado nos pacientes com PPD ≥ 5 mm (ou IGRA positivo) ou naqueles com alterações radiológicas compatíveis
com TB prévia, ou ainda em pacientes que tiveram contato
íntimo com indivíduos com TB ativa.165,172–174 O tratamento
da forma latente deve ser iniciado pelo menos um mês antes
do início da DMCD biológica. Excepcionalmente, porém, o
início pode ser concomitante, quando a atividade da doença
inflamatória exigir urgência na introdução de terapia biológica. Embora os estudos até o momento não tenham mostrado
aumento da ocorrência de casos de TB com o uso de DMCD
biológicas não anti-TNF, recomenda-se a realização de triagem para infecção latente.
Sugere-se a pesquisa de hepatite viral B e C, além de HIV,
antes do uso de DMCD biológica. Na presença de uma dessas
infecções virais, o uso de DMCD biológica deve ser evitado.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
Em casos excepcionais de infecção pelo vírus C da hepatite,
a DMCD biológica pode ser utilizada em associação com o
tratamento antiviral.175,176
Pesquisas de infecções específicas, como a doença
de Chagas, devem ser realizadas nas regiões endêmicas.
Recomenda-se, ainda, a rotina de avaliação e de cuidados
odontológicos antes e durante o tratamento, para profilaxia e
tratamento de infecções periodontais.177
RECOMENDAÇÕES DA SBR PARA O
TRATAMENTO DA ARTRITE REUMATOIDE
Com base nas considerações feitas e em aspectos peculiares da
realidade socioeconômica brasileira, os especialistas membros
da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de
Reumatologia fazem as recomendações resumidas na Tabela 3
para o tratamento de pacientes com diagnóstico de AR.
Tabela 3
Recomendações da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
Recomendação 1: Antes de administrar qualquer forma de tratamento, o paciente deve ser esclarecido sobre sua enfermidade e, particularmente, quanto às
possibilidades evolutivas e de prognóstico. A decisão do tratamento deve ser compartilhada com o paciente.
Recomendação 2: Imediatamente após o diagnóstico deve-se prescrever uma DMCD e ajustar o tratamento, com o objetivo de atingir remissão ou baixa
atividade da doença (de acordo com o ICAD) em avaliações clínicas frequentes, em um período de 30–90 dias.
Recomendação 3: O tratamento da AR deverá ser conduzido por um reumatologista, que é o especialista com maior conhecimento sobre as opções terapêuticas disponíveis, suas indicações e efeitos adversos.
Recomendação 4: O tratamento de primeira linha inclui DMCD sintéticas como MTX, LEF e SSZ. Os antimaláricos HCQ e DCQ são menos eficazes e devem
ser reservados para formas leves e de baixo potencial erosivo. CS ou ouro parenteral podem ser utilizados em condições excepcionais.
Recomendação 5: O MTX é a droga de escolha para o tratamento da AR, mas se houver contraindicações e/ou a critério médico, outras DMCD sintéticas
podem ser utilizadas como primeira escolha. Combinações de DMCD sintéticas podem ser prescritas, mesmo como primeira opção, em AR estabelecida
com fatores preditores de mau prognóstico.
Recomendação 6: Pacientes que não alcançaram resposta, caracterizada por remissão clínica ou pelo menos baixa atividade da doença (conforme avaliação
por um dos ICAD) após a utilização de ao menos dois esquemas de DMCD sintéticas, incluindo pelo menos uma combinação de DMCD sintéticas, devem
ser avaliados quanto ao uso de DMCD biológicas.
Recomendação 7: Excepcionalmente, em pacientes com combinação de características de pior prognóstico e doença rapidamente progressiva, DMCD
biológicas poderão ser consideradas após um único esquema de DMCD sintéticas.
Recomendação 8: Recomenda-se preferencialmente o uso de agentes anti-TNF (ADA, CERT, ETN, IFX ou GOL) como terapia biológica inicial. No entanto, se houver
contraindicações ou em situações clínicas individualizadas, a terapia biológica pode ser iniciada com outras DMCD biológicas, como drogas depletoras de células
B (RTX), moduladores da coestimulação da célula T (ABAT) e anticorpos contra o receptor da IL-6 (TOCI).
Recomendação 9: Após falha terapêutica a uma primeira DMCD biológica (anti-TNF ou não), outras DMCD biológicas (anti-TNF ou não) poderão ser utilizadas.
A escolha de qual DMCD biológica será utilizada em pacientes que já falharam a DMCD biológicas ocorrerá a critério médico.
Recomendação 10: CF e AZA podem ser utilizadas em pacientes com manifestações extra-articulares graves como vasculite e/ou envolvimento pulmonar.
Recomendação 11: O uso de corticoide intra-articular é válido em qualquer momento do tratamento. O uso de corticoide oral tem efeito DMCD e melhora a resposta
clínica na fase inicial, mas recomenda-se sua utilização em baixas doses (< 15 mg de prednisona ao dia, ou equivalente) e pelo menor período de tempo necessário.
Recomendação 12: Os AINH são úteis para diminuir o processo inflamatório e a dor, principalmente no início da doença, mas devem sempre ser prescritos
em associação à DMCD.
Recomendação 13: No início do tratamento da AR, recomenda-se que o paciente seja avaliado mensalmente. Avaliações mais espaçadas, com intervalos de
até três meses, podem ser feitas naqueles que estejam com a doença sob controle.
Recomendação 14: Terapia física, reabilitação e terapia ocupacional são indicadas desde a avaliação inicial do paciente.
Recomendação 15: O tratamento cirúrgico, quando bem indicado e no momento correto, contribui para melhora da função, da mobilidade, do controle da
dor e da qualidade de vida do paciente com AR.
Recomendação 16: Recomenda-se orientar o paciente a sempre consultar o médico antes do início de uma terapia alternativa (acupuntura, dietoterapia,
homeopatia, fitoterapia etc.). Ao médico, cabe avaliar se o pretendido tratamento alternativo pode induzir algum dano ao paciente e orientá-lo no sentido de
que tais métodos não devem substituir a terapia tradicional para a AR.
Recomendação 17: Recomenda-se a orientação das pacientes quanto ao planejamento familiar, ao momento adequado da gestação (em função da atividade
da doença e do uso de medicações) e à prescrição de métodos anticonceptivos eficazes para mulheres em uso de drogas teratogênicas, como MTX e LEF.
Recomendação 18: Orienta-se a busca ativa e o manejo adequado de comorbidades (HAS, diabetes mellitus, dislipidemia etc.), uma vez que sua presença
contribui para menor qualidade de vida e aumenta a mortalidade dos pacientes com AR.
Recomendação 19: Antes de iniciar DMCD sintéticas ou biológicas, deve-se atualizar o cartão vacinal do paciente. As vacinas indicadas devem ser administradas
preferencialmente antes do tratamento com os imunossupressores ou com os agentes biológicos, pois a resposta à vacina pode ser diminuída.
Recomendação 20: Doenças transmissíveis endêmico-epidêmicas no Brasil, como tuberculose, hanseníase, malária, doença de Chagas, esquistossomose,
febre amarela, dengue, filarioses e helmintíases, devem ser avaliadas e tratadas adequadamente em pacientes com AR.
ABAT: abatacepte; ADA: adalimumabe; AINH: anti-inflamatórios não hormonais; AR: artrite reumatoide; AZA: azatioprina; CERT: certolizumabe; CF: ciclofosfamida; CS: ciclosporina; DCQ: difosfato de
cloroquina; DMCD: droga modificadora do curso da doença; ETN: etanercepte; GOL: golimumabe; HAS: hipertensão arterial sistêmica; HCQ: sulfato de hidroxicloroquina; ICAD: índice composto de
atividade da doença; IFX: infliximabe; LEF: leflunomida; MTX: metotrexato; RTX: rituximabe; SSZ: sulfassalazina; TOCI: tocilizumabe.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
167
Mota et al.
CONCLUSÕES
Este consenso tem o objetivo de listar as recomendações para
o tratamento da AR no Brasil, considerando as características
peculiares de nosso país, como a disponibilidade de drogas, o
nível socioeconômico da população, os aspectos farmacoeconômicos e a ocorrência de diversas endemias.
Embora recentes diretrizes norte-americanas e europeias
para o tratamento da AR tenham sido publicadas, é importante rever o assunto, considerando aspectos específicos da
realidade brasileira. Dessa forma, o propósito final de estabelecer diretrizes consensuais para o tratamento da AR no
Brasil é definir o tratamento e embasar os reumatologistas
brasileiros, considerando-se as evidências obtidas em estudos
científicos e a experiência de uma comissão de especialistas
no assunto, a fim de homogeneizar a abordagem terapêutica
da AR no contexto socioeconômico brasileiro, mantendo a
autonomia do médico na indicação/escolha das alternativas
terapêuticas disponíveis.
Como há rápida evolução do conhecimento nesse campo
da ciência, sugerimos a atualização destas recomendações a
cada dois anos.
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Conflitos de interesse:
1. Participou de estudos clínicos e/ou experimentais patrocinados pela indústria farmacêutica [IF (laboratórios Roche e Mantecorp)], relacionados ao consenso em questão; recebeu auxílio pessoal ou institucional da IF (Abbott, AstraZeneca, MSD, Roche e Pfizer); ministrou palestra em eventos ou atividades
patrocinadas pela IF (Abbott, AstraZeneca, Janssen, MSD, Mantecorp, Roche e Pfizer) relacionados ao consenso em questão. É membro do Conselho
Consultivo ou Diretivo da IF ou de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela IF (AstraZeneca e MSD). Elaborou textos científicos em
periódicos patrocinados pela IF (Abbot e Pfizer).
2. Participou de estudos clínicos e/ou experimentais patrocinados pela IF (Roche) relacionados ao consenso em questão; recebeu auxílio pessoal ou institucional da IF (Abbott, BMS, Mantecorp, MSD, Novartis, Roche, Wyeth e Pfizer); ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF (Abbott,
MSD, Novartis, Roche, Wyeth) relacionados ao consenso em questão.
3. Participou de estudos clínicos e/ou experimentais patrocinados pela IF (BMS, Pfizer, Roche e Wyeth) relacionados ao consenso em questão; recebeu auxílio
pessoal ou institucional da IF (Abbott, BMS, Mantecorp, MSD, Roche e Wyeth); ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF (Abbott
e Roche) relacionados ao consenso em questão.
4. Recebeu auxílio pessoal ou institucional da IF (Abbott, MSD, Janssen, Roche, BMS e Pfizer); ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas
pela IF (Abbott, MSD, Janssen, Roche, BMS e Pfizer) relacionados ao consenso em questão. Foi/é membro do Conselho Consultivo ou Diretivo da IF ou de
comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela IF (Pfizer, Abbott, MSD e BMS).
5. Participou de estudos clínicos e/ou experimentais patrocinados pela IF (BMS, Pfizer e Roche) relacionados ao consenso em questão; recebeu auxílio pessoal
ou institucional da IF (Abbott); elaborou textos científicos em periódicos patrocinados pela IF (Wyeth).
6. Ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF (Abbott, Sanofi-Aventis e Pfizer) relacionados ao consenso em questão.
7. Recebeu auxílio pessoal ou institucional da IF (Abbott, MSD, Wyeth, Pfizer e Roche); ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF
(Abbott, MSD, Wyeth, Pfizer e Roche) relacionados ao consenso em questão. Foi/é membro do Conselho Consultivo ou Diretivo da IF ou de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela IF (Wyeth, MSD e AstraZeneca). Elaborou textos científicos em periódicos patrocinados pela IF (Abbott,
Wyeth, BMS e AstraZeneca).
8. Participou de estudos clínicos e/ou experimentais patrocinados pela IF (BMS e Roche) relacionados ao consenso em questão; recebeu auxílio pessoal ou
institucional da IF (Roche, MSD, Wyeth/Pfizer e Abbott); ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF (Roche, MSD, Janssen e Mantecorp) relacionados ao consenso em questão.
9. O autor declara a inexistência de conflito de interesse.
10. Ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF (Roche e BMS) relacionados ao consenso em questão. Foi/é membro do Conselho Consultivo ou Diretivo da IF ou de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela IF (AstraZeneca).
11. Participou de estudos clínicos e/ou experimentais patrocinados pela IF (Roche e Mantecorp) relacionados ao consenso em questão; recebeu auxílio pessoal
ou institucional da IF (Lilly, Pfizer e Actelion); ministrou palestra em eventos ou atividades patrocinadas pela IF (Lilly, Pfizer e Actelion) relacionados ao
consenso em questão. Foi/é membro do Conselho Consultivo ou Diretivo da IF ou de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela IF (MSD).
12. Recebeu auxílio pessoal ou institucional da IF (Roche e Janssen-Cillag).
168
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):135-174
Consenso 2012 da Sociedade Brasileira de Reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide
8.
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ARTIGO ORIGINAL
Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos
em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide
e lúpus eritematoso sistêmico
Lucylle Fróis de Melo1, Sérgio Leme Da-Silva2
RESUMO
Introdução: O presente estudo é uma análise da possível existência de distúrbios cognitivos associados a fibromialgia (FM),
artrite reumatoide (AR) e lúpus eritematoso sistêmico (LES), e da influência das variáveis idade, escolaridade e sintomas
psiquiátricos sobre esses distúrbios. Materiais e métodos: Foram utilizados como amostra três grupos de pacientes, compostos
por 13 indivíduos com FM, 13 com AR e 11 com LES, com idades entre 30 e 80 anos, encaminhados pelo Ambulatório de
Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB). O desempenho dos participantes da amostra nos testes neuropsicológicos de memória, linguagem, funções executivas e inventário neuropsiquiátrico foi analisado considerando-se os
grupos conforme tipo de doença crônica, escolaridade e idade. Também foi realizada a comparação entre os pontos de corte
de normalidade cognitiva em amostras populacionais com os desempenhos desses participantes. Resultados: Os dados revelaram presença de distúrbios cognitivos associados às três patologias, porém com diferenças significativas entre os grupos.
Conclusão: As variáveis estudadas (baixa escolaridade e idade elevada) revelaram-se associadas a diversos graus de declínio
em diferentes funções cognitivas com os três grupos patológicos. Entretanto, os grupos FM e LES apresentaram médias de
sintomas neuropsiquiátricos de ansiedade, irritabilidade e alucinações significativamente maiores que o grupo AR no inventário neuropsiquiátrico.
Palavras-chave: cognição, doença crônica, fibromialgia, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
DOENÇAS DE DOR CRÔNICA E SEUS
ASPECTOS COGNITIVOS
Fibromialgia
A fibromialgia (FM) é considerada uma síndrome musculoesquelética de dor crônica e difusa, devido a seu grande número
de sintomas. É diagnosticada na presença de dor generalizada
durante três meses, em combinação com sensibilidade em 11
ou mais dos 18 pontos sensíveis à palpação das diversas partes
do corpo, conforme o American College of Rheumatology.1
A dor na FM é diferente de qualquer outra impressão
sensorial, já que caracteriza-se não somente pela dimensão
sensório-discriminativa, mas também pelo importante
componente afetivo-emocional, constituído pela dimensão
afetivo-motivacional da dor.2
Na FM, a atividade do sistema nervoso central é modulada por variáveis psicológicas, que contribuem para o
estabelecimento de uma conduta anormal perante a dor, como
distorções cognitivas, excessiva atenção a estímulos nocivos,
atitudes inadequadas para enfrentamento da dor e labilidade
emocional na recordação de experiências dolorosas.2 O sistema nervoso autônomo simpático apresenta-se hiperativo
durante todo o tempo, especialmente durante o sono, fase em
que muitos neurotransmissores, hormônios e anticorpos são
sintetizados ou regulados, como acontece com a serotonina,
Recebido em 30/09/2010. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: CAPES.
Comitê de Ética: FS-UnB 020/10.
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília – UnB.
1. Mestre em Ciências do Comportamento, Universidade de Brasília – UnB
2. Pós-doutorado em Neuropsicologia, Centro de Ciências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN; Doutor em Ciências, Universidade Federal
de São Paulo – UNIFESP, Professor Adjunto, Instituto de Psicologia – UnB
Correspondência para: Lucylle Fróis de Melo. Campus Universitário Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências Sul, prédio Minhocão. CEP: 70910-900. Brasília,
DF, Brasil. E-mail: [email protected]; [email protected]
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
181
Melo et al.
a substância P, o hormônio de crescimento, o cortisol e outros. Assim, alguns distúrbios metabólicos têm origem nas
transições dos estágios do sono não REM, principalmente no
estágio 4, que é o último estágio antes do sono REM, fase
com grande atividade cerebral,caracterizada pela ocorrência
de sonhos e pela consolidação da memória. Pacientes com
FM não apresentam danos nos tecidos afetados pela dor, mas
sofrem alterações metabólicas, como altas concentrações
de substância P no líquido cefalorraquidiano, assim como
concentrações reduzidas de neurotransmissores inibidores
da dor, provocando alta sensibilidade.3
A cronicidade da doença afeta a qualidade de vida dos
pacientes, bem como suas relações sociais, hábitos e rotinas,
provocando aumento das anormalidades psicológicas comuns
à doença, especialmente em estados de depressão e alterações
psiquiátricas.4
Artrite reumatoide
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica crônica, autoimune, que afeta as articulações e associa-se
com manifestações sistêmicas como rigidez matinal, fadiga
e perda de peso. O envolvimento com outros órgãos reduz
a expectativa de vida em cinco a 10 anos. A progressão da
doença torna os pacientes incapazes de realizar atividades
da vida diária.5,6
Pacientes com AR podem apresentar alterações cognitivas
decorrentes da própria doença ou da condição de dor crônica.
A depressão é fator constantemente presente nesse processo,
comprometendo a qualidade de vida do paciente. Nos estágios
iniciais da doença também ocorrem sintomas de ansiedade.7
Entretanto, a personalidade prévia e o estresse social são os
dois aspectos mais importantes em relação ao surgimento de
alterações psicológicas na AR.8
As alterações psicológicas também se desenvolvem quando
correlacionadas ao comprometimento físico. No entanto, o
tratamento com fármacos não surte efeito sobre os quadros
psiquiátricos, quando então são necessários outros recursos.8
Lúpus eritematoso sistêmico
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica
de causa desconhecida. Ela envolve processos autoimunes e
inflamatórios de forma multissistêmica, que atingem frequentemente o sistema nervoso central, periférico e autônomo,
podendo gerar comprometimentos neurológicos, síndromes
neuropsiquiátricas e psicofuncionais, como convulsões, cefaleia, síndrome orgânica cerebral e psicose. O comprometimento
182
neurológico pode ocorrer simultaneamente a outros sintomas
ou após o início da doença.9–11
O LES pode ser decorrente de dano imunológico ou
de diversas manifestações sistêmicas. Nesse sentido, a
literatura vem divulgando consensos entre a comunidade
científica quanto à etiologia multifatorial da doença, sugerindo como causa fatores hormonais, genéticos, infecciosos,
ambientais e psicológicos.9–12 Porém, muitos pesquisadores
associam o agravamento do LES primeiramente a fatores
psicológicos.11–13
O diagnóstico de LES deve ser realizado tendo como
base ao menos quatro de 11 critérios: eritema malar, lesão
discoide, fotossensibilidade, úlceras orais e nasais, artrite,
serosite, comprometimento renal, alterações neurológicas,
alterações hematológicas, alterações imunológicas e anticorpos nucleares.14
Pesquisadores observaram incidência de 75% de alterações
cognitivas, ansiedade e depressão no LES.9 Para esses pesquisadores, as alterações cognitivas não se revelaram diferentes
entre os pacientes ao se comparar variáveis relacionadas a gênero, raça, tempo de doença, atividade da doença ou quaisquer
manifestações clínicas. Também não foi identificada relação
de distúrbios cognitivos com medicamentos utilizados pelos
pacientes.
O objetivo do presente estudo foi investigar a existência
de distúrbios cognitivos associados à presença de FM, LES e
AR, por meio da aplicação de testes neuropsicológicos, tendo
como parâmetro de normalidade os pontos de corte de consenso clínico. Os desempenhos cognitivos foram analisados
considerando-se a influência das variáveis idade, escolaridade
e sintomas psiquiátricos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Esta pesquisa constituiu-se como um estudo-piloto aprovado
pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília
sob o nº 20/2010.
A coleta de dados foi realizada no Hospital Universitário
de Brasília, da Universidade de Brasília (HUB/UnB), com os
pacientes encaminhados pelo Ambulatório de Reumatologia
que se submeteram voluntariamente ao estudo, após esclarecimentos sobre o teor da pesquisa e depois de assinarem o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participaram da pesquisa 37 pacientes divididos em
três grupos, compostos por 13 pacientes com FM, outros
13 com AR e 11 pacientes portadores de LES, com idades
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico
entre 30 e 80 anos. Apenas um paciente era do gênero
masculino. A escolaridade variou entre um e 12 anos de
estudo.
Foram utilizados como instrumentos de avaliação neuropsicológica o Miniexame do Estado Mental (MEEM), 15
os subtestes Dígito ordem Direta (DD) e ordem Inversa
(DI) e Memória Lógica I (ML-I) e II (ML-II) da Escala
de Memória Wechsler (EMW), 16 o subteste Semelhanças
(SEM) da Escala de Inteligência Adulta Wechsler (EIAWIII),17 os testes de Fluência de Linguagem Verbal Fonêmica
(FLV-Fo) e Semântica – categorias animais (FLV-SeAn)
e frutas (FLV-SeFr) 18 –, o Teste do Desenho do Relógio
(TDR), 19 o Teste dos 5 Pontos (T5P) 20 e o inventário neuropsiquiátrico (IN). 21
A possibilidade de associação entre doenças de dor crônica (FM, AR e LES) e distúrbios cognitivos foi verificada
pela correlação entre o desempenho dos pacientes nos testes
neuropsicológicos aplicados e os pontos de corte considerados normais nesses testes, divulgados na literatura. Também
analisou-se a associação dos distúrbios cognitivos com as
variáveis idade, escolaridade, sintomas psiquiátricos e tempo
de doença.
Análise estatística
A análise dos dados foi realizada por meio de estatística robusta, que é o conjunto de técnicas empregadas para atenuar
o efeito dos pontos fora da curva e que preserva a forma de
distribuição mais aderente aos dados empíricos. Wilcox22
afirma que as médias dos dados podem ser distorcidas pelos
valores fora da curva, não refletindo a acurácia do valor
central dos dados. Assim, o autor recomenda o uso da mediana, que é uma forma extrema da média aparada, na qual
descarta-se qualquer valor acima ou abaixo do ponto fixo
em 20% e obtém-se o valor central dos dados originais com
maior acurácia. Seguindo essa linha, utilizamos a técnica
de Keselman,23 na qual primeiro os escores dos dados são
colocados em ordem crescente, e 20% dos dados menores
e maiores são removidos. Em seguida, os escores restantes
são remanejados de forma a substituir aqueles anteriormente
descartados. É o que se chama de escores aparados. A análise
de variância dos escores aparados foi calculada utilizando
os seguintes testes: a) teste de Kruskal-Wallis, método não
paramétrico empregado para testar a igualdade de medianas
da população com mais de dois grupos, tendo por objetivo
obter uma análise sobre a existência de diferenças entre as
medianas das amostras dos três grupos de enfermidades
(FM, LES, AR) em relação aos desempenhos cognitivos,
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
além de analisar a influência da idade e da escolaridade
quanto à presença de sintomas psiquiátricos; b) teste de
Mann-Whitney, utilizado para avaliar se duas amostras independentes provêm da mesma distribuição – nesse sentido,
avaliamos todos os pacientes, organizados em amostras de
dois grupos, de acordo com as seguintes variáveis: idade
(adultos jovens, até 49 anos, e adultos idosos, até 80 anos),
escolaridade (baixa escolaridade, com até cinco anos de
estudo, e média-alta escolaridade, com pelo menos seis anos
de estudo) e tempo de doença (descoberta recente, enfermidade com até três anos; e descoberta tardia, enfermidade
com mais de quatro anos).
RESULTADOS
A análise não paramétrica de Kruskal-Wallis revelou que há
diferenças significativas entre os grupos de doenças crônicas.
A mesma apontou que o grupo de pacientes com FM apresentou, em relação aos demais grupos, reduzido desempenho
nos subtestes ML-I da EMW [(K = 7,73) *P < 0,05], SEM
da EIAW-III [(K = 22,94) *P < 0,05], FLV-SeAn [(K = 5,98)
*P < 0,05] e DI da EMW [(K = 11,02) *P < 0,05] e aumento
na taxa de erros de perseverações no T5P [K = 9,41 *P < 0,05].
O grupo de pacientes com AR apresentou reduzido
desempenho em relação aos outros grupos nos seguintes
subtestes: TDR [(K = 16,43) *P < 0,05], FLV-Fo [(K = 7,12)
*P < 0,05] e T5P [(K = 9,16) *P < 0,05]. Os grupos FM e
AR apresentaram desempenho abaixo do ponto de corte
esperado nos subtestes ML-I da EMW, FLV-Fo, FLV-SeAn,
FLV-SeFr e T5P, conforme a Tabela 1.
Por outro lado, o grupo LES apresentou os melhores desempenhos nos subtestes ML-I e DI da EMW, SEM da EIAW-III,
TDR, FLV-Fo, FLV-SeAn, FLV-SeFr e T5P. Entretanto, em
relação aos pontos de corte que representam normalidade de
desempenho cognitivo, o grupo LES esteve abaixo da faixa
esperada nos subtestes FLV-Fo, FLV-SeAn, FLV-SeFr. Além
disso, os grupos LES e FM apresentaram índices de frequência
de sintomas significativamente superiores ao grupo AR em
relação à alucinação [(K = 8,14) *P < 0,01] e à irritabilidade
[(K = 7,36) *P < 0,02], assim como em relação aos níveis
de intensidade de sintomas, no qual a ansiedade [(K = 6,04)
*P < 0,05] apresentou-se significativamente elevada em ambos
os grupos, conforme Tabela 1.
Os demais sintomas psiquiátricos (desilusão, agitação,
disforia, euforia, apatia, desinibição e atividade motora
aberrante) não se apresentaram diferentes entre os grupos
patológicos em relação à intensidade ou à frequência.
183
Melo et al.
Tabela 1
Desempenho neuropsicológico dos grupos de doenças crônicas reumatológicas em relação ao tipo de enfermidade e diferenças
significativas entre os grupos conforme análise não paramétrica de Kruskal-Wallis
Testes (pontos de corte)Ref.
AR (n = 13)
FM (n = 13)
LES (n = 11)
Estatística e valor P
1
MEEM (< 24)
23,07 (1,70)
23,07 (1,84)
23,45 (1,77)
(K = 4,05) P = 0,13
ML-I (< 7,5)2
6,80 (0,72)
6,11 (1,24)
7,77 (1,21)
(K = 7,73) *P < 0,05
ML-II (4,5)2
4,61 (0,84)
4,42 (1,09)
7,59 (3,35)
(K = 5,34) P = 0,94
SEM (< 10)3
11,15 (1,72)
10,61 (3,04)
18,18 (1,47)
(K = 22,94) *P < 0,05
7,61 (1,89)
7,84 (1,51)
9,63 (0,50)
(K = 16,43) *P < 0,05
19,38 (6,87)
22,15 (4,41)
26,45 (6,81)
(K = 7,12) *P < 0,05
FLV-SeAn (≤ 15)
11,07 (2,39)
10,61 (2,18)
12,90 (1,81)
(K = 5,98) *P < 0,05
5
11,61 (2,18)
11,53 (0,51)
12,72 (2,37)
(K = 2,00) P = 0,36
12,76 (3,60)
13,76 (3,56)
18,00 (2,79)
(K = 9,16) *P < 0,05
T5P-perseveração
3,38 (3,47)
6,46 (4,19)
1,54 (1,43)
(K = 9,41) *P < 0,05
7
DD (< 6)
9,76 (1,92)
10,15 (1,34)
8,90 (0,94)
(K = 4,09) P = 0,12
DI (< 4)7
11,15 (1,72)
10,61 (3,04)
18,18 (1,47)
(K = 11,02) *P < 0,05
IN alucinações
0,30 (0,75)
1,84 (1,67)
2,0 (1,94)
(K = 8,14) *P < 0,01
IN irritabilidade
0,53 (1,45)
1,84 (2,15)
2,81 (2,04)
(K = 7,36) *P < 0,02
IN ansiedade
2,46 (1,50)
3,30 (1,10)
3,45 (1,80)
(K = 6,04) *P < 0,05
TDR (< 6)4
5
FLV-Fo (< 30)
5
FLV-SeFr (≤ 15)
6
T5P (≤ 15)
6
MEEM: miniexame do estado mental; ML-I: subteste memória lógica I da escala de memória Wechsler; ML-II: subteste memória lógica II da escala de memória Wechsler; SEM: subteste semelhanças da Escala
de Inteligência Adulta Wechsler; TDR: teste do desenho do relógio; FLV-Fo: teste de fluência de linguagem verbal fonêmica; FLV-SeAn: teste de fluência de linguagem verbal semântica categoria animais;
FLV-SeFr: teste de fluência de linguagem verbal semântica categoria frutas; T5P: teste dos 5 pontos; DD: subteste dígito ordem direta da escala de memória Wechsler; DI: subteste dígito ordem inversa da
escala de memória Wechsler; IN: inventário neuropsiquiátrico.
Os dados estão organizados conforme os tipos de patologias (AR, FM e LES) com diferenças significativas apontadas pelo K no teste Kruskal-Wallis, com significância em *(P > 0,05).
Referências de pontos de corte: 1) Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano (1994); 2) Hodges & Patterson (1995); 3) Nascimento (1998); 4) Sunderland et al. (1989); 5) Bayles, Kasniak (1987); 6) Bayles,
Kasniak (1987), Andreas et al. (1992); 7) Regard, Strauss & Knapp (1982); 8) Nascimento (1998).
Também foi realizada análise não paramétrica para avaliar se
as enfermidades estudadas diferenciavam-se em relação à média
de idade e aos anos de estudo. Assim, o teste de Kruskal-Wallis
revelou que AR, FM e LES não se diferenciavam quanto aos anos
de estudo. Quanto à idade, porém, o grupo LES diferenciou-se
significativamente dos demais [(K = 20,28) *P < 0,05], possivelmente por ser um grupo com média de idade menor (Tabela 2).
Tabela 2
Idade e anos de estudo dos grupos de doenças crônicas
reumatológicas (AR, FM e LES) conforme análise não
paramétrica de Kruskal-Wallis
Idade
Anos de estudo
AR (n = 13)
55,07 (8,33)
1,84 (0,68)
FM (n = 13)
53,30 (3,85)
2,07 (0,75)
LES (n = 11)
37,54 (5,90)
2,27 (0,78)
Estatística e valor P
(K = 20,28) *P < 0,05
(K = 2,03) P = 0,36
A análise não paramétrica de Mann-Whitney revelou
diferença significativa de desempenho entre os grupos divididos conforme a idade nos subtestes MEEM [(Z = -2,13)
*P < 0,05], ML-I da EMW [(Z = -2,14) *P < 0,05], ML-II da
EMW [(Z = -2,29) *P < 0,05], TDR [(Z = -3,24) *P < 0,05],
FLV-Fo [(Z = -2,63) *P < 0,05], FLV-SeAn [(Z = -2,49)
*P < 0,05] e T5P [(Z = -2,51) *P < 0,05]. Em todos eles
os jovens apresentaram melhor desempenho (Tabela 3).
O teste de Mann-Whitney apontou diferenças significativas entre os grupos com baixa e média-alta escolaridade nos
seguintes subtestes: MEEM [(Z = -2,36) *P < 0,05]; ML-I da
EMW [(Z = -1,99) *P < 0,05]; ML-II da EMW [(Z = -2,03)
*P < 0,05]; SEM da EIAW-III [(Z = -2,10) *P < 0,05]; TDR
[(Z = -2,13) *P < 0,05]; FLV-Fo [(Z = -2,36) *P < 0,05];
FLV-SeAn [(Z = -1,98) *P < 0,05]; FLV-SeFr [(Z = 1,99)
*P < 0,05] e T5P [(Z = -2,26) *P < 0,05].
Média, desvio-padrão e diferenças entre medianas, com diferenças significativas apontadas pelo K
no teste Kruskal-Wallis com significância em *(P > 0,05).
184
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico
Tabela 3
Desempenho neuropsicológico dos pacientes de doenças crônicas reumatológicas organizados em faixas etárias e diferenças
significativas conforme análise não paramétrica de Mann-Whitney
Testes (pontos de corte)Ref.
Adultos jovens (n = 19)
Adultos idosos (n = 18)
Estatística e valor P
24,11 (1,60)
22,84 (1,74)
(Z = -2,13) *P < 0,05
7,33 (1,29)
6,39 (1,03)
(Z = -2,14) *P < 0,05
6,52 (2,96)
4,39 (0,96)
(Z = -2,29) *P < 0,05
SEM
15,55 (3,86)
10,68 (2,45)
(Z = -3,65) P = 0,70
TDR (≤ 6)4
9,11 (1,07)
7,52 (1,80)
(Z = -3,24) *P < 0,05
FLV-Fo (≤ 30)5
25,11 (6,64)
19,94 (5,61)
(Z = -2,63) *P < 0,05
FLV-SeAn (≤ 15)6
12,44 (2,17)
10,52 (2,09)
(Z = -2,49) *P < 0,05
12,55 (2,09)
11,31 (1,45)
(Z = -1,68) P = 0,09
16,50 (3,41)
12,94 (3,73)
(Z = -2,51) *P < 0,05
T5P-perseveração
3,38 (3,48)
4,42 (4,15)
(Z = -0,66) P = 0,51
8
9,55 (1,54)
9,73 (1,55)
(Z = -0,37) P = 0,07
9,33 (1,57)
10,10 (1,62)
(Z = -1,54) P = 0,12
1
MEEM (< 24)
2
ML-I (< 7,5)
2
ML-II (4,5)
3
6
FLV-SeFr (< 15)
7
T5P
DD (< 6)
8
DI (< 4)
MEEM: miniexame do estado mental; ML-I: subteste memória lógica I da escala de memória Wechsler; ML-II: subteste memória lógica II da escala de memória Wechsler; SEM: subteste semelhanças da
Escala de Inteligência Adulta Wechsler TDR: teste do desenho do relógio; FLV-Fo: teste de fluência de linguagem verbal fonêmica; FLV-SeAn: teste de fluência de linguagem verbal semântica categoria
animais; FLV-SeFr: teste de fluência de linguagem verbal semântica categoria frutas; T5P: teste dos 5 pontos; DD: subteste dígito ordem direta da escala de memória Wechsler; DI: subteste dígito ordem
inversa da escala de memória Wechsler.
Os dados estão organizados em faixas etárias com diferenças significativas apontadas pelo Z no teste Mann-Whitney com significância em *(P > 0,05) entre os grupos de adultos jovens e adultos idosos.
Referências de pontos de corte: 1) Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano (1994); 2) Hodges & Patterson (1995); 3) Nascimento (1998); 4) Sunderland et al. (1989); 5) Bayles, Kasniak (1987); 6) Bayles, Kasniak
(1987), Andreas et al. (1992); 7) Regard, Strauss & Knapp (1982); 8) Nascimento (1998).
Tabela 4
Desempenho neuropsicológico dos pacientes de doenças crônicas reumatológicas organizados em grupos de escolaridade e
diferenças significativas conforme análise não paramétrica de Mann-Whitney
Testes (pontos de corte)Ref.
1
MEEM (< 24)
ML-I (< 7,5)
2
Baixa escolaridade (n = 22)
Média-alta escolaridade (n = 15)
Estatística e valor P
22,90 (1,60)
24,26 (1,75)
(Z = -2,36) *P < 0,05
6,47 (0,99)
7,40 (1,40)
(Z = -1,99) *P < 0,05
ML-II (4,5)2
4,50 (0,93)
6,80 (3,19)
(Z = -2,03) *P < 0,05
SEM (≤ 10)3
11,86 (3,28)
14,80 (4,45)
(Z = -2,10) *P < 0,05
TDR (≤ 6)4
7,86 (1,80)
8,93 (1,27)
(Z = -2,13) *P < 0,05
20,40 (6,16)
25,46 (6,20)
(Z = -2,36) *P < 0,05
10,81 (2,17)
12,40 (2,26)
(Z = -1,98) *P < 0,05
11,36 (1,64)
12,73 (1,94)
(Z = 1,99) *P < 0,05
13,36 (3,65)
16,60 (3,69)
(Z = -2,26) *P < 0,05
T5P-perseveração
3,50 (3,97)
4,53 (3,64)
(Z = -1,34) P = 0,17
8
9,50 (1,68)
9,86 (1,30)
(Z = -1,18) P = 0,23
9,63 (1,76)
9,86 (1,45)
(Z = -0,83) P = 0,40
FLV-Fo (≤ 30)
5
FLV-SeAn (≤ 15)
FLV-SeFr (≤ 15)
T5P (15)
6
6
7
DD (< 6)
DI (< 4)8
MEEM: miniexame do estado mental; ML-I: subteste memória lógica I da escala de memória Wechsler; ML-II: subteste memória lógica II da escala de memória Wechsler; SEM: subteste semelhanças da Escala de
Inteligência Adulta Wechsler TDR: teste do desenho do relógio; FLV-Fo: teste de fluência de linguagem verbal fonêmica; FLV-SeAn: teste de fluência de linguagem verbal semântica categoria animais; FLV-SeFr: teste de
fluência de linguagem verbal semântica categoria frutas; T5P: teste dos 5 pontos; DD: subteste dígito ordem direta da escala de memória Wechsler; DI: subteste dígito ordem inversa da escala de memória Wechsler.
Os dados estão organizados em grupos de escolaridade com diferenças significativas apontadas pelo Z no teste Mann-Whitney com significância em *(P > 0,05) entre os grupos de baixa e média-alta escolaridade.
Referências de pontos de corte: 1) Bertolucci, Brucki, Campacci e Juliano (1994); 2) Hodges & Patterson (1995); 3) Nascimento (1998); 4) Sunderland et al. (1989); 5) Bayles, Kasniak (1987); 6) Bayles, Kasniak
(1987), Andreas et al. (1992); 7) Regard, Strauss & Knapp (1982); 8) Nascimento (1998).
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
185
Melo et al.
Todos esses resultados indicaram que nos subtestes houve
desempenho significativamente reduzido no grupo de escolaridade baixa, conforme revela a Tabela 4.
Por último, em se tratando do tempo de descoberta da enfermidade, o teste de Mann-Whitney não encontrou diferença
significativa nos desempenhos cognitivos em testes neuropsicológicos, quando consideramos os pacientes divididos
em grupos de descoberta de doenças de dor crônica recente
e tardia (*P > 0,05).
DISCUSSÃO
Os resultados confirmam a existência de distúrbios cognitivos associados a FM, LES e AR. Foi possível observar que
os pacientes com AR obtiveram desempenho reduzido nos
testes que avaliam as esferas cognitivas referentes à apraxia
vísuo-construtiva (TDR e FLV-Fo), ou seja, habilidade de
construir um desenho a partir de uma referência visual de
memória e produção de fluência de linguagem verbal fonêmica. Podemos concluir que esses pacientes apresentam
alterações cognitivas apráxicas, possivelmente em função da
correlação entre o desenvolvimento do comprometimento físico e motor da doença e os prejuízos cognitivos observados
nessa enfermidade. Já a redução da fluência de linguagem
verbal fonêmica observada nesses pacientes possivelmente
está relacionada ao estresse social presente na AR.8
Os pacientes com FM, por outro lado, apresentaram prejuízos
em testes que avaliam a memória operacional (ML-I, FLV-SeAn,
SEM e DI), bem como erros de perseveração no T5P, que
também dizem respeito à dificuldade de função executiva. A
literatura já demonstrou que pacientes com FM apresentam
diminuição da concentração e perda da memória,24 e que esses
prejuízos cognitivos da atenção estão diretamente ligados aos
déficits de memória operacional e de função executiva.25
Os pacientes com LES apresentaram os melhores desempenhos comparados aos outros dois grupos. Entretanto, o grupo
LES apresentou desempenho abaixo do ponto de corte de normalidade cognitiva nos testes de fluência de linguagem verbal
fonêmica e semântica (FLV-Fo, FLV-SeAn e FLV-SeFr), além
de configurar significativamente como o grupo com maior taxa
indicadora de alteração psiquiátrica (ansiedade, irritabilidade
e alucinação). Pesquisas com pacientes com LES indicam que
75% deles apresentam quadros de deterioração cognitiva associados a estados de alterações psiquiátricas, como depressão,
ansiedade e irritabilidade.9,11
Analisando ainda os tipos de doenças crônicas, verificamos
que elas não se diferenciaram quanto ao nível de escolaridade. Entretanto, quanto à idade, o grupo LES diferenciou-se
186
significativamente dos demais grupos por apresentar menor
média de idade. Em relação aos aspectos cognitivos, os idosos normais, comparados aos jovens, apresentam uma leve e
generalizada lentidão, além de perda de precisão,26,27 o que
pode ter influenciado nos resultados encontrados neste estudo,
favorecendo o grupo LES em relação aos grupos AR e FM
nesse aspecto.
Ao analisarmos ainda as faixas etárias, sem levar em
consideração os tipos de doenças crônicas, os adultos jovens
apresentaram melhor desempenho em todos os testes em
relação aos adultos idosos. Nesse sentido, a literatura confirma o baixo desempenho cognitivo em pessoas mais velhas
desprovidas de enfermidades, sugerindo que esse declínio em
idosos seja decorrente primariamente do envelhecimento, caracterizando declínio normal do funcionamento dos processos
básicos de memória. Quando as atividades de vida diária do
idoso decaem junto com o desempenho cognitivo, porém, é
suposto tratar-se de uma entidade nosológica.26,27
Os dados relacionados à influência da escolaridade encontrados neste estudo revelaram reduzido desempenho cognitivo
principalmente na esfera da memória operacional no grupo de
baixa escolaridade, sugerindo que os testes de memória muitas
vezes podem ser dependentes do nível educacional.25
Os desempenhos coincidentes abaixo dos pontos de corte
de normalidade cognitiva nos testes de fluência de linguagem
verbal fonêmica e semântica apresentados pelos grupos FM e
LES possivelmente estão associados aos altos níveis de intensidade e frequência dos estados psiquiátricos de alucinação,
irritabilidade e ansiedade informados no IN desses dois grupos
– principalmente pelo grupo LES, que mostrou a maior taxa
indicadora de presença desses estados. Esses dados vão ao
encontro de estudos que apontam que pacientes com alterações
psiquiátricas demonstram dificuldades fortemente relacionadas
a prejuízos funcionais que incidem no desempenho acadêmico,
na produtividade, no trabalho e nos relacionamentos sociais,
familiares e afetivos.28 Tais dificuldades funcionais associadas
à ansiedade ocorrem de forma similar em outras doenças, como
na demência, por exemplo, potencializando o comprometimento de participação ou o engajamento em atividades essenciais
da vida social cotidiana, levando à queda de desempenho em
tarefas que envolvam atenção, psicomotricidade, memória
verbal e não verbal, compreensão, funções executivas, fluência
verbal e planejamento.29
Segundo pesquisas, o aumento das disfunções cognitivas
no LES não apresenta relação com o tempo de instalação da
doença crônica reumatológica,30 o que confirma nossos resultados relacionados com tempo da doença e sua influência nos
desempenhos dos pacientes nos testes cognitivos.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico
Em pacientes com FM, a liberação aumentada da substância P é influenciada pelos baixos níveis de serotonina e pela
presença do sono não reparador ou superficial. Esses pacientes
podem apresentar níveis de substância P até três vezes maiores
que em indivíduos normais.31 É importante ressaltar que as vias
serotoninérgicas ascendentes, coincidentemente as de níveis
reduzidos em pacientes com FM, projetam-se para as áreas da
rafe e daí para o tálamo e áreas inervadas pelo feixe prosencefálico medial, com destaque para o hipocampo – áreas essas
de importante relevância para o armazenamento das memórias
operacionais e de longo prazo.32
Vários estudos demonstram que a substância P possui
efeitos diversos com relação à aprendizagem de ratos33 e
peixes,34 variando de efeito facilitador, quando aplicada
imediatamente ou até três dias após treino de aquisição de
aprendizado, ou sem efeito sobre a consolidação da memória, quando aplicada a partir do quarto dia de treino.35
Diante dessas informações, podemos supor que os prejuízos
de memória operacional e das funções executivas encontrados em pacientes com FM neste estudo estejam de alguma
forma relacionados aos níveis reduzidos de serotonina nessa
enfermidade.
Recentemente, um consenso publicado revelou a importância de programas de reabilitação que fazem uso da terapia
cognitivo-comportamental, visando à melhora das doenças de
dor crônica como a FM e o LES.36
É grande a relevância de estudos neuropsicológicos sobre
as doenças de dor crônica e suas disfunções cognitivas, já que
o conhecimento aprofundado sobre os aspectos cognitivos de
uma determinada enfermidade traz consigo pistas efetivas para
a construção de programas de reabilitação.37,38 A estimulação
cognitiva é algo possível em função da plasticidade cerebral,
e a reabilitação com exercícios cognitivos pode modular
processos plásticos no cérebro, influenciando positivamente
a organização funcional de conexões neurais envolvidas na
memória.37,38 Enfim, é por meio da estimulação cognitiva em
programas de reabilitação que podemos amenizar os prejuízos
cognitivos encontrados e, por conseguinte, promover melhor
qualidade de vida ou até mesmo prevenir o agravamento dos
prejuízos cognitivos e emocionais que vêm sendo identificados
em pacientes com AR, FM e LES.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Dr. Rodrigo Aires, do Ambulatório de
Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília, pelo
encaminhamento dos pacientes. Ao Prof. Ms. Danilo Assis
Pereira, do Instituto Brasileiro de Neuropsicologia – IBNeuro,
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
pelas sugestões na análise estatística. E à Profª Gianna Lanz,
pela revisão do texto.
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Rio de Janeiro: MedBook, 2007; pp.149–73.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):175-188
ARTIGO ORIGINAL
Trabalho e potência dos músculos extensores e
flexores do joelho de pacientes com osteoartrite
e com artroplastia total de joelho
Denise Bastiani1, Cintia Helena Ritzel2, Silvia Manfrin Bortoluzzi3, Marco Aurelio Vaz4
RESUMO
Introdução: As manifestações inflamatórias decorrentes da osteoartrite (OA) de joelho provocam inibição muscular, levando
à hipotrofia muscular e à consequente diminuição do trabalho e da potência musculares. A artroplastia total de joelho (ATJ)
é a cirurgia mais adequada para o tratamento da OA em graus avançados. Entretanto, seus efeitos sobre o comportamento
funcional dos músculos ainda não foram bem esclarecidos. Objetivo: Comparar o trabalho total e a potência dos extensores
e flexores do joelho de indivíduos com OA (20) e ATJ (12) em duas velocidades angulares de flexo-extensão de joelho (60°/s
e 240°/s). Métodos: O dinamômetro isocinético Biodex foi utilizado para avaliar a potência e o trabalho musculares em
contrações isocinéticas. A ANOVA Two-Way para medidas repetidas foi utilizada para comparar os dados de trabalho total
e potência entre os grupos (SPSS versão 13.0; nível de significância P < 0,05). Resultados: Não houve diferença entre os
grupos OA e ATJ para o trabalho total dos extensores e flexores tanto em 60°/s quanto em 240°/s (P ≥ 0,05). Também não
houve diferença para a potência entre os grupos (extensores e flexores) (P ≥ 0,05). Conclusão: O trabalho total e a potência
não diferiram entre os grupos com OA e com ATJ, sugerindo que a ATJ não produziu melhora na capacidade funcional, que
foi semelhante entre os dois grupos.
Palavras-chave: osteoartrite de joelho, artroplastia total de joelho, dinamômetro.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é uma realidade no Brasil, assim
como em todo o mundo. Como consequência, um aumento das
doenças associadas ao avanço da idade, especialmente as crônicodegenerativas, tem sido observado.1 Com o envelhecimento, há
redução na massa muscular esquelética (sarcopenia) e consequentes fraqueza muscular e aumento da sobrecarga articular.2,3
Devido às alterações na mecânica muscular e à sobrecarga
das articulações, ocorrem adaptações que podem levar a instabilidade articular, alteração da força e inibição muscular,
tornando o indivíduo mais vulnerável às lesões e à fadiga
musculares.3,4 Isso pode resultar em alteração da sobrecarga
e degeneração da articulação devido à pouca habilidade do
sistema muscular em absorver impactos repetidos, o que tem
sido sugerido como fator de risco para o desenvolvimento e/ou
agravamento da osteoartrite (OA).4–6
A OA é a doença articular mais prevalente e também a
principal causa de dor e de incapacidade física na população
idosa.5–7 Caracteriza-se por ser uma doença degenerativa que
leva a perda da cartilagem articular, formação marginal osteofitária e alterações ligamentares, sinoviais, meniscal e do
osso subcondral.8 Embora suas causas sejam ainda mal-compreendidas, estresses biomecânicos, alterações bioquímicas na
Recebido em 30/05/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: CAPES,
CNPQ e FINEP. Comitê de Ética: 2007740.
Laboratório de Pesquisa do Exercício, Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
1. Especialista em Cinesiologia, UFRGS; Mestranda em Geriatria, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS
2. Mestre em Ciências do Movimento Humano, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Pesquisadora e Doutoranda, UFRGS
3. Mestre em Ciências do Movimento Humano, UFRGS
4. Doutor em Cinesiologia, University of Calgary; Professor Adjunto, UFRGS
Correspondência para: Cintia Helena Ritzel. Departamento de Cirurgia Ortopédica e Traumatológica, Escola de Medicina – UFRGS. Rua Ramiro Barcellos,
2400 – Santana. CEP: 90035-003. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
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195
Bastiani et al.
cartilagem e membrana sinovial, além de fatores genéticos, são
itens importantes em sua patogênese.9,10
Nos membros inferiores, a OA tem grande impacto nos
joelhos e quadris, já que essas articulações recebem todo o
peso corporal e são fundamentais para marcha, transposição de
obstáculos (como escadas) e atividades domésticas.11 Na OA
do joelho, o edema e o espessamento sinovial levam a uma
inibição reflexa do músculo quadríceps, causando subsequente
hipotrofia muscular. Dor, hipotrofia e falha na ativação muscular voluntária do quadríceps têm sido sugeridas como causas
da diminuição da força tanto em indivíduos com OA de joelho
quanto em idosos, gerando importante impacto funcional.4,9,12–14
A cirurgia está indicada para os estágios mais avançados da
doença, quando se evidenciam maiores degenerações cartilaginosas e ósseas e já existe comprometimento das três superfícies
articulares do joelho, alterações da função articular e dor.15 Os
pacientes com OA graus II e III com comprometimento progressivo de independência nas atividades de vida diária e falha do
tratamento conservador devem ser referidos para o ortopedista,
que fará a indicação do tratamento cirúrgico.16 O procedimento
mais utilizado nesses casos é a artroplastia total de joelho (ATJ),17
na qual é realizada a substituição completa da articulação por
uma prótese total. Seus principais objetivos são diminuição da
dor, reabilitação funcional e melhora da qualidade de vida.18–22
Grande parte dos pacientes submetidos à ATJ apresenta excelentes resultados clínicos; entretanto, em muitos casos, podem
persistir disfunções relacionadas com problemas funcionais que
nem sempre são evidentes clínica ou radiograficamente.17,18,22,23
Fraqueza muscular do quadríceps após a ATJ tem sido relatada
por diversos autores como normal.19,23,24 Muitos estudos encontraram diminuição da força do quadríceps, da ativação muscular
voluntária e da área de secção transversa (AST) após a cirurgia, em
comparação com os valores pré-operatórios.22,23,25 Mesmo autores
que encontraram melhora da força do quadríceps em sujeitos após
a ATJ não observaram recuperação total quando comparando-os
a indivíduos saudáveis da mesma faixa etária.18,26,27
Acredita-se que as manifestações inflamatórias, o déficit na
ativação muscular voluntária e a hipotrofia apresentados tanto
pelos pacientes com OA de joelho quanto pelos submetidos
à ATJ levam a menor trabalho muscular total,28,29 acarretando
diminuição do torque e da potência muscular30 e decréscimo
da resistência, o que gera importante perda da capacidade
funcional e os torna mais predispostos à fadiga.12
A redução do trabalho muscular total e a consequente perda
de potência muscular em função das doenças osteoarticulares
comumente prejudicam a autonomia e a qualidade de vida
dos indivíduos.2,29–31 Apesar do impacto nos resultados funcionais, o trabalho e a potência musculares do quadríceps não
196
são tipicamente avaliados nos estudos de pós-operatórios de
ATJ. Por isso, torna-se relevante que tais variáveis funcionais
também sejam investigadas nos estudos de populações com
OA de joelho e com ATJ. Além disso, os processos adaptativos
dos tecidos musculoesqueléticos à degeneração articular e à
substituição da articulação lesada por uma prótese necessitam
ser mais bem estabelecidos. Qualquer esforço para esclarecer
os mecanismos relacionados com essa doença a fim de reduzir
ou postergar seus efeitos é de grande importância. Assim, o
presente estudo teve como objetivo comparar o desempenho
muscular com relação ao trabalho total e à potência dos músculos flexores e extensores de joelhos em indivíduos portadores
de OA de joelho e pós-ATJ.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra
A amostra foi composta por 32 indivíduos de ambos os
gêneros, com idade acima de 50 anos, divididos em dois
grupos. O grupo OA foi composto por 20 indivíduos com
OA de joelho graus II, III e IV (classificação de Dejour,
1991), 15 e o grupo ATJ foi composto por 12 indivíduos
submetidos à ATJ com tempo de pós-operatório compreendido entre um e três anos.
Os indivíduos foram selecionados conforme os seguintes
critérios de inclusão: seleção de forma intencional a partir da avaliação clínica realizada por um médico especialista em Ortopedia
e Traumatologia (Serviço de Ortopedia e Traumatologia do
Hospital São Lucas da PUC-RS). Para os indivíduos com OA
foram solicitados exames de raios X (nas incidências anteroposterior e perfil, monopodal chapa longa), a fim de se confirmar o
diagnóstico e o grau de OA. Para participar do grupo com ATJ
foram aceitos apenas os indivíduos submetidos à cirurgia a partir
de história prévia de OA de joelho primária, com período de
evolução cirúrgica entre um e três anos, buscando-se garantir
que o procedimento cirúrgico tivesse sido realizado por meio
da mesma técnica, com o mesmo modelo de prótese (MB-VI,
Metabio) e mesmo período pós-operatório.
Este estudo teve como critérios de exclusão: história prévia
de cirurgia na articulação do quadril e/ou de cirurgia de revisão
de prótese de joelho, dor elevada avaliada pela escala analógica
visual de dor (EAVD), limitação da amplitude de movimento
(ADM) do joelho e alterações neurológicas, musculoesqueléticas, metabólicas e cardiológicas que impossibilitassem
a execução de testes de contração voluntária máxima.32 As
recomendações do Humac® também foram respeitadas.33
Os participantes foram avaliados quanto aos graus de funcionalidade (questionário WOMAC)34,35 e de dor (EAVD).36
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Trabalho e potência dos músculos extensores e flexores do joelho de pacientes com osteoartrite e com artroplastia total de joelho
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
sob parecer nº 2007740. Os participantes assinaram termo de
consentimento livre e esclarecido, assegurando seus direitos
de acordo com a resolução nº 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, e receberam todas as informações sobre os procedimentos que seriam efetuados.
Instrumentação
Para avaliação do trabalho total e da potência muscular
utilizou-se o dinamômetro isocinético Biodex System 3 Pro
(Biodex Medical Systems, Shirley, Nova York, EUA).33
Procedimentos
Os indivíduos foram posicionados no dinamômetro de acordo
com as instruções do fabricante. Em seguida, realizou-se uma
sessão de aquecimento e familiarização, com uma série de 10
repetições submáximas de flexão e extensão do joelho a uma
velocidade de 120º/s. Após 2 minutos de repouso, foi realizada a avaliação do trabalho total e da potência muscular com
uma série de cinco repetições na velocidade de 60º/s, e uma
série de 20 repetições na velocidade de 240°/s.37,38 Entre cada
série observou-se um intervalo de 2 minutos para minimizar os
efeitos da fadiga. Durante a realização dos testes isocinéticos,
o mesmo estímulo verbal para obtenção de esforço máximo
foi dado a todos os participantes.39
Ao término do protocolo de avaliação foram realizados
alongamentos e aplicação de compressa de gelo na articulação do joelho durante 20 minutos, com o objetivo de
prevenir possíveis desconfortos musculares devido ao esforço máximo não habitual. Todos os indivíduos receberam
um programa de exercícios domiciliares, com exercícios
de reforço muscular e alongamentos para auxiliar em sua
recuperação funcional.
Análise estatística
As variáveis quantitativas foram descritas por média, desviopadrão, mediana, Skewness e Kurtosis. Para a verificação da
normalidade e da homogeneidade dos dados foram utilizados os
testes de Shapiro Wilk e Levene, respectivamente. A partir dessa
análise, os dados foram considerados normais e adotou-se a
análise estatística paramétrica.
Análise de variância de dois fatores (ANOVA two-way) para
medidas repetidas foi utilizada para comparar as diferenças entre
os grupos em relação às variáveis trabalho total e potência. O teste
post-hoc de Bonferoni foi utilizado para identificar as diferenças
entre os grupos. Análise de variância de um fator (ANOVA
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one-way) com post-hoc de Bonferoni foi utilizada para comparar
as variáveis de caracterização da amostra entre os grupos.
Para a análise estatística utilizou-se o software SPSS
(Statistical Package for the Social Sciences) versão 13.0, e o
nível de significância adotado foi de P < 0,05 para todas as
análises realizadas.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 32 indivíduos, divididos em dois
grupos. O grupo com OA de joelho foi composto por 20 indivíduos (14 mulheres e seis homens) com idades entre 52 e 76
anos (63,0 ± 7,24), e o grupo com ATJ foi composto por 12
indivíduos (seis mulheres e seis homens) com idades entre 56 e
81 anos (69,9 ± 7,83). A Tabela 1 apresenta os dados referentes
à caracterização da amostra em relação à idade e ao índice de
massa corporal (IMC). Houve diferença entre os grupos com
relação à idade (P = 0,028) – o grupo ATJ apresentou faixa etária
mais elevada. Não houve diferença para o IMC entre os grupos
avaliados (P = 0,493).
As Figuras 1 e 2 ilustram os resultados de trabalho total
dos músculos extensores e flexores de joelho obtidos para
os dois grupos nas duas velocidades angulares avaliadas.
Na comparação entre os grupos não houve diferença entre o
trabalho total realizado tanto pelos músculos extensores na
velocidade de 60°/s (P = 0,198) e na velocidade de 240°/s
(P = 0,125), quanto pelos flexores em 60°/s (P = 0,180) e
em 240°/s (P = 0,081). Ambos os grupos apresentaram comportamentos semelhantes quanto ao trabalho total realizado
pelos grupos musculares do joelho nas velocidades angulares
de 60°/s e 240°/s.
Assim como para o trabalho total, os grupos com OA e
com ATJ também apresentaram comportamentos semelhantes quanto à potência muscular em ambas as velocidades
angulares, não havendo diferença tanto para os músculos
extensores nas velocidades de 60°/s (P = 0,297) e de 240°/s
(P = 0,163) quanto para os flexores do joelho nas velocidades
de 60°/s (P = 0,300) e de 240°/s (P = 0,121), como pode ser
observado nas Figuras 3 e 4.
Tabela 1
Caracterização da amostra por idade e índice de massa corporal
(média ± DP)
Grupo n
Homens
Mulheres
Idade (anos)
IMC
OA
20
6
14
63,0 ± 7,24
30,45 ± 3,77
ATJ
12
6
6
69,9 ± 7,83*
31,65 ± 7,17
*P = 0,028. IMC: índice de massa corporal.
197
Bastiani et al.
900
Trabalho total dos extensores
100
Potência dos extensores
600
300
0
OA
ATJ
Potência (Was)
Trabalho total (J)
OA
ATJ
50
0
60
60
240
Figura 1
Trabalho total dos músculos extensores do joelho dos grupos
OA e ATJ nas velocidades angulares de 60°/s (P = 0,198) e de
240°/s (P = 0,125).
900
240
Velocidade (°/s)
Velocidade (°/s)
Figura 3
Potência dos músculos extensores do joelho dos grupos OA
e ATJ nas velocidades angulares de 60°/s (P = 0,297) e de
240°/s (P = 0,163).
Trabalho total dos flexores
Potência dos flexores
100
OA
ATJ
OA
ATJ
Potência (Was)
Trabalho total (J)
600
300
0
50
0
60
60
240
240
Velocidade (°/s)
Velocidade (°/s)
Figura 2
Trabalho total dos músculos flexores do joelho dos grupos
OA e ATJ nas velocidades angulares de 60°/s (P = 0,180) e de
240°/s (P = 0,081).
Figura 4
Potência dos músculos flexores do joelho dos grupos OA e
ATJ nas velocidades angulares de 60°/s (P = 0,300) e de 240°/s
(P = 0,121).
Encontrou-se diferença significativa (P = 0,022) no
WOMAC total entre os grupos OA e ATJ, com valores
maiores para o grupo OA. De forma geral, os valores de
dor foram próximos a zero, principalmente ao final das
avaliações. Na comparação dos valores de dor entre os
grupos, houve diferença significativa na média da dor, com
valores menores para o grupo ATJ (P < 0,05), conforme
dados apresentados na Tabela 2. Porém, não houve diferença entre a dor avaliada no pré-teste e a dor pós-teste,
nem entre os grupos.
Tabela 2
Escala analítica visual da dor em três segmentos: dor, dor préavaliação e dor pós-avaliação, média
198
Grupo OA
Grupo ATJ
P
Dor
0,45
0,04
0,014*
Dor pré-avaliação
0,37
0,03
0,207
Dor pós-avaliação
0,17
0,00
0,258
P = (pré- x pós-)
0,352
0,337
-
*Diferença significativa.
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Trabalho e potência dos músculos extensores e flexores do joelho de pacientes com osteoartrite e com artroplastia total de joelho
DISCUSSÃO
Muitos pesquisadores têm investigado as alterações da força
muscular de indivíduos com OA e ATJ por meio da avaliação
do torque.3,13,15,18,26,27 Como o pico de torque representa o desempenho em um único ponto da ADM, ele pode não ser um
bom indicador da capacidade funcional total e, dessa forma, a
força em toda ADM (trabalho) e a força por unidade de tempo
(potência) seriam mais relevantes clinicamente. Entretanto,
essas variáveis não são tipicamente avaliadas nos estudos de
populações com OA de joelho e de resultados pós-operatórios
de ATJ.31 Assim, o presente estudo teve como objetivo comparar o desempenho muscular com relação ao trabalho total e
à potência dos músculos extensores e flexores do joelho entre
um grupo de indivíduos portadores de OA de joelho e um grupo
de indivíduos submetidos à ATJ.
O trabalho total muscular é a ação da força por meio de uma
distância específica, ou seja, ação do torque durante a ADM.
Essa variável é calculada pela área sob a curva do torque, que
fisicamente é a energia desenvolvida pelo músculo. Se esse
valor é baixo, pode representar que clinicamente a função
muscular está alterada e que a energia despendida durante
uma ADM não é adequada ou apresenta déficit muscular.12,32
Já a potência muscular, expressa em Watts (W), representa o
trabalho total dividido pelo tempo atual de contração – ou seja,
a energia despendida durante a contração em um determinado
tempo. Ela representa clinicamente a quantidade de energia
que o músculo é capaz de gastar em menor tempo para gerar
o torque, e pode estar alterada devido a algum déficit funcional
muscular.12,32
Como a OA de joelho provoca redução da massa muscular
devido à inibição muscular reflexa decorrente da dor,10,14 e a
ATJ busca reverter os efeitos da dor pela remoção dos tecidos degenerados pela OA,20,27 era esperado que o grupo ATJ
apresentasse trabalho e potência musculares maiores quando
comparado ao grupo OA. Entretanto, os resultados encontrados
demonstram que não houve diferença entre os grupos nas velocidades angulares avaliadas tanto para os músculos extensores
quanto para os flexores do joelho.
Byrne et al.22 investigaram as alterações da função das articulações dos membros inferiores pelos efeitos da ATJ por meio
da comparação de trabalho e potência musculares entre indivíduos saudáveis e indivíduos submetidos à ATJ. Os pacientes
com ATJ apresentaram menor trabalho para os músculos do
joelho que o grupo-controle, e esse déficit foi compensado pelo
aumento do trabalho realizado pelos extensores do quadril.
Um estudo realizado por Walsh et al.25 avaliou velocidade
de caminhada, habilidade de subida em escadas, torque do
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joelho e trabalho total em 29 mulheres um ano após a ATJ e em
40 mulheres saudáveis. Os indivíduos com ATJ apresentaram
valores menores para todas as variáveis quando comparados
com o grupo-controle. Os autores afirmam que o déficit da
força do joelho não operado permanece até um ano após a
cirurgia, o que explica o decréscimo no trabalho dos músculos
extensores. Por outro lado, Aquino e Leme40 não encontraram
diferenças na relação do trabalho total flexor e extensor entre
pacientes com ATJ e indivíduos saudáveis.
O trabalho e a potência dos músculos do joelho também
foram investigados em estudos referentes a outros acometimentos musculoesqueléticos do joelho. Meireles et al.12
avaliaram pico de torque, trabalho total e potência do joelho
de 50 pacientes com artrite reumatoide (AR) e 50 indivíduos saudáveis, comparando-os nas velocidades angulares de
60°/s, 80°/s e 300°/s. Os pacientes com AR apresentaram
valores menores que os indivíduos do grupo-controle em
todas as variáveis analisadas.
Lennox et al.41 avaliaram 16 pacientes que tiveram patelectomia unilateral, e a média da potência muscular do quadríceps
foi de 60% em comparação ao lado saudável contralateral.
O torque máximo e o trabalho médio produzido durante
contrações excêntricas e concêntricas foram 1/3 menores no
lado operado, em comparação com o contralateral. Os autores
relataram que a força muscular não é recuperada imediatamente
após a patelectomia, mas com um programa de reabilitação de
longa duração ela pode ser restaurada.
Neeter et al.42 analisaram a potência muscular dos extensores e flexores do joelho de 23 pacientes com lesão do ligamento
cruzado anterior (LCA) e de 44 pacientes pós-reconstrução
do mesmo ligamento, após seis meses da lesão e da cirurgia,
respectivamente. Compararam então com o lado não acometido desses pacientes e com outros 13 indivíduos saudáveis.
Em 90% dos pacientes com lesão do LCA e em 60% dos que
tiveram o ligamento reconstituído houve déficit na potência
muscular.
Embora a literatura não seja clara sobre se o que é válido
para o pico de torque é válido para a produção de trabalho e
para potência média,28–30 é relevante que os dados de estudos
que avaliaram a força muscular somente por meio do torque
sejam analisados juntamente com os resultados encontrados
no presente estudo.
Alguns autores que compararam a força e a ativação
muscular voluntária de pacientes com OA de joelho primária
antes e depois da ATJ observaram diminuição da força do
quadríceps e da ativação muscular após a cirurgia. Eles afirmam que, apesar da redução da dor e da melhora da ADM do
joelho, a fraqueza do quadríceps e a diminuição da capacidade
199
Bastiani et al.
funcional estão tipicamente presentes, mesmo um ano após
a cirurgia.13,21 A redução da força do quadríceps é observada
em avaliações pós-operatórias em longo prazo, e está correlacionada com limitações funcionais prévias ao procedimento
cirúrgico dos indivíduos com OA do joelho.3 A ocorrência do
déficit da força muscular após a ATJ tem sido relatada como
normal em alguns estudos.12,15 Por outro lado, Berth et al.,18
em um estudo com pacientes avaliados três anos após a ATJ,
demonstraram que a ativação muscular voluntária melhorava
ao longo do tempo, embora não chegasse aos níveis apresentados por indivíduos saudáveis. Anchuela et al.26 e Lorentzen
et al.27 também obtiveram resultados semelhantes, com maior
capacidade de produção de força após a cirurgia.
É unanimidade entre os autores que encontraram déficit na
capacidade funcional após a ATJ que a fraqueza persistente
do quadríceps desses pacientes seja provavelmente devida à
falha nos atuais programas de reabilitação em direcionar sua
ação para o déficit de ativação logo na primeira semana após a
cirurgia. Parece provável que os resultados encontrados neste
estudo, demonstrando não haver diferenças no desempenho
muscular quanto ao trabalho e à potência entre pacientes
com OA e com ATJ, possam ser, pelo menos em parte, devido ao fato de que os indivíduos submetidos à cirurgia não
receberam nenhuma intervenção fisioterapêutica além do
atendimento hospitalar, contribuindo para a permanência do
déficit funcional. Lennox et al.41 sugerem que se os pacientes
avaliados em seu estudo tivessem passado por um processo
de reabilitação, o índice de sucesso da cirurgia poderia ter
sido mais alto.
A ATJ é executada como último recurso para indivíduos
com OA degenerativa, a fim de eliminar a dor e melhorar a
função. Existem várias formas de avaliar a evolução do indivíduo com ATJ: além da avaliação do trabalho total e da potência musculares, também podemos avaliar a funcionalidade
do indivíduo e a qualidade de vida por meio de questionários,
como o WOMAC.
Os resultados dos escores do questionário WOMAC revelaram que a pontuação entre os grupos OA e ATJ foi diferente.
O grupo ATJ apresentou pontuação inferior ao grupo OA, tanto
no WOMAC total como na dor, na rigidez e na funcionalidade.
Apesar de os grupos avaliados não terem diferença quanto ao
trabalho e à potência musculares, apresentaram diferença no
WOMAC. Dessa forma, a colocação de prótese total de joelho
com a realização de fisioterapia não melhora as propriedades
mecânicas avaliadas neste trabalho, porém melhora a qualidade
de vida e a dor do indivíduo.
Todos os indivíduos foram questionados com relação à
dor no joelho lesionado, desde a entrevista inicial no dia da
200
avaliação até o final da avaliação. Foi apresentada aos indivíduos uma régua representando a EAVD, com escala de 0–10.
De forma geral, os valores de dor foram próximos a zero,
principalmente ao final das avaliações. Ao compararmos os
valores de dor entre os grupos, houve diferença significativa
na média da dor, com valores menores para o grupo ATJ.
Ao compararmos os valores de dor no pré- e no pós-teste,
não foi encontrada diferença entre os grupos nem entre os
momentos de avaliação. Muitos trabalhos demonstraram melhora significativa das capacidades físicas e psicológicas no
período pós-operatório da ATJ quando comparado ao período
pré-operatório. Nos trabalhos que mostram essa melhora do
indivíduo, todos receberam atenção fisioterapêutica após o
procedimento cirúrgico até a total reabilitação.43,44 Já outros
autores encontraram correlação entre presença de dor, depressão, OA e alteração na funcionalidade.45
Muitos pacientes podem vir a apresentar problemas,
como fraqueza e contratura musculares, diminuição da ADM,
dificuldade de locomoção e limitação das atividades de vida
diária, apesar de terem realizado a substituição da articulação doente por uma prótese. Infelizmente, essa redução na
capacidade funcional tem sido aceita por diversos autores
como déficit funcional normal.25,45 Ulrich et al.23 acreditam ser
importante utilizar algumas técnicas para identificar problemas funcionais após a ATJ, permitindo que o tratamento seja
focado especificamente no tipo de acometimento, o que levaria ao sucesso dos resultados clínicos para essa população.
O uso de programas de reabilitação mais apropriados, com
exercícios que enfatizem contrações musculares fortes, e de
ferramentas clínicas que facilitem a ativação muscular, como
o biofeedback e a estimulação elétrica neuromuscular, pode
ser necessário para reverter a falha na ativação muscular e a
fraqueza em pacientes com OA e após a ATJ, embora os efeitos dessas terapias ainda não estejam bem esclarecidos.14,18,30
Esses programas devem beneficiar pacientes com problemas
ortopédicos nos anos imediatamente após a cirurgia, e, talvez
mais importante, devem ajudar a preservar sua capacidade
funcional e manter sua independência por um longo período
de tempo.25,46
A literatura a respeito dos resultados funcionais da cirurgia de ATJ, especialmente com relação ao trabalho total
e à potência dos músculos do joelho, ainda é inconsistente,
o que aponta para a necessidade de novos estudos direcionados a essa população. Pesquisas referentes às diferentes
modalidades de reabilitação também são relevantes na busca
de esclarecimentos sobre os mecanismos relacionados com
OA e sobre os fatores que podem potencializar os benefícios
da ATJ.
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Trabalho e potência dos músculos extensores e flexores do joelho de pacientes com osteoartrite e com artroplastia total de joelho
CONCLUSÃO
Não houve diferença entre os grupos OA e ATJ para os valores
de trabalho total e potência nas velocidades angulares de 60°/s
e 240°/s, tanto para os músculos extensores quanto para os
flexores de joelho. Os resultados deste estudo, para os pacientes
avaliados, sugerem que a ATJ não melhora a capacidade funcional do sistema musculoesquelético desses pacientes, quando
comparada à capacidade funcional de pacientes com OA.
REFERENCES
REFERÊNCIAS
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Rev Bras Reumatol 2012;52(2):189-202
ARTIGO ORIGINAL
Perfil dos usuários de anticitocinas disponibilizadas
pelo Sistema Único de Saúde no estado do Paraná
para o tratamento da artrite reumatoide
Astrid Wiens1, Mônica Cavichiolo Grochocki2, Deise Regina Sprada Pontarolli3,
Rafael Venson4, Cassyano Januário Correr5, Roberto Pontarolo6
RESUMO
Introdução: O tratamento da artrite reumatoide (AR) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) tem financiamento do
Ministério da Saúde e cofinanciamento das Secretarias Estaduais. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)
para o tratamento da AR descreve o esquema terapêutico para a patologia, inclusive com as anticitocinas adalimumabe,
etanercepte ou infliximabe. Objetivo: Traçar o perfil dos usuários de anticitocinas, medicamentos biológicos cadastrados no Sistema de Informação do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, gerenciado pelo Centro de
Medicamentos do Paraná. Métodos: Foi realizado um estudo transversal tomando como referência o mês de março de
2010. Com base em dados de dispensação, foram coletadas informações relativas a idade, gênero, regional de saúde
(RS), Código Internacional de Doenças (CID) e medicamento dispensado. Calculou-se também o custo mensal com
anticitocinas para o SUS. Resultados: No estado do Paraná foram encontrados 923 pacientes recebendo anticitocinas,
dos quais 40% recebiam adalimumabe, 44% etanercepte e 16% infliximabe, gerando um custo mensal de R$3.403.195,59.
Com relação ao CID, 55% dos indivíduos apresentavam CID M05.8, 27% CID M06.0, 9% CID M6.8, 8% CID M5.0
e 1% dos indivíduos apresentava os outros CIDs relacionados com a doença. As RS do Paraná com o maior número de
indivíduos em tratamento com anticitocinas foram as de Ponta Grossa, Cornélio Procópio, Londrina, Cianorte, Maringá,
Irati e Campo Mourão. Conclusão: Por meio deste estudo foi possível verificar a distribuição e o perfil dos usuários de
anticitocinas para o tratamento da AR no Paraná no âmbito do SUS no mês de março de 2010.
Palavras-chave: artrite reumatoide, terapêutica, medicamentos excepcionais.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória
crônica, caracterizada por poliartrite periférica simétrica,
que leva à deformidade e à destruição das articulações
por erosão do osso e da cartilagem.1–3 Tem prevalência de
aproximadamente 1% na população mundial;4 no Brasil, um
estudo multicêntrico verificou a prevalência da AR variando
de 0,2%–1%.5
Pacientes com AR têm risco de mortalidade aumentado em
duas vezes. Quando a AR envolve outros órgãos, a morbidade
e a gravidade da doença são maiores, podendo diminuir a
expectativa de vida em 5–10 anos.6 Com a progressão da doença, os pacientes desenvolvem incapacidade para realização
de suas atividades tanto da vida diária quanto da profissional.
Além disso, por sua natureza crônica e pelo fato de acometer
indivíduos em idade produtiva, a AR é uma doença com grande
impacto econômico para o paciente e para a sociedade.3,7
Recebido em 03/06/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.
Universidade Federal do Paraná – UFPR.
1. Doutora em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Paraná – UFPR
2. Direção Técnica do Consórcio Intergestores Paraná Saúde
3. Diretora da Assistência Farmacêutica, Secretaria de Estado da Saúde do Paraná - CEMEPAR, SESA/PR
4. Mestre em Ciências Farmacêuticas, UFPR
5. Doutor em Medicina Interna; Professor Adjunto, UFPR
6. Doutor em Bioquímica; Professor-Associado, UFPR
Correspondência para: Roberto Pontarolo. Universidade Federal do Paraná – Departamento de Farmácia. Av. Prof. Lothário Meissner, 632 – Jardim Botânico.
CEP: 80210-170. Curitiba, PR, Brasil. E-mail: [email protected]
208
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):203-213
Perfil dos usuários de anticitocinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde no estado do Paraná para o tratamento da artrite reumatoide
Os tratamentos para AR objetivam prevenir ou controlar
a lesão articular, prevenir a perda de função, diminuir a dor e
maximizar a qualidade de vida dos pacientes. Os tipos de tratamento variam de acordo com o estágio da doença, raramente
alcançando a remissão completa.1
Para o controle da dor e do processo inflamatório são
utilizados anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e glicocorticoides. A partir do diagnóstico de AR, recomenda-se
o tratamento com drogas modificadoras do curso da doença
(DMCDs), que reduzem sinais e sintomas, além de reduzir
a progressão radiológica. Dentre as DMCDs estão indicadas
o metotrexato (MTX), a leflunomida (LFN), a sulfassalazina
(SFZ) e a hidroxicloroquina (HCQ). Os agentes modificadores
da resposta biológica estão indicados para os pacientes que
persistam com atividade da doença, apesar dos tratamentos
com AINEs e DMCDs. Entre eles estão os bloqueadores
do fator de necrose tumoral (anti-TNF) e as anticitocinas
adalimumabe (ADA), etanercepte (ETA) e infliximabe
(INF).1,8,9 De acordo com as Diretrizes Metodológicas para
Elaboração de Pareceres Técnico-Científicos, o Ministério da
Saúde considera que as três anticitocinas (ADA, ETA e INF)
apresentam mesma eficácia.10 Dessa forma, cabe ao médico
a escolha entre os tratamentos disponíveis.
Os medicamentos para tratamento da AR integram o elenco
do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica
(CEAF) – Portaria GM/MS nº 2.981/2009, anteriormente
Componente de Medicamentos de Dispensação Excepcional,
regulamentado pela Portaria GM/MS nº 2.577/2006. O
Sistema Único de Saúde (SUS) no Paraná disponibiliza tratamento aos pacientes com AR por meio de financiamento
federal (Ministério da Saúde), com cofinanciamento estadual
(Secretaria de Estado da Saúde do Paraná – SESA/PR). A
SESA/PR, por intermédio do Centro de Medicamentos do
Paraná (CEMEPAR), é a responsável pelo gerenciamento da
Assistência Farmacêutica no estado.
O CEMEPAR tem suas atividades estruturadas no ciclo
da Assistência Farmacêutica: programação, encaminhamento da aquisição, recebimento, armazenamento e distribuição dos medicamentos integrantes do elenco do CEAF às
Regionais de Saúde (RS) da SESA/PR. Os medicamentos
são dispensados aos pacientes residentes no Paraná pelas
Farmácias Especiais das 22 RS. Para ser cadastrado no
programa, o paciente deve atender aos critérios estabelecidos no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT)
para AR.10
Controle do número de pacientes cadastrados, variações nas doses prescritas pelos médicos, substituição e/ou
suspensão dos medicamentos, entrada de novos pacientes e
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):203-213
saída de outros (alta, cura, abandono ou óbito) são fatores
de extrema importância para o planejamento da aquisição
dos medicamentos e o gerenciamento do programa. Com
base nessa demanda, o CEMEPAR, juntamente com a
Companhia de Informática do Paraná (CELEPAR), desenvolveu, a partir de 2004, um sistema de informação denominado SESAFARM, que foi a base para a criação do sistema
empregado atualmente em nível nacional pelo Ministério da
Saúde, o Sistema de Informação do CEAF (SISMEDEX),
implantado em todas as Farmácias Especiais. O SISMEDEX
apresenta as seguintes funcionalidades: (I) cadastramento
das farmácias e dos colaboradores com permissão de uso
ao sistema; (II) dados referentes aos medicamentos e aos
PCDTs vigentes; (III) cadastramento do usuário e do Laudo
de Solicitação de Medicamento Excepcional (LME); (IV)
cadastramento de renovações e adequações do LME; (V)
avaliação e autorização do processo de solicitação de medicamentos; (VI) registro da dispensação dos medicamentos
autorizados; (VII) registro e acompanhamento do trâmite
do processo na RS e/ou CEMEPAR; (VIII) manutenção
de registro dos médicos prescritores e dos Centros de
Referência vinculados ao Programa; (IX) fluxo de estoque;
(X) geração automática de Autorização de Procedimento
de Alta Complexidade (APAC); (XI) geração de relatórios
e consultas gerais.
Este trabalho foi realizado com o objetivo de traçar o perfil
dos usuários de anticitocinas cadastrados no programa CEAF
para o tratamento da AR, com base em dados de dispensação obtidos do SISMEDEX, e analisar as variáveis Código
Internacional de Doenças (CID), gênero, idade, RS e medicamento utilizado. Além disso, também foi avaliado o custo
mensal para o SUS para a aquisição desses medicamentos.
Neste estudo não se pretende realizar uma discussão sobre
acesso ao diagnóstico da doença, tratando-se exclusivamente
do fornecimento de medicamentos aos pacientes com diagnóstico cadastrados no programa.
MATERIAL E MÉTODOS
Realizou-se um estudo transversal com coleta de dados de
usuários cadastrados no SISMEDEX no estado do Paraná no
mês de março de 2010. Os dados foram coletados por meio
de busca por patologia, com base no PCDT para AR. Para
avaliação foram considerados os dados de pacientes que apresentavam os seguintes CIDs:
M05.0 – Síndrome de Felty;
M05.1 – Doença reumatoide do pulmão;
M05.2 – Vasculite reumatoide;
209
Wiens et al.
M05.3 – Artrite reumatoide com comprometimento de outros
órgãos ou sistemas;
M05.8 – Outras artrites reumatoides soropositivas;
M06.0 – Artrite reumatoide soronegativa;
M06.8 – Outras artrites reumatoides.
As informações sobre CID, gênero, idade, RS e medicamento dispensado foram coletadas para cada paciente, com
o cuidado de manter seu anonimato. Para todas as variáveis
foi calculado o número e a porcentagem de pacientes relacionados. Para a variável idade, calculou-se o valor médio e
o desvio-padrão, além da tabulação do número de indivíduos
de cada faixa etária (cada cinco anos).
Para calcular os recursos despendidos mensalmente para os
tratamentos da AR no estado do Paraná, foram considerados
apenas os custos dos medicamentos obtidos nas tabelas do
banco de dados do SUS (DATASUS), na dose usual recomendada no PCDT.10
RESULTADOS
140
120
100
60
40
20
0
Idade (anos)
Figura 1
Gráfico representando a idade em função do número de
usuários de anticitocinas cadastrados no SISMEDEX.
210
Tabela 1
Distribuição dos pacientes recebendo anticitocinas nas
Regionais de Saúde do Paraná
Regional de Saúde
n
%
Total de
habitantes
Indivíduos/milhão
de habitantes
01 – Paranaguá
20
2,2
287.633
70
02 – Metropolitana
319
34,6 3.385.145
94
03 – Ponta Grossa
60
6,5
579.827
103
04 – Irati
26
2,8
157.604
165
05 – Guarapuava
10
1,1
457.361
22
06 – União da Vitória
10
1,1
168.137
59
07 – Pato Branco
4
0,4
244.406
16
08 – Francisco Beltrão
11
1,2
313.370
35
09 – Foz do Iguaçu
31
3,4
450.893
69
10 – Cascavel
48
5,2
501.851
96
11 – Campo Mourão
59
6,4
311.945
189
12 – Umuarama
7
0,8
234.251
30
13 – Cianorte
16
1,7
130.687
122
14 – Paranavaí
18
2,0
254.256
71
15 – Maringá
108
11,7 716.273
151
16 – Apucarana
7
0,8
21
17 – Londrina
98
10,6 846.428
116
18 – Cornélio Procópio
26
2,8
243.178
107
19 – Jacarezinho
6
0,7
271.897
22
20 – Toledo
29
3,1
323.537
90
21 – Telêmaco Borba
7
0,8
166.466
42
22 – Ivaiporã
3
0,3
128.764
23
Total
923
100
10.511.862
88
80
05
61
11 0
-1
16 5
-2
21 0
-2
26 5
-3
31 0
-3
36 5
-4
41 0
-4
46 5
-5
51 0
-5
56 5
-6
61 0
-6
66 5
-7
71 0
-7
76 5
-8
81 0
-8
86 5
-9
0
Usuários de ancitocinas cadastrados no SISMEDEX (n)
No censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em 2007, a população do Paraná somou
10.511.862 habitantes, distribuídos por 399 municípios.11 O
número de usuários cadastrados no programa SISMEDEX
recebendo tratamento com anticitocinas para AR no mês de
março de 2010 foi de 923 pacientes, dos quais 258 (28%) eram
homens e 665 (72%) eram mulheres. A idade variou entre
2–91 anos, com média de 50 ± 13,8 anos. Mais da metade dos
indivíduos (54,9%) tinha entre 40–60 anos. A distribuição da
idade dos pacientes está demonstrada na Figura 1.
Com relação ao CID, 55% dos indivíduos apresentavam
CID M05.8, 27% CID M06.0, 9% CID M06.8, 8% CID M05.0
e 1% dos indivíduos apresentava os outros CIDs (M05.1,
M05.2, M05.3 e M06.8). Dos 923 pacientes cadastrados no
SISMEDEX, 403 (44%) recebiam tratamento com ETA, 372
(40%) com ADA e 148 (16%) com IFX.
A distribuição dos pacientes com AR no Paraná recebendo
anticitocinas está detalhada na Tabela 1, e as RS estão identificadas na Figura 2.
337.953
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):203-213
Perfil dos usuários de anticitocinas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde no estado do Paraná para o tratamento da artrite reumatoide
acima de 100 habitantes por milhão
acima de 50 habitantes por milhão
abaixo de 50 habitantes por milhão
Figura 2
Mapa das Regionais de Saúde do estado do Paraná.
Com relação ao custo dos medicamentos, cada injeção
de ADA custa ao SUS R$1.670,18, totalizando 27 doses ao
ano (média mensal de 2,25 doses). Dessa forma, o custo
mensal por paciente é de R$3.757,90. Multiplicando-se pelo
número de pacientes (372), chega-se a um custo mensal
total de R$1.397.940,66. Para o ETA, o custo unitário da
dose de 25 mg é de R$523,32, enquanto a dose de 50 mg
custa R$1.046,65. Duzentos e cinquenta e sete pacientes
recebem uma média de 8,7 doses/mês de 25 mg (total de
104 doses/ano/paciente), e 146 pacientes recebem uma média
de 4,3 doses/mês de 50 mg (total de 52 doses/ano/paciente), o
que gera um custo mensal total de R$1.827.788,13. Já a dose
do IFX custa R$1.713,00, e cada paciente recebe, em média,
oito doses anuais. Considerando-se o número de usuários
(148), chega-se a um custo mensal total de R$177.466,80. O
valor mensal total dos gastos com anticitocinas no Paraná em
março de 2010 foi de R$3.403.195,59, dos quais 41% foram
destinados ao ADA, 54% ao ETA e 5% ao IFX.
DISCUSSÃO
Apesar da identificação de mais de 100 diferentes tipos de
citocinas e outros fatores envolvidos na patogênese da AR, o
TNF-α continua ocupando lugar de destaque na doença erosiva
da articulação por meio da ativação dos osteoclastos.12–15 Os
antagonistas TNF-α têm claramente mostrado benefícios em
estudos randomizados e em ensaios controlados.16 A AR pode
iniciar em qualquer idade, mas sua prevalência está em pessoas
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):203-213
de 40–60 anos.1,4 No presente estudo, verificamos que mais da
metade dos indivíduos avaliados pertence a essa faixa etária,
em conformidade com dados da literatura.
A AR afeta duas vezes mais mulheres que homens, e sua
incidência aumenta com a idade. No entanto, as diferenças de
gênero não são tão marcantes à medida que a faixa etária cresce.1,17,18 Nos usuários de anticitocinas avaliados, verificamos
valores semelhantes aos descritos.
A causa da AR é desconhecida, mas é possível que muitos agentes artritogênicos estimulem a resposta imune em
indivíduos geneticamente suscetíveis.18 As RS do Paraná
com o maior número de indivíduos em tratamento com
anticitocinas foram as de Ponta Grossa, Cornélio Procópio,
Londrina, Cianorte, Maringá, Irati e Campo Mourão. É claro
que é preciso levar em consideração que o presente estudo
trata do perfil dos pacientes atualmente em tratamento, e não
diretamente dos pacientes com a doença, que em alguns locais
têm dificuldade de acesso à RS ou ao médico, ou até mesmo
dificuldade do diagnóstico da AR, deixando de receber o
tratamento adequado. Há também indivíduos que compram
o medicamento com recursos próprios, não sendo, portando,
contabilizados no SISMEDEX.
A incidência da AR no Brasil ainda é subestimada. Um
estudo realizado em 200919 estimou que apenas metade dos
brasileiros com AR tem diagnóstico estabelecido. O tempo
entre o início dos sintomas e o diagnóstico da doença foi, em
média, 1,8 ano, o que pode ter acontecido principalmente por
dificuldades de acesso ao sistema público de saúde. Outras
barreiras ainda encontradas para o tratamento da AR no
Brasil incluem baixo número de reumatologistas, dificuldade
de acesso da população aos medicamentos e demora para
agendamento de consultas, que pode variar entre quatro e dez
meses em diferentes regiões do País.20
Consta no PCDT para AR10 que as três anticitocinas apresentam a mesma eficácia. Alguns estudos21–23 compararam a
eficácia e a segurança desses medicamentos ao placebo, e não
diretamente entre si. Na metanálise de Wiens et al., realizada em
2010,24 verificou-se que pode haver diferenças na eficácia e na
segurança desses medicamentos, cabendo ao médico prescritor
avaliar os riscos e os benefícios oferecidos por cada um deles.
Atualmente está sendo realizado no Brasil o estudo epidemiológico prospectivo BiobadaBrasil,25,26 que em janeiro
de 2011 contava com 1.785 pacientes distribuídos em 32
centros. O BiobadaBrasil tem como objetivo apresentar
dados de efetividade e de segurança das anticitocinas na
população brasileira. Os pacientes recebem agentes biológicos ou DMCDs (grupo-controle) para doenças reumáticas
211
Wiens et al.
(69,7% dos pacientes com AR). Os resultados até o momento
descreveram o IFX como a droga mais utilizada (39% dos
pacientes). Em nosso estudo, observamos menor quantidade
de usuários de IFX no Paraná quando comparado às outras
anticitocinas. Um dos fatores que pode gerar essa diferença
talvez seja a escolha entre as anticitocinas pelos médicos.
A anticitocina mais utilizada em março de 2010 no Paraná
foi o ADA.
A prescrição e a utilização de uma anticitocina é uma
importante decisão, pois pode gerar grande impacto na redução dos sintomas da AR e, consequentemente, melhora na
qualidade de vida do paciente, acompanhada de significativa
elevação dos custos para o SUS.27 Avaliamos o custo de cada
medicamento para o SUS, porém tal informação é insuficiente
para subsidiar a escolha do médico na indicação das anticitocinas, pois há poucos estudos farmacoeconômicos no Brasil.
Uma avaliação econômica foi realizada recentemente por
Venson et al.,28 a fim de verificar a relação custo-efetividade
das anticitocinas para o tratamento da AR sob a perspectiva
do SUS. Verificou-se que entre tais medicamentos, o ADA e
o ETA apresentaram melhores valores de custo-efetividade
(R$511.633,00 e R$437.486,00, respectivamente) em relação
ao IFX (R$657.593,00). O IFX também apresentou maiores
valores da razão custo-efetividade incremental por unidade
de desfecho (RCEI), que foi de R$965.927,00, enquanto para
o ADA e para o ETA esses valores foram, respectivamente,
R$628.124,00 e R$509.974,00. No entanto, apesar das diferenças na relação custo-efetividade entre as anticitocinas,
é importante que as três continuem sendo disponibilizadas à
população, pois cada paciente pode responder de forma diferente ao tratamento.
Este estudo permitiu-nos traçar um perfil dos usuários de
anticitocinas para o tratamento da AR no estado do Paraná,
cadastrados no CEMEPAR. Além disso, foi possível verificar
o custo mensal com medicamentos para o tratamento da AR
no estado. Esses valores podem ser utilizados em posteriores
avaliações econômicas do tipo custo-efetividade ou mesmo
para avaliar o custo direto, sob perspectiva do SUS, do tratamento da AR no Paraná.
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213
ARTIGO ORIGINAL
Uso da corrente catódica de alta voltagem sobre
a dor em compressão nervosa experimental
Gladson Ricardo Flor Bertolini1, Cassiane Merigo do Nascimento2,
Daniela Martins Cunha2, Elisangela Lourdes Artifon2, Anamaria Meireles3
RESUMO
Objetivo: Avaliar o efeito da corrente catódica de alta voltagem sobre a dor em um modelo experimental de ciatalgia.
Métodos: Foram utilizados 16 ratos Wistar, machos, submetidos a um modelo de ciatalgia experimental no membro
pélvico direito. Os sujeitos foram divididos em grupo simulacro (GS) e grupo tratado com corrente catódica (GP-) por
20 min diários durante 10 dias. O modelo de compressão foi realizado com amarria por fio catgut 4.0 cromado, em
quatro pontos ao longo do nervo isquiático. A avaliação da nocicepção foi realizada, de forma funcional, com o tempo
de elevação da pata (TEP), e à pressão, pelo limiar de retirada, via analgesímetro eletrônico. Os dados foram coletados
antes do modelo de ciatalgia (AV1), três dias depois da compressão (antes, AV2, e após o tratamento, AV3), após o quinto
dia de tratamento (AV4) e em seguida ao décimo dia de tratamento (AV5). Resultados: Pela avaliação funcional, em
ambos os grupos houve aumento da nocicepção, sem redução da mesma em qualquer momento da avaliação. À pressão,
no entanto, o GS mostrou redução do limiar de retirada em todos os momentos, enquanto o GP- apresentou redução
do limiar apenas inicialmente – em AV5 o limiar foi restaurado. Conclusão: Não houve alteração na nocicepção pela
avaliação funcional; porém, à pressão, o tratamento com corrente catódica mostrou efeito com a somatória de terapias.
Palavras-chave: estimulação elétrica nervosa transcutânea, neuropatia ciática, medição da dor.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
Pacientes com sintomas de dor lombar relatam substancial
melhora na dor e na função quando realizam tanto tratamento cirúrgico quanto conservador.1 A ciatalgia, porém, é um
importante fator de pior prognóstico nesses casos,2 pois gera
maior custo financeiro, além de maior incapacidade laboral e
ausência no trabalho.3
Ciatalgia pode ser definida como dor neuropática originada
por lesão do sistema nervoso, causada por compressão, diabetes
mellitus, infecção, trauma e doenças autoimunes.4 Para alguns
autores, o termo refere-se apenas a radiculopatias. Contudo, é
amplamente conhecida como a dor que surge da região lombar
baixa, ou ao longo do trajeto nervoso, e que irradia em direção
à perna.5 É associada a parestesias, além de possível déficit
neurológico, como paresia e alterações reflexas. A principal
causa dos sintomas é uma reação inflamatória que resulta em
irritação ou em compressão nervosa. A prevalência de sintomas varia muito na literatura, entre 1,6%–46%, o que pode ser
explicado por diferenças nas definições, nos métodos de coleta
de dados e nas populações estudadas. Hérnia discal e estenose
lombar ou foraminal são doenças típicas que causam ciatalgia;
porém, há diversas outras razões, como tumores, cistos ou
outras razões extraespinhais.3 Postura inadequada, submissão à
vibração corporal e longos períodos em posição sentada também
relacionam-se com maior risco de desenvolvimento da ciatalgia.6
Os tratamentos são diversos. A terapia medicamentosa,
apesar de ser a mais utilizada, tem efeitos colaterais que colocam em dúvida a relação riscos/benefícios.7 Outra modalidade
terapêutica é a de intervenções não cirúrgicas, porém poucas
Recebido em 14/06/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 480748/2008. Comitê de Ética: 0209.
Laboratório de Estudo das Lesões e Recursos Fisioterapêuticos, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste.
1. Doutor em Ciências da Saúde Aplicadas ao Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo – FMRP-USP; Professor Adjunto, Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste
2. Fisioterapeuta, Unioeste
3. Estudante do curso de Graduação em Fisioterapia, Unioeste
Correspondência para: Gladson Ricardo Flor Bertolini. Rua Universitária, 2069 – Jardim Universitário. Colegiado de Fisioterapia. CEP: 85819-110. Caixa Postal: 711.
Cascavel, PR, Brasil. E-mail: [email protected]
220
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):214-226
Uso da corrente catódica de alta voltagem sobre a dor em compressão nervosa experimental
delas se mostram efetivas.8 O tratamento cirúrgico apresenta-se
como o mais efetivo em curto prazo, mas em longo prazo os benefícios diminuem.9 Finalmente, há o tratamento conservador,
não farmacológico, incluindo modalidades fisioterapêuticas,
para as quais os riscos são raros mas as evidências ainda são
insuficientes.10
Desse modo, estudos que abordam modalidades fisioterapêuticas para o tratamento da ciatalgia ganham importância.
Mostra-se útil o uso de animais de experimentação para avaliar,
de forma pré-clínica, a nocicepção causada por lesões nervosas,11 como no modelo de compressão nervosa apresentado por
Bennett e Xie,12 que simula um quadro de ciatalgia.
Uma das modalidades de eletroestimulação utilizadas na
prática clínica é a corrente de alta voltagem. Segundo Davini
et al.,13 há evidências de que essa terapia diminui a dor e
facilita o reparo tecidual. A corrente de alta voltagem pode
ser descrita como pulsada, monofásica, de pico duplo, com
duração de pulso de 5–100 μs, amplitude de pico elevada, de
alta voltagem (acima de 100 V). Essas características possibilitam uma estimulação relativamente agradável, capaz de
atingir as fibras nervosas sensoriais e motoras, além daquelas
responsáveis pela condução de impulsos nociceptivos. Ela tem
aplicações especialmente em casos de úlceras cutâneas e para
redução de edema, principalmente com estimulação catódica.
Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar o aumento de
nocicepção, advindo de quadro de ciatalgia experimental, com
uso de corrente catódica de alta voltagem.
MATERIAIS E MÉTODOS
Grupos experimentais
Foram utilizados 16 ratos (Rattus norvergicus) da linhagem
Wistar, machos, com peso de 376,80 ± 24,68 g e 14 ± 2
semanas de idade. Os animais foram alojados em caixas de
polipropileno, submetidos a ciclo claro/escuro de 12 horas,
com temperatura de 25 ± 1 ºC, e receberam água e ração ad
libitum durante todo o período experimental.
Os animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos:
Grupo simulacro (GS, n = 8): submetido a ciatalgia no
membro pélvico direito e a tratamento placebo;
Grupo tratado com corrente catódica (GP-, n = 8): submetido a ciatalgia e tratado com corrente catódica no local da cirurgia.
O projeto foi conduzido segundo as normas internacionais
de ética em experimentação animal, e aprovado pelo Comitê
de Ética em Experimentação Animal e Aulas Práticas da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), sob
protocolo número 0209.
A Tabela 1 apresenta a sequência temporal da pesquisa.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):214-226
Tabela 1
Apresentação dos diferentes momentos de avaliação
e procedimentos realizados na pesquisa
Dia de pesquisa
Dias de PO
Forma de avaliação
AV1
1º dia
Lesão
1º dia
TEP, pressão
AV2
4º dia
3º PO
TEP, pressão
Tratamento
4º dia
3º PO
3º PO
AV3
4º dia
3º PO
TEP, pressão
AV4
8º dia
7º PO
TEP, pressão
AV5
13º dia
12º PO
TEP, pressão
AV: momento de avaliação (p. ex., AV1, primeira avaliação); TEP: tempo de elevação da pata,
realizado no teste de incapacidade funcional; PO: pós-operatório; pressão: avaliação do limiar de
retirada do membro.
Protocolo de lesão experimental
Os animais foram anestesiados com xilazina (12 mg/kg) e
quetamina (95 mg/kg) intraperitoneal e, em seguida, realizou-se
a tricotomia no local do procedimento cirúrgico. Uma incisão
paralela às fibras do músculo bíceps femoral da coxa direita
do animal foi realizada, expondo, assim, o nervo isquiático.
Seguindo o modelo descrito por Bennett e Xie,12 efetuou-se
a compressão ao redor do nervo em quatro regiões distintas
ao longo do mesmo, com distância aproximada de 1 mm uma
da outra, utilizando-se fio catgut 4.0 cromado, reproduzindo
os sintomas de ciatalgia. Em seguida, realizou-se sutura por
planos.
Teste de incapacidade funcional
Os animais foram submetidos ao teste de incapacidade funcional, descrito originalmente por Tonussi e Ferreira,14 que
avaliaram a nocicepção durante a marcha em um cilindro com
aproximadamente 30 cm de diâmetro recoberto por uma tela
de aço inoxidável, que girava a 3 rpm acionado por um motor
elétrico. Nas patas posteriores dos animais foram acopladas
botas de metal. A bota da pata posterior direita transmitia informações ao computador, no qual um programa indicava os
valores de tempo de ausência de contato da bota do animal ao
deambular em um minuto. Dessa forma foi possível mensurar
o tempo (em segundos) em que o membro pélvico direito manteve-se no cilindro, além do tempo em que ficou sem contato
(tempo de elevação da pata – TEP). A pata posterior esquerda
permaneceu com a bota, mas sem transmitir informações, no
intuito de que ambos os membros experimentassem as mesmas
sensações. Tonussi e Ferreira14 descreveram que, normalmente,
animais sem alterações exibem em sua marcha, durante 1 min,
a manutenção da pata no ar por cerca de 10 s.
221
Bertolini et al.
O experimento foi iniciado após o terceiro dia de treinamento dos animais, que consistia em deambulação sobre o
cilindro. Iniciou-se a coleta de dados antes da cirurgia (primeira
avaliação, AV1). No dia seguinte ao término dos treinos foi
realizado o modelo experimental de ciatalgia, procedendo com
a coleta de dados do teste de incapacidade ao terceiro dia de
pós-operatório (PO), antes e após o primeiro tratamento (AV2 e
AV3), depois do quinto dia de tratamento (AV4) e, finalmente,
em seguida ao décimo dia de tratamento (AV5). As avaliações
que ocorreram depois da terapia foram realizadas 30 min após
a recuperação anestésica dos animais.
Análise dos resultados
A normalidade dos resultados foi analisada pelo teste de
Kolmogorov-Smirnov. Os resultados foram expressos por meio
da estatística descritiva (média e desvio-padrão) e analisados
pela estatística inferencial, com uso da análise de variância
com medidas repetidas, com pós-teste de Tukey para análise
intragrupo, e teste t não pareado para análise intergrupos,
respectivamente. Em ambos os testes o nível de significância
foi α = 0,05.
RESULTADOS
Avaliação do limiar de retirada
Teste de incapacidade funcional
A nocicepção também foi avaliada pelo limiar de retirada
do membro ao estímulo mecânico. O equipamento utilizado
para realizar o teste de nocicepção foi o analgesímetro eletrônico de pressão da marca Insight®. O equipamento consiste
em um braço transdutor com uma ponteira de polipropileno
descartável, com variação de 0,1–1.000 g, ligado a uma caixa
amplificadora, medindo a pressão realizada sobre a superfície
do animal.
Os animais foram contidos manualmente, e a ponteira de
polipropileno foi aplicada na região da compressão nervosa,
perpendicularmente à área, com gradual aumento de pressão.
Assim que o animal retirou o membro posterior direito, o
teste foi interrompido para registro do limiar de retirada.
Houve um tempo de adaptação e treino dos animais com
duração de três dias. As avaliações ocorreram sempre na
sequência do TEP.
Os resultados foram analisados comparando-se os momentos
pré-lesão com os momentos posteriores e os valores pós-lesão
com os subsequentes. Para o GS houve aumento significativo
da nocicepção entre o momento pré-lesão e todos os momentos
posteriores. Não houve diminuição significativa ao se comparar o momento prévio ao primeiro tratamento (AV2) com os
seguintes (Figura 1).
Na avaliação da nocicepção foi possível observar, com o
teste de incapacidade funcional, que a corrente catódica não
produziu diminuição do quadro nociceptivo de forma significativa. Em nenhum momento de avaliação posterior ao AV1
houve restauração dos valores. Também não houve diminuição
50
Protocolo de tratamento
222
30
TEP (s)
20
10
AV
5
AV
4
AV
3
AV
2
0
AV
1
No terceiro dia PO deu-se início ao tratamento, de forma diária,
por 10 dias seguidos, por 20 min cada terapia, utilizando-se o
equipamento de alta voltagem Neurodyn High Volt, da marca
IBRAMED®, com certificado de calibração válido para o
período da pesquisa.
Para a aplicação da corrente de alta voltagem, especificamente sobre a incisão cirúrgica, os animais foram anestesiados
e posicionados em decúbito lateral esquerdo. Os eletrodos utilizados eram de borracha-silicone, e foram posicionados sobre
a região da incisão cirúrgica e na região lombar dos animais.
O eletrodo ativo (local da cirurgia) tinha 1 cm2, e o eletrodo
passivo (região lombar) tinha 4 cm2 de área. A intensidade da
corrente era aumentada até que se observasse contração muscular – então, era reduzida em 10% desse valor, produzindo,
assim, estimulação apenas no nível sensitivo. A frequência
utilizada foi de 50 Hz.
40
Momentos de avaliação – Controle
Figura 1
Avaliação do teste de incapacidade funcional para o grupo
simulacro, com os valores de tempo de elevação da pata para
os diferentes momentos de avaliação (AV).
*Diferença estatisticamente significativa ao comparar com os valores de AV1.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):214-226
Uso da corrente catódica de alta voltagem sobre a dor em compressão nervosa experimental
600
400
Pressão local (g)
significativa ao comparar o AV2 (momento prévio à primeira
terapia) com os momentos seguintes, ou em comparação com
o GS. Ou seja, a funcionalidade permaneceu prejudicada pelo
aumento da nocicepção, percebida pelo animal devido à ciatalgia experimental (Figura 2).
Não houve variação significativa na comparação entre o
GS e o GP- nos diferentes momentos de avaliação.
200
50
AV
5
AV
4
Momentos de avaliação – Controle
30
TEP (s)
AV
3
AV
1
40
AV
2
0
Figura 3
Avaliação da pressão na região da compressão nervosa para os
diferentes momentos de avaliação (AV) do grupo simulacro.
20
10
*Variação estatisticamente significativa ao comparar com AV1.
AV
5
AV
4
AV
3
AV
2
AV
1
0
1500
Momentos de avaliação – Corrente catódica
*Diferença estatisticamente significativa ao comparar com os valores de AV1.
1000
Pressão local (g)
Figura 2
Avaliação do teste de incapacidade funcional para o grupo de
corrente catódica, com os valores de tempo de elevação da
pata para os diferentes momentos de avaliação (AV).
500
Avaliação do limiar de retirada
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):214-226
AV
5
AV
4
AV
3
AV
2
AV
1
0
A avaliação do limiar nociceptivo à pressão mostrou diminuição do limiar de retirada para ambos os grupos – ao comparar
os valores pré-cirurgia (AV1) com os valores pré-tratamento
no terceiro PO (AV2), houve redução de forma significativa,
fato que permaneceu após a primeira terapia (AV3). No entanto, o GP- (Figura 3) apresentou restauração dos valores
iniciais nas avaliações posteriores à quinta e décima terapias,
fato não observado para o GS (Figura 4), que continuou diferente estatisticamente em relação ao AV1. Além disso, o AV5,
no GP-, apresentou diferença significativa em comparação
com o AV2, demonstrando aumento significativo do limiar
nociceptivo à pressão. Na comparação entre GS e GP- nos
diferentes momentos de avaliação, foi possível observar
que não houve diferença significativa de AV1 até AV4, com
diferença significativa apenas na comparação entre os dois
grupos para AV5.
Momentos de avaliação – Corrente catódica
Figura 4
Avaliação da pressão na região da compressão nervosa para
os diferentes momentos de avaliação (AV) do grupo de corrente catódica.
*Variação estatisticamente significativa ao comparar com AV1.
θ
Variação estatisticamente significativa ao comparar com AV2.
DISCUSSÃO
Visto que o nervo isquiático é o maior nervo do corpo humano
e está sujeito a diversos tipos de lesões, como esmagamento, transecção, estiramento e congelamento, tornam-se
223
Bertolini et al.
importantes os estudos que investigam métodos para o
tratamento do mesmo quando exposto a lesões. Modelos
experimentais de compressão nervosa em ratos são utilizados
devido à sua semelhança com o nervo de humanos.15 É preciso
levar em consideração também que experimentos com animais, além de gerar conhecimento, podem ser reprodutíveis
e servem como fonte valiosa de informações para a saúde
em geral – experimentos com medidas comportamentais
de dor neuropática em animais estão se tornando cada vez
mais comuns.11 Neste estudo optou-se pelo modelo de compressão nervosa descrito por Bennett e Xie,12 que reproduz
a sintomatologia da ciatalgia visando a avaliar o efeito da
corrente de alta voltagem, com uso do polo negativo atuando como polo ativo (corrente catódica) sobre a evolução da
nocicepção, com dois diferentes estímulos – um funcional
e um pressórico. Vale salientar que a nocicepção é definida
como "resposta a estímulos potencialmente capazes de lesar
tecidos”.16 Assim, o processo de nocicepção tem por finalidade detectar estímulos de dano presente ou potencial.17 De
acordo com Sandercock et al.,18 alterações no limiar mecânico nociceptivo podem demonstrar hiperalgesia primária ou
redução da mesma – ou seja, o aumento do limiar mecânico
pode demonstrar a diminuição do quadro de hiperalgesia.
O sistema nociceptivo existe para concentrar atenção em
um estímulo perigoso, iniciar uma resposta de fuga ou suprimir
esses reflexos para permitir uma resposta motora mais bem
organizada. O estímulo doloroso é transmitido da periferia
para a medula espinhal e para o tronco cerebral por fibras
pequenas mielinizadas Aδ e fibras C amielínicas. As primeiras
fibras recrutadas são de alto limiar, e as fibras Aδ transmitem
a “primeira dor”, percebida como claramente localizada e
discriminada por sua duração, proporcional à aplicação do
estímulo doloroso. No caso de estímulos mais intensos, a ativação de nociceptores polimodais promove um espalhamento
desagradável e persistente da sensação dolorosa, com maior
duração que a dor aguda e com ligeiro atraso no início. Essa
“segunda dor” é associada a características afetivas e aspectos
motivacionais, e pode tornar-se proeminente durante o curso
de dor crônica.16
As avaliações mostraram que houve aumento da nocicepção
no terceiro PO para os dois grupos, pois os valores tanto do TEP
quanto da pressão necessária para a retirada do membro apresentaram diferença significativa com relação aos valores iniciais.
Segundo Bertolini et al.,19 em animais submetidos ao modelo
de compressão nervosa os valores do TEP são maiores que 10 s,
levando-se em consideração que para animais sem aumento da
nocicepção esperam-se valores próximos a 10 s.14 Tal fato vai
de encontro ao observado neste estudo para os dois grupos.
224
No teste de incapacidade funcional foi possível observar
que a corrente catódica não produziu diminuição do quadro
nociceptivo. Ou seja, os animais continuaram claudicando
devido ao aumento da nocicepção percebida em razão da ciatalgia experimental, indicando que o TEP, apesar de utilizado
em outros estudos para analisar a dor neuropática do isquiático,19,20 tem menor sensibilidade a pequenas variações, como a
avaliação por pressão local. Resultado idêntico foi encontrado
quando utilizada metodologia semelhante de lesão, porém com
tratamento com corrente de alta voltagem anódica.20
De acordo com Bennett e Xie,12 os animais apresentam,
após o modelo de compressão do nervo isquiático, claudicação
da pata submetida à cirurgia. Tanto humanos quanto animais
tendem a apresentar a disfunção no uso do membro lesado.
Bennett21 relata que o aumento da nocicepção nos animais
inicia a partir do segundo PO, atingindo seu máximo por volta
do 10º ao 14º dias. Assim, no presente estudo foram avaliados
a nocicepção e o efeito do tratamento a partir do terceiro PO,
compreendendo um período no qual a literatura aponta haver diminuição do limiar nociceptivo. Tais alterações foram
analisadas neste estudo, refletindo diretamente no contato da
pata com o solo, o que foi observado nos testes antes e após
a cirurgia.
Em ambos os grupos houve diminuição do limiar nociceptivo à pressão. Tal diminuição se manteve para o GS,
enquanto para o GP- houve aumento significativo dos valores
após a quinta e a décima terapias, apontando que, se não houve
restauração de valores, ao menos o limiar que estava baixo no
terceiro PO aumentou na comparação com o oitavo e o 13º PO.
Essa diferença entre os grupos ficou evidente na comparação
entre ambos em AV5, pois o GP- apresentou limiar nociceptivo
mais alto, indicando efeito somatório analgésico da corrente.
Deve-se levar em consideração que os animais eram avaliados
somente depois de se recuperarem da anestesia, e que também
não foi observada analgesia após a primeira terapia, havendo,
assim, necessidade de somação de terapias. Ou seja, prováveis
efeitos analgésicos, como a teoria das comportas, ou o bloqueio
da condução nervosa, podem ser descartados como causa da
redução da nocicepção aqui encontrada.22
A corrente de alta voltagem tem, em diversos trabalhos,
apresentado efeitos positivos quando utilizada com estimulação de corrente catódica.23–27 O presente estudo teve
por objetivo, portanto, avaliar o uso dessa corrente sobre a
nocicepção de animais submetidos à ciatalgia experimental,
tanto com avaliação funcional quanto com avaliação por
pressão local.
Segundo Davini et al.,13 há evidências de que a corrente
de alta voltagem possa reduzir o quadro álgico. Porém, ainda
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):214-226
Uso da corrente catódica de alta voltagem sobre a dor em compressão nervosa experimental
são necessários mais estudos relacionados ao uso da corrente
de alta voltagem em casos de ciatalgia, experimental ou em
casos clínicos, e até mesmo com relação à analgesia em modelos experimentais.
Stralka et al.28 utilizaram alta voltagem em indivíduos com
lesões por esforços repetitivos e observaram que, além da redução do edema e do ganho de força, houve diminuição da dor. No
entanto, Holcomb et al.,29 utilizando a corrente de alta voltagem
catódica para inibir o estímulo doloroso da eletroestimulação
neuromuscular, possibilitando, assim, maior intensidade de
corrente e consequentemente maior torque muscular, não observaram resposta neuromuscular facilitada. Vale ressaltar que
o estudo trabalhou com indivíduos saudáveis, ou seja, que não
apresentavam qualquer doença capaz de induzir a dor – o que
os autores desejavam era a alteração no limiar da percepção
dolorosa.
É possível inferir que prováveis efeitos anti-inflamatórios
da corrente tenham ocorrido, como aumento do fluxo linfático,30 redução de edema23–27 e aceleração do reparo tecidual.31
Tais efeitos podem ter auxiliado na remoção de substâncias
álgicas e na redução na estase, favorecendo um possível efeito
analgésico da corrente, porém não suficiente para melhorar
uma prova funcional, como o TEP.
Ressalta-se, como limitações técnicas do presente estudo, a ausência de avaliação dos parâmetros histológicos ou
eletrofisiológicos, o que aprofundaria as respostas sobre os
mecanismos de efeitos, deixando-se essas sugestões para
futuras pesquisas. Além disso, sugere-se também comparar
a eletroestimulação com corrente de alta voltagem a outras
formas já estabelecidas para tratamento de ciatalgia, como
anti-inflamatórios não hormonais, por exemplo.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
CONCLUSÃO
Com base nos resultados encontrados e na metodologia utilizada, conclui-se que não houve redução da nocicepção, favorecendo a função do animal. Contudo, o limiar nociceptivo à
pressão foi reduzido de forma significativa, após cinco e 10
dias de terapia.
16.
17.
18.
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Rev Bras Reumatol 2012;52(2):214-226
ARTIGO ORIGINAL
Comprometimento da árvore respiratória
na granulomatose de Wegener
Ascedio Jose Rodrigues1, Marcia Jacomelli2, Renata Xavier Baldow3,
Carmen Valente Barbas4, Viviane Rossi Figueiredo5
RESUMO
Introdução: A granulomatose de Wegener (GW) é uma forma de vasculite sistêmica que envolve primariamente as
vias aéreas superiores e inferiores e os rins. As manifestações mais frequentes nas vias aéreas são estenose subglótica e
inflamações, estenoses da traqueia e dos brônquios. A visualização endoscópica das vias aéreas é a melhor ferramenta
para avaliação, diagnóstico e manejo dessas alterações. Objetivos: Descrever as alterações endoscópicas encontradas
na mucosa das vias aéreas de um grupo de pacientes com GW submetido à broncoscopia no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e relatar as intervenções terapêuticas broncoscópicas
utilizadas em alguns casos. Métodos: Foram estudados 15 pacientes com diagnóstico de GW provenientes do Ambulatório
de Vasculites da Disciplina de Pneumologia do HC-FMUSP, encaminhados para a realização de broncoscopia no serviço
de Endoscopia Respiratória do HC-FMUSP no período de 2003 a 2007. Resultados: Dos 15 pacientes avaliados, 11
eram mulheres (73,33%) com idade média de 34 ± 11,5 anos. Foram encontradas alterações das vias aéreas em 80% dos
pacientes, e o achado endoscópico mais frequente foi estenose subglótica (n = 6). Realizou-se broncoscopia terapêutica
em três pacientes com estenose subglótica e em outros três com estenose brônquica, todos apresentando bons resultados.
Conclusão: A broncoscopia permite diagnóstico, acompanhamento e tratamento das lesões de vias aéreas na GW,
constituindo-se um recurso terapêutico pouco invasivo em casos selecionados.
Palavras-chave: granulomatose de Wegener, estenose traqueal, laringoestenose, broncoscopia.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
Inicialmente descrita em 1936,1 a granulomatose de Wegener
(GW) é caracterizada por inflamação granulomatosa e vasculite necrosante que afetam predominantemente pequenas
artérias, arteríolas, capilares e vênulas das vias aéreas superiores e inferiores e dos rins.2,3 O envolvimento das vias
aéreas é uma das principais características da GW, e ocorre
em 15%–55% dos pacientes.4–7 Os sintomas incluem tosse,
hemoptise, estridor, sibilos e dispneia.7,8 As manifestações da
GW no sistema respiratório incluem estenose nasal, necrose
de cartilagem nasal, estenose subglótica, estenose da traqueia
e dos brônquios, nódulos e massas granulomatosas, infiltrados
alveolares e cavitações.9,10 Pode haver, ainda, acometimento
cutâneo, musculoesquelético e ocular. Lesões cardíacas e do
sistema nervoso central são mais raras.
Laboratorialmente, a análise do sedimento urinário
com hematúria e cilindros hemáticos indica lesão renal associada. Na vigência de doença generalizada em
atividade, o ANCA-c tem sensibilidade de 90%–95% e
especificidade de 90%. O ANCA-p pode estar presente em
20% dos casos. Provas de atividade inflamatória devem
estar elevadas. Nos casos de ANCA-c negativo e dúvida
diagnóstica, deve-se tentar biópsia tecidual. Apesar da
Recebido em 12/07/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Comitê de Ética: 341/2011.
Serviço de Endoscopia Respiratória do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – HC-FMUSP.
1. Médico-Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – HC-FMUSP
2. Doutora em Pneumologia, FMUSP; Médica-Assistente do Serviço de Endoscopia Respiratória do Hospital das Clínicas, HC-FMUSP
3. Médica-Estagiária do Serviço de Endoscopia Respiratória do Hospital das Clínicas, HC-FMUSP
4. Doutora em Pneumologia, FMUSP; Médica-Assistente do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas, HC-FMUSP
5. Doutora em Pneumologia, FMUSP; Médica Diretora do Serviço de Endoscopia Respiratória do Hospital das Clínicas, HC-FMUSP
Correspondência para: Ascedio Jose Rodrigues. Serviço de Endoscopia Respiratória HC-FMUSP. Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 – Cerqueira César.
Prédio dos Ambulatórios, 6º andar – bl.3. CEP: 05017-000. São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):227-235
231
Rodrigues et al.
menor sensibilidade, as biópsias das lesões cutâneas e
das vias aéreas superiores devem preceder a pulmonar,
por serem menos invasivas. No caso de acometimento
renal, a biópsia dos rins evidencia glomerulonefrite focal
necrosante pauci-imune. 2,3
Os achados radiológicos mais frequentes são infiltrados
pulmonares (67%) e nódulos (58%) – estes geralmente múltiplos, bilaterais e com cavitação em cerca de 50% dos casos.
A tomografia computadorizada de tórax revela infiltrados
e nódulos não observados na radiografia convencional em
43%–63% dos pacientes. Áreas de consolidação e vidro
fosco são vistos em até 50% dos casos e podem seguir diversos padrões, dentre os quais destacam-se: consolidação
com distribuição peribrônquica, consolidação focal com ou
sem cavitação, bandas parenquimatosas, áreas de consolidação periférica mimetizando infartos pulmonares e áreas
de vidro fosco difusas e bilaterais, em geral representando
hemorragia alveolar. Manifestações menos frequentes incluem derrame pleural (5%–20%), massas mediastinais e
aumento de linfonodos, em geral associados a infiltrados
parenquimatosos.2,3
A endoscopia respiratória permite avaliação, diagnóstico e
tratamento minimamente invasivo de algumas alterações das
vias aéreas na GW. Nosso trabalho teve como objetivos descrever as alterações endoscópicas encontradas nas vias aéreas
de um grupo de pacientes com GW submetido à broncoscopia
em nosso serviço, e relatar as intervenções terapêuticas broncoscópicas utilizadas em alguns casos.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética Médica
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo – HC-FMUSP.
Avaliamos retrospectivamente os prontuários de pacientes com diagnóstico de GW (baseado nos critérios clínicos,
radiológicos, sorológicos e anatomopatológicos propostos
pelo American College of Rheumatology) provenientes do
Ambulatório de Vasculites da Disciplina de Pneumologia do
HC-FMUSP, encaminhados para a realização de broncoscopia no Serviço de Endoscopia respiratória do HC-FMUSP
no período de 2003 a 2007. As principais indicações para
o procedimento endoscópico foram dispneia persistente
ou progressiva, investigação de infiltrado pulmonar e
hemoptise.
Todos os pacientes foram submetidos à broncoscopia
flexível com broncoscópio de 5 mm e canal de trabalho de
232
2,0 mm (Olympus, P20D), sob sedação endovenosa com
midazolam e fentanila, anestesia tópica com lidocaína 1%,
oxigênio suplementar e monitoração de saturação de oxigênio
na hemoglobina. Foram avaliadas as cavidades nasais, a laringe
e a árvore traqueobrônquica.
Os pacientes com indicação de tratamento endoscópico
foram submetidos à broncoscopia terapêutica sob anestesia
geral e receberam acompanhamento mensal até a resolução
ou a estabilidade do quadro, quando então foram avaliados
apenas clinicamente.
Laringoscopia de suspensão e sondas metálicas foram
utilizadas para dilatação das estenoses subglóticas. As estenoses brônquicas foram dilatadas com sondas metálicas e
cateter-balão.
A análise estatística foi realizada utilizando-se o programa
SPSS versão 12.0, e a estatística descritiva deu-se por meio
da distribuição de frequências. As variáveis contínuas foram
expressas como média ± desvio-padrão (SD), e as variáveis
categóricas, em porcentagens.
RESULTADOS
Foram avaliados 15 pacientes com diagnóstico de GW, dos
quais 11 eram mulheres e quatro eram homens, com média de
idade 34 ± 11,5 anos.
A Tabela 1 apresenta a frequência e as características das
lesões de via aérea. Nas cavidades nasais houve ocorrência de
destruição nasal completa com áreas extensas de necrose em
cinco casos (33,3 %), inflamação intensa da mucosa em quatro
casos (26,7%) e estenose bilateral de fossas nasais, tratada com
dilatação e colocação de prótese nasal de silicone em apenas
um caso (6,7%).
Na laringe, a estenose subglótica foi a alteração mais
frequente (n = 6, 40%). Um paciente foi submetido a três
sessões de dilatação mecânica com injeção de corticosteroide intralesional (dexametasona 2 mg), com resolução
completa da estenose nas avaliações endoscópicas posteriores. Dois pacientes com estenoses subglóticas complexas,
refratárias ao tratamento com dilatações mecânicas com
sondas metálicas de Chevalier Jackson, receberam endopróteses de silicone, um Dumon e um tubo T de Montgomery.
Os demais pacientes apresentaram inflamação de mucosa
(n = 1) e ulceração (n = 2).
Na árvore traqueobrônquica, a manifestação mais comum em nossos pacientes foi a inflamação. Quatro pacientes
(26,7%) apresentavam áreas de edema e eritema, dilatação
de ductos glandulares e atrofia de mucosa; quatro (26,7%)
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):227-235
Comprometimento da árvore respiratória na granulomatose de Wegener
encontravam-se com processo inflamatório exuberante da
mucosa brônquica, áreas de ulceração difusa e lesões elevadas descritas como “pedra de calçamento”. Observou-se
estenose brônquica em três casos (20%), que foram tratados
com dilatação mecânica com sondas metálicas tipo olivas
(Figuras 1–3). Uma paciente realizou dilatação brônquica
complementar com cateter-balão de um subsegmento brônquico do lobo inferior direito.
Tabela 1
Frequência e características das lesões de via aérea
Localização da lesão
Cavidades nasais
Característica da lesão (n = 15)
Frequência (%)
Normal
Destruição nasal/necrose
Inflamação
Estenose
n = 5 (33,3)
n = 5 (33,3)
n = 4 (26,7)
n = 1 (6,7)
Laringe
Normal
Estenose da subglote
Ulceração
Inflamação
n = 6 (40)
n = 6 (40)
n = 2 (13,3)
n = 1 (6,6)
Árvore
traqueobrônquica
Normal
Edema e eritema da mucosa
Ulceração/pedra em calçamento
Estenose brônquica
Cavitação brônquica
n = 3 (20)
n = 4 (26,7)
n = 4 (26,7)
n = 3 (20)
n = 1 (6,6)
Figura 2
Estenose subglótica.
Figura 3
Estenose subglótica após dilatação com sonda metálica.
DISCUSSÃO
Figura 1
Estenose brônquica dilatada com cateter-balão com abertura
do pertuito, permitindo bom fluxo aéreo.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):227-235
O comprometimento da mucosa respiratória pode ocorrer em
toda a extensão das vias aéreas superiores e inferiores em
15%–55% dos pacientes com GW.4–7 Em aproximadamente
25% dos casos de GW o envolvimento das vias aéreas pode
ser a única manifestação da doença.11
233
Rodrigues et al.
Pacientes jovens, com idade inferior a 30 anos, são mais
propensos a apresentar manifestações nas vias aéreas.12 A
idade média dos nossos pacientes foi de 34 ± 11,5 anos. Essas
manifestações também são mais observadas em mulheres,6,13
concordando com nossa casuística, na qual 73,3% dos pacientes
eram do gênero feminino.
A endoscopia respiratória auxilia no diagnóstico e no
acompanhamento dessas alterações, possibilitando também,
por meio da broncoscopia terapêutica, o restabelecimento da
patência funcional das vias aéreas.14
As cavidades nasais merecem especial atenção, pois estão
frequentemente comprometidas nos pacientes com GW. Em
nosso grupo, 10 pacientes apresentavam algum tipo de lesão
nasal (66,7% dos casos).
Fauci et al.15 encontraram anormalidades endobrônquicas
em 12 (15%) de 80 pacientes com GW e doença pulmonar.
Cordier et al.7 encontraram anormalidades endobrônquicas ou
hemorragia em 41 (55%) de 74 pacientes com GW.
A estenose subglótica foi a manifestação mais encontrada
em nossa casuística (n = 6; 40%), o que é compatível com
a literatura.14,16,17 A estenose cicatricial fibrótica encontrada
na GW não responde à terapia imunossupressora,18 e o tratamento endoscópico é uma boa alternativa. Outras causas de
estenose subglótica devem ser afastadas, como pós-intubação,
pós-infecciosa e outras doenças sistêmicas, como Crohn,
sarcoidose e Behçet.19,20 Nosso estudo encontrou inflamação
das vias aéreas inferiores em quatro casos (26,7%), ulceração
e mucosa em “pedras de calçamento” na árvore traqueobrônquica em outros quatro (26,7%) e estenose brônquica em
mais três casos (20%).
Injeção intralesional de corticosteroides, dilatação por
balão, dilatação por sondas metálicas, laser, endoprótese,
traqueostomia, ressecção cirúrgica e reanastomose são opções
no tratamento das estenoses.8,16,18,21–27 Na série de Gluth et al.,5
dos 27 pacientes com GW e estenose subglótica, 11 (40,7%)
sofreram traqueostomia e 13 (48,1%) necessitaram de múltiplos procedimentos cirúrgicos. O diagnóstico endoscópico das
estenoses laringotraqueobrônquicas permite, em alguns casos,
tratamento minimamente invasivo como alternativa para o
tratamento cirúrgico. Em nossa casuística, todas as estenoses
foram tratadas endoscopicamente: uma estenose subglótica
com dilatação mecânica por sondas metálicas e injeção de
corticosteroide intralesional, com resolução completa da estenose; duas estenoses subglóticas complexas com tratamento
endoscópico com dilatação mecânica por sondas metálicas
e colocação de endopróteses; e três estenoses brônquicas
dilatadas com sondas metálicas do tipo olivas, das quais uma
234
necessitou de dilatação complementar com cateter-balão por
ser subsegmentar.
Não houve complicações relacionadas com o procedimento de dilatação. Todos os pacientes ficaram em observação na recuperação anestésica, e foram dispensados após
duas horas.
A principal limitação do estudo é que todos os pacientes
incluídos apresentavam indicação de avaliação endoscópica,
principalmente por dispneia progressiva ou persistente. A
ausência de pacientes com GW sem sintomas respiratórios
nos impede de explorar os resultados para todos os pacientes
com GW.
A GW pode acarretar alterações em qualquer segmento
das vias aéreas do paciente, incluindo inflamação, ulceração,
pseudomembranas, traqueobroncomalácia, destruição de cartilagens, massas endobrônquicas e estenoses laringotraqueobrônquicas. A endoscopia respiratória permite o diagnóstico e
o tratamento de diversas manifestações de modo minimamente
invasivo, evitando procedimentos cirúrgicos.
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235
ARTIGO ORIGINAL
Apresentação e desfecho da febre
reumática em uma série de casos
Simone Manso de Carvalho1, Ivete Dalben2, José Eduardo Corrente3, Claudia Saad Magalhães4
RESUMO
Objetivo: Examinar as características clínicas de apresentação e desfecho em uma série de casos de febre reumática em
um hospital de referência nos últimos 20 anos. Pacientes e métodos: Pacientes com menos de 18 anos e diagnóstico de
febre reumática, entre 1986 e 2007, foram avaliados retrospectivamente a partir da última consulta, para análise descritiva e de sobrevida, estimando-se a probabilidade de cardite e de recorrência. Resultados: Dos 178 casos identificados,
134 foram incluídos. Desses, durante a fase aguda, 66,4% apresentaram poliartrite, 56,8% cardite, 28,6% coreia, 1,5%
nódulos subcutâneos e 1,5% eritema marginado; cardite foi associada com poliartrite em 40%. Cardite e coreia predominaram no gênero feminino. Antiestreptolisina-O elevada ocorreu em 58,3% dos pacientes, e história familiar de febre
reumática em 14,5%. O tempo de seguimento foi em média 6,8 anos (variando de 1,1 a 16,9 anos). Houve recorrência em
15% dos pacientes, hospitalização durante a fase aguda em 27,6%, e descontinuidade de seguimento em 47,4%, após
5,1 anos em média. As probabilidades de cardite e de recorrência foram 17,5% e 13,2%, respectivamente, após cinco
anos do surto inicial. Conclusão: Observou-se maior risco de evolução com cardite e de recorrências de febre reumática
nos primeiros cinco anos. A descontinuidade de seguimento foi frequente, indicando serem necessárias medidas para
melhorar a adesão à profilaxia e ao seguimento.
Palavras-chave: artrite, coreia, avaliação de resultados (cuidados de saúde), febre reumática.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
A febre reumática (FR) é um distúrbio inflamatório multissistêmico, que se apresenta com artrite migratória autolimitada.
Também pode ser acompanhada ou seguida por cardite e, menos
frequentemente, por coreia e envolvimento cutâneo. Encontrase relacionada a mecanismos autoimunes pós-infecciosos
direcionados aos antígenos estreptocócicos do grupo A. Seu
diagnóstico baseia-se principalmente nos critérios de Jones,
que combinam sinais maiores e menores à apresentação.
Não existe um único biomarcador da doença, e seu curso
caracteriza-se por recorrência após reexposição aos antígenos
estreptocócicos.1–6 Não há um fator preditivo de desfecho claro,
e a adesão à profilaxia de longo prazo com penicilina é ainda
um desafio. Estima-se que a cardite possa ocorrer em até 60%
dos casos.5,6 A doença valvular reumática pode ser causada
por apenas um surto grave, mas com frequência relaciona-se
a surtos recorrentes. No entanto, os riscos de recaída devem
ser considerados até para as formas leves de FR.
A penicilina é prescrita para o surto inicial e para profilaxia de novos surtos; o seguimento atento é atualmente
recomendado por consenso de especialistas.1,5–7 A penicilina
benzatina de ação prolongada é o tratamento indicado, e a
primeira dose deve ser prescrita por ocasião do diagnóstico,
seguindo-se novas doses a cada três semanas, com dosagem
apropriada à idade, de acordo com as diretrizes da OMS5,6 e do
comitê multidisciplinar brasileiro de especialistas.7 A duração
da profilaxia com penicilina ainda é controversa – de acordo
Recebido em 23/08/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: CNPQ
(Research scholarship 301644/2010-1 para C Saad Magalhães). Comitê de Ética: 142-08.
Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista – UNESP.
1. Mestre em Saúde Coletiva, Universidade Estadual Paulista – UNESP; Reumatologista Pediátrica, UNESP
2. Professora-Assistente Doutora em Epidemiologia, UNESP
3. Professor-Associado de Bioestatística, UNESP
4. Professora-Associada de Reumatologia Pediátrica, UNESP
Correspondência para: Claudia Saad Magalhães. Unidade de Reumatologia Pediátrica, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista – UNESP.
Distrito Rubião Júnior, Anexo Azul. CEP: 18618-970. Botucatu, SP, Brasil. E-mail: [email protected]
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):236-246
241
Carvalho et al.
com diretrizes atuais do comitê multidisciplinar brasileiro
de especialistas, pode variar de um mínimo de cinco anos
até 25 anos, ou ainda durar toda a vida, dependendo do risco
de recorrência.7 A adesão à profilaxia com penicilina é uma
preocupação importante nas camadas da população de menor
nível socioeconômico.8 Recomenda-se seguimento cuidadoso
para que se mantenham registros atualizados da prescrição
de penicilina por meio de preenchimento de prescrição em
calendários preestabelecidos, uma prática comum na maioria
das clínicas especializadas. A FR causa grande impacto no
sistema de saúde devido à cardite e ao dano cardíaco. Os
custos do tratamento são altos, como estimado por Terreri et
al.9 em uma população urbana brasileira, devido a medicação, consultas clínicas, internações hospitalares e ausência
no trabalho por parte dos pacientes ou de seus responsáveis.
O diagnóstico preciso da FR depende da experiência do
médico-assistente ou do especialista. Sua incidência após a
industrialização declinou na maioria dos países desenvolvidos,
mas a FR ainda é endêmica em países em desenvolvimento.5,6
Há muitos fatores sociais e geográficos envolvidos em sua
epidemiologia – portanto, faz-se necessária a avaliação periódica
do desfecho.
O objetivo deste estudo foi examinar o perfil de apresentação, a sobreposição de características clínicas e os desfechos
em uma série de casos de uma clínica especializada ao longo
dos últimos 20 anos.
PACIENTES E MÉTODOS
Dos 178 casos diagnosticados entre 1986 e 2007, 134 foram
selecionados e examinados retrospectivamente da primeira
até a última consulta clínica. A revisão de casos notificados
foi realizada por um investigador treinado (SMC), utilizando
um formulário padrão de relato de caso.
Os critérios de inclusão foram: diagnósticos estabelecidos com base nos critérios de Jones4 para o primeiro surto e
recorrências, idade inferior a 18 anos, seguimento regular por
pelo menos um ano, e avaliação clínica completa em todas as
consultas. Todos os casos foram acompanhados por um dos
autores (CSM). Os critérios de exclusão foram idade superior a
18 anos, artrite crônica presente e seguimento inferior a um ano.
Após a seleção dos casos, realizou-se revisão abrangente das consultas clínicas, das internações hospitalares
e do tempo de recorrência. Durante todas as consultas de
seguimento, as evidências de disfunção cardíaca foram
registradas por meio de avaliação tanto clínica quanto
ecocardiográfica. Dados descritivos demográficos e clínicos,
incluindo os exames laboratoriais e as variáveis de desfecho,
242
são apresentados como frequência para as variáveis categóricas e como estatística descritiva para as variáveis contínuas. As probabilidades de recorrência e de cardite foram
examinadas por análise atuarial de sobrevida, com intervalo
de censura de um ano. Os eventos estudados na análise de
sobrevida foram documentação de evidência clínica de
recorrência por meio de surto recente de FR ou evidência
clínica e/ou ecocardiográfica de cardite, todos observados
na ocasião do diagnóstico e nas consultas de seguimento e
ajustadas para intervalos de um ano.10
O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética institucional (protocolo nº 142/08 de 5 de maio de 2008), e o termo de
consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos pais ou
pelos próprios pacientes, quando aplicável.
RESULTADOS
Pacientes
Dos 178 pacientes identificados, 134 foram selecionados. Quarenta
e quatro foram excluídos: 39 devido a falta de dados médicos, três
devido a seguimento inferior a um ano, e dois que desenvolveram artrite crônica, tendo sido diagnosticados com artrite juvenil
idiopática concomitante. A proporção de casos diagnosticados nos
primeiros 10 anos foi de 86 (64%), e nos últimos 10 anos foi de 48
(36%). Os pacientes foram encaminhados de 41 cidades do estado
de São Paulo. A idade de início variou de 4–14 anos (mediana
9,5 anos). A distribuição por gênero foi de 65 mulheres (48,5%)
e 69 homens (51,5%). História familiar de FR foi descrita em 17
pacientes (14,5%).
Os diagnósticos foram confirmados pela recuperação
de dados clínicos e laboratoriais no formulário de relato de
caso. A frequência de sinais maiores e menores no início
está apresentada na Tabela 1. Em 22 pacientes (17%) havia
registro de infecção de trato respiratório superior nas duas
semanas que antecederam o diagnóstico. Em 37 pacientes
(28%) havia registro de internação hospitalar durante surto
inicial ou recorrência. Houve concomitância dos seguintes
achados: artrite e cardite em 52 pacientes (40%), coreia e
cardite em 14 (11%), coreia e artrite em seis (4,5%), e coreia
concomitante a artrite e cardite em apenas dois pacientes
(1,5%). A apresentação de apenas um sinal maior foi como se
segue: a chamada poliartrite isolada, em 31 pacientes (23%);
coreia isolada em 16 (12%); e cardite isolada em sete (5%).
Nódulos subcutâneos foram observados em dois pacientes
(1,5%), e eritema marginado em outros dois (1,5%) – todos
eles tinham cardite concomitante. Sinais maiores isolados
foram acompanhados por pelo menos dois sinais menores, e
todos os casos satisfizeram aos critérios de Jones.4
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):236-246
Apresentação e desfecho da febre reumática em uma série de casos
Tabela 1
Frequência de sinais maiores e menores durante apresentação
de febre reumática
Sinal
Sinal/registros§
Frequência
Febre
60/131
45,8%
Artralgia
43/130
33,1%
Artrite
87/131
66,4%
Cardite
75/132
56,8%
Coreia
38/133
28,6%
Nódulos subcutâneos
2/133
1,5%
Eritema marginado
2/132
1,5%
Aumento do intervalo P-R
no eletrocardiograma
1/72
1,4%
Altos títulos de antiestreptolisina-O
71/121
58,7%
Altos títulos de proteína C-reativa
56/122
45,9%
Alta velocidade de hemossedimentação
74/127
58,3%
§
Porcentagem corrigida para a falta de dados.
Elevação da velocidade de hemossedimentação e dos
níveis de proteína C-reativa foram observados em 58% (74
de 127) e 46% (56 de 122) dos pacientes, respectivamente.
Títulos de antiestreptolisina-O superiores a 320 IU/mL foram
encontrados em 71 de 121 pacientes (58%), tendo variado de
320 a 4.370 IU/mL (mediana 722 IU/mL).
A descrição completa de um padrão de artrite foi observada
em 80 das 131 notificações de casos. Ela foi migratória em 58
pacientes (67%) e aditiva em 22 (25%). Com relação à primeira
articulação afetada, observou-se o seguinte: tornozelo, 30 pacientes (37%); joelho, 24 (30%); quadril, nove (11%); punho,
seis (7,4%); ombro, cinco (6,2%); e cotovelo, seis pacientes
(5%). No geral, o número de articulações com artrite variou
de 3–20, e a duração da artrite variou de 1–123 dias (mediana
de seis dias, com variação interquartil de duração da artrite de
2–20). Apenas dois pacientes apresentaram artrite prolongada
(83 e 123 dias).
Considerando-se todo o curso da doença, diagnosticou-se
cardite em 75 pacientes: 53 mulheres (71%) e 22 homens
(30%). Todos foram avaliados por um cardiologista pelo
menos uma vez. Por ocasião do diagnóstico, 61 pacientes
(81%) submeteram-se a avaliação ecocardiográfica. Nesses,
insuficiência mitral foi diagnosticada em 45 (74%), insuficiência aórtica em um (1,6%), e estenose aórtica em um (1,6%)
– 14 pacientes (23%) apresentavam exames normais. Entre
aqueles com cardite aguda, 13 (17%) tinham insuficiência
cardíaca congestiva. No único paciente com diagnóstico de
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):236-246
estenose aórtica, suspeitou-se de valvulopatia congênita; no
entanto, não havia avaliação prévia desse paciente. Durante
o seguimento, 85 pacientes fizeram um ou mais ecocardiogramas. Sopro persistente e anormalidade ecocardiográfica
foram considerados para o escore do “evento” cardite na
análise de sobrevida.
A coreia predominou nas meninas, afetando 24 (63%)
das 38 pacientes. A duração do surto de coreia variou de
duas semanas a 1,4 anos (mediana 3,3 meses). Os seguintes
sintomas foram apresentados: movimentos involuntários
de extremidades em 36 pacientes (95%), disartria em 26
(68%), distúrbios da caligrafia em 24 (63%), déficit de
coordenação e de equilíbrio em 30 (79%), choro fácil em
13 (34%), alterações comportamentais recentes em 13 (34%)
e distúrbio do sono em três (8%). Tiques, déficit de atenção
e sintomas obsessivo-compulsivos não foram descritos no
início nem no seguimento.
Desfecho da FR
Dos 134 pacientes acompanhados ao longo de 1,1–16,9 anos
(mediana 6,9 anos), dois apresentaram cardite grave e
foram submetidos à cirurgia, um deles vindo a falecer
logo depois. Dos 133 acompanhados regularmente, 53 (40%)
fizeram a profilaxia programada com penicilina até completarem 18 anos de idade, tendo recebido alta depois que
a lesão cardíaca foi descartada. Dezessete pacientes (13%)
ainda estavam sendo acompanhados, mas surpreendentemente 63 (47%) interromperam o seguimento. A duração
do seguimento, quando interrompido, variou de 1,7–13,7
anos (mediana 4,7 anos). Todos os pacientes que interromperam o seguimento haviam atualizado o esquema de
penicilina durante as consultas, não tendo sido identificado
nenhum dano cardíaco até a última consulta. A razão da
descontinuação não é conhecida.
Vinte pacientes (15%) apresentaram pelo menos uma recorrência. Apenas um paciente apresentou duas recorrências
de surtos de FR, ambas com artrite. Outro paciente apresentou
três recorrências de episódios de coreia, a despeito da profilaxia regular com penicilina. Portanto, questiona-se se foi uma
verdadeira recorrência de FR ou uma recorrência de episódio
de coreia.
A análise de sobrevida para cardite e recorrência está
apresentada nas Figuras 1A e 1B, respectivamente. O valor complementar da probabilidade de cada evento (1-p)
é representada no eixo y. A probabilidade de cardite foi de
17,5% com cinco anos (Figura 1A). A probabilidade total
de recorrência foi de 13% com cinco anos após o início da
doença (Figura 1B).
243
A
Probabilidade de cardite (1-p)
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
Probabilidade de recorrência (1-p)
Carvalho et al.
B
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
1
2
0,0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
10
9
11
12
13
14
15
16
Seguimento (anos)
1
0,0
0
1
2
3
4
5
6
1
Em risco
Censurado
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
Seguimento (anos)
Casos
17
9
17
11
19
6
27
13
26
11
16
6
6
1
2
0
Casos
1 Em risco
Censurado
2 Em risco
Censurado
2
2
15
7
3
2
14
9
Recorrência:
= probabilidade
= intervalo de confiança 95%
2
0
17
6
5
2
22
11
3
1
22
9
2
0
14
6
2
1
4
0
1
0
1
0
= presente
= ausente
Figura 1
Curva de sobrevida para febre reumática com probabilidade complementar [1-p] de cardite (1-A) e recorrência (1-B).
DISCUSSÃO
A FR é um problema de saúde pública devido à cardite e à lesão
cardíaca, e pode ser agravada pelo diagnóstico tardio e pela
deficiente adesão à profilaxia com penicilina. Uma avaliação
sistemática do cuidado com os pacientes é importante para que
se defina uma estratégia de controle e tratamento da doença.
A Tabela 2 mostra uma comparação sistemática da presente
série com outras séries já publicadas.11–18 A idade de início foi
comparável. A história familiar também foi comparável àquela
de um estudo multicêntrico do estado de São Paulo, o único a
avaliar a história familiar de FR.11
Na presente série, a artrite foi o sinal maior mais frequente,
seguida da cardite. Em uma série brasileira do Acre14 e em outras do Líbano12 e do Canadá,17 a cardite foi o sinal maior mais
frequente. A artrite apresentou um padrão migratório ou aditivo
na maioria de nossos casos, afetando predominantemente
grandes articulações, como descrito originalmente nos anos de
1950.4 Interessante notar que o padrão migratório predominou
nos membros inferiores. Não se observou a apresentação com
envolvimento simétrico de pequenas articulações, pescoço
e quadril, nem duração maior, como descrito em outra série
brasileira de um único centro.18 Artrite prolongada com mais de
seis semanas de duração foi observada apenas em dois casos.
O envolvimento de pequenas articulações e da coluna cervical,
assim como maior duração da artrite, requer que se faça o diagnóstico diferencial com artrite reativa pós-estreptocócica.19,20
Na população pediátrica, no entanto, essa característica ainda
é controversa, podendo representar um tipo de FR atípica.
Concomitância de artrite e cardite foi relatada em alta
proporção em nossos casos, assim como em outras séries.11,15
A cardite foi o segundo sinal maior mais frequente, enquanto a
insuficiência mitral foi o envolvimento valvular mais comum.
244
Nas reavaliações de longo prazo, nossa análise de sobrevida
revelou 17,5% de probabilidade de cardite em cinco anos. Há
apenas um estudo que avaliou desfechos de longo prazo,21 embora somente casos de cardite tenham sido avaliados naquela
série, e a gravidade da cardite foi o desfecho. Não pudemos
avaliar a gravidade da cardite com ferramentas mais refinadas,
tais como ecocardiografia feita pelo mesmo examinador ou reavaliações ecocardiográficas precisas e sistemáticas, porque os
dados foram obtidos durante prática padrão, tendo a indicação
dos exames ficado a critério dos médicos. Não há outros relatos
de avaliação longitudinal sobre todas as características da FR.
É importante ressaltar que apesar de a cardite ter maior impacto
na morbimortalidade, o diagnóstico de FR por si só implica
risco de recorrência, que pode aumentar o risco de cardite.
A frequência de coreia em nossa série (28%) foi maior que a
relatada na literatura internacional,2,4,6 estimada em 15%–20%,
mas semelhante àquela de séries brasileiras,11,14,22 em torno de
30%. A coreia caracteriza-se por movimentos involuntários
das extremidades, hipotonia muscular, disartria, distúrbios da
marcha e tiques, assim como distúrbios comportamentais. Em
geral, os sintomas são autolimitados e têm duração variável;
porém, discreta disfunção cognitiva pode persistir até a idade
adulta,23 reforçando a necessidade de seguimento de longo
prazo, que requer ferramentas mais refinadas. Sinais cutâneos
são pouco frequentes, o que foi confirmado em nossa série, na
qual foi relatada cardite concomitante.1–4
Um elemento importante para a acurácia no diagnóstico
são os altos títulos de antiestreptolisina-O ou sua elevação.
Em nossa série, apenas 58,2% dos pacientes apresentavam
títulos altos de antiestreptolisina-O. A Tabela 2 apresenta a
comparação com séries anteriores,11–18 além de uma revisão
sistemática recentemente publicada por Costa et al.24 avaliando
todas as séries brasileiras publicadas desde os anos 1980. Tal
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):236-246
Apresentação e desfecho da febre reumática em uma série de casos
Tabela 2
Frequência de parâmetros diagnósticos de febre reumatoide e comparação com séries publicadas anteriormente
SP, Brasil,
199911
Líbano,
200012
Índia,
200313
AC, Brasil,
200514
SP, Brasil,
200615
Turquia,
200616
Canadá,
200717
SP, Brasil,
2011
Febre
58%
62%
___
___
___
___
41,8%
45,8%
Artralgia
43,5%
55%
___
___
___
___
32,7%
33,1%
Artrite
57,6%
39%
___
21,4%
70,5%
61,4%
37,8%
66,4%
Cardite
50,4%
93%
42%
69,7%
50,8%
46,1%
72,4%
56%
Coreia
34,8%
2%
18,8%
6,1%
35,2%
6,9%
49%
28,6%
Nódulos subcutâneos
1,5%
___
1,2%
___
2,1%
0,2%
3,1%
1,5%
Eritema marginado
1,6%
4%
1,6%
3%
2,6%
2,5%
23,5%
1,5%
ASO elevada
63,5%
82%
___
58,8%
68,1%
___
81,4%
58,2%
PCR elevada
___
83%
___
24%
___
___
28,2%
45,9%
VHS elevada
63,2%
___
___
___
___
___
66,7%
58,3%
ASO: antiestreptolisina-O; VHS: velocidade de hemossedimentação; PCR: proteína C-reativa; ___: dados não disponíveis.
comparação mostra grande variação (48,7%–84,5%) entre os
diferentes estudos nas diversas partes do país. Os casos de FR
com títulos crescentes de antiestreptolisina-O de nossa unidade
foram previamente examinados, enfatizando-se a importância
de sua medida seriada nos primeiros dois meses.25 Os exames de
resposta de fase aguda indicaram elevação da velocidade
de hemossedimentação em 58,3% dos pacientes, e da proteína
C-reativa em 45,9%, uma vez mais uma grande variação entre
as séries publicadas.11–18,24 É possível que diferentes técnicas
laboratoriais tenham influenciado tais resultados, da mesma
forma que com a antiestreptolisina-O, mas não foi possível
chegar a uma conclusão devido à característica retrospectiva
do estudo.
Não pudemos controlar outras variáveis sociodemográficas
em nossa série. Talvez os riscos de recorrência de longo prazo
tenham sido subestimados pelos pais dos pacientes, o que pode
ser um dos fatores relacionados à interrupção do seguimento.
Em estudo recente, Pelajo et al.26 relataram uma pobre adesão
à profilaxia com penicilina em uma coorte brasileira, observada
em 35%–42% durante o seguimento, dos quais 33,5% de seus
pacientes faltaram às consultas de seguimento mais prolongado.
A despeito de todas as limitações já comentadas acerca
de um estudo retrospectivo, essa é a nossa prática atual de
cuidado. Nosso estudo reforça a necessidade de diagnóstico
precoce e de seguimento de longo prazo, para que se obtenha
melhor controle da doença a fim de que se evite lesão cardíaca.
REFERENCES
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Rev Bras Reumatol 2012;52(2):236-246
ARTIGO DE REVISÃO
Mecanismos de perda muscular da sarcopenia
Vivian de Oliveira Nunes Teixeira1, Lidiane Isabel Filippin2, Ricardo Machado Xavier3
RESUMO
Cerca de 66% dos pacientes com artrite reumatoide (AR) apresentam significativa perda de massa celular, denominada
caquexia reumatoide, predominantemente de músculo esquelético (sarcopenia reumatoide). A sarcopenia é caracterizada
por perda de massa muscular associada a prejuízos de função. Pacientes com AR apresentam uma redução significativa
na força muscular, causada pela perda de proteínas musculares, alterando sua funcionalidade. As diversas condições
que levam à perda de massa muscular envolvem distintas cascatas de sinalização intracelular, que podem levar: (i) à
morte celular programada (apoptose); (ii) ao aumento da degradação proteica, por meio de autofagia, de proteases dependentes de cálcio (calpaínas e caspases) e do sistema proteossomo; e (iii) à diminuição da ativação das células-satélite
responsáveis pela regeneração muscular. Este artigo tem como objetivo revisar esses mecanismos gerais de sarcopenia
e seu envolvimento na AR. O melhor conhecimento desses mecanismos pode levar ao desenvolvimento de terapias
inovadoras para essa debilitante complicação.
Palavras-chave: atrofia muscular, inflamação, regeneração, artrite reumatoide.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
A artrite reumatoide (AR) é uma doença sistêmica inflamatória
de etiologia desconhecida, com manifestações autoimunes
e caracterizada por sinovite crônica, simétrica e erosiva,
preferencialmente de articulações periféricas.1 A maioria dos
pacientes apresenta o autoanticorpo fator reumatoide reagente.
A AR tem prevalência de aproximadamente 0,46% na população brasileira2 e 1% na população mundial,3 acometendo
preferencialmente mulheres na faixa etária entre 30 e 60 anos.
Além das manifestações articulares, a AR apresenta
diversas manifestações de cunho sistêmico que impactam
significativamente em sua morbimortalidade. A caquexia
reumatoide4 ocorre em aproximadamente 66% dos pacientes
com AR, e é caracterizada por perda de massa celular, predominantemente de músculo esquelético (sarcopenia reumatoide),
e com manutenção ou leve elevação da massa gorda (total de
tecido adiposo), resultando em limitada ou nenhuma perda
de peso (massa total). A etiologia da caquexia reumatoide é
multifatorial, incluindo a produção acentuada de citocinas
pró-inflamatórias, principalmente TNF-α e IL-1β, alterações
hormonais e inatividade física. Não há, até o momento, proposta terapêutica bem padronizada visando especificamente a
esse aspecto da AR, e os efeitos dos tratamentos atuais ainda
não foram bem estudados.
Este artigo tem como objetivo revisar os mecanismos
moleculares envolvidos na sarcopenia, mais especificamente
na sarcopenia reumatoide. Para uma revisão dos aspectos clínicos da sarcopenia reumatoide, sugere-se a leitura do artigo
de Rocha et al.4
SARCOPENIA
Sarcopenia é a perda de massa muscular associada a prejuízos de função. Ela é decorrente de diversos fatores, como
distúrbios da inervação, diminuição da atividade física,
Recebido em 17/02/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse. Suporte Financeiro: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Edital Universal
CNPq/Bolsa CNPq/PDJ – e Fundo de Incentivo à Pesquisa e Eventos (FIPE).
Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
1. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS; Licenciada e Bacharel em Ciências
Biológicas, UFRGS
2. Doutora em Ciências Médicas, UFRGS; Professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA
3. Doutor em Imunologia, Shimane Medical University; Professor do Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, UFRGS
Correspondência para: Vivian de Oliveira Nunes Teixeira. Rua Ramiro Barcelos, 2350/645 – Rio Branco. CEP: 90035-903. Porto Alegre, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]
252
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):247-259
Mecanismos de perda muscular da sarcopenia
envelhecimento, anormalidades metabólicas (especialmente
em proteínas, carboidratos e lipídios), além de alterações na
ativação das células-satélite.4,5 Na AR, acredita-se que ação
de citocinas pró-inflamatórias, redução da síntese proteica em
miócitos, limitação da atividade física, resistência insulínica
e ingestão proteica inadequada também tenham papel em seu
desenvolvimento.6,7
O diagnóstico de sarcopenia pode ser realizado por diversos
métodos, como ressonância nuclear magnética, tomografia
computadorizada, bioimpedância, ultrassonografia, densitometria óssea corporal total e medidas antropométricas. Um
método muito utilizado é a densitometria, que permite a avaliação da composição corporal, massa óssea, massa magra e
massa adiposa total.8 As medidas antropométricas propostas
por Ashwell também têm sido utilizadas para avaliar a sarcopenia, empregando a relação cintura-quadril.9
MECANISMOS MOLECULARES
ENVOLVIDOS NA SARCOPENIA
As diversas condições que levam à perda de massa muscular
envolvem distintas cascatas de sinalização intracelular que podem levar à morte celular programada (apoptose), ao aumento
da degradação proteica ou ainda à diminuição da ativação das
células-satélite responsáveis pela regeneração muscular (Figura 1).
A maior parte do conhecimento sobre esses mecanismos é derivada de estudos em modelos experimentais de atrofia, como
modelo de denervação, suspensão da pata, desuso, jejum,10
Miofibra
Células satélites
Sarcômero
Apoptose
Déficit de
regeneração
(Células satélites)
Proteólise
Autofagia
Proteases
atividades por Ca2+
Proteossomo
Figura 1
Mecanismos moleculares envolvidos na sarcopenia. A perda
muscular pode ocorrer por distintos mecanismos, como um
déficit de regeneração pela inatividade de células-satélite,
apoptose e vias de degradação proteica, como por exemplo,
proteases ativadas por cálcio, proteossomo e autofagia.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):247-259
diabetes mellitus e câncer,11 bem como estudos em biópsias
de músculo em pacientes voluntários.12
A seguir, discutimos esses mecanismos e o conhecimento
atual sobre o envolvimento na sarcopenia reumatoide.
Perda de massa celular
A apoptose é um importante processo que ocorre em organismos multicelulares, tanto durante o desenvolvimento quanto
para a manutenção da homeostase do tecido.13 Entretanto, o
papel da apoptose em tecidos pós-mitóticos, como o músculo
esquelético, não é bem claro.
Estágios iniciais da apoptose envolvem sinais indutores
de morte celular, que causam desequilíbrio na regulação de
cálcio livre e alteração na composição de algumas famílias de
proteínas.14 Após esse estágio, receptores de superfície celular
ou vias mitocondriais são ativados, desencadeando eventos
citoplasmáticos e nucleares que levam à morte celular.15 As
caspases são as principais enzimas envolvidas no início e na
execução da apoptose. Elas são responsáveis pela clivagem
proteolítica de um amplo espectro de alvos celulares,16 embora não sejam exclusivamente iniciadoras desse processo.17
Com relação à potencial participação da apoptose na sarcopenia, observou-se que mesmo em modelo de marcada atrofia,
como o modelo de denervação muscular em camundongos,
evidências de apoptose significativa só foram observadas após
dois meses, indicando um papel limitado desse mecanismo nos
estágios iniciais da atrofia.18
Proteólise muscular
A sarcopenia é o resultado do desequilíbrio entre degradação
e síntese de proteínas, embora aparentemente a exata contribuição de cada um desses fatores seja variável conforme o
modelo estudado.
Alguns sistemas proteolíticos têm sido descritos como
participantes na degradação muscular. Entre eles, podem ser
citados o processo de autofagia, as proteases ativadas por cálcio,
como a calpaína e as caspases, e o sistema ubiquitina-proteossomo
(Figura 1).19,20
Em modelos experimentais in vivo e em humanos não existe
consenso sobre a importância relativa das diferentes vias de degradação proteica. Purintrapiban et al.20 estudaram o papel desses
diferentes mecanismos de proteólise em cultura de células musculares. A inibição dos sistemas enzimáticos calpaína, proteossomo e
lisossomo ocasionou 20%, 62% e 40% de redução na degradação
de proteínas totais, respectivamente. Entretanto, parece claro que
há significativa variação na participação de cada uma dessas vias,
dependendo da situação clínica envolvida (p. ex., denervação,
imobilização, caquexia da malignidade, inflamação crônica).19–21
253
Teixeira et al.
A
B
Actina
Nebulina
Calpaína
Miosina
Autofagossomo
inativa
Titina
Ca2+
Lisossomo
fusão
Calpaínaativa
Liberação de
miofilamentos
Autolisossomo
Caspase-12
[Calpastatina]
Degradação de
miofilamentos
Caspase-3
Proteossomo
20S/26S
Peptídeos
Autofagia
A autofagia é um mecanismo ancestral de sobrevivência celular que permite que as células se autoconsumam em períodos
de extrema privação nutricional.22 Esse processo ocorre com
o consumo de componentes citoplasmáticos, como o citosol
e as organelas celulares, e é lisossomo-dependente. Durante a
autofagia, vesículas de membrana dupla (os autofagossomos)
formam-se em torno de grande parte do citoplasma ou de
organelas inteiras, sequestrando os substratos proteicos no
sistema vacuolar. Depois ocorre a fusão do autofagossomo
com o lisossomo, formando o autolisossomo, e logo depois a
hidrólise dos substratos pelas hidrolases lisossomais23 (Figura 2).
As hidrolases estão fisicamente isoladas dos constituintes citoplasmáticos pela membrana lisossomal, e por isso apresentam
maior capacidade de degradar os componentes citoplasmáticos
em comparação aos componentes miofibrilares.24
Evidências de estudos in vitro25 e in vivo26 demonstram a
presença de autofagossomos em fibras musculares de cultura de
miotubos e em camundongos. Um estudo in vitro em cultura de
miócitos com restrição de aminoácidos demonstrou que a aceleração do catabolismo proteico deve-se principalmente à indução de
autofagia.25 Mizushima et al.,26 em estudo in vivo, demonstraram
por observação de superexpressão de LC3 (microtubule-associated protein 1 light chain 3) a ativação do sistema de autofagia no
músculo esquelético de camundongos expostos ao jejum. A LC3 é
essencial para manter a integridade da membrana e o crescimento
celular, e está superexpressa, junto a outros genes envolvidos na
autofagia e na perda muscular, em diferentes modelos de atrofia,27,28 além de ser indicadora de atividade autofágica.29
Apesar dos distintos mecanismos de sarcopenia, as vias que
ativam os sistemas de autofagia e de ubiquitina-proteossomo
254
Figura 2
Vias de proteólise muscular. Em “A”, ativação
de proteases ativadas por cálcio. As calpaínas
clivam as proteínas que ancoram o complexo
actina-miosina liberando essas proteínas
para serem degradadas por outro sistema de
proteólise celular (proteossomo). Em “B” é
demonstrado o sistema da autofagia, em que
os constituintes citoplasmáticos são isolados
e degradados no autolisossomo.
são comuns. Ambas envolvem o fator de transcrição FOXO3
(forkhead box O3) e o fator de transcrição nuclear kappa-B
(NF-κB). A FOXO3 é translocada para o núcleo na ausência
de estímulos de síntese proteica,30 enquanto o NF-κB é translocado quando há inflamação.31 A FOXO3 foi identificada
como fator crítico para o controle da autofagia muscular,32 e
vários genes de autofagia estão sob a regulação desse fator
de transcrição.30
Proteases ativadas por cálcio: calpaína e caspases
O sistema calpaína constitui uma via de degradação de proteínas de células eucarióticas composta de duas enzimas (calpaínas)
e da calpastatina. Essas proteases são cisteíno-proteases não
lisossomais dependentes de cálcio livre citoplasmático,33 e
possuem um inibidor endógeno, a calpastatina, que regula sua
atividade21 (Figura 2).
As calpaínas não são capazes de degradar proteínas em
aminoácidos ou pequenos peptídeos e não catalizam a degradação do complexo de proteínas sarcoplasmáticas. Apesar
de não degradarem diretamente as proteínas contráteis do
músculo, as calpaínas clivam as proteínas que ancoram o
complexo actina-miosina, liberando os componentes proteicos do sarcômero para serem degradados por outro sistema
de proteólise celular.20,34 Dentre os substratos da calpaína,
podemos citar a titina, a nebulina, a desmina e a filamina –
proteínas que ancoram o sarcômero33,35 –, além da troponina
e da tropomiosina,33,36 o que propiciaria a liberação do complexo actina-miosina.
A ativação do sistema calpaína já foi demonstrada em diversas situações de atrofia muscular, tais como no músculo durante períodos prolongados de inatividade,33 envelhecimento,
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):247-259
Mecanismos de perda muscular da sarcopenia
distrofias e outras patologias que acompanham a perda de
massa muscular.24
Caspases são cisteíno-proteases citoplasmáticas não dependentes de cálcio capazes de clivar outras proteínas depois de
um resíduo de ácido aspartático – uma especificidade incomum
entre proteases.24
A caspase-3 parece ser capaz de degradar o complexo
actina-miosina. Du et al.37 demonstraram que a caspase-3
purificada e ativada consegue clivar a actina, desfazendo o
complexo actina-miosina do músculo e liberando essas proteínas para serem degradadas por outros complexos proteolíticos16
(Figura 2). Apesar de ativadas na perda muscular, o real papel
desempenhado pelas caspases ainda é controverso.
Miofibra
Protosossomo 265
Proteínas
Ex.: MuRF-1
e atrogina-1
Peptideos
Proteossomo
Outro sistema proteolítico relacionado com sarcopenia e
atualmente considerado um dos mais importantes é o sistema
ubiquitina-proteossomo. Esse sistema altamente conservado é
a principal maquinaria de degradação proteica não lisossomal
em células eucarióticas38 (Figura 2).
O sistema ubiquitina-proteossomo é responsável por
processar e degradar proteínas celulares essenciais para a
regulação de desenvolvimento, diferenciação, proliferação,
apoptose, transdução de sinal, respostas imune e inflamatória, entre outros, governando, assim, processos celulares
básicos.39,40
Proteínas celulares destinadas à degradação pelo proteossomo devem estar devidamente marcadas com uma
ligação covalente de múltiplos monômeros de ubiquitina,
peptídeos compostos de 76 aminoácidos. A ubiquitina pode
ser conjugada a substratos proteicos específicos, processo
que requer três componentes enzimáticos (Figura 3): E1, uma
enzima ativadora de ubiquitina; E2, uma enzima conjugadora de ubiquitina; e E3, uma enzima ligante de ubiquitina.
Inicialmente, a E1 é ativada e, em uma reação dependente de
energia, transfere, através da E2, a ubiquitina para a E3, que
catalisa a ligação da ubiquitina à proteína, marcando-a para
ser degradada.41 Esse processo de degradação de proteínas
poliubiquitinadas ocorre no proteossomo (20S ou 26S), que
é um complexo composto de uma ou três grandes enzimas
com a função de degradar proteínas desnecessárias ou danificadas da célula.19
As enzimas do tipo E3 conferem especificidade à proteína-alvo para degradação. Centenas de diferentes E3 já foram
identificadas, e parece que cada uma modula a ubiquitinização
de um grupo de substratos proteicos.41 No músculo esquelético
foram identificadas duas E3 específicas que estão relacionadas
ao processo de atrofia: a atrogina-1 (Muscle Atrophy F-box) ou
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):247-259
Figura 3
Sistema proteossomo de degradação muscular. O sistema
ubiquitina-proteossomo é um complexo multiproteico citoplasmático que degrada proteínas marcadas por ubiquitina.
Essa degradação requer a participação de três proteínas distintas (E1, E2 e E3). As proteínas E3 conferem especificidade
às proteínas que serão degradas. Na atrofia muscular foram
descritas algumas enzimas E3, como a MuRF-1 e a atrogina-1.
MAF-bx, e a MuRF-1 (Muscle Ring Finger-1).42 Foi descrita
uma terceira ubiquitina ligase E3, a NEDD-4, que parece
facilitar a atrofia muscular em modelos de denervação e de
suspensão da pata traseira.43
A MuRF-1 é uma enzima ubiquitina ligase E3 reconhecida
como marcador do processo de atrofia muscular em diversos
modelos experimentais.44 Essa proteína tem a capacidade de
se ligar à titina da linha M,45 a terceira em abundância dentre
as proteínas musculares (10%).46
Alguns estudos descreveram o aumento da expressão de
subunidades do proteossomo e de enzimas ubiquitinantes
durante a atrofia muscular,47 bem como o aumento da expressão de E3 ligases em modelos de denervação, imobilização,
restrição alimentar, diabetes mellitus e uremia.44 Esses estudos sugerem que a perda muscular está relacionada com a
atividade das E3 ligases MuRF-1 e atrogina-1.44 Em modelos
murinos, a inibição do proteossomo pode reduzir a degradação proteica durante a atrofia,48 indicando um importante
papel da via ubiquitina-proteossomo na sarcopenia – mas
não é possível extrapolar esses resultados para humanos.49
Inibidores biológicos e sintéticos do proteossomo podem
inibir o ciclo celular e induzir apoptose preferencialmente
em células neoplásicas.50
255
Teixeira et al.
O papel dessa via na perda muscular de humanos foi
revisado por Murton et al.,12 sugerindo que a ativação das
ubiquitinas-ligases MAF-bx/atrogina-1 e MuRF-1 ocorre
principalmente durante processos inflamatórios.
A atrofia muscular que ocorre pela superexpressão do sistema
ubiquitina-proteossomo parece envolver vias distintas. Estudos
têm demonstrado essa sinalização via NF-κB, que induz a expressão de genes relacionados com o processo de sarcopenia, tais
como MuRF-1 e MAF-bx, além de citocinas pró-inflamatórias.
A ativação do NF-κB está envolvida na atrofia muscular causada pelo desuso e por caquexia, embora os mecanismos não
estejam completamente esclarecidos.51 Existem evidências do
envolvimento do estresse oxidativo nessa ativação.52 Além da
via do NF-κB, o aumento da expressão de MuRF-1 e MAF-bx31
também pode ocorrer via FOXO330 e miogenina.53
Células-satélite
Além da degradação proteica, déficits no processo de regeneração muscular também podem estar envolvidos na sarcopenia
(Figura 1).
Células-satélite (CS) são precursores miogênicos quiescentes
encontrados no músculo adulto entre a lâmina basal e o sarcolema, e apresentam algumas propriedades de células-tronco.54 As
CS podem ser ativadas em resposta a estímulos de crescimento,
remodelamento ou lesão muscular.55,56 Na ativação, elas entram
no ciclo celular, dividem-se, diferenciam-se em mioblastos e
fundem-se para formar miotubos, que então se desenvolvem
em uma nova fibra ou se fundem com fibras musculares já
existentes para reparar miofibras danificadas e/ou para aumentar
a hipertrofia das fibras musculares.57
Quando ativadas, as CS podem ser identificadas pela
expressão de marcadores, tais como MyoD e miogenina, que
são indicadores de proliferação e de diferenciação de CS,
respectivamente.58
Alguns estudos demonstraram que a cocultura de precursores musculares com macrófagos aumenta a proliferação
e a diferenciação de mioblastos, sugerindo o envolvimento
de mediadores inflamatórios na ativação de CS.59 Entre os
mediadores inflamatórios, o TNF-α está aumentado no tecido
muscular pós-lesão, mas também parece estar envolvido na
regeneração muscular.60,61
Nosso grupo, estudando processos inflamatórios agudos
em modelo experimental de contusão muscular, demonstrou
o importante envolvimento da produção local de óxido nítrico
na proliferação e na diferenciação das CS.56,62
Entretanto, pouco se conhece da via pela qual a sarcopenia
é ativada e qual é o estímulo inicial que desencadeia a ativação
256
das CS na vigência de processo inflamatório crônico. Existe
uma aparente contradição entre o aumento de ativação dessas
células regenerativas e o resultado final, que é atrofia muscular.
Há necessidade de mais estudos para esclarecer se essa ativação de CS, que ocorre provavelmente como uma tentativa de
regenerar o músculo atrófico, é insuficiente para compensar a
perda proteica ou se o processo de miogênese não se completa
devido, por exemplo, à apoptose.
SARCOPENIA NA ARTRITE REUMATOIDE
Apesar do progresso no conhecimento dos mecanismos
moleculares que levam à atrofia muscular em diversas situações, a sarcopenia reumatoide ainda é muito pouco estudada.
Funcionalmente, os pacientes com AR apresentam redução
significativa na força muscular, mas a velocidade e as propriedades contráteis musculares mantêm-se inalteradas.6
Esses dados demonstram que o impacto da doença ocorre por
meio de perda proteica, afetando principalmente sarcômeros
em paralelo e preservando o número de sarcômeros em série.
Existe uma escassez de informação das vias de perda
muscular na AR, especialmente pelo mecanismo de apoptose.
Até o momento, não há estudos de indivíduos com AR ou de
modelos animais com artrite crônica demonstrando o real papel
da apoptose na perda muscular. Em estudos em nosso laboratório, não observamos corpos apoptóticos ou marcação com
caspase-3 em músculo gastrocnêmio de camundongos com
artrite induzida por colágeno (CIA) (dados não publicados),
sugerindo que esse mecanismo não tenha um papel marcante
na sarcopenia reumatoide.
Da mesma forma, não existem estudos em modelos experimentais ou em pacientes com AR avaliando a participação
de mecanismos de autofagia, ativação de calpaínas e caspases.
Quanto à via do proteossomo, o aumento das enzimas
ligantes de ubiquitina E3 associadas à proteólise muscular já foi identificado no músculo esquelético de modelos
murinos de artrite,63,64 mas os outros componentes da via
ubiquitina-proteossomo ainda não foram estudados, como
a ubiquitina e subunidades proteossomais, bem como em
que estágio da doença ocorre o desenvolvimento da atrofia.
Pela via ubiquitina-proteossomo, observou-se o aumento da
expressão de MuRF-1 e de MAF-bx31 pela NF-κB, FOXO330 e
miogenina,53 dados não confirmados em músculo de humanos
com artrite. Dessa forma, embora seja a via proteolítica mais
estudada em geral, sua importância ainda não foi confirmada
em pacientes com artropatia crônica.
Finalmente, Castillero et al.64 demonstraram que na atrofia
do músculo gastrocnêmio em modelo de artrite induzida por
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):247-259
Mecanismos de perda muscular da sarcopenia
adjuvante de Freund (CFA) havia ativação e proliferação de
CS por seus marcadores miogenina e MyoD. Esses achados
necessitam de confirmação em outros modelos experimentais,
bem como em estudos com pacientes.
6.
CONCLUSÃO
8.
Discutimos como diversas vias intracelulares estão envolvidas,
de maneira inter-relacionada, com o processo de perda de massa
muscular. Essas vias, divididas em mecanismos de apoptose
celular, proteólise das miofibrilas e alteração na regeneração
da célula por meio das CS, vêm sendo ativamente estudadas em
diversas condições clínicas e experimentais. Observa-se que
esses mecanismos não estão presentes de maneira uniforme nessas
condições, havendo variação significativa na importância relativa
de cada uma, conforme a situação clínica. Portanto, é provável
que os melhores manejos preventivo e terapêutico também não
sejam os mesmos para todas as situações de atrofia muscular.
Apesar da significativa perda de massa muscular que
ocorre na maioria dos pacientes com AR, com um profundo
impacto socioeconômico e funcional nessa população, não há,
até o momento, proposta terapêutica padronizada para essa
complicação. Há poucos estudos avaliando o impacto das terapias atuais na perda de massa muscular.4 Da mesma forma,
conforme discutimos anteriormente, praticamente não existem
estudos sobre a participação das diversas cascatas que levam
à atrofia e à regeneração muscular em modelos experimentais
ou em pacientes com artropatias crônicas. Mais estudos nessa
área serão de grande relevância, pois maior compreensão dos
mecanismos de modulação entre catabolismo e anabolismo
muscular deverá resultar em desenvolvimento de estratégias
terapêuticas inovadoras mais eficazes e melhor qualidade de
vida a esses pacientes.
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259
ARTIGO DE REVISÃO
Osteonecrose maxilar associada
ao uso de bisfosfonatos
Mariana Aparecida Brozoski1, Andreia Aparecida Traina2, Maria Cristina Zindel Deboni3,
Márcia Martins Marques4, Maria da Graça Naclério-Homem3
RESUMO
Os bisfosfonatos (BFs) têm sido indicados para o tratamento de doenças do metabolismo ósseo. Atualmente, seu emprego
terapêutico aumentou e, com ele, os efeitos adversos, dos quais um dos mais importantes é a indução da osteonecrose
dos maxilares, uma complicação de difíceis tratamento e solução. Até o presente, não se sabe ao certo qual é o mecanismo de desenvolvimento da osteonecrose dos maxilares induzida por bisfosfonatos (ONMB), nem qual deve ser
o tratamento estabelecido perante essa manifestação. Apesar de a literatura apresentar formas variadas de tratamento,
não existe um protocolo definido. Apresentamos uma revisão sobre a ONMB, enfocando sua etiopatogenia e as formas
reportadas de tratamento.
Palavras-chave: osteonecrose, alendronato, doenças maxilares.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
Os bisfosfonatos (BFs) vêm sendo utilizados desde 1960 para
o tratamento de metástases ósseas, câncer de pulmão, mieloma
múltiplo, doença de Paget, controle de doenças do metabolismo do cálcio, entre outros.1,2 Seu emprego terapêutico tem
aumentado principalmente para tratamento e prevenção de
osteoporose e osteopenia. Estima-se que no período de maio
de 2003 a abril de 2004 foram realizadas aproximadamente
22 milhões de prescrições de alendronato nos EUA.2 Os BFs
têm sido considerados a droga mais prescrita para tratamento
da osteoporose no mundo.2
Os BFs alteram o mecanismo de reabsorção e remodelação óssea e, por esse motivo, teriam ação terapêutica
nas doenças citadas anteriormente.1 Com o crescimento da
utilização dos BFs e o aumento do tempo de uso desses medicamentos, surgiram os primeiros relatos de complicações
associadas à sua utilização, dos quais os mais comuns são
em relação à mialgia e à esofagite.3,4 A osteonecrose em
maxilares induzida por bisfosfonatos (ONMB) foi relatada
pela primeira vez em 2003, quando foram demonstradas 36
lesões ósseas em mandíbula e/ou maxila em pacientes que
faziam uso de pamidronato ou zoledronato, descrevendo
as lesões como decorrentes de efeito adverso desconhecido
grave.5 Desde então, a ONMB passou a ser reconhecida
como uma entidade com impacto significativo na qualidade
de vida dos pacientes que utilizam esse fármaco.5
A variedade de sinais e sintomas clínicos da ONMB, as
medidas preventivas, os efeitos da interrupção do uso dos BFs,
bem como os indicadores de prognóstico e a etiologia dessa
doença permanecem indefinidos. Além disso, a efetividade e
a eficiência de tratamento para a ONMB não têm sido adequadamente caracterizadas.
MECANISMO DE AÇÃO DOS BISFOSFONATOS
Os BFs são análogos não metabolizáveis dos pirofosfatos
inorgânicos, utilizados na indústria de cremes dentais para
Recebido em 23/02/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.
Faculdade de Odontologia, Universidade de São Paulo – USP.
1. Mestrado em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Universidade de São Paulo – USP
2. Professora Doutora do Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais, USP
3. Professora Associada do Departamento de Cirurgia, Prótese e Traumatologia Maxilofaciais, USP; Livre-docente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, USP
4. Professora Titular do Departamento de Dentística, USP; Livre-docente em Patologia Bucal, USP
Correspondência para: Profa. Dra. Maria da Graça Naclério-Homem. Av. Professor Lineu Prestes, 2227 – Cidade Universitária. CEP: 05508-000. São Paulo, SP,
Brasil. E-mail: [email protected]
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):260-270
265
Brozoski et al.
diminuir a formação de cálculo por meio da inibição da precipitação do cálcio.1,6
Quando utilizados como agentes farmacológicos, os BFs
têm efeitos biológicos fundamentais no metabolismo do cálcio,
inibindo a calcificação e a reabsorção óssea.1 Eles atuam por
meio de dois mecanismos de ação relacionados com atividade
antiosteoclástica e antiangiogênica.7 A meia-vida plasmática
dos BFs é de aproximadamente 10 anos, e seu uso prolongado
pode resultar em acúmulo substancial da droga no esqueleto.8
Os BFs alteram o mecanismo do tecido ósseo em vários
níveis, inibindo a reabsorção e diminuindo o turnover ósseo. Em
nível celular, eles atuam sobre o recrutamento de osteoclastos,
sua viabilidade, a bioviabilidade de seu progenitor e sua atividade sobre o osso. Do ponto de vista molecular, postula-se que
os BFs possam modular a função dos osteoclastos reagindo com
um receptor de superfície ou com uma enzima intracelular.6
Em relação à atividade antirreabsortiva, um dos fatores
mais importantes do efeito dos BFs está na inibição da atividade osteoclástica. Essa função está implicada com sua
ação terapêutica no tratamento da osteoporose e do câncer no
sistema esquelético.1
A diminuição do processo de reabsorção óssea pelos BFs
pode ser explicada considerando-se que os metabólitos dos
compostos não nitrogenados são tóxicos aos osteoclastos,
levando-os à morte. Os compostos nitrogenados, por sua vez,
bloqueiam a diferenciação dos osteoclastos e estimulam os
osteoblastos a produzir fator de inibição dos osteoclastos,
acarretando em diminuição na reabsorção óssea. Como o
processo de metabolismo ósseo está baseado nos processos de
reabsorção e deposição, a remodelação óssea fica comprometida. Contudo, o tecido ósseo continua a mineralizar, podendo
tornar-se frágil, quebradiço e menos elástico.8
CONCEITO
A ONMB foi conceituada em 2007 pela American Association
of Oral and Maxillofacial Surgeons (AAOMS) como sendo
caracterizada por uma área de exposição óssea na maxila ou na
mandíbula que não se repara em oito semanas e acomete pacientes que estejam recebendo ou que receberam BF sistemicamente
e não sofreram irradiação no complexo maxilomandibular.9
ETIOPATOGENIA
Até o momento, a etiopatogenia da ONMB permanece incerta.
Lembramos que os BFs atuam em diversos níveis: físico-químico,
tecidual, celular e molecular.1,6,7 Estudos6,8 aludem que a ONMB
é secundária aos mecanismos de ação dos BFs, que resultam
266
em atividade antiosteoclástica e antiangiogênica, o que altera o
metabolismo ósseo, inibindo a reabsorção óssea e diminuindo o
turnover ósseo. Associam-se a isso as singularidades anatômicas
que envolvem os ossos da maxila e da mandíbula, separados da
cavidade bucal por uma mucosa fina e delgada, sendo essa uma
barreira que pode ser facilmente rompida por atividades fisiológicas como a mastigação.8 Como essas características são mais
marcantes na mandíbula que na maxila,8,10–12 maiores índices de
prevalência naqueles ossos poderiam ser justificados.
A boca é colonizada por um grande número de bactérias, e
os ossos maxilares frequentemente estão envolvidos em processos sépticos de origem periodontal ou pulpar.9 Quando ocorre
um acúmulo de BF capaz de diminuir o metabolismo ósseo, a
reparação tecidual após um trauma, induzido ou fisiológico, não
ocorre adequadamente, levando à exposição de uma área de osso
necrótico ao meio bucal.8 Portanto, a hipótese que melhor explica
o desenvolvimento da ONMB seria uma alteração do turnover
ósseo associada às características particulares dos ossos dos maxilares, como revestimento mucoso, risco frequente de infecção
e potencial constante de trauma.8,13 Alguns autores discutem o
aparecimento da ONMB e a infecção por Actinomyces e descrevem muitos casos que associam necrose óssea e osteomielite
provocada pelo microrganismo.14
Alguns fatores predisponentes para o desenvolvimento
de ONMB são citados na literatura, incluindo tipo, via de
administração e tempo de uso do BF, administração concomitante de outros fármacos (principalmente corticosteroides,
quimioterápicos e estrógeno),12,15 bem como a realização de
procedimentos cruen tos intrabucais.16–18
Fármacos antiangiogênicos e quimioterápicos, como a talidomida ou o bevacizumabe, têm sido sugeridos como fatores
que podem predispor ou aumentar o risco do desenvolvimento
da ONMB.19
Alguns estudos descrevem que, no uso do ácido zoledrônico
para o controle de metástases ósseas, são necessárias aproximadamente seis doses mensais de BF endovenoso para que o
paciente apresente risco de desenvolver ONMB. Para os BFs
administrados por via oral, como o alendronato, por sua vez,
seriam necessários três anos ou 156 doses semanais. Essa diferença, segundo os autores, ocorre devido à baixa solubilidade
lipídica dos BFs administrados por via oral, fazendo com que
haja uma absorção intestinal de apenas 0,63% da droga. Os BFs
de uso oral acumulam-se lentamente nos ossos, e a exposição
clínica do osso necrótico não acontece antes de três anos de
administração do medicamento, com incidência e gravidade
aumentadas a cada ano adicional de uso.8,12,20
A via de administração do BF pode ser associada à ocorrência da ONMB. Pacientes que utilizam a via endovenosa
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):260-270
Osteonecrose maxilar associada ao uso de bisfosfonatos
apresentam prevalência entre 1%–10%, enquanto os que
empregam a via oral apresentam prevalência entre 0,00007%–
0,04%.10 Não há dúvidas de que pacientes usuários de BFs
por via endovenosa correm mais risco de desenvolver ONMB
que pacientes que utilizam a via oral.10 A American Dental
Association (ADA)2 e a AAOMS21 corroboram que tal risco
é dose/tempo-dependente, porém esse fato é baseado apenas
nas observações clínicas dos autores.
O uso concomitante de outros medicamentos, como corticosteroides e quimioterápicos, pode potencializar o risco de
ONMB.15 O tempo de uso dos BFs, a utilização concomitante
com estrógeno e idade superior a 65 anos também podem
potencializar o risco de ONMB.2 Um estudo retrospectivo
multicêntrico22 envolvendo 78 pacientes com ONMB descreveu que a maioria dos pacientes estava em uso de BF por via
endovenosa para tratamento oncológico há mais de um ano, e
havia recebido tratamento prévio por meio de quimioterapia
ou esteroides.
Algumas teorias tentam explicar que a ausência de reparo
epitelial das exposições ósseas intraorais secundárias ao uso
dos BFs pode ser atribuída à toxicidade dos BFs sobre o tecido
epitelial provocada pelas altas concentrações do fármaco no
tecido ósseo.23
Os pacientes que recebem a droga por via oral necessitam
de um tempo maior de uso do medicamento para apresentar
exposição óssea, a qual é geralmente menor em comparação
aos que recebem a droga sistematicamente. Os sintomas são
menos intensos, e há chance de melhora dos mesmos fazendo
um intervalo no uso do medicamento.17
Uma definição do estágio clínico da ONMB e o tratamento
proposto pela AAOMS para cada estágio estão representados
na Tabela 1.21
Os diferentes estágios da doença podem ser observados
nas Figuras 2, 3 e 4.
DIAGNÓSTICO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
Figura 1
Tomografia computadorizada de mandíbula – corte axial
demonstrando área com sequestro ósseo.
O diagnóstico de ONMB é primeiramente baseado na história e no exame clínico do paciente. Na maioria das vezes os
pacientes apresentam exposição óssea necrótica, variando
de poucos milímetros a áreas maiores, podendo permanecer
assintomáticos por semanas, meses ou anos. Frequentemente,
a lesão torna-se sintomática quando ocorre inflamação ou infecção dos tecidos adjacentes, e em 60% dos casos é referida
dor no local de exposição óssea.9,24
Os primeiros sinais e sintomas descritos são dor profunda
no osso e mobilidade dental sem relação com doenças periodontais, traumas dentais ou outras lesões, como aumento de
volume, eritema, ulceração e fístula sinusal.12
A ONMB apresenta maior incidência na mandíbula em
comparação com a maxila em uma proporção de 2:1, em
áreas com mucosa menos espessa, como as de proeminências ósseas, tórus e linha milo-hioidea. A quantidade de osso
exposta é muito variável em suas dimensões. Inicia-se com
uma exposição pontual que pode permanecer ou progredir
para uma exposição maior.8,10–12 Radiograficamente, é possível observar espessamento da lâmina dura e aumento do
ligamento periodontal no osso alveolar no ponto de início da
ONMB12 (Figura 1).
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):260-270
Tabela 1
Definição do estágio clínico da ONMB e tratamento proposto
pela AAOMS para cada estágio
Estágios de ONMB e seus tratamentos
Estágio
Apresentação clínica
Conduta
Em risco
Sem exposição óssea
Orientações ao paciente
1
Exposição óssea assintomática
com pequena inflamação
de tecido mole
Orientações ao paciente,
bochechos com soluções
antibacterianas e
acompanhamento criterioso
2
Osso exposto com dor,
inflamação ou infecção de
tecido mole adjacente
Orientações ao paciente,
bochechos com
soluções antibacterianas,
antibioticoterapia,
desbridamento
ósseo superficial e
acompanhamento criterioso
3
Osso exposto com dor,
inflamação ou infecção
de tecido mole adjacente,
podendo apresentar osteólise
estendendo-se até a borda
inferior da mandíbula
ou fraturas patológicas
e fístulas extraorais
Orientações ao paciente,
bochechos com
soluções antibacterianas,
cirurgias paliativas e
acompanhamento criterioso
Adaptado de: Ruggiero SL et al.21
267
Brozoski et al.
TRATAMENTO E PREVENÇÃO
Figura 2
Pequena área de exposição óssea assintomática.
Figura 3
Exposição óssea sintomática em mandíbula.
Figura 4
Exposição óssea em região mandibular atingindo borda inferior
da mandíbula em região lingual.
268
Os microrganismos encontrados com maior frequência nos ossos expostos são das espécies Actinomyces,
Veillonella, Eikenella, Moraxella, Fusobacterium, Bacillus,
Staphylococcus,Streptococcus e Selenomona. Todos esses
microrganismos são sensíveis à penicilina, portanto essa é a
droga de escolha para o tratamento não cirúrgico da doença.7,12,24
O principal objetivo da atuação preventiva para os pacientes que apresentam risco, ou do tratamento para aqueles que
já desenvolveram a ONMB, é a preservação da qualidade de
vida, controlando a dor e os quadros de infecção e prevenindo
o desenvolvimento de novas áreas de necrose.8
O risco está associado ao acúmulo das doses da droga,
ocorrido por anos de tratamento. Os pacientes devem receber
avaliação odontológica cuidadosa, incluindo exames radiográficos, e orientação quanto à possibilidade de desenvolvimento
de ONMB. Quando há necessidade de algum procedimento
cirúrgico, alguns autores2,8 sugerem que os indivíduos assinem
um termo de ciência de riscos concordando com o tratamento.
A ênfase para o tratamento dos pacientes que recebem
BFs endovenoso é diminuir o risco de ONMB, minimizando-se
a necessidade de procedimentos cirúrgicos. Os pacientes,
nesses casos, devem ser muito bem orientados quanto aos
cuidados necessários à manutenção da saúde bucal e quanto
aos métodos de higienização, e devem ser avaliados clínica e
radiograficamente, de preferência antes do início da terapêutica
farmacológica. O tratamento odontológico que inclui restaurações, tratamento endodôntico ou procedimentos cirúrgicos
deve ser realizado previamente ao início da terapia com BFs.2,8
Como opções de tratamento das lesões de ONMB, lembramos o controle da dor, antibioticoterapia, uso de enxaguatórios
bucais, suspensão do BF, terapia em câmara hiperbárica, laserterapia25 e desbridamento cirúrgico.11,26,27 Esses tratamentos,
porém, nem sempre alcançam a resolução do quadro clínico – a
prevenção é, sempre, a melhor opção.2,8
O teste do CTx (telopeptídeo carboxiterminal do colágeno
tipo I, ou ICTP) sérico, marcador de reabsorção óssea que
avalia a eliminação de fragmentos específicos produzidos pela
hidrólise de colágeno tipo I, pode ser utilizado como parâmetro
para avaliar o risco de desenvolvimento de ONMB.17
Existe uma relação exponencial direta entre o tempo de uso
dos BFs e o tamanho da exposição óssea. Recomenda-se que os
pacientes com valores de CTx inferiores a 150 pg/mL entrem
em contato com o médico que os assiste e que seja considerada
a possibilidade de suspensão da droga por um período de 4–6
meses. Após esse período, o teste deve ser repetido, e se o
valor ainda estiver abaixo de 150 pg/mL a recomendação da
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):260-270
Osteonecrose maxilar associada ao uso de bisfosfonatos
literatura17 é que se estenda o tempo de suspensão da droga
por um período de 6–9 meses. Quando os valores do CTx
não forem superiores a 150 pg/mL e a suspensão da droga
não for possível, as orientações para o paciente quanto ao
risco de desenvolvimento de ONMB devem ser reforçadas.
Buscar uma forma de tratamento não invasiva deve ser sempre
recomendado.17,24
É importante distinguir e ressaltar que a ONMB por BFs
administrados por via oral parece ser menos frequente, menos
grave e responde melhor ao tratamento com suspensão da droga
e desbridamento cirúrgico.8,15 Os pacientes que recebem a droga
por via oral parecem ter maior chance de melhora quando há
intervalo no uso do medicamento.15
A afirmação de que a suspensão de BF por três meses antes da cirurgia, como indicado pela AAOMS21 e pela ADA,2
poderia modificar ou não o risco de o paciente desenvolver
ONMB é controversa. Isso porque a meia-vida dos BFs é de
aproximadamente 10 anos, e seu uso prolongado resulta em
acúmulo substancial da droga no esqueleto.8 Dessa forma, seria
necessário um longo período de interrupção para eliminar o
fármaco do organismo. Essa suspensão de medicação muitas
vezes não é possível devido aos benefícios que a droga proporciona para o tratamento na prevenção de osteoporose e de
metástases ósseas.
4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
14.
A comunicação do médico que realiza a prescrição da medicação com o cirurgião-dentista do paciente é fundamental para
se tentar estabelecer um tratamento preventivo para a ONMB
antes do início da terapia medicamentosa.
Estudos experimentais in vitro, in vivo e clínicos são necessários para que se possa compreender melhor o desenvolvimento da ONMB. Resultados de pesquisas futuras poderão
contribuir para o delineamento de protocolos de prevenção e
de tratamento adequados para os pacientes.
5.
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ARTIGO DE REVISÃO
Possível papel das adipocinas no lúpus
eritematoso sistêmico e na artrite reumatoide
Vitalina de Souza Barbosa1, Jozelia Rêgo2, Nílzio Antônio da Silva3
RESUMO
Nos últimos anos têm sido descritos mediadores sintetizados no tecido adiposo, chamados adipocinas. Eles apresentam
ação hormonal, regulando o apetite e o metabolismo da glicose, mas também atuam como citocinas, com efeitos sobre
o sistema imune, incluindo efeitos na autoimunidade. As adipocinas mais importantes são: leptina, adiponectina, visfatina e resistina. Algumas delas vêm sendo estudadas nas doenças autoimunes reumáticas, particularmente no lúpus
eritematoso sistêmico (LES) e na artrite reumatoide (AR). Estudos mostram níveis elevados de leptina e de adiponectina
no LES, porém a correlação com a atividade da doença ainda é discutida. Na AR, os estudos também mostram aumento
dos níveis de leptina e de adiponectina, observando-se correlação com a atividade da doença e a erosão articular; os
resultados, porém, são conflitantes. Esta revisão descreve os papéis da leptina e da adiponectina no sistema imune e
suas atuações no LES e na AR.
Palavras-chave: adipocinas, leptina, adiponectina, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
O sistema imune requer um balanço energético adequado para
suas funções fisiológicas. Nos últimos anos, uma importante via
de ligação tem sido identificada entre esse sistema e o metabolismo,1 com a verificação da existência de obesidade predispondo o
indivíduo ao desenvolvimento de vários distúrbios, tais como aterosclerose, diabetes mellitus e algumas doenças imunomediadas.
O tecido adiposo não é um tecido inerte, e vem sendo considerado um órgão com funções neuroendócrinas e imune. Esse
tecido produz vários mediadores, como o fator de necrose tumoral
alfa (TNF-α), a interleucina 6 (IL-6), a interleucina 1 (IL-1), a
quimiocina ligante 2 (CCL2), o inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 e as frações do complemento, todos participantes
da resposta imune inata como mediadores pró-inflamatórios.1
Embora os macrófagos no tecido adiposo sejam a principal
fonte de TNF, os adipócitos contribuem com quase 1/3 da concentração de IL-6 na circulação dos pacientes obesos, e a CCL2,
produzida pelos adipócitos, é um fator importante na infiltração
de macrófagos nesse tecido. A presença dos macrófagos ativos,
juntamente com os adipócitos e outras células do tecido imune,
pode perpetuar um círculo vicioso, com recrutamento de mais
macrófagos e produção de mais citocinas pró-inflamatórias.1 Todas
essas citocinas estão também implicadas nas doenças autoimunes.
A inter-relação entre o tecido adiposo e o sistema imune está
cada vez mais evidente. Recentemente, demonstrou-se que o receptor NLRP3 inflamassoma, presente nas células imunes inatas,
detecta sinais de perigo associados à obesidade e leva à ativação
da caspase-1 e à produção de interleucina 1b e interleucina 18,
contribuindo para a inflamação crônica induzida pela obesidade.2
Atualmente, o tecido adiposo branco é considerado o maior
órgão endócrino, secretor de uma variedade de mediadores
denominados adipocinas (adipocitocinas). Os mais importantes
são a leptina, a adiponectina, a visfatina e a resistina, que atuam
como hormônios na homeostasia da glicose e na regulação do
apetite e como citocinas, promovendo a ligação da obesidade
e a resistência à insulina com o sistema imune e o processo
inflamatório.1,3,4 Algumas adipocinas, como a leptina, atuam de
Recebido em 31/03/2011. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás – FM/UFG.
1. Professora-Assistente do Serviço de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás – FM/UFG;
Doutoranda em Ciências da Saúde, FM/UFG
2. Professora Adjunta de Reumatologia, FM/UFG
3. Professor Titular de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica, FM/UFG
Correspondência para: Vitalina de Souza Barbosa. Instituto Médico Cora Coralina. Rua 1124, nº 469 – Setor Marista. CEP: 74175-080. Goiânia, GO, Brasil.
E-mail: [email protected]
278
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):271-287
Possível papel das adipocinas no lúpus eritematoso sistêmico e na artrite reumatoide
forma semelhante às citocinas inflamatórias, como o TNF-α, a
IL-6 e a IL-1.5 Outras, como a adiponectina, atuam com efeitos
antidiabético, antiaterogênico e anti-inflamatório.1,4,6
Com a compreensão da natureza e do mecanismo de ação
das adipocinas, torna-se claro que o tecido adiposo não é
apenas um órgão endócrino, mas também um órgão imune.
A leptina e a adiponectina são as adipocinas produzidas mais
abundantemente nos adipócitos, estudadas em doenças autoimunes reumáticas como a artrite reumatoide (AR),7,8 a doença
de Behçet9 e o lúpus eritematoso sistêmico (LES).10 Assim, o
conhecimento da participação desses mediadores nos mecanismos
patogênicos das doenças reumáticas autoimunes pode contribuir
para melhor compreensão desse grupo de doenças.
Torna-se oportuna uma revisão das atuações da leptina e da adiponectina no sistema imune e seus possíveis papéis no LES e na AR.
LEPTINA E O SISTEMA IMUNE
A leptina (do grego leptos = magro) foi a primeira adipocina
identificada. Ela é uma proteína (16kDa) de 167 aminoácidos
codificada pelo gene obese (ob) no cromossomo 7q31.3,11 com
estrutura tridimensional semelhante à citocina da família da IL-6.
Atua por meio de receptores OBR,12,13 membros da superfamília de
receptores das citocinas classe 1, codificados pelo gene diabetes,
expressos em diferentes tecidos, como o sistema nervoso central
(SNC) e o sistema cardiovascular, e as células do sistema imune,
como os monócitos, as células natural killer (NK)14 e os linfócitos
T CD4+ e CD8+. Sua concentração sérica é medida em ng/mL, e
seus níveis correlacionam-se com a massa corporal.
A leptina atua no controle do apetite no eixo intestino-SNC,
promovendo saciedade por ação em receptores no hipotálamo.15 Os
camundongos com mutação no gene ob (camundongo ob/ob)16 ou
com deficiência do receptor para leptina (camundongo db/db)
desenvolvem obesidade grave por falta dessa sinalização. Outras
anormalidades secundárias também são observadas na reprodução,17
na hematopoiese,18 na angiogênese,19 na secreção de insulina,20 no
metabolismo ósseo,21 nos metabolismos lipídicos e da glicose20 e
no sistema imune inato e adaptativo.5,22,23 Trata-se, portanto, de uma
molécula pleiomórfica com várias ações biológicas.
Essa citocina possui atividade pró-inflamatória, atuando como
proteína de fase aguda5 de modo semelhante à IL-1 e ao TNF-α.
Nos monócitos e nos macrófagos, ela aumenta a função fagocítica e a produção de citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α,
a IL-6 e a interleucina 12 (IL-12),24 e estimula a proliferação e a
ativação dos monócitos. Nos neutrófilos, aumenta a expressão de
CD11b, bem como a quimiotaxia e a explosão oxidativa,25 e está
envolvida no desenvolvimento, na diferenciação, na proliferação,
na ativação e na citotoxicidade das células NK.26
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):271-287
A leptina está aumentada durante a infecção aguda, o que
sugere seu papel na resposta imune inata.5,27 A deficiência humana congênita é rara e está associada a maior incidência de
morte por infecções durante a adolescência.28 Está associada
também a uma diminuição do linfócito T CD4+ circulante e
suas citocinas.29 Essas alterações podem ser revertidas com a
administração de leptina recombinante, concluindo-se por um
efeito protetor contra a infecção. Porém, o obeso tem maior incidência de infecções, apesar do nível aumentado de leptina, o
que poderia indicar um estado de resistência em tais indivíduos.
A presença de receptores OBR nos linfócitos T e B indica
o possível papel da leptina na ativação do sistema imune
adaptativo.23 A principal ação parece ocorrer na regulação do
linfócito T CD4+,22,29 promovendo diferenciação do linfócito T
auxiliar 1 (Th1). Em cultura de linfócitos, observou-se que a
leptina induz a proliferação do linfócito T CD4+CD45RA+ e
inibe a proliferação do linfócito T CD4+CD45RO+ (células de
memória). A leptina aumenta a produção de citocinas Th1,
como a interleucina 2 (IL-2) e o interferon gama (IFN-γ), e
suprime a produção de citocinas do linfócito T auxiliar 2 (Th2),
como a interleucina 4 (IL-4);30 protege o linfócito T da apoptose induzida pelo corticosteroide31 e aumenta a expressão de
moléculas de adesão, como a molécula de adesão intercelular
1 (ICAM1) e a very late antigen 2 (VLA2), o que pode contribuir para a ativação e a migração das células imunes para o
sítio da inflamação.5
Em humanos, o aumento da leptina está associado a várias
condições inflamatórias crônicas, como hepatite não alcoólica,32 inflamação pulmonar crônica,33,34 doença inflamatória
intestinal,35 nefrite,36 doença de Behçet,9,37 doença de Graves,38
diabetes mellitus tipo 1,39 AR7,8,40 e LES.10,41
Camundongos com deficiência de leptina têm uma grave
atrofia do timo, sugerindo a importância da proteína na timopoiese e na resposta imune adaptativa.16,22,42 A administração
exógena de leptina previne a imunossupressão22 e a atrofia
do timo e aumenta sua celularidade.42 Esses camundongos
também apresentam resistência às doenças autoimunes do tipo
encefalomielite autoimune experimental,43–45 diabetes mellitus
tipo 1,46 colite experimental,47 artrite induzida por antígeno48
e glomerulonefrite experimental.49 A administração de leptina
estabelece a suscetibilidade à autoimunidade.
Outro indicador do envolvimento da leptina na autoimunidade é a concentração sérica duas a três vezes mais elevada
em mulheres que em homens,50,51 bem como a potencialização de encefalomielite experimental em camundongos
fêmeas.45 A leptina é um dos hormônios que favorece a
maior predisposição das mulheres ao desenvolvimento de
doenças autoimunes.
279
Barbosa et al.
ADIPONECTINA E O SISTEMA IMUNE
A adiponectina é uma proteína monomérica globular com 244
aminoácidos que formam um trímero (30 kDa), o qual se polimeriza e forma um grande polímero complexo variando de 180 kDa
a 400–600 kDa.1,6,52 Possui estrutura semelhante aos colágenos
VIII e X e à fração do complemento C1q, é sintetizada principalmente pelos adipócitos, mas também é produzida nos músculos
esqueléticos, nos miócitos cardíacos e nas células endoteliais.1 O
gene da adiponectina humana localiza-se no cromossomo 3q27.
Possui três receptores: AdipoR1, AdipoR253e T-caderina,54 dos
quais o primeiro é expresso mais abundantemente no músculo
esquelético, o segundo no fígado, e o terceiro no coração e nas
artérias. No soro, a adiponectina pode ser encontrada como
polímeros ou como fragmentos proteolíticos.6 Sua concentração
sérica humana está entre 5–10 mg/mL.4
A adiponectina está diminuída no sangue em casos de
obesidade visceral e naqueles com resistência à insulina, bem
como na esteatose hepática não alcoólica e no diabetes mellitus
tipo 2.55 Animais obesos tratados com adiponectina diminuem a
hiperglicemia e o nível de lipemia e melhoram a sensibilidade à
insulina.56 Portanto, admite-se uma atividade de proteção contra
a resistência à insulina e um efeito antidiabético.
Enquanto a leptina tem atividade pró-inflamatória, a adiponectina parece apresentar atividade anti-inflamatória,4,6 com
efeito sobre as células endoteliais pela inibição da expressão
das moléculas de adesão induzidas pelo TNF.57
No sistema imune inato, a adiponectina suprime o aumento
da atividade citotóxica das células NK pela IL-2 e também a
produção de IFN-γ.58 Ela exerce efeito anti-inflamatório por
reduzir a produção e a atividade do TNF-α e da IL-6, e também
por induzir a produção de mediadores anti-inflamatórios
como a interleucina 10 (IL-10) e o antagonista do receptor
da interleucina 1 (IL-1 RA).59 Inibe, ainda, a proliferação e
a atividade fagocítica dos monócitos, e reduz a capacidade
fagocítica do macrófago.59 Entretanto, promove a fagocitose
das células apoptóticas pelos macrófagos, cujo acúmulo é
capaz de desencadear inflamação ou disfunção do sistema
imune.60
Embora a adiponectina atue de forma contrária à leptina,
inibindo a ativação e a proliferação dos linfócitos T e a linfopoiese do B,61 seu efeito na produção das citocinas parece
depender da isoforma,62 do tipo e da ativação da célula-alvo,
bem como da presença de citocinas pró-inflamatórias que
possam modificar sua expressão.1
ADIPOCINAS E AS DOENÇAS AUTOIMUNES
REUMÁTICAS
Nos últimos anos houve esforços para esclarecer o papel das
adipocinas, principalmente da leptina e da adiponectina, nas
doenças autoimunes, particularmente nas doenças reumáticas
como AR63–67e LES.68
Adipocinas e lúpus eritematoso sistêmico
As adipocinas estão aumentadas no LES,10,68–71 porém a maioria
dos artigos não mostra correlação das mesmas com a atividade
da doença (Tabela 1).
Tabela 1
Dosagem de adipocinas no lúpus eritematoso sistêmico
Autor e ano
Tipo de estudo
Pacientes
Controles
*Dosagem de
leptina
*Dosagem de
adiponectina
Atividade
da doença
Garcia-Gonzalez
et al., 200210
Transversal
41
23
Aumentada (sérica)
Não realizada
Não houve
correlação
Sada et al., 200669 Transversal
37
80
Aumentada (sérica)
Aumentada (sérica)
Não avaliada
Al et al., 200971
Coorte
105
77
Aumentada (sérica)
Não houve diferença
Não houve
correlação
Wislowska
et al., 200841
Transversal
30
30
Não houve
diferença (sérica)
Não realizada
Não houve
correlação
Rovin et al.,
200570
Coorte
47 (ativos)
33 (inativos)
28
Não realizada
Aumentada
(sérica e urinária)
Correlação com A adiponectina urinária pode
atividade renal ser um marcador renal
Chung et al.,
200968
Transversal
109
78
Aumentada (sérica)
Aumentada (sérica)
Não houve
correlação
Observações
A leptina sérica foi menor
nos pacientes com artrite e
envolvimento do SNC
A leptina sérica correlacionou-se com resistência à
insulina
*Dosagem de leptina ou adiponectina em comparação aos controles. SNC: sistema nervoso central.
280
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):271-287
Possível papel das adipocinas no lúpus eritematoso sistêmico e na artrite reumatoide
Em 2002, Garcia-Gonzalez et al.10 avaliaram 41 mulheres
com LES com níveis aumentados de leptina quando comparadas aos controles, embora sem correlação com a atividade ou
a duração da doença ou com a idade das pacientes.
Estudo de Sada et al.69 mostrou maior concentração de leptina e
de adiponectina em pacientes com LES. A adiponectina foi significativamente elevada nas pacientes lúpicas sem resistência à insulina,
sugerindo um papel dessa adipocina na resistência à insulina.
Al et al.,71 avaliando crianças lúpicas, observaram maior
concentração da leptina (34%) em comparação aos controles,
porém nenhuma diferença na concentração da adiponectina.
Foram avaliados 105 pacientes com LES (21 do gênero masculino e 84 do gênero feminino) com média de idade de 14,98
anos, que foram comparados com crianças saudáveis. Como
nos estudos em adultos, não houve correlação da leptina com
os índices de atividade da doença. Os autores sugeriram,
então, que as adipocinas não são marcadores de atividade.
Wislowska et al.,41 avaliando 30 pacientes lúpicas e 30
controles, mostraram que não houve diferença no nível sérico de leptina entre pacientes com LES e o grupo-controle.
Porém, o nível de leptina foi menor nas pacientes com artrite e
envolvimento do SNC que naquelas sem essas manifestações.
Os autores sugeriram que a inflamação crônica ativa poderia
diminuir a concentração de leptina.
Rovin et al.70 relataram que o nível plasmático de adiponectina
estava aumentado nos pacientes com LES com envolvimento
renal, quando comparados aos pacientes sem envolvimento
renal e aos controles saudáveis. O nível urinário da adiponectina
aumentava significativamente na atividade renal, sugerindo que a
adiponectina urinária poderia ser um marcador de atividade renal.
Chung et al.68 investigaram a concentração de resistina, visfatina, leptina e adiponectina em 109 pacientes com LES e suas
correlações com aterosclerose coronariana, resistência à insulina
e inflamação. As pacientes com LES apresentaram maior concentração de adiponectina, leptina e visfatina em comparação ao
grupo-controle, porém nenhuma adipocina correlacionou-se com
aterosclerose coronariana. A baixa concentração de adiponectina
e a alta concentração de leptina foram associadas à resistência à
insulina, ao índice de massa corporal (IMC) e à proteína C-reativa
(PCR). Os autores sugeriram que as adipocinas promovem a
ligação entre a resistência à insulina e a inflamação.
Adipocinas e artrite reumatoide
Com relação à AR, os trabalhos mostram resultados conflitantes
em relação ao papel das adipocinas.72
Leptina e artrite reumatoide
Em vários estudos, a dosagem de leptina em pacientes com
AR tem-se mostrado maior que em controles,40,63–65,73,74 e
alguns trabalhos demonstram correlação com atividade de
doença40,63,64,73 (Tabela 2).
Tabela 2
Dosagem de leptina na artrite reumatoide
Autor e ano
Tipo de
estudo
Pacientes
Controles
*Dosagem de
leptina
Atividade da
doença
Observação
Bokarewa et al., 200340
Transversal
76
34
Aumentada (sérica e sinovial)
Houve correlação
Menor nível no líquido sinovial foi
associado à doença não erosiva
Otero et al., 200673
Transversal
31
18
Aumentada (sérica)
Houve correlação
Lee et al., 2007
Transversal
50
Não
Aumentada (sérica)
Houve correlação
Targonska-Stepniak
et al., 200864
Transversal
37
Não
Aumentada (sérica)
Houve correlação
Salazar-Paramo
et al., 200175
Transversal
30
30
Aumentada (sérica)
Não houve correlação
Gunaydin et al., 200674
Transversal
50
34
Seven et al., 200965
Transversal
20
25
Aumentada (sérica e sinovial)
Não houve correlação
Anders et al., 1999
Transversal
58
16
Não houve diferença (sérica)
Não houve correlação
Popa et al., 200578
Transversal
31
18
Não houve diferença (sérica)
Correlação inversa
Transversal
41
25
Não houve diferença (sérica)
Não houve correlação
Transversal
30
30
Não houve diferença (sérica)
Não houve correlação
63
8
Hizmetli et al., 200777
76
Wislowska et al., 2007
Aumentada (sérica)
Correlação com AR erosiva e longa
duração
Não houve correlação
Anti-TNF-α não alterou os níveis
de leptina
*Dosagem de leptina em comparação aos controles. AR: artrite reumatoide.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):271-287
281
Barbosa et al.
Em 2003, Bokarewa et al.40 avaliaram o nível de leptina
sérica e no líquido sinovial de 76 pacientes com AR e os correlacionaram com duração, atividade e alterações radiológicas. Os
autores encontraram aumento significativo de leptina no sangue
dos pacientes em comparação aos controles saudáveis, e esse nível
foi maior que o sinovial. Não houve correlação com a duração da
doença, e o menor nível de leptina no líquido sinovial foi associado
à doença não erosiva. Os autores sugeriram que o menor nível
encontrado no líquido sinovial deveu-se ao consumo local, e que
ele poderia exercer efeito protetor para o dano articular.
Otero et al.73 também observaram maior nível plasmático
de leptina, adiponectina e visfatina em pacientes com AR
que nos controles, sugerindo papel modulador da inflamação
nesses pacientes.
Lee et al.63 investigaram se os níveis de leptina estavam
elevados nos pacientes com AR em atividade e se esses níveis
correlacionavam-se com a atividade da doença. Os autores encontraram aumento significativo da leptina nos pacientes com alta
atividade da doença e correlação positiva entre a leptina, o DAS28
e a PCR. Nos pacientes com alta atividade de doença, que foram
acompanhados e tiveram redução do DAS28, também houve redução significativa do nível da leptina. Os autores concluíram que
os níveis de leptina correlacionaram-se com a atividade da doença.
Targonska-Stepniak et al.64 avaliaram 37 pacientes com
AR e encontraram aumento significativo da concentração de
leptina na doença erosiva e nos pacientes com doença de longa
duração. O nível de leptina correlacionou-se positivamente com
o valor do DAS28, com a velocidade de hemossedimentação
(VHS) e com o número de articulações dolorosas, sugerindo
que a leptina está associada à atividade da doença e a um risco
de destruição progressivo da articulação.
Em outros estudos,65,74,75 embora o nível de leptina estivesse
mais elevado nos pacientes com AR em comparação aos controles, não foi observada correlação clínica e laboratorial com
a atividade da doença.
Em 2001, Salazar-Paramo et al.75 observaram que a média
do nível de leptina foi duas vezes maior nos pacientes com
AR que nos controles, e não observaram nenhuma associação
a números de articulações edemaciadas, duração da rigidez
matinal e VHS. Comparando-se o nível de leptina dos pacientes
com atividade de doença ao dos pacientes em remissão, não
houve diferença significativa.
Gunaydin et al.74 avaliaram os níveis séricos de leptina nos
pacientes com AR e os correlacionaram com os parâmetros
clínicos e laboratoriais de atividade da doença. Embora o nível
sérico tenha sido maior nos pacientes com AR, não houve correlação entre o nível de leptina e a duração da doença, contagem
de articulações dolorosas e edemaciadas, DAS28, PCR, VHS,
282
TNF-α e uso de corticoide e metotrexato (MTX). Não houve
diferença significativa entre o nível de leptina nos pacientes
com alta ou baixa atividade de doença. O nível de leptina foi
significativamente mais elevado nos pacientes com AR que nos
controles, porém sem correlação clínica e laboratorial com a
atividade da doença.
Em 2009, Seven et al.65 encontraram níveis significativamente maiores de leptina sérica e no líquido sinovial nos
pacientes com AR comparados aos controles, e nos pacientes
com moderada atividade comparados aos com baixa atividade.
Os níveis séricos de leptina foram independentes da idade e dos
marcadores de inflamação. Os autores sugeriram que os níveis
não poderiam ser usados para avaliar a atividade da doença.
Apesar desses achados, alguns estudos8,76,77 mostram que
a concentração da leptina nos pacientes com AR é similar aos
controles saudáveis.
Em 1999, Anders et al.8 determinaram o nível sérico da
leptina em 58 pacientes com AR e em 16 controles, e não
encontraram diferença significativa entre os grupos. A leptina
correlacionou-se com a porcentagem de gordura corporal, mas
não com a atividade da doença.
Popa et al.78 tentaram correlacionar a leptina com a inflamação e investigaram se o anti-TNF-α modulava sua concentração. Os autores não encontraram diferença na concentração
de leptina entre os pacientes com AR e os controles, e ainda
encontraram correlação inversa com a inflamação. Após duas
semanas de tratamento com anti-TNF-α, não foi observada
mudança na concentração de leptina. Os autores sugeriram
que a inflamação crônica poderia diminuir os níveis de leptina.
Hizmetli et al.77 não encontraram diferença significativa
do nível de leptina entre os pacientes com AR e os controles
saudáveis. Tanto o nível sérico quanto o do líquido sinovial
não se correlacionaram com duração da doença, VHS, PCR,
fator reumatoide e erosões articulares. Os autores concluíram
que a leptina não se correlaciona com a atividade de doença.
Wislowska et al.76 também não encontraram diferença
significativa da leptina sérica entre pacientes com AR e os
controles com osteoartrite.
Adiponectina e artrite reumatoide
O aumento da adiponectina, observado nos pacientes com
AR,79–81 tem sugerido uma atividade pró-inflamatória, mais
que anti-inflamatória (Tabela 3).
Senolt et al.79 encontraram nível sérico de adiponectina
significativamente maior nos pacientes com AR que nos
controles saudáveis, comparável ao nível dos pacientes com
osteoartrite – a concentração no líquido sinovial nos pacientes
com AR, porém, foi maior que naqueles com osteoartrite. Os
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):271-287
Possível papel das adipocinas no lúpus eritematoso sistêmico e na artrite reumatoide
autores concluíram que o aumento da adiponectina do líquido
sinovial dos pacientes com AR pode contrapor ao processo
inflamatório local.
Em 2009, Laurberg et al.80 compararam o nível de adiponectina em pacientes com AR inicial sem DMARDs a
pacientes com AR crônica, com osteoartrite e indivíduos
saudáveis. Eles também avaliaram a mudança do nível de
adiponectina durante o tratamento com MTX em um subgrupo
de AR crônica. A adiponectina foi significativamente menor
nos indivíduos saudáveis em comparação aos pacientes com
AR inicial, AR crônica ou osteoartrite. Nos pacientes com AR
crônica tratados com MTX houve aumento de 13% no nível
da adiponectina.
Ebina et al.81 compararam os níveis séricos de adiponectina em pacientes com AR severa, leve e em controles,
e observaram que houve correlação da adiponectina com o
grau de severidade da doença, mas não houve correlação
com marcadores inflamatórios (PCR e DAS28), sugerindo
associação entre o número de articulações destruídas e a
elevação da proteína.
No estudo de Targonska-Stepniak et al.,82 a adiponectina
correlacionou-se com a doença de longa duração (> 10 anos),
apresentando relação positiva com o aumento da idade e
o tempo de doença e relação negativa com a atividade da
doença.
Ao contrário da leptina, cujos níveis não se alteram com
o uso do anti-TNF-α,78 alguns estudos têm demonstrado ação
dessa droga sobre os níveis de adiponectina.83–85 No trabalho de
Härle et al.,86 no entanto, essa correlação não foi evidenciada.
Nagashima et al.83 observaram que o nível de adiponectina
não apresentou diferença significativa entre os controles saudáveis e os pacientes com AR. Porém, no grupo de mulheres
tratadas com infliximabe e etanercepte, o nível de adiponectina
foi significativamente maior.
No estudo de Komai et al.,84 os autores observaram aumento
significativo do nível de adiponectina na segunda e na sexta
semanas de aplicação do infliximabe, e sugeriram um papel
do TNF-α na expressão dessa adipocina.
Nashida et al.85 avaliaram 97 pacientes com AR ativa tratados com infliximabe a cada oito semanas, por 52 semanas, e
observaram aumento significativo da adiponectina e melhora da
atividade da doença e dos marcadores inflamatórios. Os autores
sugeriram que essa proteína e o TNF-α têm efeitos opostos, e
o bloqueio do TNF-α pode interferir na aterosclerose, direta ou
indiretamente, por meio da adiponectina, melhorando a morbimortalidade cardiovascular da doença inflamatória crônica.
Tabela 3
Dosagem de adiponectina na artrite reumatoide
Autor e ano
Tipo de
estudo
Pacientes
Controles
*Dosagem de
adiponectina
Atividade
da doença
Observações
Senolt et al., 200679
Transversal
20
21 (OA)
23 (sadios)
Aumentada (sérica e LS)
Não houve correlação
No LS houve correlação negativa com a contagem de
leucócitos do LS na AR
114
35 (OA)
45 (sadios)
Aumentada (sérica)
Não houve correlação
Aumento maior nos pacientes
tratados com MTX
Coorte
37 (AR leve)
53 (AR severa)
42
Aumentada (sérica)
Não houve correlação
Houve correlação com o grau
de severidade
Targonska-Stepniak
et al., 201082
Transversal
80
Não
Não avaliado
Correlação negativa
Correlação com doença de
longa duração
Nagashima
et al., 200883
Coorte
46 (IFX)
28 (etanercepte)
37 (sem antiTNF-α)
19
Não houve
diferença (sérica)
Não demonstrado
Aumento da dosagem sérica
após tratamento com antiTNF-α
Komai et al., 200784
Coorte
15 (IFX)
Não
Não avaliado
Correlação negativa
Aumento da dosagem sérica
após tratamento com antiTNF-α
Nashida et al., 200885 Coorte
97 (IFX)
Não
Não avaliado
Não houve correlação
Aumento da dosagem sérica
após tratamento com antiTNF-α
Härle et al., 200686
32 (ADA)
Não
Não avaliado
Não houve correlação
Não alterou a dosagem sérica
com o tratamento com antiTNF-α
Laurberg et al., 200980 Coorte
Ebina et al., 200981
Coorte
*Dosagem de adiponectina em comparação aos controles. OA: osteoartrite; LS: líquido sinovial; AR: artrite reumatoide; MTX: metotrexato; IFX: infliximabe; ADA: adalimumabe.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):271-287
283
Barbosa et al.
Härle et al.86 avaliaram os níveis de leptina e de adiponectina em 32 pacientes com AR tratados com adalimumabe por
12 semanas, e não encontraram mudança durante o tratamento.
Nos 16 pacientes previamente tratados com prednisona os
níveis de adiponectina foram significativamente menores que
nos pacientes sem corticoide, e essa diferença permaneceu
durante todo o período. Os autores concluíram que nos pacientes com AR os níveis séricos de leptina e de adiponectina não
são ligados à inflamação e não diminuem após 12 semanas de
tratamento com anti-TNF-α.
O aumento da adiponectina observado nos pacientes
com AR após o tratamento com anti-TNF-α sugere sua
atividade anti-inflamatória. Portanto, o efeito (pró-inflamatório ou anti-inflamatório) da adiponectina na AR ainda
permanece em aberto.
ADIPOCINAS E DANO ARTICULAR
REFERENCES
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
14,87,88
Alguns trabalhos
mostram que a obesidade protege contra
o dano articular na AR. Embora o mecanismo não seja bem
conhecido, as adipocinas parecem estar envolvidas.
No estudo de Giles et al. 66 a adiponectina mostrou
forte associação ao dano radiológico. O mesmo, porém,
não foi observado com a resistina e a leptina. Os autores
concluíram que a adiponectina pode representar a ligação
entre a menor massa gordurosa e o dano radiológico e
também pode ser uma nova estratégia terapêutica para
atenuação do mesmo.
Rho et al.67 avaliaram a concentração sérica de leptina,
resistina, adiponectina e visfatina em 167 pacientes com AR
e encontraram maior concentração de todas as adipocinas,
quando comparadas aos controles. A visfatina mostrou associação positiva com maior dano radiológico, enquanto a
leptina mostrou associação negativa. Os autores sugerem que
as adipocinas estão aumentadas nos pacientes com AR e que
podem modular o dano articular.
COMENTÁRIOS FINAIS
A descoberta das adipocinas revelou o importante papel das
células adiposas na homeostasia, e que seus produtos, citocinas
e hormônios, exercem ação no sistema imune. Contudo, ainda
são controversos os resultados dos estudos desses mediadores nas enfermidades reumáticas. Julgamos necessários mais
estudos comparativos, em diferentes fases das doenças, em
diferentes populações, com métodos reprodutíveis, para compreender melhor a função e a importância dessas substâncias
nesse subgrupo de pacientes.
284
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
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RELATO DE CASO
Eritema elevatum diutinum como diagnóstico
diferencial das doenças reumatológicas: relato de caso
Dário Júnior de Freitas Rosa1, Ronaldo Figueiredo Machado2, Rafael de Oliveira Fraga3,
Antônio Scafuto Scotton4, Viviane Angelina de Souza5, Bruno Fernandes6
RESUMO
O eritema elevatum diutinum é uma vasculite leucocitoclástica cutânea crônica e rara, caracterizada por pápulas, placas e
nódulos vermelhos, purpúreos e amarelados, distribuídos simetricamente sobre as superfícies extensoras das extremidades.
Está associado a vários processos autoimunes, neoplásicos e infecciosos, principalmente malignidades hematológicas
(cerca de 30% dos casos). Artralgia e artrite são sintomas frequentes, que afetam por volta de 40% dos pacientes, o
que indica a necessidade de sua inclusão no diagnóstico diferencial das doenças reumatológicas, principalmente se em
conjunto com outras apresentações da vasculite leucocitoclástica, caracterizadas pela combinação de manifestações
reumáticas com alterações cutâneas características. Descrevemos o caso de uma paciente de 18 anos que desenvolveu
eritema elevatum diutinum, cujo diagnóstico baseou-se nas características morfológicas, no padrão de distribuição das
lesões cutâneas e nos achados histopatológicos de vasculite leucocitoclástica. O principal sintoma sistêmico era uma
artrite severa.
Palavras-chave: artrite, dapsona, dermatopatias, eritema, vasculite.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
O eritema elevatum diutinum (EED) é uma dermatose crônica e
rara, considerada uma variante da vasculite leucocitoclástica. Foi
originalmente descrita por Hutchinson1 em 1888 e por Bury2 em
1889; entretanto, o nome eritema elevatum diutinum foi utilizado
pela primeira vez em 1894, por Radcliffe-Crocker et al.,3 que
encontraram similaridades entre os achados clínicos apresentados
por seus pacientes e os casos descritos por Hutchinson e Bury. O
nome EED explica-se pelas características das lesões cutâneas,
que são avermelhadas (eritema), elevadas (elevatum) e persistentes
(diutinum), tendendo a uma distribuição simétrica nas superfícies
extensoras das articulações das extremidades e nas nádegas.4
A etiologia do EED permanece desconhecida. Acreditase que seja mediada pela deposição de imunocomplexos
circulantes nos espaços da derme perivascular, secundário
a infecções estreptocócicas e a doenças hematológicas ou
autoimunes, induzindo uma cascata inflamatória que causaria
dano à parede dos vasos e consequente fibrose.5
Essa doença pode ocorrer em qualquer idade, com pico
de incidência entre a terceira e a sexta décadas de vida, com
poucos casos descritos em pacientes pediátricos. O EED é
visto igualmente em ambos os gêneros. Os casos femininos
geralmente ocorrem em idade mais precoce e apresentam
frequentemente uma doença reumatológica concomitante.6
A artralgia é o sintoma mais comum, verificado em até
40% dos casos.7 O EED pode também estar associado a artrite
importante e a elevação das provas de atividade inflamatória,
devendo ser sempre considerado no diagnóstico diferencial
das doenças reumatológicas.
Recebido em 21/12/2010. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.
Serviços de Dermatologia e Reumatologia do Hospital Universitário, Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
1. Especialista em Clínica Médica, Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora; Dermatologista, Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF
2. Dermatologista, UFJF
3. Professor e Preceptor de Reumatologia, UFJF; Presidente da Sociedade Mineira de Reumatologia 2011–2012
4. Professor de Reumatologia, UFJF; Chefe do Serviço e da Disciplina de Reumatologia, UFJF
5. Professora de Reumatologia, UFJF
6. Estudante do curso de Graduação em Medicina, UFMG
Correspondência para: Dário Júnior de Freitas Rosa. Rua Catulo Breviglieri, s/n – Santa Catarina. CEP: 36.036-110. Juiz de Fora, MG, Brasil.
E-mail: [email protected]
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):288-294
291
Rosa et al.
Descrevemos o caso de uma paciente com 18 anos cujas
lesões cutâneas apresentavam características morfológicas, padrão de distribuição e achados histopatológicos de uma vasculite
leucocitoclástica, consistentes com o diagnóstico de EED, em
que o principal sintoma sistêmico associado era a queixa de
intensa artrite nos punhos, cotovelos e joelhos.
Mediante esses achados, a paciente iniciou tratamento com
dapsona (100 mg/dia) e prednisona (20 mg/dia), evoluindo com
melhora parcial dos sintomas articulares e das lesões cutâneas
após três meses de tratamento, persistindo algumas lesões sobre
as articulações metacarpofalangeanas de ambas as mãos e do
dorso dos pés. Ocorreu hipercromia residual nas superfícies
extensoras dos punhos, cotovelos e joelhos.
RELATO DE CASO
Paciente do gênero feminino, 18 anos, branca, solteira, estudante,
encaminhada para avaliação reumatológica por apresentar há
cerca de três anos quadro de poliartrite associada a fenômeno de
Raynaud e lesões cutâneas nos membros superiores e inferiores.
Negava uso de medicações precedendo o quadro clínico.
Ao exame físico, apresentava eritema, edema, calor e dor
acometendo predominantemente articulações dos punhos, cotovelos e joelhos. As lesões cutâneas eram caracterizadas por pápulas e placas eritêmato-purpúreas e acastanhadas simetricamente
distribuídas sobre as superfícies extensoras das articulações
metacarpofalangeanas, punhos, cotovelos, joelhos, pernas, dorso
dos pés e nádegas, de caráter persistente. Notavam-se também
placas eritêmato-purpúreas de aspecto xantomatoso na região
anterior das pernas (Figura 1). A paciente referia tratamento por
cinco meses com prednisona (40 mg/dia) e anti-inflamatórios não
hormonais, com pouca melhora dos quadros cutâneo e articular.
O diagnóstico de EED foi proposto em avaliação conjunta
com o serviço de dermatologia, e foram solicitados exames
complementares, incluindo hemograma, dosagem de plaquetas,
bioquímica, função hepática e renal, glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicerídeos séricos, dosagem de glicose
6-fosfato desidrogenase, creatinofosfoquinase, desidrogenase
lática, VDRL, ASLO, hormônios tireoidianos, sorologia para
HIV e hepatites, fator reumatoide, Waaler-Rose, anticorpos
antinucleares, autoanticorpos (anti-Ro, anti-La, anti-DNA
e anti-RNP), dosagem de crioglobulinas e crioaglutininas,
radiografia de tórax e tomografia computadorizada dos seios
da face – todos sem alteração. Havia, no entanto, elevação das
provas de atividade inflamatória (velocidade de hemossedimentação de 66 mm na primeira hora e proteína C-reativa de
10,91 mg/L), P-ANCA positivo na titulação de 1:40 e pico de
gamaglobulina (30%) na eletroforese de proteínas.
A paciente foi submetida a estudo histopatológico de lesão
na perna esquerda, que evidenciou área focal de necrose epidérmica, com derme superficial e profunda apresentando infiltrado
inflamatório perivascular composto por linfócitos, neutrófilos
e eosinófilos, além de infiltração neutrofílica endotelial, leucocitoclasia e extravasamento de hemácias (Figura 2), quadro
histológico de uma vasculite leucocitoclástica.
292
Figura 1
Lesões papulonodulares acastanhadas e violáceas e placas
eritêmato-purpúreas na região anterior dos membros inferiores.
Figura 2
Vasculite leucocitoclástica. Epiderme sem alterações no local.
Na derme nota-se infiltrado disperso e perivascular composto
predominantemente por neutrófilos, com alguns linfócitos e eosinófilos, associado à fragmentação nuclear (leucocitoclasia),
além de infiltração neutrofílica endotelial. Os vasos dérmicos
mostram edema das células endoteliais e depósitos fortemente
eosinofílicos em sua parede, compatível com degeneração
fibrinoide. Nota-se discreto extravasamento de hemácias.
(Hematoxilina-eosina – 100x).
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):288-294
Eritema elevatum diutinum como diagnóstico diferencial das doenças reumatológicas: relato de caso
DISCUSSÃO
O EED é uma doença crônica rara que se manifesta com placas, pápulas e nódulos eritêmato-purpúreos que, na maioria
das vezes, assumem distribuição simétrica, persistente e de
localização acral, preferencialmente nas superfícies extensoras de mãos, pés, cotovelos e joelhos, além de nádegas,
pernas e tendões de Aquiles. As lesões iniciais tendem a ser
macias, mas com o passar do tempo tornam-se duras e firmes,
refletindo sua tendência à fibrose.8 Na paciente relatada, as
lesões apresentavam padrão de distribuição típico sobre faces
extensoras das articulações de mãos, cotovelos, joelhos e
nádegas, associadas a lesões purpúreas e acastanhadas nos
membros inferiores.
Menos comumente, localizações atípicas das lesões
cutâneas têm sido referidas no tronco, retroauricular, em
palmas e plantas.9 Burnett et al.10 relatam a possibilidade de
exacerbação das lesões cutâneas com infecção bacteriana
concomitante.
O estado geral do paciente geralmente não é afetado, havendo pouco ou nenhum envolvimento sistêmico.4 A artralgia
é o sintoma sistêmico mais comum, com relatos também de
dor em queimação acentuada e vespertina nas áreas de pele
envolvidas, prurido e sintomas constitucionais.7 Notamos,
no caso relatado, presença de importante artrite em punhos,
cotovelos e joelhos, e do fenômeno de Raynaud, associados à
elevação das provas de atividade inflamatória (velocidade de
hemossedimentação e proteína C-reativa), tornando necessário
o diagnóstico diferencial para diversas doenças reumatológicas
que cursam com essas alterações.
As malignidades hematológicas são consideradas os fatores
mais comumente associados, presentes em aproximadamente
30% dos casos, das quais a mais frequente é a gamopatia monoclonal por IgA.11,12 A paciente referida apresentava como
anomalia hematológica um pico de gamaglobulina de 30%.
Relata-se também a associação dessa vasculite com doenças
neoplásicas, autoimunes e infecciosas, destacando-se a infecção pelo vírus da imunodeficiência adquirida. Neste último, a
apresentação clínica pode ser alterada com presença de lesões
nodulares e envolvimento palmoplantar.10
As principais doenças reumatológicas já relacionadas com
o quadro são artrite reumatoide, policondrite recidivante, lúpus
eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren e artrite idiopática
juvenil.4,8,13 Essas associações são mais frequentemente evidenciadas em pacientes jovens do gênero feminino.6 Embora
não tenha sido caracterizada qualquer doença reumatológica
associada no caso relatado, a artrite era intensa e motivou a
consulta inicial da paciente.
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):288-294
Os achados histopatológicos não são patognomônicos, embora possam ser altamente sugestivos.4 Nas lesões precoces de
EED evidenciam-se sinais de uma vasculite leucocitoclástica,
demonstrando fibrina, neutrófilos e fragmentos de neutrófilos
na parede dos pequenos vasos da derme média e superficial.13,14
Todos esses elementos são compatíveis com a descrição dos
achados histopatológicos da paciente. Nas lesões tardias, os
achados incluem a combinação de tecido de granulação ou
cicatrização com a proliferação de células fusiformes na derme,
associadas ou não a células gigantes multinucleadas. O depósito de complexos imunes circulantes na derme perivascular
induz uma cascata inflamatória, que provoca dano vascular e
consequente fibrose.9,11
Algumas doenças reumatológicas podem apresentar os
achados histopatológicos de vasculite leucocitoclástica associados a manifestações cutâneas características (notadamente
doença de Behçet, vasculite crioglobulinêmica, púrpura de
Henoch-Schönlein e as vasculites por hipersensibilidade) e
devem, sempre, ser consideradas no diagnóstico diferencial do
EED. O padrão de distribuição típico das lesões de pele nessa
patologia ajuda a confirmar o diagnóstico.8
O tratamento do EED é dificultado porque a doença assume
um curso crônico e recorrente.9 O tratamento de escolha e mais
eficaz é a dapsona.14,15 O mecanismo exato de ação da dapsona
não é totalmente conhecido, mas sabe-se que essa droga atua
estabilizando os lisossomas dos neutrófilos ou interferindo
na deposição de fator C3 do complemento. Outras hipóteses
seriam a ação da dapsona na supressão do excesso de atividade
quimiotática dos neutrófilos, na inibição da citotoxicidade dos
neutrófilos, além da diminuição da concentração de intermediários oxigenados induzidos pela inflamação e da inibição das
prostaglandinas D2, que são vasoativas e aumentam o potencial
quimiotático dos leucotrienos B4.4
Nos casos em que há resistência à dapsona, algumas
opções terapêuticas encontradas são colchicina, niacinamida
associada à tetraciclina, corticosteroides sistêmicos e até troca intermitente de plasma, nos casos em que há associação a
paraproteinemias por IgA.8,13
Embora as lesões sejam caracteristicamente persistentes,
sua evolução é variável e imprevisível, havendo relatos de
resolução espontânea sem recidiva e casos de recorrência em
locais previamente envolvidos.10 Com a regressão das lesões,
é comum a hiperpigmentação residual com atrofia ocasional.4
Descrevemos um caso de EED, uma forma crônica rara de
vasculite leucocitoclástica, cujo diagnóstico deve ser sempre
cogitado em pacientes que apresentam queixas reumatológicas
associadas a manifestações cutâneas características e estudo
histopatológico compatível.
293
Rosa et al.
REFERENCES
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RELATO DE CASO
Micofenolato mofetil na síndrome de Sjögren primária:
uma opção para o tratamento da agranulocitose
Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho1, Samuel Bergamaschi2, Fabrício Souza Neves3,
Adriana Fontes Zimmermann4, Gláucio Ricardo Werner de Castro4, Ivânio Alves Pereira5
RESUMO
A síndrome de Sjögren (SS) é uma doença autoimune caracterizada pela presença de infiltrado linfocítico nas glândulas
salivares e lacrimais. Manifestações hematológicas da síndrome de Sjögren primária (SSp) geralmente consistem em
anemia leve, trombocitopenia, neutropenia moderada e linfopenia. Agranulocitose é raramente descrita e, em geral,
responde bem ao tratamento de imunossupressão. Neste trabalho, descrevemos o caso de uma paciente portadora de SSp
que apresentou quadro de agranulocitose refratária ao tratamento. A biópsia de medula revelou medula óssea hipocelular
com maturação normal da série granulocítica. A paciente foi sucessivamente tratada com prednisona em altas doses, fator
estimulador de colônia de macrófagos e ciclosporina, todos sem resposta hematológica. Micofenolato mofetil (MMF)
foi iniciado, e após dois meses houve aumento na contagem das células brancas. Após um ano de seguimento a paciente
não apresentou novos episódios de neutropenia, nem complicações infecciosas. Concluímos que, na agranulocitose
refratária associada à SSp, o tratamento com MMF pode ser uma opção eficaz e bem tolerada.
Palavras-chave: neutropenia, agranulocitose, resultado de tratamento, imunossupressores, síndrome de Sjögren.
© 2012 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
INTRODUÇÃO
A síndrome de Sjögren (SS) é uma doença crônica autoimune
caracterizada por infiltração linfocítica das glândulas salivares e lacrimais, que leva à progressiva destruição dessas
glândulas.1 Pode ocorrer como uma síndrome localizada,
que causa primariamente secura de boca e olhos (síndrome
sica), ou como uma doença sistêmica, afetando múltiplos
órgãos. Pode ainda ocorrer como um distúrbio primário ou
secundário. No distúrbio primário, um paciente sem doença
conhecida do tecido conjuntivo desenvolve os sintomas
clássicos da síndrome sica.
Em geral, as manifestações hematológicas da SS primária
(SSp) consistem em anemia e trombocitopenia leves, além de
neutropenia e linfopenia moderadas.1 Há relatos de agranulocitose inexplicada em pacientes com SSp.2–4 A produção de neutrófilos na medula óssea pode estar afetada, ou os neutrófilos
podem ser destruídos na circulação por mecanismos imunes
tanto humorais quanto celulares. A agranulocitose associada
à SSp em geral responde aos esteroides usados isolados ou
associados a imunossupressores.2,4,5 De modo diferente, um
estudo relatou que esteroides isolados não foram eficazes e
sua associação com metotrexato resultou apenas em resposta
parcial e transitória.6
Recebido em 28/12/2010. Aprovado, após revisão, em 14/12/2011. Os autores declaram a inexistência de conflito de interesse.
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
1. Doutora em Reumatologia, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – FMUSP; Médica-Assistente dos Serviços de Reumatologia e Clínica
Médica, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Médica-Assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital Governador Celso Ramos
2. Aluno do curso de Graduação em Medicina, UFSC
3. Doutor em Ciências Médicas, FMUSP; Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica, UFSC
4. Pós-graduando em Ciências, UFSC; Médico-Assistente do Núcleo de Reumatologia, UFSC
5. Doutor em Reumatologia, FMUSP; Chefe do Núcleo de Reumatologia do Hospital Universitário, UFSC
Correspondência para: Sonia Cristina de Magalhães Souza Fialho. Rodovia Virgílio Várzea, 1510 – Bloco H-101 – Saco Grande. CEP: 88032-001. Florianópolis, SC,
Brasil. E-mail: fi[email protected]
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):295-299
297
Fialho et al.
Relatamos o caso de uma paciente com SSp que desenvolveu agranulocitose refratária, tendo sido tratada com sucesso
com micofenolato mofetil (MMF).
RELATO DE CASO
A paciente é uma mulher de 69 anos com xerostomia e xeroftalmia crônicas, admitida em nosso hospital devido a pneumonia
comunitária. Ela já havia apresentado pancitopenia, e fora
submetida em outro centro médico a esfregaço e biópsia de
medula óssea, que resultaram normais. Na admissão, os exames
sanguíneos mostraram hemoglobina 11,4 g/dL, hematócrito
34,3% e plaquetas 317.000. A contagem de leucócitos foi de
2.800, com 392 neutrófilos (14%). A velocidade de hemossedimentação foi de 19 mm/h, o nível de proteína C-reativa foi
de 2 mg/L, e o nível de creatinina, 1 mg/L. A eletroforese de
proteínas séricas mostrou hipergamaglobulinemia policlonal.
As pesquisas dos fatores reumatoide e antinuclear (1:320) foram positivas, mas a pesquisa de anti-SSA/SSB foi negativa.
A avaliação oftalmológica confirmou ceratoconjuntivite seca
e úlcera de córnea. A biópsia de medula óssea revelou hipocelularidade com maturação normal da série granulocítica e
imunofenotipagem normal.
A paciente foi inicialmente tratada com 1 g de ceftazidima
endovenosa a cada 8 horas, prednisona 60 mg/dia e fator estimulador de colônias de macrófagos e granulócitos (GM-CSF). Após
estabilização clínica, a paciente teve alta e foi encaminhada
para acompanhamento ambulatorial, mas foi readmitida três
outras vezes com agranulocitose, sendo novamente tratada
com altas doses de corticosteroides e GM-CSF. A despeito
disso, ela ainda apresentava contagem de leucócitos de
5.130, com 0 neutrófilos. O tratamento com ciclosporina até
100 mg duas vezes ao dia por oito meses não teve resposta
hematológica (contagem de leucócitos de 3.180, com 60
neutrófilos). Decidimos finalmente iniciar 2 g/dia de MMF,
e após dois meses a contagem de leucócitos foi de 3.510, com
2.200 neutrófilos. A dose de prednisona foi progressivamente
reduzida para 2,5 mg/dia. Depois de oito meses, a contagem
de leucócitos foi de 4.620, com 2.543 neutrófilos. Após
acompanhamento de um ano, embora a paciente não tivesse
apresentado melhora da secura ocular e oral, já não apresentou episódios de neutropenia nem complicações infecciosas.
A paciente assinou termo de consentimento livre e informado, de acordo com a declaração de Helsinque. Este
trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa
Catarina, Brasil.
298
DISCUSSÃO
O ácido micofenólico (MPA) é um inibidor seletivo da inosina
monofosfato desidrogenase, que leva à inibição da via “de
novo” da síntese de nucleotídeos. O efeito antiproliferativo
do MPA afeta principalmente linfócitos T e B ativados, pois a
proliferação dessas células depende da síntese de purina “de
novo”, em comparação a outras células eucariontes.7 Uma vez
sugerido que esses linfócitos desempenham papel importante
na imunopatogênese de SSp,8 o MPA pode ser um agente
promissor no tratamento dessa síndrome.
Ainda são necessários estudos sobre a eficácia e a segurança
do MMF na SSp em um maior número pacientes. Entretanto,
o MMF tem sido usado como terapia de manutenção após
o tratamento com rituximabe (anticorpo anti-CD20)9 e no
tratamento da vasculite associada à SSp.10 Tais observações
e o efeito imunossupressor do MPA em outras doenças
autoimunes levaram Willeke et al.10 a avaliar (em um ensaio piloto controlado aberto) a eficácia e a segurança do
tratamento com MMF em pacientes com SSp refratária aos
outros agentes imunossupressores. Em geral, o tratamento
com MMF resultou em melhora subjetiva da secura ocular
na escala visual analógica e em redução da demanda por
suplementação com lágrima artificial. No entanto, não houve
alteração significativa dos parâmetros objetivos de secura
de olhos e boca. O tratamento com MMF resultou ainda em
uma redução significativa da hipergamaglobulinemia e do
fator reumatoide, além de um aumento nos níveis do complemento e na contagem de leucócitos/neutrófilos, sugerindo
que o MMF também possa ser eficaz para o tratamento da
leucopenia associada à SSp.
Em resumo, a associação de agranulocitose com SSp é
rara, mas bem conhecida. Em geral, a agranulocitose responde
aos esteroides usados isoladamente ou em associação com
imunossupressores. Entretanto, em um estudo e no caso aqui
relatado, os esteroides usados isoladamente não foram eficazes,
tendo a associação com imunossupressores resultado apenas
em resposta parcial e transitória. Nesses casos, o MMF pode
ser uma opção de tratamento eficaz.
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299
CARTA AOS EDITORES
Passado nazista e mudança do nome de uma
doença: o caso da doença de Wegener
© 2011 Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.
Um dos reconhecimentos na vida de um médico é quando a
descoberta de uma enfermidade recebe seu nome. Há um grande número de situações desse tipo, prática secular com muitos
exemplos conhecidos. Um deles é a doença de Alzheimer,
que provoca perda da memória. Outro exemplo é a doença de
Crohn, uma forma de inflamação dos intestinos de natureza
crônica conhecida pelo nome de um famoso gastroenterologista, Harold Crohn, do Hospital Mount Sinai de Nova York.
Em 2001, na Revista Brasileira de Reumatologia, tive
a oportunidade de ser um dos reumatologistas do mundo a
divulgar embaraço que o nome atribuído a uma forma de
artrite, conhecida como síndrome de Reiter,1 estava causando
na literatura médica. Descobriu-se que Hans Reiter foi adepto
de Hitler, líder nazista, tendo participado de experimentos em
humanos nos campos de concentração. Várias sociedades médicas sugeriram a mudança do nome de "síndrome de Reiter"
para "artrite reativa".
Uma forma de inflamação das artérias e veias dos pulmões,
dos seios da face e dos rins foi identificada como um tipo
específico de inflamação crônica de natureza granulomatosa.
Friedrich Wegener, patologista em Berlim, identificou essa
enfermidade em 1937.2 A doença ficou conhecida como granulomatose de Wegener, e é considerada uma doença autoimune,
na qual os anticorpos atacam o próprio corpo.3
Apesar de suspeitas de sua participação e colaboração na
medicina nazista, os aliados o libertaram sem provas evidentes
de que tenha tomado parte no hitlerismo. Entretanto, investigações subsequentes e mais recentes, capitaneadas por Eric
Matteson (reumatologista de um dos mais prestigiosos centros
médicos americanos, a Mayo Clinic), mostraram que Wegener
foi um dedicado nazista, tendo inclusive se filiado ao partido
meses antes de Hitler ascender ao poder – ao contrário de outros
médicos, que tiveram que filiar-se ao nazismo para continuar
exercendo a Medicina. Wegener trabalhou como patologista
militar em Lodz, na Polônia, onde foi instalado o primeiro
“ghetto” do nazismo, com mais de 250 mil judeus. Segundo o
Dr. Matteson, Friedrich Wegener foi um nazista convicto – era
Rev Bras Reumatol 2012;52(2):300-302
impossível ele não saber o que estava acontecendo. Wegener
faleceu em 1990, aos 83 anos de idade, tendo recebido em vida
várias homenagens da British Thoracic Society e da American
Thoracic Society, entre outras.4
Existe um movimento nas sociedades médicas a fim de
que se substitua o nome vasculite de Wegener para vasculite
granulomatosa associada ao ANCA (teste laboratorial de natureza diagnóstica).5 A American Lung Association possuía um
prêmio denominado Wegener, para jovens pneumologistas,
e o eliminou. Um ano antes de sua morte (1989), Wegener
recebeu o título de Master Physician do American College of
Chest Physicians, que também foi destituído. Em minha
produção científica tenho alguns trabalhos sobre essa enfermidade, mas pretendo, também, que modifiquem o título dos
mesmos.5,6 Muitos progressos ocorreram no tratamento dessa
doença, mas ela pode ter um curso fatal quando há perda de
resposta ao tratamento. Esperamos que pacientes para os quais
esses diagnósticos venham a ser feitos não mais apresentem
doença de Wegener, mas vasculite ANCA positiva. Aos que
tiverem oportunidade de ler este texto, divulguem-no, para
que situações dessa natureza não continuem ocorrendo – qual
seja, homenagear criminosos de guerra com seu próprio nome
em caso de descobertas de vulto na história da Medicina.
Em artigo recente, o American College of Rheumatology, a
European League Against Rheumatism e a American Society of
Nephrology propuseram o nome de poliangeíte granulomatosa.7
Morton Aaron Scheinberg, PhD
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Rev Bras Reumatol 2012;52(2):300-302
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