JORNAL DA associação médica Página 10 • Junho/Julho 2012 ESPE Até quando falar a verdade? A honestidade profissional não está sendo levada a sério pelos principais profissionais da área de saúde. É o que revela pesquisa feita nos Estados Unidos e publicada em fevereiro de 2012, na revista Health Affairs*. De cerca de 1,9 mil médicos entre- vistados, 55,2% confessaram ter dado um prognóstico mais otimista do que exigia a situação. Nessa reportagem, especialistas de diversas áreas em medicina, em Minas, falam ao JAMMG sobre um tema polêmico e que ainda gera muitas discussões. Alexandre Guzanshe O intensivista pediátrico e presidente da Academia Mineira de Pediatria, José Sabino de Oliveira, afirma que a verdade é fundamental para a relação médico-paciente. “Precisamos ser honestos sobre os fatos relativos ao estado de saúde de um indivíduo, sem criar alarmes, mas também sem amenizar a situação”, pondera o especialista. Oliveira explica que, em um primeiro momento, procura responder exclusivamente a indagação do paciente. “Digo que toda ação tem um risco. É direito do paciente saber qual a sua doença e é dever do médico explicar o diagnóstico de maneira que atenda às ansiedades e necessidades dele. Tudo deve ser feito para que exista um bom relacionamento entre ambos”, reflete o médico. Para o intensivista, em um segundo momento, o médico deve dar um tempo ao paciente para que ele entenda sua enfermidade e, aos poucos, contar detalhes de tudo o que estiver acontecendo. Oliveira cita a questão do tempo como ponto relevante durante todo o processo e lembra da abordagem da escritora e psiquiatra suíça Elisabeth Kubler-Ross no livro “Sobre a morte e o morrer” (Editora Martins Fontes). “Ela aborda cinco fases distintas pelas quais o enfermo costuma passar, após saber a verdade sobre seu estado de saúde: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.” Já o clínico geral, cardiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Otávio Savassi Rocha, diz que, antes de mais nada, é preciso conhecer bem o paciente e em que contexto ele está envolvido para estabelecer uma relação segura na hora de dizer a verdade. “Antigamente, havia muita confiança no médico e pouca competência profissional. Hoje, a situação se inverteu. Aumentou muito a competência, mas diminuiu a confiabilidade. Sem Para o intensivista pediátrico, José Sabino de Oliveira, é direito do paciente saber qual a sua doença uma relação médico-paciente marcada pela reciprocidade e pelo diálogo, fica muito difícil tratar de questões delicadas.” Ética e verdade O conselheiro efetivo do Conselho Federal de Medicina (CFM) e primeiro vice-presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM MG), o intensivista Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen, esclarece que dizer a verdade é uma conduta ética que se não for levada a sério pode, inclusive, comprometer a tomada de decisão do paciente em relação ao tratamento. “A veracidade do prognóstico, sem exageros e/ou omissões, é um fator que influencia na perspectiva de um bom resultado do tratamento. Não há como ter resultado favorável com desonestidade, termo que não pode ser aventado em uma relação médico-paciente.” Tiesenhausen avalia que cons- ciente de sua doença, a pessoa pode seguir a terapia e fazer suas escolhas baseadas em sua realidade. Para José Sabino de Oliveira, do ponto de vista ético, o desejo do paciente é soberano, mas o médico deve alertá-lo de todas as possibilidades na condução do tratamento. “Tudo deve ser documentado. Em estado de melhora, por exemplo, as pessoas apelam para religião e podem abandonar o acompanhamento clínico. O médico deve falar o que é da medicina. As decisões da ciência religiosa ficam a cargo da família e do paciente.” Ele explica que existem casos em que o paciente recebeu um prognóstico e seu quadro de saúde desenvolveu, contrariando o que havia sido dito no começo do diagnóstico. “Hoje, situações de erro dentro da medicina são comuns e estes podem ser confundidos com maus resultados ou com desonestidade por parte do médico”, pondera Oliveira. Ainda segundo o especialista, o compromisso do médico não é com o resultado. “Nosso compromisso é o de cuidar do indivíduo, mobilizando todo nosso conhecimento. Na maioria das vezes, consigo falar sobre a gravidade de uma doença, sem esconder quaisquer possibilidades. Mas nunca dei, por exemplo, prazo de vida para alguém. Para tal, falta um instrumento que é a bola de cristal”, ironiza. *O texto faz parte da pesquisa completa publicada na revista Health Affairs, de fevereiro de 2012, intitulada Survey Shows That At Least Some Physicians Are Not Always Open Or Honest With Patients. Para ter acesso entre em contato com a Biblioteca Virtual da AMMG pelo telefone (31) 3247 1633. É vedado ao médico na relação com pacientes e familiares Capítulo V Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal; Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos; Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método. Fonte: Código de Ética Médica