1. Acolho-vos neste VII Colóquio de Direito do Trabalho, agradecendo
vivamente a presença de todos.
O STJ cumpre, também assim, a sua missão de instância referencial
da Justiça, abrindo-se à reflexão e à discussão de questões essenciais, que
importam à comunidade jurídica, mas essencialmente aos cidadãos em nome
de quem a justiça é administrada.
Este Colóquio foi ideia e é obra do Presidente e dos Juízes da Secção
Social do STJ, em parceria com a APODIT, organizado com o entusiasmo
contagiante e a inexcedível dedicação de todos.
Agradeço reconhecido à APODIT e aos Juízes da Secção Social toda a
disponibilidade e o sentido de serviço público que permitiram a realização do
Colóquio, bem como o auxílio indispensável dos membros do meu Gabinete e
da Administração do STJ.
2. A crise financeira e económica que nos anos mais recentes devastou
as economias e adensou a complexidade social e política, produziu uma
disrupção de modelos que não esteve na previsão nem da política nem da
ciência económica.
Poucos ousaram prever, e os que ousaram foram exautorados pela
ortodoxia dominante.
Em prognose póstuma, e nesta medida sempre tarde de mais, vem
sendo produzido um discurso que, mais do que de intenções, é de negação e de
reconstrução de aparências.
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Em particular, nas relações entre a economia e o trabalho, ou em
melhor linguagem, entre a economia e o emprego, a centralidade está situada
na extrema sensibilidade política e social do desemprego.
As formas da economia nas últimas décadas, e a construção da
realidade que se apresenta como expressão única da racionalidade económica,
relegaram o sonho do bem-estar social do pleno emprego para um «horizonte
incerto» que entrou definitivamente no espaço categorial das utopias.
As grandes transformações que aconteceram de repente num mundo
desmaterializado, destruíram os equilíbrios laboriosamente moldados desde a
segunda revolução industrial.
As consequências nas concepções do trabalho e nos mercados de
emprego foram devastadoras.
Alguns cientistas sociais chegam mesmo a defender que as
transformações tecnológicas, a informática e a automação trouxeram uma
terceira revolução industrial e o fim do trabalho assalariado, ou, pelo menos,
uma reconfiguração substancial das formas tradicionais nas relações de
emprego.
O progresso tecnológico alterou profundamente os pressupostos da
economia e do trabalho, determinou um aumento de produtividade e a
reorganização da produção de serviços, mas elimina aos milhares postos de
trabalho.
A recomposição das relações através da criação de postos de trabalho
altamente qualificados não permite substituir os que foram destruídos na
revolução tecnológica; o resultado é uma modificação radical, com a
constituição de exércitos de perdedores do trabalho, numa espécie de
«darwinismo» laboral, que é a primeira porta por onde entra o «darwinismo
social».
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3. A desindustrialização e a deslocalização das empresas, as migrações
em massa, a emigração altamente qualificada – que entram todos os dias nas
nossas casas testando a nossa capacidade de compreensão -, bem como formas
diferentes de trabalho não assalariado, são dados da realidade empírica que
nos impõem correcções importantes na concepção das relações tradicionais
capital-trabalho.
A relação tradicional de trabalho da segunda revolução foi superada,
perdendo-se a centralidade do trabalho assalariado estável; o trabalho
protegido
deteriorou-se,
com
aceitação
política
comandada
pelas
circunstâncias, substituindo-se-lhe o trabalho temporário, com jornadas
reduzidas, e o aumento das construções relacionais e contratuais que evitem a
relação laboral: num palavra carregada de significado, a «precariedade».
A heterogeneidade das formas de trabalho faz perder a identidade –
que foi construída no trabalho como referencial social e de cidadania: a
identidade é também o posto de trabalho que se ocupa, sendo que a ausência
de trabalho dissolve o próprio ser social.
4. A transformação do trabalho e o futuro do direito do trabalho estão,
deste modo, em estreita relação.
O direito do trabalho, como todo o direito, mas mais intensamente do
que em outros campos de construção normativa, foi construído sobre
princípios, mas é também, na linguagem e nas construções materiais, uma
forma muito directa de comunicação política.
As imposições dos modelos económicos condicionam e determinam as
políticas; e as políticas definem também o direito.
No direito do trabalho, a instabilidade tem sido, por vezes, a regra,
dependente das conjunturas, das inflexões da razão da economia e dos
mercados e das crises que nos dominam pelas incertezas.
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A denúncia da «rigidez» da protecção do trabalho, ou mais
rigorosamente, do emprego, que é um caminho semântico de condicionamento
económico da política, as noções de «flexibilidade» e de «empregabilidade»,
pretendem dirigir uma ordem normativa que coloca as coisas acima das
pessoas; mas, no alerta de SUPIOT, uma tal ordem normativa não pode ser
durável, pois o problema está em colocar a economia ao serviço das pessoas e
não adaptar as pessoas às necessidades do mercado.
O direito do trabalho tem hoje a missão de impedir a dissolução, que
parece indutiva, de categorias jurídicas constitutivas.
Nestas circunstâncias, o contrato de trabalho não é já o quadro de
segurança económica de longo termo.
A escassez de trabalho segmenta os mercados, «balcaniza» as formas
de emprego, e fragiliza os quadros normativos que não são mais suficientes
para assegurar a todos um trabalho decente.
A «flexibilidade» constitui, porventura, o conceito-chave na reversão
das categorias.
A flexibilidade, diminuindo o trabalho estável nas mudanças súbitas da
procura e nas oscilações bruscas do mercado, traz maior precariedade e
revela a desvalorização transversal do trabalho reduzido a mercadoria.
Num texto publicado no recente número da Revista “Intervalo”
(Renato do Carmo), salienta-se que «na precariedade o horizonte torna-se
incerto e imprevisível»; «extravasa a questão laboral e entra para a vida»; «a
precariedade é a incerteza tornada como certa»; «é a permanente luta contra
a indestrutibilidade da incerteza»; «a precariedade encalha-nos no presente: o
futuro dissipa-se e o passado de pouco nos serve».
Mas a questão da precariedade, da baixa qualidade ou da escassez de
emprego não se resolve pelo direito do trabalho; a substituição do governo dos
homens pela administração das coisas enfrenta sempre o princípio da
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realidade, mas temos o sentimento de que não poderemos transformar uma
quimera num conceito operativo.
5. A profunda transformação do direito do trabalho, com a fuga para o
direito civil, as novas formas de trabalho distintas do trabalho assalariado, o
trabalho informal, a dotação de formas normativas para enquadrar a
precariedade, bem com outros espaços de liberdade contratual que cortam os
pressupostos genéticos da natureza assimétrica das relações, têm implicações
diversas no direito do trabalho e na reconformação ou enfraquecimento das
suas categorias dogmáticas.
O futuro estará, porventura, aqui: na criação e recriação com a força
imaginativa do direito, de noções operativas que permitam redefinir a
singularidade e a modernidade sempre inacabada do direito do trabalho.
Esta será uma tarefa da doutrina, na construção de categorias
dogmáticas que possam servir ainda alguma coerência na comunicação
normativa da linguagem que expresse novas realidades nas relações de
trabalho.
A instabilidade, a captura normativa de novas formas de emprego, o
esforço na construção de equilíbrios enquadrados pelos limites dos princípios
perante o sentimento de submissão à tirania das circunstâncias, vão exigir,
cada vez mais, à doutrina rigor teórico na integração de novos conceitos, e à
jurisprudência segurança na leitura da complexidade sempre presente na
inafastável concordância prática com princípios constitucionais.
6. Os temas do Colóquio, escolhidos com muita sensibilidade na
interpretação da circunstância do presente, pretendem auxiliar a esta
reflexão.
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Têm implicados os problemas e as consequências da reinvenção
normativa do caminho da «flexibilidade», que constitui verdadeiramente uma
fórmula mais suave para esbater o peso semântico da «precariedade».
A reflexão que é proposta, desde a dimensão substantiva da civilização
do contrato de trabalho e das condições de autonomia da vontade, até à
perspectiva processual para discussão das formas escondidas de contratos,
contribuirá, estou certo, para um caminho comum que tem de ser percorrido
pela jurisprudência e pela doutrina nesta matéria tão sensível.
Desejo que seja um excelente Colóquio.
(António Henriques Gaspar)
21 de Outubro de 2015
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Presidente Juiz Conselheiro Henriques Gaspar