A NOMINALIZAÇÃO COMO MARCA DO DISCURSO NA AULA DE MATEMÁTICA Airton Carrião Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil [email protected] RESUMO A análise das interações na sala de aula a partir da abordagem discursiva de Bakhtin parece ser a adequada para se analisar a linguagem presente no processo de aprendizagem, tendo a perspectiva sócio-cultural, iniciada por Vygotsky, como orientação. Com isto em tela, este trabalho tem como objetivo apresentar uma marca do discurso da sala de aula de Matemática a nominalização. As marcas caracterizam um discurso, tornando-os distinto, e revelando, entre outras, as concepções e as ideologias presentes no campo de atividade. A nominalização consiste em substituir um processo por um nome, que vai indicar a ação, no lugar do verbo. Essa marca, bem como o símbolo que é sua expressão máxima, vai ser elemento importante na constituição do discurso, bem como na forma das interações, da aula de matemática. Neste trabalho vamos mostrar exemplos do uso dessa marca, observadas em aulas do ensino médio, nas interações entre professor e alunos e entre alunos. Palavras-chave: Discurso na aula de matemática, marcas discursivas e nominalização ABSTRACT/RESUMÉ/RESUMEN The analysis of the interactions in the classroom using Bakhtin's discursive approach seems more appropriate to analyze the language in this learning process, and the socio-cultural, initiated by Vygotsky, as a guide. With this V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil screen, this paper aims to present a hallmark of the discourse of classroom mathematics the nominalization. The hallmark characterizes a discourse, making them distinct and revealing, among other things, concepts and ideologies present in the field of activity. The nominalization involves replacing a process with a name that will indicate the action, in place of the verb. This hallmark, and the symbol that is its highest expression, it will be important in the formation of discourse, as well as the interactions of math class. In this paper we show examples of the use of such hallmark, observed classes in high school, the interactions between teacher and students and among students. Keywords: Mathematics classrooms discourse, speech hallmarks and nominalization 1 Introdução Em um grupo de trabalho que tem a linguagem e a cognição como tema não parece ser necessário discutir a importância da linguagem no processo de cognição. Porém, existem formas distintas, mesmo neste grupo, de entender a relação entre a linguagem e a cognição. Desta forma, se faz necessário explicitar como se entende essa relação, para situar este trabalho. Este trabalho se apoiará em Vygotsky, considerando que a linguagem que tem um papel determinante no pensamento. Para esse autor é inquestionável que “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sóciocultural da criança” (VYGOTSKY, 2000, p.62). Dessa forma, a linguagem deve ser considerada como constituinte do processo de construção de significados. Das diversas formas de desenvolvimento do pensamento, ou de produção de significados, as que mais tem se destacado neste grupo são as ligadas as situações de ensino, em particular nas escolares. Assim, é significante se discutir a relação entre a linguagem e a aprendizagem, principalmente na sala de aula de Matemática, em um grupo como este. 2 O discurso na sala de aula de Matemática Pode-se investigar a linguagem presente na aprendizagem de Matemática através 2 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil de diversas abordagens, assim faz-se necessário optar explicitamente por uma perspectiva de processo cognitivo e uma de linguagem. Desta forma, neste trabalho foi escolhida para a primeira a perspectiva sócio-cultural, iniciada por Vygotsky e para a segunda a discursiva de Bakhtin. A adoção da perspectiva sócio-cultural indica que vai se considerar, neste trabalho, que o aprendizado é situado pelo contexto e cultura do grupo social, e que é mediado pela linguagem. Desta forma, não se dissocia interação, discurso e conhecimento, que tem como base a linguagem. Vygotsky defende a origem social do processo de funcionamento mental humano do indivíduo. Assim, os processos social e psicológico são moldados pelos meios de mediação, especialmente a linguagem, ou seja, esses meios moldam o processo mental humano. A análise sobre como as ferramentas culturais medeiam o funcionamento mental social e individual fornece um modo de relacionar o funcionamento mental individual com a cultura, história e instituições (WERTSCH, 2003). A análise da aprendizagem na sala de aula de Matemática, nessa perspectiva, deve ter em tela a linguagem ali presente, portanto, faz-se necessário caracteriza-la e compreender seu funcionamento. Porém, a linguagem, ao menos como mediadora da aprendizagem, só pode ser analisada na interação. Desta forma, para explicitar esse caráter de interação, neste trabalho, optou-se por usar o termo discurso ao invés de linguagem. Para Bakhtin, a interação verbal não pode ser compreendida e explicada fora da situação concreta de produção. A interação verbal, que está sempre acompanhada por atos sociais de caráter não verbal, tais como os gestos, entonação, etc, deve ser estudada não só na situação imediata, mas também, através dela, no contexto social mais amplo. Assim, ao se estudar o discurso da sala de aula de Matemática esta se incorporando os vários elementos presentes na interação, indo-se muito além da análise de frases ou palavras isoladas. A escolha de utilizar a perspectiva discursiva de Bakhtin se justifica, pois, como afirma Wertsch (2003), as idéias de Vygotsky e Bakthin podem ser vistas como existindo numa complementaridade dinâmica e produtiva. Ambos apresentam uma visão social do homem, relacionando o contexto amplo das relações econômicas, da situação político-social e das ideologias, com o contexto do homem social (ROJO, 2001). Essa visão, por eles compartilhada, faz com que explicitem a necessidade de se dar conta da apropriação, por parte do indivíduo, das práticas sociais em circulação na 3 4 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil situação social mais ampla (ROJO, 2001). Assim, o papel que o discurso, repleto de significados (ou sentidos) particulares, desempenha na emergência do pensamento assume a centralidade na perspectiva de ambos (HICKS, 1996). Para eles o funcionamento mental humano emerge principalmente através do domínio e da internalização do discurso social (WERTSCH, 2003). Sendo o discurso socialmente localizado, temos de analisa-lo a partir das interações no espaço social da sala de aula, onde estão presentes, entre outros, o aluno, o professor e o conteúdo matemático. Segundo Rojo, a observação da situação imediata de produção dos discursos é fundamental, pois “os textos/enunciados a eles pertencentes não podem ser compreendidos, produzidos ou conhecidos sem referência aos elementos de sua situação de produção” (2002, p.13). Para Bakhtin/Volochinov (1929) “cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica.” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, (29) 1992, p. 42). Desta forma, a escola, como campo de atividade, com suas características próprias, produz seu repertório de formas de discurso. Como aponta Bourdieu, “Para explicar o discurso, é preciso conhecer as condições de constituição do grupo no qual ele funciona: a ciência do discurso deve levar em conta não somente as relações de força simbólicas que se estabelecem no grupo em questão … mas também as próprias leis de produção do grupo que fazem com que certas categorias estejam ausentes … Essas condições ocultas são determinantes para compreender o que pode ou não ser dito num grupo” (BOURDIEU, 1994, p. 163). A escola tem suas formas próprias de se relacionar com o mundo. Segundo Bourdieu, a escola propicia “não tanto esquemas de pensamento particulares e particularizados, mas uma disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação” (BOURDIEU, p. 211, 2003). Segundo Bakhtin (29/1992), “cada campo de criatividade ideológica tem seu modo de orientação para a realidade e refrata a realidade à sua maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da vida social” (p. 33). Assim, participar dessa prática exige que o indivíduo conheça sua estrutura de funcionamento, sob pena de ser excluído. Desta forma, para se investigar o discurso na sala de aula, deve-se observar quais são os elementos que vão constituir os discursos da escola. A constituição de uma cultura escolar, e de cada escola em particular, decorre de V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil vários fatores, onde a definição do currículo é apenas um deles, e se dão em um contexto mais amplo, que tem como componente um longo processo histórico de construção, que envolveu conflitos e lutas em torno da definição de quais conhecimentos deveriam ser transmitidos e com que linguagem, para quem e para que. Nesse processo, as classes dominantes tiveram papel preponderante; dessa forma, a sua cultura é a que norteia a escolar. A constituição da escola como um campo de atividade é sócio-históricamente contextualizada, pelos interesses, descobertas e afinidades do grupo de participantes ao longo da história e vai constituir seus próprios discursos. De maneira análoga pode-se considerar a sala de aula de uma disciplina escolar como um campo discursivo, que vai conformar discursos próprios. Em particular a sala de aula de Matemática com suas características próprias, que dependem de como ela é estruturada e das relações de poder que vão se instituir no seu interior, vai constituir um repertório de formas de discurso. É a partir desse discurso que se reconfiguram os enunciados e palavras trazidos de outros campos, refletindo suas condições específicas e finalidades. O discurso presente na aula de Matemática vai mediar todas as interações que ali ocorrem, indo além da aprendizagem, como, por exemplo, nas relações sociais. Em Carrião (2010), fica claro que os alunos que não dominavam o discurso da aula de Matemática eram os que apresentavam mais dificuldades, além de ocuparem uma posição de menos prestígio, o que demandava deles um maior esforço em participar das interações e, em muitos casos, implicando em fracasso escolar. O processo de diferenciação que ocorre na sala de aula pode nos ajudar a entender um dos papéis do discurso. Já que não dominá-los pode resultar na exclusão, ou pelo menos numa participação subalterna, o seu domínio por outro lado, vai facilitar a participação. Ao se considerar que existe um discurso da aula de Matemática, com seu repertório de formas, que Bakhtin chama de gêneros do discurso, esta se supondo que estes tenham características e o distingam dos demais discursos sociais. Desta forma, existem marcas que o caracterizem como distinto. Este trabalho visa contribuir com caracterização desse discurso, apontando uma importante marca que o caracteriza: a nominalização. 3 A nominalização como marca do discurso da aula de Matemática Uma forma de se caracterizar um determinado discurso é a busca por regularidades nos enunciados. Essas regularidades que caracterizam o discurso são suas 5 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil marcas discursivas. Outra forma de se caracterizar é buscar nos enunciados marcas de discursos que são trazidos de outros campos e que ajudam a compor as formas presentes na sala de aula. Muitos pesquisadores em Educação Matemática tem apontado características próprias do discurso da aula de Matemática, ou da pesquisa que são marcas discursivas desses campos. Essas marcas, quando presentes nos enunciados da aula de Matemática, terão papel importante na determinação do tema e da forma composicional dos enunciados nas interações discursivas. As marcas do discurso da sala de aula de Matemática contribuem de forma significativa para se revelar a história destes enunciados, explicitando também as vozes que são trazidas para a sala de aula, bem como um lugar social, já que os mesmos vêm de um lugar demarcado. Tais marcas vão, de certa forma, revelar as concepções dos autores e as ideologias presentes na sala de aula. A maior presença de uma ou outra marca vai nos revelar a presença, maior ou menor, de uma dada perspectiva da matemática escolar, como por exemplo, a do formalismo. Apesar de existirem várias marcas no discurso da sala de aula de Matemática, neste trabalho vai-se discutir apenas uma delas1: a nominalização. A opção por esta marca se justifica no fato de ela refletir o discurso da matemática acadêmica na sala de aula. A nominalização é um recurso muito utilizado tanto nos discursos cotidianos como nos discursos especializados, e consiste em substituir um processo ou estado previamente significado por um nome. Nos discursos acadêmicos, este recurso tem grande importância, pois ele tenta aprisionar todo o sentido de um processo em um nome. Ou seja, a linguagem acadêmica substitui os processos, expressos normalmente por verbos, por grupos nominais. Em particular nos discursos de comunicação científica a nominalização é uma marca importante como apontam Halliday (1992) e Mortimer et al (1998). A nominalização “aumenta a densidade léxica da linguagem científica, na qual quase todos os termos usados carregam significados interligados numa estrutura conceitual” (MORTIMER et al, 1998). Como aponta Bakhtin, o uso do objeto reificado, que não comunica nada a respeito de si mesmo, onde os conceitos se tornam “coisas” é típico das ciências e da matemática, se refletindo, entre outras marcas, na nominalização. 1 Para ver outras marcas do discurso da sala de aula de Matemática ver Machado (2008). 6 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Nos textos matemáticos, o ato de nomear os processos, ou conceitos é muito importante, já que, neles, os termos têm significados muito mais específicos do que na linguagem cotidiana. Desta forma, a partir de um conjunto restrito de termos, os matemáticos são capazes de expressar suas idéias de forma sucinta (MEANEY, 2005). Sfard (2000) afirma que a necessidade de criar novos objetos com o propósito de comunicar não é específica da matemática, mas no discurso matemático, especialmente por causa da busca de generalidade das expressões e de se manter imparcial à realidade material imediata, a criação de tais objetos tem um papel central. Segundo Meaney (2005), com o uso da nominalização nos textos matemáticos o verbo assume muitas vezes apenas uma função passiva ou de relação entre itens. Na matemática, portanto, é o nome que, em geral, vai indicar a ação, e não o verbo. Mortimer et al afirmam que, ao se “usar linguagem científica se começa a habitar um estranho mundo onde os processos se transformaram em nomes ou grupos nominais e os verbos não expressam mais ações e sim relações” (p. 4, 1998). O uso de símbolos, bem como nomes e expressões é parte integrante do registro matemático e vai ser elemento fundamental na constituição do discurso da matemática acadêmica. Sfard (2000) considera que no discurso matemático os artefatos simbólicos são a principal, se não a única, ferramenta de mediação. Como apontam Mortimer et al (1998), a nominalização, de certa forma, congela os processos, colocando-os em uma estrutura. Com isso pode-se ter o encobrimento da ação, removendo o sujeito que efetivamente faz a ação no enunciado. Isto pode criar uma sensação de que os objetos matemáticos são suficientemente distintos e fortes, e pode fazer com que uma pessoa acredite que a existência destes objetos transcende a fronteira do discurso (SFARD, 2000). Um exemplo simples dessa alteração pode ser a expressão “o zero da função f é 3”. Nesse caso, o que indica a ação é a expressão o “zero da função” que quer dizer o número cuja imagem obtida pela função f é zero. O verbo “ser” indica apenas a relação com esse número, que no caso é três. Esse processo de substituição transformou o processo em um objeto. Outro exemplo, a multiplicação sucessiva de um mesmo número por si mesmo, com a nominalização, passa a ser potenciação. Essa transformação cria uma dualidade objeto-processo, que se revela de forma mais acentuada nos símbolos matemáticos. Meaney aponta que é através dessa nominalização que os matemáticos reforçam sua condição de participantes da comunidade. Dominar os nomes é uma senha para 7 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil participar da atividade. Mas a nominalização, por outro lado, os ajuda a desenvolver novas idéias matemáticas, como pode-se ver através da história: a definição dos nomes e de símbolos, facilitaram na manipulação dos conceitos, contribuindo para o seu desenvolvimento. A necessidade de rigor, precisão e impessoalidade trazida pelo formalismo dá uma maior importância à nominalização, já que o uso de nomes com sentidos restritos passa a ser essencial, nesta perspectiva, para a produção matemática. O uso de símbolos nesse sentido é uma forma mais adequada de se nomear os processos ou conceitos, já que neles a associação com expressões do cotidiano é mais difícil, além de facilitarem a operacionalização. Pode-se verificar isso, por exemplo, através do nome “meio”: para a matemática ele tem um sentido estrito de dividir o todo em duas partes iguais, o que é um pouco diferente do cotidiano, onde, em geral, ele tem o sentido de dividir em duas partes, porém, não necessariamente iguais. Por outro lado, quando usamos o símbolo 1/2 dificilmente uma pessoa o associaria apenas à divisão de algo em duas partes. Meaney considera que os símbolos matemáticos são um exemplo extremo de densidade lexical, fazendo com que o leitor necessite de habilidade para interpretar as informações matemáticas. Ela aponta, ainda, que em discussões orais frequentemente se fazem referências ao símbolo matemático escrito. Isso decorre do fato de que devido “a densidade das idéias matemáticas, nem sempre é possível garantir todo o sentido na comunicação ou na rememoração, sem o uso dos símbolos” (MEANEY, p.123, 2005). Os símbolos, bem como os nomes e as expressões, são parte integrante do registro matemático e vão ser elemento fundamental na constituição do discurso da matemática acadêmica. Expressões como “se ... então”, “tal que” ou “supondo que”, são marcas que, de certa forma, vão indicar que um enunciado pertence a esse campo discursivo, revelando também a influência da perspectiva formalista. Burton e Morgan apontam que “as convenções sobre a escrita matemática não são necessárias, nem consequências da natureza da disciplina; elas são mais propriamente ‘o produto da relação de poder e de práticas discursivas’ dentro da comunidade” (BURTON e MORGAN, 2000, p.450). Segundo elas, o novato tem de conseguir ser aceito e ganhar status junto à comunidade matemática; para tanto, deve produzir textos que estejam de acordo com as expectativas convencionais dos “guardiães do campo”, que podem ser os pareceristas dos periódicos ou seus orientadores. Dominar o gênero do artigo acadêmico da matemática é o caminho não só para ser aceito no campo, como também para ter sucesso. “O prestígio do cientista pode ser medido pelas possibilidades 8 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil de produção e de publicação dos gêneros dominantes nos veículos mais valorizados, que se constituem pela arbitragem dos pares” (GRILLO, p. 150, 2006). Apesar do uso da nominalização trazer mais habilidade para se manipular e combinar diferentes ideias matemáticas, ela dificulta o acesso aos não iniciados, por não se explicitar como essas idéias serão descritas, devido à remoção das referências a criação humana, restringindo, assim, as conexões que podem ser feitas com outras idéias (MEANEY, 2005). O compartilhamento dos enunciados matemáticos é que mostra se um indivíduo pertence ou não à comunidade matemática. Essa forma de inclusão faz parte de um modelo de controle cultural, que reflete as crenças sobre quem pode participar e o que se pode fazer ou dizer (MEANEY, 2005). A relação entre o autor e o destinatário dos enunciados no discurso da matemática acadêmica é interna ao campo, entre pares, ou seja, os enunciados destinam-se a quem tem “amplitude relativa de seus conhecimentos especializados” (BAKHTIN, 1997, p. 322). Além do destinatário, o querer-dizer do locutor também vai determinar o enunciado. No caso dos matemáticos, o objetivo, ao lançar mão de um enunciado usando o discurso da matemática acadêmica, é o de produção/divulgação de conhecimento matemático novo. A sala de aula de matemática, apesar de também trabalhar com conceitos matemáticos, é um campo distinto, onde, entre outros, os objetivos, os destinatários são diferentes. A nominalização na sala de aula pode aparecer de forma reconfigurada, mas ainda assim continua funcionando como uma senha de acesso ao discurso desse campo. Ao transformar os processos em objetos, a nominalização, pode trazer dificuldades para quem não é familiarizado com este discurso, pois no discurso cotidiano normalmente se designam seres e coisas por nomes e processos por verbos. Outro efeito da nominalização que pode trazer dificuldades para o aluno se sentir participante da interação, é o fato de que ela cobre o agente da ação, removendo o sujeito que realmente faz a ação na oração (HERBEL-EISENMANN, 2004). Desta forma, a nominalização dificulta a participação dos alunos nas interações discursivas das aulas de Matemática, quando estes ainda não estão iniciados no campo discursivo. Segundo Sfard (2000), um aluno “constrói um objeto matemático” quando consegue corresponder o nome ou símbolo usado, de forma semelhante ao que o objeto possui no discurso matemático. Sendo que o conjunto de experiências associado com um símbolo simplesmente não pode existir independentemente da (e anterior à) 9 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil introdução desse símbolo. Com isso pode se concluir que os objetos matemáticos desenvolvidos na escola, utilizando-se de um discurso fortemente marcado pela nominalização, principalmente através dos símbolos, só pode se desenvolver na própria escola, ou em espaços que trabalhem com o seu discurso. Desta forma, o aluno dificilmente se familiarizara com esse discurso em seu contexto cotidiano. A seguir serão apresentados exemplos do uso da nominalização em enunciados presentes em interações discursivas da sala de aula de Matemática. 4 A nominalização na aula de Matemática A análise que será apresentada agora faz parte da pesquisa apresentada em Machado (2008). A pesquisa foi do tipo etnográfica, onde o pesquisador vai a campo com uma perspectiva de observação e análise, tendo grande interação com os sujeitos e o ambiente da investigação, além de participar, mesmo que apenas como observador, dos fatos que nele ocorrem. Ela foi realizada em uma escola pública de ensino médio e técnico, vinculada a uma universidade federal, com um concorrido processo seletivo, onde foram acompanhadas duas turmas: uma de primeiro e outra de terceiro ano 2. As turmas foram acompanhadas por um período de aproximadamente cinco meses, com a filmagem de parte significativa das aulas. Destas filmagens, alguns episódios foram selecionados para a análise, dos quais dois serão utilizados neste trabalho. É importante destacar que a escola, por ser de técnica, tem uma tradição no fazer, mas ela tem também uma forte influência científico-acadêmica. Essas características se refletem na grande ênfase nas disciplinas da área de ciências da natureza e na grande carga horária de laboratórios. A escola tem também uma longa história de pesquisa na área de educação e de inovação pedagógica. Seu quadro docente é composto por aproximadamente 80% de mestres e doutores, que atuam como pesquisadores em diversas áreas do conhecimento. As turmas observadas tinham características distintas, a de primeiro ano era bastante heterogênea, tanto na origem dos alunos, como na participação e aproveitamento escolar. Já turma de terceiro ano era bastante homogênea em todos os aspectos, com os alunos estando juntos a, pelo menos, dois anos e tendo um grande entrosamento. 2 Para ver uma discussão mais aprofundada da metodologia, bem como da descrição do ambiente da 10 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil As professoras que trabalhavam com as turmas também apresentavam diferenças significativas. A do primeiro ano, Sofia, era recém formada e com forte influência das tendências mais atuais da Educação Matemática. A do terceiro ano, Delana, era bacharel em Matemática e estava formada a 13 anos, tinha mestrado em Matemática e doutorado em Lógica, desta forma sua formação em educação havia sido feita na prática cotidiana, porém, era clara a influência do formalismo. As aulas da turma de primeiro ano eram centradas na resolução de problemas, enquanto as do terceiro tinham um caráter hibrido de exposição e resolução de problemas. Em ambas, porém, existia rigor nas definições e no uso dos conceitos. Desta forma, em ambos ambientes a nominalização era elemento frequentemente presente nas aulas, não só nos enunciados das professoras, mas também nos dos alunos. A seguir serão apresentados alguns exemplos dessa presença. O primeiro exemplo é de um momento de interação coletiva, com a professora Delana, em frente ao quadro, estava apresentando algumas propriedades dos polinômios, interagindo com toda a sala, estabelecendo uma relação do tipo pergunta, resposta avaliação (IRA). No turno 56 do episódio ela diz: 56. Profa Delana. Pôr um, aqui é a mesma coisa, então se eu fizer P de um, P de um é trocar todo x por um, então vai dar cinco menos sete, menos três, mais um, mais um, que é menos três, ‘elevado a menos um’ (não está claro este trecho). Então a soma dos coeficientes é dada por P de um, tá. Pra que serve isso? Quando a Delana diz “então se eu fizer P de um”, ela está se referindo a um procedimento que é determinado pelo nome “P de um” e não pelo verbo fazer, que aí tem a função de indicar que o procedimento vai ser realizado. Apesar de ele parecer claro aos alunos, já que ninguém explicita dúvidas, a professora tenta explicitar o procedimento na seqüência “P de um é trocar todo xis por um, então vai dar cinco menos...”, possivelmente como um reforço à interpretação que ela estabeleceu, na aula anterior, para o nome P de um. Mesmo assim, pode-se considerar que em sua explicitação do procedimento, Delana utiliza outros nomes, como xis, além de deixar outros implícitos, tais como, a forma de se realizar essa troca. Outro fato, é que “P de um” também é a expressão do valor do polinômio P quando da substituição do valor da variável x por um. Nos discursos primários, quando uma pessoa diz “então se eu fizer café”, ela pesquisa ver Machado (2008). 11 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil também está se referindo a um procedimento, como no da aula da professora Delana. Aqui não fica claro como é o procedimento que ela vai utilizar para fazer o café. Para se saber isto, deve-se conhecer a pessoa e saber como ela habitualmente faz café. Nos dois enunciados (“P de um” e “fazer café”) tem-se um nome, que indica procedimento. Em ambos, existe uma forte contextualização, pois torna-se necessário buscar referências em outros discursos, para compreendê-los. No segundo, porém, essa contextualização se dá na relação social mais imediata. No primeiro ela, apesar de ser estabelecida na sala de aula, se utiliza de discursos que são externos à relação imediata. O uso de nomes se mostrou comum tanto por parte das professoras como dos alunos, sendo mais presente nos enunciados das primeiras. Na fala dos alunos, quando participando dos momentos coletivos, na maior parte das vezes os nomes eram usados para se referir ao objeto e não a um processo. Isso se deve normalmente ao fato de eles estarem respondendo a uma questão colocada pela professora, como se pode ver no exemplo a seguir. Nesse extrato, do mesmo episódio do anterior, o aluno esta interagindo com a professora. 41. Profa Delana – Se eu igualar o polinômio a zero eu vou achar o quê? 42. Carlos – A raiz. Carlos está se referindo ao objeto, raiz do polinômio, em resposta a questão da professora, que intencionava, por outro lado, associar o processo ao nome. Nota-se que seu enunciado deixa claro que ele identifica o nome ao processo, portanto, neste caso, a nominalização serviu como sinal de pertencimento do aluno ao campo. Nota-se nas aulas, observadas na pesquisa, um esforço constante em reforçar a significação dos nomes e símbolos matemáticos, o que deixa explícita a importância que se dá, em geral, nas aulas de Matemática ao uso adequado de tais significações pelos alunos. Esse reforço se dava, normalmente, através do questionamento constante sobre tais significações. Nas relações entre os alunos observa-se também uso apropriado de nomes, como se explicita no exemplo a seguir. Ele se dá em um episódio onde um grupo de quatro alunos interage para resolver um problema proposto pela professora Sofia. 5. Tomas – É dois elevado a xis menos um. 6. Cássia – … Tá dobrando porque mais um … é dois xis mais dois … Tomas usa o termo “elevado” para representar a potenciação, e está usando o x para representar a variação de tempo. Temos aqui uma composição de objetos matemáticos, representados por nomes, que o aluno parece manipular com desenvoltura. 12 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Segundo Sfard (2000), os símbolos nos fornecem uma linguagem metafórica com a qual falamos sobre um fenômeno. Os significados simbólicos são, eventualmente, a base para novos objetos matemáticos. Notamos que, em geral, no ensino médio, os enunciados matemáticos são compostos por uma complexa composição de símbolos e nomes. Muitos deles, por sua vez, só são compreendidos a partir de outros objetos matemáticos, que também são compostos por outros nomes e símbolos. Porém, fica claro que Cássia compreende o enunciado de Tomas, explicitando o porque de ser dois elevado a xis, ao afirmar “Tá dobrando”, questionando e discordando dele. Nota-se, nesse exemplo, que mesmo não estando em interação com a professora, que poderia suscitar a ideia de avaliação, os alunos utilizam o nome para indicar a ação, o que mostra que eles dominam o uso desse nome e que não tem dificuldades no uso da nominalização. O uso dos símbolos parece ser um refinamento da nominalização, o ápice do processo de nomear os objetos. Nesse caso, ao invés de um nome ou grupo nominal, que podem ter significações diversas fora dos gêneros ligados à Matemática, utilizam-se apenas símbolos, que são próprios destes gêneros. O símbolo é usado, em geral, no sentido que o formalismo estabeleceu, de precisão, de afastamento dos significados que não são pertinentes à Matemática. O extrato acima é um exemplo do uso de símbolos. Para resolver a questão, os alunos usam a idéia de dois elevado a xis, sendo o xis aí usado para representar a variação de tempo. Na forma simbólica, seria representado por 2 x . A palavra “elevado” tem significações distintas3, mas normalmente ela é associada a adjetivos como que se eleva, alto, superior, o que pode gerar confusões, já que na matemática este termo não se refere necessariamente a algo maior ou que cresce. Por outro lado, o símbolo em si não tem referente fora da matemática. O símbolo tem um papel importante na Matemática, bem como no seu ensino. Seu uso é comum nas aulas, bem como nos livros didáticos de Matemática. Nos enunciados da aula de Matemática, os símbolos, em geral, funcionam como substantivos, e como estes têm dupla função: servem para nomear e para indicar uma ação-procedimento. Se a nominalização mantém afastados os não iniciados no gênero 3 No dicionário Aurélio encontramos os seguintes significados para a palavra elevado: Adjetivo: 1..- Que tem elevação; que se eleva ou elevou.2..- Transcendente, alto, superior. 3..- Grande, nobre Substantivo masculino: 4.Via urbana, para tráfego rodoviário ou ferroviário, em nível superior ao do solo. 13 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil da matemática escolar, os símbolos podem fazer isso de forma mais acentuada. O símbolo, em muitos casos, não pode ser expresso oralmente por uma só palavra (nome), mas sim por um grupo de palavras. Um exemplo do uso de símbolos está no episódio citado inicialmente, onde Delana trabalha com os polinômios. No primeiro turno do episódio, a professora usa um símbolo e nem chega a expressá-lo oralmente, como pode-se ver: 1. Delana – Olha só ... Eu falei para vocês a aula passada sobre a definição de polinômio. Polinômio é uma coisa desse tipo ai. (Ela aponta no quadro onde escreve P(x) = ao + a 1 x + a 2 x2 + ... + an xn. E continua falando). Onde cada um dos coeficientes é um número o quê? Neste enunciado, o símbolo assume a função de nome, indicando apenas o que é um polinômio. Pode, porém, em outro enunciado assumir a função de procedimento. O uso do símbolo substituindo a fala, que é muito comum nas aulas de Matemática. Neste episódio ele não criou nenhum problema de compreensão, já que os alunos responderam à questão colocada pela professora. No turno 21 do mesmo episódio, Delana faz um uso diferente do símbolo ao discutir o procedimento de se determinar o “P de um”. 21. Delana – a zero, mais a um, mais a dois etc. etc. Então a gente viu isso, então a soma dos coeficientes escreve assim, tá bom. Lembra disso, só para gente lembrar. n Ela escreve no quadro ai , enquanto expressa, na forma oral, apenas parte do i 0 grupo nominal que o símbolo representa, mesmo ele tendo aqui a função de nomeprocedimento. n O símbolo ai usado pela professora seria expresso, em nossa língua, por: i 0 somatório dos termos a i, com i variando de 0 a n; e que significa o processo de somar estes termos a i de 0 até n e ao mesmo tempo o valor desta soma. Mesmo expresso desta forma, está se usando nomes que indicam procedimento como somatório de símbolos como a i. Tem-se assim, um símbolo, composto por uma cadeia de outros símbolos e nomes. Desta forma, a significação dele depende de um grande número de informações que o aluno deve possuir. O uso de tal símbolo parece familiar aos alunos, um vez que Gabriel, ao vê-lo no 5.- Tip. Letra, número ou outro sinal de olho menor que 14 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil quadro, o associou, mesmo que de forma equivocada, a um assunto estudado anteriormente: 22. Gabriel – Esse é o termo geral da PA”. As professoras ao usar símbolos costumavam expressá-los de forma oral mais simplificada, como é comum nos discursos orais, tanto na sala de aula, como na comunicação entre matemáticos. Delana, por exemplo, diz “Cinco xis à nona”, ao invés de “cinco vezes o xis, e este elevado à nona potência”. Essa forma de expressão oral não é, nem se pretende ser, tão precisa como a simbólica. Expressa como o foi oralmente, ela pode gerar diferentes interpretações, tais como, por exemplo, (5x)9. Este é um dos motivos que levou os formalistas a buscarem uma linguagem desprovida de semântica externa à Matemática. Mas, em geral, o contexto onde esses símbolos são expressos na forma oral fornecem elementos para que os alunos produzam o significado intencionado. Fica claro ao se observar aulas Matemática que o símbolo não pode ser facilmente verbalizado, isso gera a necessidade de muitas vezes se utilizar o registro escrito, o que pode resultar em enunciados híbridos, que tem uma parte oral e outra escrita. O uso de nomes, e principalmente os símbolos, aliado à ideia de não ambiguidade associada a eles, faz como que os enunciados da aula de Matemática constantemente sejam compostos de forma hibrida, tendo uma parte oral e outra escrita. Essa forma de construção de enunciados gera uma outra marca interessante no discurso da aula de Matemática, que é o hibridismo, mas que não será discutido neste trabalho. Mesmo que os alunos do ensino médio dominem, de certa maneira, a nominalização utilizada nesta forma de discurso, nem sempre se produz o significado intencionado por quem emitiu o enunciado. A seguir um exemplo da dificuldade que o uso de nomes pode causar. Nele a professora Delana acaba de concluir da discussão com os alunos que os expoentes das variáveis no polinômio são sempre números naturais, em seguida no turno 12 Carlos intervém: 12. Carlos – Não pode ter raiz esse negocio. 13. Delana – Oi, como não pode ter raiz. 14. Carlos – Não pode ter expoente fracionário. 15. Delana – Não tem expoente fracionário, mas existe, o que a gente falou a aula passada: raiz de polinômio, o que é raiz de polinômio. 16. Carlos - A tá. (o trecho sublinhado indica que as falas foram simultâneas) O excerto mostra que há uma dupla interpretação para o nome raiz, ambos o usam 15 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil para descrever um processo, porém, Carlos está relacionando o nome a raiz de um número, o que fica quando ele se refere ao expoente não poder ser fracionário. Delana por sua vez está se referindo a raiz de polinômio, que é o tema da interação, porém, ela percebe a significação dada por Carlos e no turno 15 ela tenta resignificar o nome, e obtém sucesso. No turno 16, Carlos percebe e concorda com o significado associado ao tema estabelecido. A produção distinta de significado, bem como a negociação, como a ocorrida no exemplo acima, é comum nas interações na aula de Matemática, porém, nem sempre as situações são explicitas, pois dependem de uma interação onde ambos possam ser ouvidos. Além disso, a negociação de significados nem sempre é simples e rápida como a do exemplo, muitas vezes ela exige um processo longo, onde os participantes tenham reconstruir a significação de nomes e símbolos. 5 Conclusão A nominalização no discurso da aula de Matemática é um reflexo direto do campo da matemática acadêmica, mais precisamente do formalismo. Sua estratégia de substituir os objetos matemáticos por nomes ou símbolos vai marcar o discurso da sala de aula de Matemática. A nominalização, e em particular o uso dos símbolos, vai diferenciar o discurso da sala de aula de Matemática dos discursos cotidianos. Retomando a ideia de que a linguagem tem um papel determinante no pensamento e que deve ser considerada como constituinte do processo de construção de significados, deve-se refletir o papel desempenhado pela nominalização na aprendizagem. Apesar de neste trabalho o foco não ser o pensamento, pode-se verificar através dos exemplos de interação, que a estrutura da interação é alterada, portanto, usando Vygotsky, pode-se concluir que o domínio do discurso de aula de Matemática pode, através da nominalização, reconfigurar o processo de construção de significados. Outro ponto importante, é que através dessa marca discursiva pode-se verificar como uma ferramenta cultural age diretamente sobre os meios de mediação, trazendo consigo todo o peso de um campo de atividade, a matemática acadêmica, explicitando assim a relação entre o funcionamento mental individual com a cultura, história e instituições. O domínio do discurso da aula de Matemática, em particular a nominalização, tem um importante papel não só para o desempenho escolar, mas principalmente, para o desenvolvimento de uma forma especifica de pensamento que é valorizada socialmente. 16 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Referências BAKHTIN, Mikhail. (1935) Questões de literatura e de estética – A teoria do romance. São Paulo: Hucitec/UNESP, 1988. _________________ (1953) Os gêneros do discurso. In: M. Bakhtin (1979) Estética da criação verbal, pp. 277-326. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 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