DEPOIS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
1. Não é fácil abordar o tema referente à época em que vivemos. Primeiro, porque nosso
vocabulário está fixado em um tipo de vivência que despreza as razões profundas da
existência e só retrata superficialidade. Segundo, porque o vocabulário próprio para
essa análise é combatido e perseguido como heresia, bruxaria, subversão ou coisa que o
valha.
2. Façamos, porém, uma tentativa de abordagem, que se inicia, naturalmente, pela
apreciação do panorama presente da sociedade industrializada.
Para começar, o termo revolução tem origem nas lutas políticas e, modernamente, vem
sendo aplicado em sentido lato: na mecânica clássica, tinha apenas sentido repetitivo, isto
é, a volta da terra sobre si mesma. Daí, no sistema social conservador, significava retorno tornar a volver - às instituições anteriores que gradativamente iam sofrendo um desgaste
pelo tempo. Acontece que no processo de evolução sócio-econômica, surgiu uma fase nova
entre os quadros antigos de casta e que foi a introdução da consciência de classe. A classe
burguesa, sucessora da nobreza, na liderança social, passou a dominar a partir do século
17, os meios de produção, cujos novos modelos se baseavam em inventos decorrentes da
atitude cientifica introduzida pela cultura renascentista, de fundo matemático e
experimental (Galileu) e de fundo prático e vulgarizante (imprensa, bússola, papel,
pólvora, etc.).
Quando se inventou a máquina a vapor iniciou-se a montagem das grandes fábricas, em
redor das quais se concentraram, de um lado, os grupos patrimoniais, de outro, os grupos
operários.
Devido às condições desumanas a que o trabalho assalariado inicialmente foi submetido,
surgiram reivindicações e, com ela, aos poucos a legislação protetora dos assalariados.
3. O fenômeno criou novos quadros culturais, sociais e políticos, mudando-se, em
conseqüência, as perspectivas sobre a vida humana, seus objetivos e sua autorealização. Elevou-se o padrão de vida e intensificou-se o processo de aplicação das
teorias socializantes do poder.
Ao conjunto de problemas, soluções e estado de coisas surgido no meio industrial deu-se o
nome de revolução industrial.
A revolução industrial serviu para esclarecer as idéias de estrutura econômica e de
processo de desenvolvimento.
4. Surgiu, assim, uma sociedade cuja composição predominante era formada de lideranças
financeiras, burguesas e operárias. Esses elementos humanos, dotados de perspectiva
mecanicista, visavam a estabelecer estruturas de coordenação e programação, análoga à
máquina, entidade posta em supremo destaque.
Sem dúvida, dentro de suas origens filosóficas e pensamento diretor era racionalista,
porém, diante da elevação do padrão de vida e melhoria da higiene coletiva, logo verificouse uma primeira fase de explosão demográfica, com a formação de enormes complexos
industriais, e surgimento de reivindicações cujo teor ou contexto subjacente não eram de
imediata compreensão dos grupos liderantes nem dos liderados. Daí, adveio um confronto
entre o pensamento racionalista e o irracionalista, cujo desfecho ocorreu na 1ª e logo na 2ª
Guerra Mundial.
Esse irracionalismo, ainda manifesto em processo dinâmico de instituição e aplicação do
poder entre as lideranças adversárias, foi amplamente descrito por René Fulop Muller, em
"Os Grandes Sonhos da Humanidade" e reformulado por Herbert Marcuse, em seu livro
"Ideologia da Sociedade Industrial".
Em síntese, a incompreensão básica sobre a realidade do irracional - coisa que também
aconteceu em matemática sobre os números irracionais - gerou a ditadura mental que os
conservadores acusam a massa (massificação) e a massa aos conservadores (alienação).
5. Os processos de trabalho nesta era industrialista constituem reformulações superficiais
dos esquemas transmitidos por tradição: ensinamentos da experiência costumeira,
ordenamento das ações sob inspiração da astúcia, para alcançar vitórias táticas nas lutas
de mercado, que, antes, eram lutas da corte, manutenção de critérios de assessoramento
e decisão colegiada para sustento de hierarquia e parentesco.
E, com efeito, essas fórmulas estão sendo indiretamente solapadas, no curso das próprias
lutas competitivas, eis que as capacidades destroem os privilégios, pela mesma razão
porque a capitalização individualista do trabalho, a autonomia no uso do salário e as
exigências da burocracia e do interesse coletivo, impõem novos rumos às estruturas
econômicas, à ciência e ao bem estar geral do ser humano.
Assim, a revolução industrial, começada num quadro de privilégios, amadureceu numa
fase de exercício de aptidões, de forma que o costume que determinava objetiva e
subjetivamente o direito, a honra e o valor, foi superado pela pesquisa em torno do lucro,
do trabalho físico e das habilidades técnicas.
6. O multiplicador inflacionário que age sobre as invenções e descobertas, chegou a ter
um efeito tão intenso que os próprios organismos especializados não conseguem
manter-se em dia quanto às inovações introduzidas pela pesquisa e pela técnica.
Vivemos a era dos grandes números, das quantidades astronômicas, como se fosse a
apoteose da acumulação.
Ora, a explosão demográfica, com a expansão das cidades, o aumento do consumo de bens,
que ultrapassou tudo quanto os séculos passados tinham imaginado, os problemas e as
soluções em escala mundial, deram origem à nova matemática, a matemática dos números
complexos, que regem a civilização dinâmica das forças e da eletricidade, da fórmula
unificada que Einstein descobriu para a relatividade generalizada, à evolução do universo.
Assim, a consciência das quantidades racionais atingiu os novos patamares da ciência:
sucessivamente, as quantidades irracionais, reais, imaginárias e, finalmente, complexas.
A elas correspondem as novas lideranças do burguês racionalista (revolução francesa), do
operário irracionalista ( revolução russa), do político realista (organização da ONU), às
quais sucederão como se vê claro - porque acompanham o ordem de extensão do conceito
de número - uma revolução humanista e finalmente uma revolução de massa.
O número complexo, modelo último da matemática, é resultado de uma soma dos números
real e imaginário, ou seja, extensão mais movimento. Pela mesma forma, o modelo último
de organização social, o companheiro, é resultado da soma do político com o humanista,
ou seja, extensão de votação e movimento de reivindicações.
Em ambos os casos de extensão e movimento, na física e na sociologia, surge a massa.
7. A Revolução Industrial deu perspectivas as classes marginalizadas (em matemática: o
contra domínio). Formou a massa em termos de quantidade (extensão, primeira fase da
consciência matemática).
Sabe-se, porém, que a quantidade gera a qualidade, por um processo dialético de
transformação de realidade. Assim, a fase seguinte, para o evolver das massa, será a
qualidade. Justamente, com a intuição disso, as classes liderantes, sempre falam em
melhorar antes o homem pela educação (naturalmente, a educação nos termos de
conveniência de seus próprios quadros de domínio e liderança).
Mas, diga-se a verdade, os canais de controle social, por efeito mesmo da amplitude da
massa e da penetração dos aparelhos científicos ( rádio, televisão, telefone, gravadores,
cinemas, etc.) estão se tornando ineficientes no sentido da manutenção de privilégios. É o
advento da consciência democrática, apesar do pensamento unidimensional introduzido
pela economia de consumo, resultante da revolução industrial.
8. O mais importante dos aparelhos inventados neste período, à aquele que tende a
substituir o pensamento e o poder de decisão: o cérebro eletrônico, consciência da
matemática dos números complexo, da biologia dos sistema nervoso e do crescente
poder administrativo. Trata-se de uma inovação para o mundo multidimensionado:
resolve em termos imediatos equação e sistema de equações e sistemas de sistemas de
equações, que a humanidade jamais poderia resolver caso por caso.
Então, a ciência veio revolucionar os processos de ação. No principio era a ação; no futuro
há de ser também a ação a mola da evolução. O cérebro eletrônico, aplicado às ações em
bloco, trouxe consigo a consciência de integração que bruxuleou em Arquimedes, no
cálculo de exaustão e em Newton e Leibnitz quando formularam os raciocínios e os
algoritmos do cálculo integral.
Remotamente a humanidade praticou uma economia de sobrevivência, uma economia
predatória. Com a introdução a ciência ela passou a prever para prover. Depois, com
aplicação generalizada da máquina (energia mecânica) iniciou-se o processo da provisão
por exclusão da massa por benefícios do poder. Com a técnica eletrônica estamos no
advento de uma era de inclusão da massa aos benefícios do poder, através da integração.
Esta inclusão resultará automaticamente da necessidade de absorver no campo de domínio
ou estender o conceito do campo de domínio às massas cujos lazeres aumentarão pela
diminuição das horas de trabalho.
9. É evidente que a revolução industrial está abrindo caminho a uma outra revolução
tecnológica, cujo nome ainda não se firmou e que transparece em termos como:
Era atômica
Era cibernética
Era espacial.
Com efeito, a explosão atômica despertou a humanidade quanto às formas de energia: o
átomo sobrepujou, em poder da ação, tudo quanto antes se conhecia: a água, o ar, o fogo, a
eletricidade. Atingiu-se assim ao primitivo núcleo da transformação e explosão da matéria,
que está fadado a mudar os destinos da espécie e reger o sentido de desenvolvimento.
A cibernética, por sua vez, e que logo foi seguida pela biônica, deu as fórmulas de ação
equilibrada, em termos de sistemas abertos ou fechados. Aplicadas às comunidades
humanas, a cibernética revolucionou imediatamente as perspectivas do governo e, em
verdade, a própria palavra significa "governo, auto - governo de sistema".
Em terceiro lugar, as viagens espaciais, os foguetes e os robôs, reunido toda essa ciência,
sobre a matéria, a vida, o pensamento, agora trazem a perspectiva nova da distância, do
controle à distância, das experimentações e artifícios da pesquisa a partir "do lado de fora"
do sistema global, por instrumentos mecânicos que independem dos erros de pessoa.
10. Então, a tecnologia, por si exclusivamente por si, passou a ter existência própria: um
conjunto de normas de pesquisa e de ação que domina o campo da ciência e da
consciência. Em ponto alto da escada ascensional chega-se também a descobertas sobre
o organismo, o sistema nervoso, os processos do consciente e do inconsciente (Gestalt
e reflexos condicionados) que prova que é o meio que cria a consciência e não a
consciência que faz o meio e também que a tecnologia vai definir um novo regime de
vida e novas relações de trabalho, dentro e fora das fábricas, dentro e fora dos lares,
dentro e fora das cidades.
11. Do ponto de vista ético, o parentesco e a hierarquia definiram sempre o lado concreto
das relações do ser humano, para aproveitamento das diferenças entre pessoas, num
mundo de escassez. As lideranças determinam o legítimo e o ilegítimo, o superior e o
inferior.
Pois bem, quanto ao parentesco, é a fórmula predominante nas ordens sociais ou
institucionais impostas pelo ancião, rei, nobre, burguês e político. E, quanto a hierarquia, é,
por sua vez a fórmula predominante nas ordens sociais ou institucionais impostas pelos
guerreiros, conselheiros, banqueiros, proletários e humanistas.
A partir do ancião, elas se alternam mas, gradativamente e visivelmente, a qualidade
implícita em tais fórmulas (isto é, a essência do vínculo) se substitui por parentesco
classificatório para os primeiros e parentesco descritivo para os segundos.
Daí, a crise do pátrio poder e da família. A situação, nesta matéria, nos países adiantados,
chegou a ponto de: parente é só pai e mãe. Os juristas já vêm observando o fenômeno há
muito tempo. E já diminuem o limite da idade, para efeito de emancipação. Pois a nova
ética está liberando prematuramente os jovens, que antes eram apenas reservas dos velhos,
reminiscência institucional das culturas primitivas de vida meramente conjuntural, em que
os anciãos tinham como reserva os filhos, os escravos, os clientes, os mercenários e os
soldados.
12. Paralelamente, modifica-se neste quadro ético, o universo de sentimentos
predominantes.
De principio, vigoravam o egoísmo e a violência incontrolada. Depois sobrevieram a
justiça, o respeito, a honra, a lealdade e a honestidade como modelos de ação
respectivamente do ancião, guerreiro, rei, conselheiro, nobre, banqueiro e burguês.
Agora, ingressamos numa época em que esses modelos subjetivistas estão sendo
suplantados pela consciência da aptidão, da habilidade, da solidariedade e da fraternidade
que caracterizam o operário, o político, o humanista e o companheiro. É aquela
mentalidade de conjuntura e de regime, na luta pela vida aos poucos vai se transformando
em consciência de estrutura e de sistema.
13. A Revolução Industrial se caracteriza exatamente pelo seu aspecto conjuntural.
A transformação da sociedade, no período, se estruturou aos arrancos, aos solavancos de
inúmeras revoltas, guerras, greves, levantes, etc.
Escreve Charles Seignobos, em "História da Civilização Européia" sobre a "Primeira parte
do século 19":
"Já no último terço do século, surgiu na Inglaterra uma profunda transformação técnica
que, algumas vezes, tem sido qualificada de "Revolução Industrial". Verificou-se,
entretanto, por um processo evolutivo que se desenrolou por meio século e só atingiu a
Europa continental do século19. Esta transformação derivou de invenções que não foram
realizadas por cientistas, mas por homens de experiência prática ou habilidade mecânica: a
máquina a vapor de Watt, utilizada inicialmente para esgotar as águas das minas; a
máquina de fiar; o tear mecânico; a produção do coque, extraído da hulha e que substituiu
o carvão de madeira na metalurgia.. Estes novos processos tornaram-se necessários a
concentração dos operários em grandes estabelecimentos fabris.
Até então a indústria dedicara-se de preferência à produção de artigos de luxo destinados
aos privilegiados da fortuna. Os novos processos técnicos permitiram a produção em
grande quantidade de artigos menos luxuosos, mas a preços muito inferiores, acessíveis à
maior parte da população. A indústria passou a produzir para o consumo da massa que
pagava menos mas comprava mais."
14. Nesta conjuntura as perspectivas dominantes - isto é, "as idéias dominantes de uma
época são as idéias da classe dominante" - resultavam de sistemas fechados instituídos
por aquelas mesmas formas de lideranças (ancião, etc.) que por suas instituições
firmaram autênticos algoritmos de ação, como nos cálculos matemáticos. Tais sistemas
ou algoritmos de ação eram: clã, dinastia e casta. Explica-se : o clã em que domina os
anciãos, ampliando-se pela invasão, gera a dinastia; a qual, por sua vez, alicerçando-se
na sua autoridade, através do direito, da justiça e do respeito, gera, por meio da
legitimação, a casta.
É, por isso, que durante muito tempo se ouvia falar da dinastia dos Rothschild, Ford,
Vanderbilt, etc.; dos reis, do petróleo, do aço, do diamante, etc.
As novas castas profanas, filhas da Revolução Industrial, tiveram de enfrentar a nova
realidade e fizeram acordos dos quais surgiram as classes, que, por sua vez, mediante
concentração, geraram as comunidades.
É sobre o algoritmo das comunidades que estamos vivendo presentemente. Elas
constroem-se no caminho histórico das massas, em que o homem pensará por processos
altamente eficientes, não terá parentesco classificatório, adotará critérios funcionais e uma
razão prática baseada em informação dialética buscando o desenvolvimento unitário, por
integração cooperativista em regime de massa.
15. Mais profunda que a Revolução Industrial, foi a revolução nas quantidades, in
concreto, a nova Revolução, possivelmente a revolução eletrônica, será uma revolução
in abstrato, isto é uma revolução em qualidade. E aquilo que é hoje a degeneração do
poder de consumo se transformará em poder de produção através da automação para
atender de maneira direta ao consumo normal dos seres humano, através de
cooperativas. A reserva do companheiro será outro companheiro.
O sentido de massa será outro e não aquele que é estigmatizado pelas lideranças que
cultuam o poder. A massa não é má por si. A massa sempre foi usada e abusada nas horas
difíceis. A massa sempre foi reserva.
Na nova Revolução a massa não será reserva.
16. O ancião tinha como reserva os filhos, os escravos, os clientes, em tese, os jovens; os
guerreiros tiveram como reserva os escravos, os mercenários, os soldados; em tese, os
conscritos. Os reis tinham como reserva os súditos, os companheiros (comitês =
condes), em tese, os escribas; os nobres tinham como reserva os pares, os cavaleiros,
em tese, os vassalos, os "homens do nobre". O banqueiro tinha como reserva os
depositantes, o acionista; em tese, o investidos. O burguês tem como reserva o freguês,
o consumidor; em tese, o gerente. O operário tem como reserva o servente; em tese, o
aprendiz. O político tem como reserva o eleitor; em tese, o correligionário. O
humanista tem como reserva o estudante; em tese, o pesquisador.
E finalmente, o companheiro terá como reserva outro companheiro.
17. Em conclusão:
A nova Revolução importará em transformação nas relações do ser humano para consigo
mesmo.
Reporá nos devidos e exatos termos, o amor ao próximo, por via do espírito de integração,
cooperativismo e ética conformada às necessidades.
Seu lema será: em desenvolvimento - a cada um segundo as suas necessidades. E em
segurança - cada um é responsável pelo bem estar coletivo.
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Depois da Revolução Industrial - Comunidade Virtual de Antropologia