CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line www.ig.ufu.br/caminhos_de_geografia.html ISSN 1678-6343 Instituto de geografia ufu programa de pós-graduação em geografia TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO, DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL AOS NOSSOS DIAS Elisângela Magela Oliveira Graduanda do curso de História - UFU/bolsista PIBIC/CNPq e-mail: [email protected] RESUMO Este artigo analisa as transformações ocorridas no processo de produção desde a Revolução Industrial aos nossos dias e suas conseqüências nas relações de trabalho. O pensamento de E.P.Thompson, Karl Marx e o Eric Hobsbawm é usado como base e em oposição a alguns economistas clássicos, como John Stuart Mill, Ricardo e Adam Smith. Palavras-chave: Trabalho, Relações Sociais, Processo de Produção. WORLD OF WORK TRANSFORMATIONS, FROM INDUSTRIAL REVOLUTION TO OUR DAYS ABSTRACT This article analyzes the occured transformations in the process of production, leaving of the Industrial Revolution to our days and its subsequentes consequences on the work relations. The thought of E.P.Thompson, Karl Marx and Eric Hobsbawm is used as base and in opposition to some classic economists, as John Stuart Mill, Ricardo and Adam Smith. Keywords: Work, Social Relations, Process of Production. A1 Europa da segunda metade do século economia inglesa a ponto de ser XVIII foi marcada por profundas considerada início do século XIX. A mudanças econômicas e sociais. Ideais idéia liberais na França e transformações disseminava pela Europa, que buscava técnicas e econômicas na Grã-Bretanha pôr em prática novas invenções que se deram a “sensação” de ruptura com o adequassem ao ritmo do cotidiano passado. Eric alucinante imposto pela nova ordem do Hobsbawm, a década de 1780 trouxe trabalho. O tempo tornou-se ainda mais mudanças valioso para aqueles que almejavam Para tão o historiador significativas na do novo, do progresso, se ganhar dinheiro, de modo que cada 1 Recebido em: 19/06/2003 Aceito para publicação em: 18/09/2003 Caminhos de Geografia 6(11)84-96, Fev/2004 minuto deveria ser minuciosamente Página 84 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira aproveitado. cultura em uma parte da terra durante Nas fábricas, os trabalhadores foram algum tempo para a recuperação do obrigados a seguir o ritmo da máquina a solo, formação da força de trabalho, são vapor, a qual forneceu um grande algumas das principais características impulso ao setor têxtil. Criada em 1711 impostas pelas transformações técnicas por Thomas Newcomen e aperfeiçoada e econômicas ocorridas no final do em século XVIII na Inglaterra, as quais 1760 por James Watt, ela possibilitou a instalação dos moinhos foram em outras localidades, distantes das Industrial. Tais transformações não se margens dos rios, o que não era possível deram, contudo, da mesma forma em antes, já que dependiam de energia toda a Inglaterra, e menos ainda em toda hidráulica a Europa. Cada país e até mesmo cada em seu funcionamento. denominadas Somado a isso, a energia a vapor estado também características específicas. foi fundamental desenvolvimento utilizados dos o transportes por que e estas transformações se deram primeiramente mercadorias de um local a outro. A luz na Inglaterra? Podemos dizer que, entre do dia já não marcava mais os limites outros, um fator principal contribuiu da jornada de trabalho e nas cidades, a decisivamente para isso: A expansão do iluminação a gás colocou sob controle comércio com as colônias e com o do homem a duração do dia e da noite. continente possibilitou aos ingleses Num ritmo diferente do da indústria acumular têxtil, os progressos na produção de aceleração de sua produção interna e carvão, ferro e aço foram também muito custear aperfeiçoamentos tecnológicos. importantes para a indústria britânica. A passagem do sistema de produção Mecanização da produção, surgimento artesanal para o sistema fabril, por sua das primeiras máquinas, energia do vez, foi marcada por inovações técnicas carvão na nas quais a mecanização do trabalho agricultura - adubação, novos tipos de teve início no ramo da produção têxtil. plantação em oposição ao sistema A tradicional lã foi dando lugar às fibras rotativo de cultivo, utilizado desde a de algodão e com a invenção do tear Idade Média, em que se interrompia a mecânico (1787), o setor têxtil pôde dar do condutores Entretanto, experiências de e como para teve Revolução ferro, revolução Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 capitais necessários Página 85 à Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira seu grande salto. Contudo, a automação fabris do trabalho diminuiu o emprego de descrevendo as várias impressões destes mão-de-obra, o que não significou, com porém, que o processo de mecanização fábricas, da indústria se dava sem a presença da desviaram o próprio curso da natureza. força humana. Porém, o desvio do curso da natureza Na agricultura, entre 1760 e 1820, os foi apenas uma, das várias mudanças cercamentos iniciados no século XVI ocasionadas pelas fábricas, contudo, as foram intensificados, os direitos ao uso que mais afetaram os trabalhadores, da terra comunal foram perdidos e o principalmente os artesãos, foram, sem povo foi submetido à exploração do dúvida, as ocorridas nas relações de trabalho e à opressão, tornando as trabalho e no processo de produção. relações entre patrões e empregados Essa obra é relevante para o tema aqui mais duras e menos pessoais. A tratado, pois permite uma visualização Revolução Industrial trouxe a intensidade mais da exploração da mão-de-obra, o tempo ocasionadas no modo de vida dos começou a ser controlado por industriais trabalhadores ingleses com o advento da e não mais pelos artesãos. O trabalhador Revolução Industrial. perdeu o saber do produto todo ao ir A análise das mudanças ocorridas no trabalhar nas indústrias, já que não processo de produção traz à tona seu poderia concorrer com elas, tornaram-se, elemento principal – o trabalhador, assim, abordado neste artigo com a definição subordinados às mesmas e e as relatos de viajantes, instalações das primeiras as por sua clara quais, das vez, transformações expropriados do seu saber. de Thompson, na qual é entendido Em A Formação da Classe Operária como o operário moderno, ou seja, o Inglesa I, o historiador E.P. Thompson trabalhador fabril e, mais adiante, estuda o período que vai de 1780 a industrial, da segunda metade do século 1832, procurando fazer uma análise da XVIII em diante que vendia sua força sociedade de artesãos e da classe de operária inglesa nos seus anos de industriais. Tal como Thompson, o formação, outras operário é tratado neste artigo com a fontes, relatórios de inspetores de designação “classe operária”, com o fábricas, monografias de épocas, leis objetivo de esclarecer que a análise aqui utilizando, entre Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 trabalho para proprietários Página 86 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira desenvolvida gira em torno destes história, a qual busca enfatizar a idéia trabalhadores fabris e industriais, os de que a classe operária é fruto do quais, vivenciando experiências comuns surgimento da Indústria na Inglaterra. O no local de trabalho, experimentam uma que há de inaceitável é admitir que toda dada realidade, sentem uma “identidade a história dos operários surge com as de interesses” entre si, oposta a outros primeiras indústrias, já que a luta e a homens, e vão lutar por estes interesses, organização dos trabalhadores ocorrem construindo, assim, uma “consciência antes de classe”, que é, por sua vez, a forma primeiras fábricas. A classe operária como tais experiências são tratadas não foi formada de cima para baixo, culturalmente.2 Segundo Thompson, os mas sim dentro dos interesses destes homens definem sua classe enquanto próprios trabalhadores. vivem sua história, e esta é, portanto, Thompson faz críticas, com isso, à uma formação tanto cultural como “ortodoxia marxista”, à Engels, por econômica, que surge por processos e exemplo, que afirma que energia a transformações históricas e espaciais vapor é igual à nova classe operária e distintas. mesmo da implantação das que os operários foram os filhos A classe operária, por sua vez, esteve primogênitos da Revolução Industrial. presente ao seu próprio “fazer-se”, Discorda da “ortodoxia fabiana”, que colocando limites às condições de vê os trabalhadores como vitimas exploração do trabalho apresentadas passivas do laissez-faire (deixar fazer), pelo sistema capitalista, numa forma de pois resistência às novas ordens impostas conscientes pelas transformações sobre o processo discorda também da ortodoxia dos de trabalho, buscando, com isso, seus historiadores interesses, seus direitos e formando-se, que vêem os trabalhadores somente assim, enquanto classe. Partindo deste como força de trabalho, migrante ou pressuposto, não faz nenhum sentido a dado estatístico, não como agentes existência da periodização que é feita na ativos. O autor abandona ainda a ela obscurece dos os esforços trabalhadores, econômicos e empíricos, historiografia de alguns escritores, onde 2 THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989. V. 1. Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 somente os vencedores são lembrados, os vencidos são esquecidos, não são Página 87 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira levadas em conta experiências perdidas, intensificação da exploração do trabalho apenas vitoriosas. É também na ótica de das crianças, elas trabalhavam nas Thompson que o trabalhador está sendo minas, eram ajudantes de cozinheiro, abordado neste artigo, como agentes operadoras de portinholas de ventilação ativos e conscientes de sua posição ou nas fábricas, mas o trabalho infantil enquanto existia mesmo antes de 1780: “O sujeitos sociais, transformadores de seu meio. trabalho infantil não era uma novidade. De acordo com Thompson, entretanto, a A criança era uma parte intrínseca da classe operária não é homogênea, ela economia industrial e agrícola antes tem mesmo de 1780 e como tal permaneceu suas divergências internas e constrói sua consciência na própria até ser resgatada pela escola.”3 As experiência da fábrica. A visão de crianças economistas que calculam em média que com o surgimento das fábricas os operários estariam vivendo melhor, não também agricultura, trabalhavam freqüentemente na mal agasalhadas, no campo ou na fazenda, sob qualquer condição climática. tem sustentação na realidade, sendo Ao uma característica ilusória. Dizer que a doméstico e fabril percebemos que o infra-estrutura a trabalho na fábrica era mais árduo para superestrutura, como faz o marxismo a criança pois não havia a separação vulgar entre brincar e trabalhar como havia no significa determina não levar em comparar o trabalho consideração o modo de vida das trabalho pessoas. de síntese, podemos supor que havia uma expropriação do trabalho é que foram introdução gradual ao trabalho que responsáveis pela construção da classe respeitava a capacidade e a idade da operária. Com isso, até mesmo o criança, intercalando-a com entrega de sentido de liberdade no capitalismo está mensagens, a colheita de amoras, a ligado ao trabalho alienado, onde os coleta de lenhas e as brincadeiras.”4 O trabalhadores têm a liberdade de vender trabalho, tanto da criança quanto da sua força de trabalho, mas ao mesmo mulher, tempo é expropriado do trabalho, da importância para as fábricas e, logo Todos os processos doméstico passou a no infantil ser qual: de “em grande cultura e do lazer. Entre 1780 e 1840 houve, ainda, uma Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 3 4 Idem, p. 203. Idem, p. 205. Página 88 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias após, para a sua situação piorou, pois foi sendo cada introdução da maquinaria, pois esta vez mais explorada nas fábricas, com diminuiu o esforço executado e o custo muitas horas de trabalho, salários com salários. baixos e pouco tempo para se dedicar a Neste as indústrias, sentido, tendências da com Elisângela Magela Oliveira contrariando economia as si mesma. clássica, Thompson explica como o campo vai Thompson mostra que as condições das sendo incorporado à vida fabril, e ao mulheres contrário também pioraram, elas de certas leituras que também passaram a ser exploradas nas priorizam os eventos em detrimento das fábricas com longas horas de trabalho e pessoas que trabalham, o autor retoma a salários baixos. As jovens começaram a relação campo-cidade para mostrar que criar mais cedo ao ir para as cidades e os hábitos e lazeres rurais vão sendo as crianças adoeciam por falta de progressivamente incorporados dentro cuidados, visto que as mães passaram a das fábricas. Em oposição a isso dá-se, dividir seu tempo entre as tarefas nas fábricas, a tentativa de eliminar a públicas e privadas. Somado a isso, as cultura rural, certos hábitos rurais que crianças também adoeciam devido à má pudessem, de certa forma, prejudicar o alimentação e muitas, as maiores, por objetivo da fábrica em disciplinar e acidentes de trabalho, neste último caso fazer prevalecer a ordem sobre os quando não eram vitimas fatais. De trabalhadores e sobre o processo de acordo com Thompson, “A pretensão de produção. Deste modo, as cidades não que tenha suplantaram o campo, elas nasceram elevado o status das mulheres parece dentro dele, houve uma transposição da pouco significativa diante do número cultura rural para a urbana. Portanto, excessivo de horas de trabalho, das não houve uma substituição da cultura moradias grande rural pela urbana, mas uma transposição quantidade de partos e das elevadas de valores culturais rurais para o mundo a Revolução Industrial apertadas, da 5 A urbano: “Podemos nos sentir tentados a certa explicar o declínio dos antigos esportes independência com relação aos parentes e dos festivais simplesmente a partir da ou à assistência paroquial, mas fora isso substituição dos valores rurais por taxas de mortalidade infantil.” mulher 5 adquiriu uma Idem, p. 304. Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 Página 89 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira urbanos, mas isso é ilusório.”6 Assim, o sobretrabalho Marx chama de “mais- autor dá importância à sensibilidade da valia” - o aumento da jornada de classe operária e de sua característica trabalho além do que o trabalhador ativa enquanto classe. Analisa a cultura precisa para sobreviver. São as horas urbana e rural, as relações entre ambas e que o trabalhador executa a mais de a partir daí estabelece um parâmetro de trabalho análise para a formação da classe capitalista. Essa mais-valia pode ser operária das absoluta ou relativa. A mais-valia percebe absoluta consiste no aumento da jornada implicações políticas, bem como uma de trabalho e a mais-valia relativa dimensão de resistência à disciplina e à consiste na diminuição do tempo gasto ordem para inglesa. manifestações Através culturais, impostas que elas tomam. e a entrega, de execução do graça, trabalho. ao A Thompson dá voz ao operário, através produção de mais-valia é o meio pelo de suas reivindicações conscientes em qual a burguesia acumula capital, ou torno dos seus interesses. Não vê a seja, acumulação através da exploração classe operária como um simples dado do trabalho. E a crítica de Marx em estatístico, torno como os economistas dos economistas clássicos, clássicos vêem, mas como uma classe Ricardo, Adam Smith, John Stuart Mill que se move e luta por seus interesses. e Interessante perceber que esta mesma estatísticas preocupação de Thompson em demarcar Industrial, consiste em mostrar que a o terreno da classe operária na história economia clássica não se preocupa com do trabalho, é percebida em Karl Marx a origem da mais-valia, mas apenas com em O Capital7, onde o autor analisa os o lucro que a mesma proporciona ao processos de produção do capital. Entre capitalista, com a riqueza que ela gera. outras de suas conclusões, Marx explica Marx, ao contrário, estuda a origem da que o mais-valia para mostrar que, ao mesmo sobretrabalho, isto é, uma porção de tempo que ela gera riquezas, lucro, gera trabalho que é doada ao patrão. À esse também no capitalismo cria-se das abordagens gerais exploração econômicas da da e Revolução força de trabalho. 6 Idem, p. 295. MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984. Vol. 1, tomo 2. 7 Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 As estatísticas baseadas na idéia de que, com a Revolução Industrial, as pessoas Página 90 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias estariam vivendo melhor, Elisângela Magela Oliveira pois Com a maquinaria, o trabalhador não baixaram-se os preços das mercadorias, dominará mais seu tempo de trabalho e para Marx, também são estatísticas nem seu saber sobre o produto todo, ilusórias, pois o que proporcionou o devido à divisão do trabalho ocasionada aumento da produção e com isso a pela mesma. A máquina não exigirá diminuição dos preços foi o aumento da mais a habilidade do trabalhador que exploração da terá acentuado trabalho mais-valia, com o seu trabalho expropriado e homens, desqualificado. De acordo com Marx, o mulheres e até mesmo de crianças no processo de alienação do homem se dá processo de produção. Sobre isto, Karl através do estranhamento deste em Marx salienta: relação ao produto de seu trabalho, da de À medida que a maquinaria torna a força masculina dispensável, ela se torna o meio de utilizar trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento corporal imaturo, mas com membros de maior flexibilidade. Por isso, o trabalho de mulheres e de crianças foi a primeira palavra de ordem da aplicação capitalista da maquinaria.8 necessidade produtiva que antes era para suprir suas necessidades vitais e depois tornou-se coercitiva. A passagem da fábrica para a indústria, porém, não se deu de maneira mecânica, Assim sendo, a diferença entre trabalho mas de forma a encontrar uma e outra. manual e maquinaria está na forma Contudo, da mesma forma com que a como o trabalho é concebido: no manufatura suplantou o artesanato, ela trabalho manual não há divisão do também foi suplantada pela maquinaria. trabalho em manual e intelectual, o Neste sentido, Marx mantém a mesma trabalhador/artesão sabe como fazer o postura de Thompson, ao ressaltar que produto todo, estabelece a duração, a não foi a máquina que criou o operário, forma e o preço da mercadoria por ele mas foi ela quem expropriou-o do seu fabricada. são trabalho. A maquinaria passou a existir montadas as fábricas e os trabalhadores porque pessoas foram expropriadas do vão trabalhar nelas, coloca-se em xeque seu trabalho, do seu saber, de seu lazer, todo o sistema baseado na junção entre etc. Sobre isto, Marx escreve: Quando, porém, trabalho manual e intelectual, o que ocorre quando se introduz a maquinaria. 8 Idem, p. 23. Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 A máquina, da qual faz parte a Revolução Industrial, substitui o trabalhador, que maneja uma única ferramenta, por um mecanismo, que opera com uma massa de ferramentas iguais ou semelhantes de uma se vez, e Página 91 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias que é movimentada por uma única força 9 motriz qualquer que seja sua força. Através da tecnologia, indústria transforma trabalho artesanal a grande atividades em do “máquina ferramenta”, que incorpora em si tais atividades. A mercadoria produzida pela grande indústria diminui seu preço Elisângela Magela Oliveira o capitalismo. Marx, com isso, passou boa parte de sua vida exilado na Inglaterra e sua teoria foi sempre rechaçada, pois coloca em xeque todo sistema capitalista de produção, mas, em contradição, continuará existindo enquanto houver capitalismo. devido ao aumento da sua produção, e Entretanto, os artesãos, não podendo concorrer com Hobsbawm, já mesmo em sua primeira ela, tornam-se submetidos à mesma. De fase, a Revolução Industrial tendeu a modo inverso, o capitalista, através da expropriar o trabalhador utilizando-se disciplina imposta e da exploração cada das mais diversas formas, seja tirando vez maior de mais-valia sobre o as pessoas das antigas comunidades e trabalho de famílias inteiras, aumenta não lhes dando emprego, seja tirando- seu lucro ao mesmo tempo que diminui lhes o ofício que lhes era próprio, visto seus gastos com pagamentos salariais, que este não poderia concorrer com o visto que a introdução das máquinas modo de produção nascente, baseado na dispensa parte de trabalhadores. Neste mecanização da produção e na divisão sentido, a exploração da mais-valia é de do trabalho. Nessas condições é que o fundamental a surgimento da classe operária se deu manutenção do sistema capitalista, que com os operários têxteis, artesãos, tem como lógica a aquisição de mais e tinteiros, mais lucros e a concentração cada vez assalariados e trouxe à cena um novo maior de capital. O ser humano passou tipo de trabalhador, aquele expropriado a viver em função deste sistema, o qual de seus meios de produção. Hobsbawm precisa excluir de seus benefícios boa explica que o surgimento da classe parte da população para continuar se operária como um novo tipo de mantendo. E é deste modo que a teoria trabalhador se justifica pelo fato de o de Marx procurou sempre mostrar a próprio capitalismo haver deixado uma oposição entre trabalho e capital, para “massa” considerável de trabalhadores fundamentar as bases em que se assenta expropriados 9 importância para Idem, p.10. Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 de acordo tipógrafos de e seus com Eric sapateiros meios de produção. Página 92 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira Assim, a primeira metade do século mecanizadas, XIX pelas científica exerce pressões sobre os destes operários, alienando-o do seu saber acontecimentos. Grande quantidade de sobre o produto por ele criado e imigrantes foram para diversas partes transformando-o em um mero apêndice do mundo à procura de uma vida da máquina, cada vez mais precarizado. melhor, De europeu principais foi marcada conseqüências muitos seguiram para as acordo com com sua gerência Hobsbawm: “a Américas, para países como Brasil, disciplina e o ritmo do trabalho também Estados Unidos e outros se aventuraram foram intensificados, o que fez com que em direção à Austrália, Alemanha, perdessem o controle da produção.”10 Itália, etc. Eram pessoas que, tendo sido Até 1929, houve uma melhoria de vida expropriadas pelo para os operários dos países ricos e capitalismo industrial, perceberam na devido aos intensos movimentos sociais emigração a melhor saída. A partir de comuns ao final do século XIX, à 1850, porém, o capitalismo europeu pressão e perigo que os mesmos consegue dar emprego à essas pessoas, causavam à ordem social e econômica entre ao como um todo, estabeleceu-se o sistema a de previdência social, pública e estatal, tecnologia. Somado à isso, era preciso isto é, foram colocados em prática pessoas sem qualificação e sem nada elementos do welfare state (Estado de além da vontade de trabalhar. Bem Estar Social), no qual caberia ao outros crescimento de seu ofício motivos, da devido indústria com O vapor era a grande energia do século XIX, a tecnologia da idade do carvão, ferro. Hobsbawm explica que por volta de 1850, as classes operárias começaram a crescer sem fim nos países de primeira industrialização, como a Inglaterra, por exemplo. Desenvolveuse, no final do século XIX, uma Estado prover aos seus cidadãos serviços de previdência social, como seguro desemprego, aposentadoria, cobertura de educação e saúde em todos os níveis sociais e até mesmo a garantia de uma renda mínima, além de recursos adicionais para a manutenção da vida. A crise que se iniciou com a quebra da concentração de capital e uma unidade de produção. A grande indústria, com tecnologias mais avançadas, Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 mais 10 HOBSBAWM, Eric. “Trajetória do Movimento Operário”. In: REVISTA TRABALHADORES. Prefeitura Municipal de Campinas, 1989. n.º 2.p.10. Página 93 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira Bolsa de Nova Iorque em outubro de não há centros em grandes cidades, mas 1929, por sua vez, afetou a economia do no campo, é apoiada em uma tecnologia mundo inteiro, produzindo uma enorme altamente eletrônica e informatizada, gama de desempregados, pessoas sem sendo possível, por exemplo, saber se e moradia, quando um determinado produto vende, sem alimentação. emprego e sem Intensificaram-se os permitindo, assim, conforme sendo propagados para outros países. convencionou Por volta de 1952, tem início o mundo flexível. contemporâneo e uma revolução tecno- Em conseqüência de tais transformações científica transforma profundamente as no modo de se conceber o processo de comunicações, a produção, a situação dos operários da organização da produção industrial. “A segunda metade do século XX ganha classe operária já não cresce mais nas uma nova característica percebida no regiões de primeira industrialização, fato de que “há mais dispersão dos mas diminui em sentido político e operários em vez de concentração.”12, técnicas e demanda, produzir protestos na Inglaterra, os quais foram as a se chamar o de que se produção relativo.”11 A partir da segunda metade como esclarece Hobsbawm. Outras da década de 1975 tem-se o fim da características do final do século XX, época fordista, pois não há mais a observadas por este autor, as quais nos fábrica gigantesca e estandardizada, oferecem pertinentes informações sobre com centralizada, a realidade do operário deste período, hierarquizada. Ao contrário, percebe-se, são o auge da produção mundial, da mais adiante, na década de 1980, mais riqueza global e da expropriação do autonomia, da trabalho em escalas jamais vistas se produção em unidades díspares, além de comparadas a épocas anteriores. Em uma produção flexível em oposição à oposição, o operário se constitui em estandardização muitos por imigrantes, tornando a classe administração quantidades mais de desagregação em enormes produção. Segundo operária mais heterogênea, Hobsbawm, o modelo do processo de consequentemente de fácil cisão entre produção dos anos 1980 é muito mais a seus componentes. empresa Benetton que a Ford, visto que 11 Idem, p. 13. Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 12 Idem, p. 14. Página 94 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira Parte destes trabalhadores expropriados também distintos.”13, como explica foi sendo absorvida tanto pelas velhas Hobsbawm. indústrias como pelas novas, adicionado A partir de 1990, agora especificamente a isso, um aumento no número de no Brasil, o país passou por um emprego de mulheres. Ocorre uma processo profundo de transformações reestruturação da economia mundial, em sua base produtiva, marcado por com a presença de uma nova divisão do intensa racionalização e flexibilização trabalho, agora mais acentuada ainda na no modo de produção do trabalho. Estas questão da diferença de grau de transformações, desenvolvimento entre os países, isto é, especialmente na Região Metropolitana dá-se a desindustrialização de velhos de países, como é o caso da Inglaterra, por diminuição do potencial de trabalho exemplo, e a industrialização de novos, disponível no mercado, dando lugar, como entre outros, ao trabalho informal e à Brasil, globalização, Coréia, a etc. A transnacionalização acentuada de toda a economia é outra São ocorridas Paulo, conseqüente trouxe perda consigo de a direitos trabalhistas. Com isso, temos que: característica marcante do processo de As políticas econômicas adotadas na década de 1990 estavam longe de ser eficientes no amparo ao trabalhador brasileiro. O período foi marcado pela redução dos postos de trabalhos formais, pela desvalorização da renda do trabalhador e pela significativa queda do poder de negociação dos sindicatos.14 produção do final do século XX, iniciado no século XIX. Tanto que a Ford, em 1980, atua em todas as partes do mundo, o que é vantajoso para os modernos e grandes capitalistas, ao mesmo tempo que um problema para os Em decorrência de tais transformações, movimentos operários, já que os tornam o trabalhador não encontra outra opção ainda Em senão a de inserir-se no mercado conseqüência, na segunda metade do informal de trabalho, no qual, na maior século XX “já não existe um só modelo parte de classes operárias, como parecia haver dificuldades de sobrevivência, somada à mais heterogêneos. das vezes encontra sérias no final do século XIX, com um só modelo de organização sindical, política. Há uma variedade de casos possíveis em contextos políticos Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 13 Idem, p. 16. ZAVALA, Rodrigo. Livro explica como os anos 90 foram negativos para o trabalhador. In: FOLHA ONLINE, < http://www.folha.uol.com.br/folha/>. 21 fev. 2002. Acesso: 3abr. 2003. 14 Página 95 Transformações no mundo do trabalho da revolução industrial aos nossos dias Elisângela Magela Oliveira impossibilidade de retorno pelos anos de trabalho executado através de benefícios estatais, como Aposentadoria, Seguro Desemprego, entre outros, ficando à mercê da própria sorte. Infelizmente, este é o legado que nos foi deixado de uma colonização gananciosa e mal planejada. Contudo, analisarmos o passado e o espaço ao qual está relacionado e resumirmos nossas exclusivamente à sensações sentimentos de frustração e derrota, significa não levar em consideração o nosso momento presente, tempo e espaço nos quais únicos e exclusivamente poderemos projetar o futuro. O futuro? Está acontecendo. REFEÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HOBSBAWM, Eric. “Trajetória do Movimento Operário”. In: REVISTA TRABALHADORES. Prefeitura Municipal de Campinas, 1989. n.º 2. MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984. Vol. 1, tomo 2. THOMPSON, E.P. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1989. V. 1. ZAVALA, Rodrigo. Livro explica como os anos 90 foram negativos para o trabalhador. In: FOLHA ONLINE, < http://www.folha.uol.com.br/folha/>. 21 fev. 2002. Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004 Página 96