CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line
www.ig.ufu.br/caminhos_de_geografia.html
ISSN 1678-6343
Instituto de geografia
ufu
programa de pós-graduação em geografia
TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO, DA REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL AOS NOSSOS DIAS
Elisângela Magela Oliveira
Graduanda do curso de História - UFU/bolsista PIBIC/CNPq
e-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo analisa as transformações ocorridas no processo de produção desde a
Revolução Industrial aos nossos dias e suas conseqüências nas relações de
trabalho. O pensamento de E.P.Thompson, Karl Marx e o Eric Hobsbawm é usado
como base e em oposição a alguns economistas clássicos, como John Stuart Mill,
Ricardo e Adam Smith.
Palavras-chave: Trabalho, Relações Sociais, Processo de Produção.
WORLD OF WORK TRANSFORMATIONS, FROM INDUSTRIAL
REVOLUTION TO OUR DAYS
ABSTRACT
This article analyzes the occured transformations in the process of production,
leaving of the Industrial Revolution to our days and its subsequentes consequences
on the work relations. The thought of E.P.Thompson, Karl Marx and Eric
Hobsbawm is used as base and in opposition to some classic economists, as John
Stuart Mill, Ricardo and Adam Smith.
Keywords: Work, Social Relations, Process of Production.
A1 Europa da segunda metade do século
economia inglesa a ponto de ser
XVIII foi marcada por profundas
considerada início do século XIX. A
mudanças econômicas e sociais. Ideais
idéia
liberais na França e transformações
disseminava pela Europa, que buscava
técnicas e econômicas na Grã-Bretanha
pôr em prática novas invenções que se
deram a “sensação” de ruptura com o
adequassem ao ritmo do cotidiano
passado.
Eric
alucinante imposto pela nova ordem do
Hobsbawm, a década de 1780 trouxe
trabalho. O tempo tornou-se ainda mais
mudanças
valioso para aqueles que almejavam
Para
tão
o
historiador
significativas
na
do
novo,
do
progresso,
se
ganhar dinheiro, de modo que cada
1
Recebido em: 19/06/2003
Aceito para publicação em: 18/09/2003
Caminhos de Geografia 6(11)84-96, Fev/2004
minuto deveria ser minuciosamente
Página 84
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
aproveitado.
cultura em uma parte da terra durante
Nas fábricas, os trabalhadores foram
algum tempo para a recuperação do
obrigados a seguir o ritmo da máquina a
solo, formação da força de trabalho, são
vapor, a qual forneceu um grande
algumas das principais características
impulso ao setor têxtil. Criada em 1711
impostas pelas transformações técnicas
por Thomas Newcomen e aperfeiçoada
e econômicas ocorridas no final do
em
século XVIII na Inglaterra, as quais
1760
por
James
Watt,
ela
possibilitou a instalação dos moinhos
foram
em outras localidades, distantes das
Industrial. Tais transformações não se
margens dos rios, o que não era possível
deram, contudo, da mesma forma em
antes, já que dependiam de energia
toda a Inglaterra, e menos ainda em toda
hidráulica
a Europa. Cada país e até mesmo cada
em
seu
funcionamento.
denominadas
Somado a isso, a energia a vapor
estado
também
características específicas.
foi
fundamental
desenvolvimento
utilizados
dos
o
transportes
por
que
e
estas
transformações se deram primeiramente
mercadorias de um local a outro. A luz
na Inglaterra? Podemos dizer que, entre
do dia já não marcava mais os limites
outros, um fator principal contribuiu
da jornada de trabalho e nas cidades, a
decisivamente para isso: A expansão do
iluminação a gás colocou sob controle
comércio com as colônias e com o
do homem a duração do dia e da noite.
continente possibilitou aos ingleses
Num ritmo diferente do da indústria
acumular
têxtil, os progressos na produção de
aceleração de sua produção interna e
carvão, ferro e aço foram também muito
custear aperfeiçoamentos tecnológicos.
importantes para a indústria britânica.
A passagem do sistema de produção
Mecanização da produção, surgimento
artesanal para o sistema fabril, por sua
das primeiras máquinas, energia do
vez, foi marcada por inovações técnicas
carvão
na
nas quais a mecanização do trabalho
agricultura - adubação, novos tipos de
teve início no ramo da produção têxtil.
plantação em oposição ao sistema
A tradicional lã foi dando lugar às fibras
rotativo de cultivo, utilizado desde a
de algodão e com a invenção do tear
Idade Média, em que se interrompia a
mecânico (1787), o setor têxtil pôde dar
do
condutores
Entretanto,
experiências
de
e
como
para
teve
Revolução
ferro,
revolução
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
capitais
necessários
Página 85
à
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
seu grande salto. Contudo, a automação
fabris
do trabalho diminuiu o emprego de
descrevendo as várias impressões destes
mão-de-obra, o que não significou,
com
porém, que o processo de mecanização
fábricas,
da indústria se dava sem a presença da
desviaram o próprio curso da natureza.
força humana.
Porém, o desvio do curso da natureza
Na agricultura, entre 1760 e 1820, os
foi apenas uma, das várias mudanças
cercamentos iniciados no século XVI
ocasionadas pelas fábricas, contudo, as
foram intensificados, os direitos ao uso
que mais afetaram os trabalhadores,
da terra comunal foram perdidos e o
principalmente os artesãos, foram, sem
povo foi submetido à exploração do
dúvida, as ocorridas nas relações de
trabalho e à opressão, tornando as
trabalho e no processo de produção.
relações entre patrões e empregados
Essa obra é relevante para o tema aqui
mais duras e menos pessoais. A
tratado, pois permite uma visualização
Revolução Industrial trouxe a intensidade
mais
da exploração da mão-de-obra, o tempo
ocasionadas no modo de vida dos
começou a ser controlado por industriais
trabalhadores ingleses com o advento da
e não mais pelos artesãos. O trabalhador
Revolução Industrial.
perdeu o saber do produto todo ao ir
A análise das mudanças ocorridas no
trabalhar nas indústrias, já que não
processo de produção traz à tona seu
poderia concorrer com elas, tornaram-se,
elemento principal – o trabalhador,
assim,
abordado neste artigo com a definição
subordinados
às
mesmas
e
e
as
relatos
de
viajantes,
instalações
das
primeiras
as
por
sua
clara
quais,
das
vez,
transformações
expropriados do seu saber.
de Thompson, na qual é entendido
Em A Formação da Classe Operária
como o operário moderno, ou seja, o
Inglesa I, o historiador E.P. Thompson
trabalhador fabril e, mais adiante,
estuda o período que vai de 1780 a
industrial, da segunda metade do século
1832, procurando fazer uma análise da
XVIII em diante que vendia sua força
sociedade de artesãos e da classe
de
operária inglesa nos seus anos de
industriais. Tal como Thompson, o
formação,
outras
operário é tratado neste artigo com a
fontes, relatórios de inspetores de
designação “classe operária”, com o
fábricas, monografias de épocas, leis
objetivo de esclarecer que a análise aqui
utilizando,
entre
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
trabalho
para
proprietários
Página 86
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
desenvolvida gira em torno destes
história, a qual busca enfatizar a idéia
trabalhadores fabris e industriais, os
de que a classe operária é fruto do
quais, vivenciando experiências comuns
surgimento da Indústria na Inglaterra. O
no local de trabalho, experimentam uma
que há de inaceitável é admitir que toda
dada realidade, sentem uma “identidade
a história dos operários surge com as
de interesses” entre si, oposta a outros
primeiras indústrias, já que a luta e a
homens, e vão lutar por estes interesses,
organização dos trabalhadores ocorrem
construindo, assim, uma “consciência
antes
de classe”, que é, por sua vez, a forma
primeiras fábricas. A classe operária
como tais experiências são tratadas
não foi formada de cima para baixo,
culturalmente.2 Segundo Thompson, os
mas sim dentro dos interesses destes
homens definem sua classe enquanto
próprios trabalhadores.
vivem sua história, e esta é, portanto,
Thompson faz críticas, com isso, à
uma formação tanto cultural como
“ortodoxia marxista”, à Engels, por
econômica, que surge por processos e
exemplo, que afirma que energia a
transformações históricas e espaciais
vapor é igual à nova classe operária e
distintas.
mesmo
da
implantação
das
que os operários foram os filhos
A classe operária, por sua vez, esteve
primogênitos da Revolução Industrial.
presente ao seu próprio “fazer-se”,
Discorda da “ortodoxia fabiana”, que
colocando limites às condições de
vê os trabalhadores como vitimas
exploração do trabalho apresentadas
passivas do laissez-faire (deixar fazer),
pelo sistema capitalista, numa forma de
pois
resistência às novas ordens impostas
conscientes
pelas transformações sobre o processo
discorda também da ortodoxia dos
de trabalho, buscando, com isso, seus
historiadores
interesses, seus direitos e formando-se,
que vêem os trabalhadores somente
assim, enquanto classe. Partindo deste
como força de trabalho, migrante ou
pressuposto, não faz nenhum sentido a
dado estatístico, não como agentes
existência da periodização que é feita na
ativos. O autor abandona ainda a
ela
obscurece
dos
os
esforços
trabalhadores,
econômicos
e
empíricos,
historiografia de alguns escritores, onde
2
THOMPSON, E.P. A Formação da Classe
Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
1989. V. 1.
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
somente os vencedores são lembrados,
os vencidos são esquecidos, não são
Página 87
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
levadas em conta experiências perdidas,
intensificação da exploração do trabalho
apenas vitoriosas. É também na ótica de
das crianças, elas trabalhavam nas
Thompson que o trabalhador está sendo
minas, eram ajudantes de cozinheiro,
abordado neste artigo, como agentes
operadoras de portinholas de ventilação
ativos e conscientes de sua posição
ou nas fábricas, mas o trabalho infantil
enquanto
existia mesmo antes de 1780: “O
sujeitos
sociais,
transformadores de seu meio.
trabalho infantil não era uma novidade.
De acordo com Thompson, entretanto, a
A criança era uma parte intrínseca da
classe operária não é homogênea, ela
economia industrial e agrícola antes
tem
mesmo de 1780 e como tal permaneceu
suas
divergências
internas
e
constrói sua consciência na própria
até ser resgatada pela escola.”3 As
experiência da fábrica. A visão de
crianças
economistas que calculam em média
que com o surgimento das fábricas os
operários estariam vivendo melhor, não
também
agricultura,
trabalhavam
freqüentemente
na
mal
agasalhadas, no campo ou na fazenda,
sob qualquer condição climática.
tem sustentação na realidade, sendo
Ao
uma característica ilusória. Dizer que a
doméstico e fabril percebemos que o
infra-estrutura
a
trabalho na fábrica era mais árduo para
superestrutura, como faz o marxismo
a criança pois não havia a separação
vulgar
entre brincar e trabalhar como havia no
significa
determina
não
levar
em
comparar
o
trabalho
consideração o modo de vida das
trabalho
pessoas.
de
síntese, podemos supor que havia uma
expropriação do trabalho é que foram
introdução gradual ao trabalho que
responsáveis pela construção da classe
respeitava a capacidade e a idade da
operária. Com isso, até mesmo o
criança, intercalando-a com entrega de
sentido de liberdade no capitalismo está
mensagens, a colheita de amoras, a
ligado ao trabalho alienado, onde os
coleta de lenhas e as brincadeiras.”4 O
trabalhadores têm a liberdade de vender
trabalho, tanto da criança quanto da
sua força de trabalho, mas ao mesmo
mulher,
tempo é expropriado do trabalho, da
importância para as fábricas e, logo
Todos
os
processos
doméstico
passou
a
no
infantil
ser
qual:
de
“em
grande
cultura e do lazer.
Entre 1780 e 1840 houve, ainda, uma
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
3
4
Idem, p. 203.
Idem, p. 205.
Página 88
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
após,
para
a
sua situação piorou, pois foi sendo cada
introdução da maquinaria, pois esta
vez mais explorada nas fábricas, com
diminuiu o esforço executado e o custo
muitas horas de trabalho, salários
com salários.
baixos e pouco tempo para se dedicar a
Neste
as
indústrias,
sentido,
tendências
da
com
Elisângela Magela Oliveira
contrariando
economia
as
si mesma.
clássica,
Thompson explica como o campo vai
Thompson mostra que as condições das
sendo incorporado à vida fabril, e ao
mulheres
contrário
também
pioraram,
elas
de
certas
leituras
que
também passaram a ser exploradas nas
priorizam os eventos em detrimento das
fábricas com longas horas de trabalho e
pessoas que trabalham, o autor retoma a
salários baixos. As jovens começaram a
relação campo-cidade para mostrar que
criar mais cedo ao ir para as cidades e
os hábitos e lazeres rurais vão sendo
as crianças adoeciam por falta de
progressivamente incorporados dentro
cuidados, visto que as mães passaram a
das fábricas. Em oposição a isso dá-se,
dividir seu tempo entre as tarefas
nas fábricas, a tentativa de eliminar a
públicas e privadas. Somado a isso, as
cultura rural, certos hábitos rurais que
crianças também adoeciam devido à má
pudessem, de certa forma, prejudicar o
alimentação e muitas, as maiores, por
objetivo da fábrica em disciplinar e
acidentes de trabalho, neste último caso
fazer prevalecer a ordem sobre os
quando não eram vitimas fatais. De
trabalhadores e sobre o processo de
acordo com Thompson, “A pretensão de
produção. Deste modo, as cidades não
que
tenha
suplantaram o campo, elas nasceram
elevado o status das mulheres parece
dentro dele, houve uma transposição da
pouco significativa diante do número
cultura rural para a urbana. Portanto,
excessivo de horas de trabalho, das
não houve uma substituição da cultura
moradias
grande
rural pela urbana, mas uma transposição
quantidade de partos e das elevadas
de valores culturais rurais para o mundo
a
Revolução
Industrial
apertadas,
da
5
A
urbano: “Podemos nos sentir tentados a
certa
explicar o declínio dos antigos esportes
independência com relação aos parentes
e dos festivais simplesmente a partir da
ou à assistência paroquial, mas fora isso
substituição dos valores rurais por
taxas de mortalidade infantil.”
mulher
5
adquiriu
uma
Idem, p. 304.
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
Página 89
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
urbanos, mas isso é ilusório.”6 Assim, o
sobretrabalho Marx chama de “mais-
autor dá importância à sensibilidade da
valia” - o aumento da jornada de
classe operária e de sua característica
trabalho além do que o trabalhador
ativa enquanto classe. Analisa a cultura
precisa para sobreviver. São as horas
urbana e rural, as relações entre ambas e
que o trabalhador executa a mais de
a partir daí estabelece um parâmetro de
trabalho
análise para a formação da classe
capitalista. Essa mais-valia pode ser
operária
das
absoluta ou relativa. A mais-valia
percebe
absoluta consiste no aumento da jornada
implicações políticas, bem como uma
de trabalho e a mais-valia relativa
dimensão de resistência à disciplina e à
consiste na diminuição do tempo gasto
ordem
para
inglesa.
manifestações
Através
culturais,
impostas
que
elas
tomam.
e
a
entrega, de
execução
do
graça,
trabalho.
ao
A
Thompson dá voz ao operário, através
produção de mais-valia é o meio pelo
de suas reivindicações conscientes em
qual a burguesia acumula capital, ou
torno dos seus interesses. Não vê a
seja, acumulação através da exploração
classe operária como um simples dado
do trabalho. E a crítica de Marx em
estatístico,
torno
como
os
economistas
dos
economistas
clássicos,
clássicos vêem, mas como uma classe
Ricardo, Adam Smith, John Stuart Mill
que se move e luta por seus interesses.
e
Interessante perceber que esta mesma
estatísticas
preocupação de Thompson em demarcar
Industrial, consiste em mostrar que a
o terreno da classe operária na história
economia clássica não se preocupa com
do trabalho, é percebida em Karl Marx
a origem da mais-valia, mas apenas com
em O Capital7, onde o autor analisa os
o lucro que a mesma proporciona ao
processos de produção do capital. Entre
capitalista, com a riqueza que ela gera.
outras de suas conclusões, Marx explica
Marx, ao contrário, estuda a origem da
que
o
mais-valia para mostrar que, ao mesmo
sobretrabalho, isto é, uma porção de
tempo que ela gera riquezas, lucro, gera
trabalho que é doada ao patrão. À esse
também
no
capitalismo
cria-se
das
abordagens
gerais
exploração
econômicas
da
da
e
Revolução
força
de
trabalho.
6
Idem, p. 295.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril
Cultural, 1984. Vol. 1, tomo 2.
7
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
As estatísticas baseadas na idéia de que,
com a Revolução Industrial, as pessoas
Página 90
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
estariam
vivendo
melhor,
Elisângela Magela Oliveira
pois
Com a maquinaria, o trabalhador não
baixaram-se os preços das mercadorias,
dominará mais seu tempo de trabalho e
para Marx, também são estatísticas
nem seu saber sobre o produto todo,
ilusórias, pois o que proporcionou o
devido à divisão do trabalho ocasionada
aumento da produção e com isso a
pela mesma. A máquina não exigirá
diminuição dos preços foi o aumento da
mais a habilidade do trabalhador que
exploração
da
terá
acentuado
trabalho
mais-valia,
com
o
seu
trabalho
expropriado
e
homens,
desqualificado. De acordo com Marx, o
mulheres e até mesmo de crianças no
processo de alienação do homem se dá
processo de produção. Sobre isto, Karl
através do estranhamento deste em
Marx salienta:
relação ao produto de seu trabalho, da
de
À medida que a maquinaria torna a
força masculina dispensável, ela se torna
o meio de utilizar trabalhadores sem
força muscular ou com desenvolvimento
corporal imaturo, mas com membros de
maior flexibilidade. Por isso, o trabalho
de mulheres e de crianças foi a primeira
palavra de ordem da aplicação
capitalista da maquinaria.8
necessidade produtiva que antes era
para suprir suas necessidades vitais e
depois tornou-se coercitiva.
A passagem da fábrica para a indústria,
porém, não se deu de maneira mecânica,
Assim sendo, a diferença entre trabalho
mas de forma a encontrar uma e outra.
manual e maquinaria está na forma
Contudo, da mesma forma com que a
como o trabalho é concebido: no
manufatura suplantou o artesanato, ela
trabalho manual não há divisão do
também foi suplantada pela maquinaria.
trabalho em manual e intelectual, o
Neste sentido, Marx mantém a mesma
trabalhador/artesão sabe como fazer o
postura de Thompson, ao ressaltar que
produto todo, estabelece a duração, a
não foi a máquina que criou o operário,
forma e o preço da mercadoria por ele
mas foi ela quem expropriou-o do seu
fabricada.
são
trabalho. A maquinaria passou a existir
montadas as fábricas e os trabalhadores
porque pessoas foram expropriadas do
vão trabalhar nelas, coloca-se em xeque
seu trabalho, do seu saber, de seu lazer,
todo o sistema baseado na junção entre
etc. Sobre isto, Marx escreve:
Quando,
porém,
trabalho manual e intelectual, o que
ocorre quando se introduz a maquinaria.
8
Idem, p. 23.
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
A máquina, da qual faz parte a
Revolução Industrial, substitui o
trabalhador, que maneja uma única
ferramenta, por um mecanismo, que
opera com uma massa de ferramentas
iguais ou semelhantes de uma se vez, e
Página 91
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
que é movimentada por uma única força
9
motriz qualquer que seja sua força.
Através
da
tecnologia,
indústria
transforma
trabalho
artesanal
a
grande
atividades
em
do
“máquina
ferramenta”, que incorpora em si tais
atividades. A mercadoria produzida pela
grande indústria diminui seu preço
Elisângela Magela Oliveira
o capitalismo. Marx, com isso, passou
boa parte de sua vida exilado na
Inglaterra e sua teoria foi sempre
rechaçada, pois coloca em xeque todo
sistema capitalista de produção, mas,
em contradição, continuará existindo
enquanto houver capitalismo.
devido ao aumento da sua produção, e
Entretanto,
os artesãos, não podendo concorrer com
Hobsbawm, já mesmo em sua primeira
ela, tornam-se submetidos à mesma. De
fase, a Revolução Industrial tendeu a
modo inverso, o capitalista, através da
expropriar o trabalhador utilizando-se
disciplina imposta e da exploração cada
das mais diversas formas, seja tirando
vez maior de mais-valia sobre o
as pessoas das antigas comunidades e
trabalho de famílias inteiras, aumenta
não lhes dando emprego, seja tirando-
seu lucro ao mesmo tempo que diminui
lhes o ofício que lhes era próprio, visto
seus gastos com pagamentos salariais,
que este não poderia concorrer com o
visto que a introdução das máquinas
modo de produção nascente, baseado na
dispensa parte de trabalhadores. Neste
mecanização da produção e na divisão
sentido, a exploração da mais-valia é de
do trabalho. Nessas condições é que o
fundamental
a
surgimento da classe operária se deu
manutenção do sistema capitalista, que
com os operários têxteis, artesãos,
tem como lógica a aquisição de mais e
tinteiros,
mais lucros e a concentração cada vez
assalariados e trouxe à cena um novo
maior de capital. O ser humano passou
tipo de trabalhador, aquele expropriado
a viver em função deste sistema, o qual
de seus meios de produção. Hobsbawm
precisa excluir de seus benefícios boa
explica que o surgimento da classe
parte da população para continuar se
operária como um novo tipo de
mantendo. E é deste modo que a teoria
trabalhador se justifica pelo fato de o
de Marx procurou sempre mostrar a
próprio capitalismo haver deixado uma
oposição entre trabalho e capital, para
“massa” considerável de trabalhadores
fundamentar as bases em que se assenta
expropriados
9
importância
para
Idem, p.10.
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
de
acordo
tipógrafos
de
e
seus
com
Eric
sapateiros
meios
de
produção.
Página 92
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
Assim, a primeira metade do século
mecanizadas,
XIX
pelas
científica exerce pressões sobre os
destes
operários, alienando-o do seu saber
acontecimentos. Grande quantidade de
sobre o produto por ele criado e
imigrantes foram para diversas partes
transformando-o em um mero apêndice
do mundo à procura de uma vida
da máquina, cada vez mais precarizado.
melhor,
De
europeu
principais
foi
marcada
conseqüências
muitos
seguiram
para
as
acordo
com
com
sua
gerência
Hobsbawm:
“a
Américas, para países como Brasil,
disciplina e o ritmo do trabalho também
Estados Unidos e outros se aventuraram
foram intensificados, o que fez com que
em direção à Austrália, Alemanha,
perdessem o controle da produção.”10
Itália, etc. Eram pessoas que, tendo sido
Até 1929, houve uma melhoria de vida
expropriadas
pelo
para os operários dos países ricos e
capitalismo industrial, perceberam na
devido aos intensos movimentos sociais
emigração a melhor saída. A partir de
comuns ao final do século XIX, à
1850, porém, o capitalismo europeu
pressão e perigo que os mesmos
consegue dar emprego à essas pessoas,
causavam à ordem social e econômica
entre
ao
como um todo, estabeleceu-se o sistema
a
de previdência social, pública e estatal,
tecnologia. Somado à isso, era preciso
isto é, foram colocados em prática
pessoas sem qualificação e sem nada
elementos do welfare state (Estado de
além da vontade de trabalhar.
Bem Estar Social), no qual caberia ao
outros
crescimento
de
seu
ofício
motivos,
da
devido
indústria
com
O vapor era a grande energia do século
XIX, a tecnologia da idade do carvão,
ferro. Hobsbawm explica que por volta
de
1850,
as
classes
operárias
começaram a crescer sem fim nos países
de primeira industrialização, como a
Inglaterra, por exemplo. Desenvolveuse, no final do século XIX, uma
Estado
prover
aos
seus
cidadãos
serviços de previdência social, como
seguro
desemprego,
aposentadoria,
cobertura de educação e saúde em todos
os níveis sociais e até mesmo a garantia
de uma renda mínima, além de recursos
adicionais para a manutenção da vida.
A crise que se iniciou com a quebra da
concentração de capital e uma unidade
de produção. A grande indústria, com
tecnologias
mais
avançadas,
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
mais
10
HOBSBAWM, Eric. “Trajetória do
Movimento
Operário”.
In:
REVISTA
TRABALHADORES. Prefeitura Municipal de
Campinas, 1989. n.º 2.p.10.
Página 93
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
Bolsa de Nova Iorque em outubro de
não há centros em grandes cidades, mas
1929, por sua vez, afetou a economia do
no campo, é apoiada em uma tecnologia
mundo inteiro, produzindo uma enorme
altamente eletrônica e informatizada,
gama de desempregados, pessoas sem
sendo possível, por exemplo, saber se e
moradia,
quando um determinado produto vende,
sem
alimentação.
emprego
e
sem
Intensificaram-se
os
permitindo,
assim,
conforme
sendo propagados para outros países.
convencionou
Por volta de 1952, tem início o mundo
flexível.
contemporâneo e uma revolução tecno-
Em conseqüência de tais transformações
científica transforma profundamente as
no modo de se conceber o processo de
comunicações,
a
produção, a situação dos operários da
organização da produção industrial. “A
segunda metade do século XX ganha
classe operária já não cresce mais nas
uma nova característica percebida no
regiões de primeira industrialização,
fato de que “há mais dispersão dos
mas diminui em sentido político e
operários em vez de concentração.”12,
técnicas
e
demanda,
produzir
protestos na Inglaterra, os quais foram
as
a
se
chamar
o
de
que
se
produção
relativo.”11 A partir da segunda metade
como esclarece Hobsbawm. Outras
da década de 1975 tem-se o fim da
características do final do século XX,
época fordista, pois não há mais a
observadas por este autor, as quais nos
fábrica gigantesca e estandardizada,
oferecem pertinentes informações sobre
com
centralizada,
a realidade do operário deste período,
hierarquizada. Ao contrário, percebe-se,
são o auge da produção mundial, da
mais adiante, na década de 1980, mais
riqueza global e da expropriação do
autonomia,
da
trabalho em escalas jamais vistas se
produção em unidades díspares, além de
comparadas a épocas anteriores. Em
uma produção flexível em oposição à
oposição, o operário se constitui em
estandardização
muitos por imigrantes, tornando a classe
administração
quantidades
mais
de
desagregação
em
enormes
produção.
Segundo
operária
mais
heterogênea,
Hobsbawm, o modelo do processo de
consequentemente de fácil cisão entre
produção dos anos 1980 é muito mais a
seus componentes.
empresa Benetton que a Ford, visto que
11
Idem, p. 13.
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
12
Idem, p. 14.
Página 94
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
Parte destes trabalhadores expropriados
também distintos.”13, como explica
foi sendo absorvida tanto pelas velhas
Hobsbawm.
indústrias como pelas novas, adicionado
A partir de 1990, agora especificamente
a isso, um aumento no número de
no Brasil, o país passou por um
emprego de mulheres. Ocorre uma
processo profundo de transformações
reestruturação da economia mundial,
em sua base produtiva, marcado por
com a presença de uma nova divisão do
intensa racionalização e flexibilização
trabalho, agora mais acentuada ainda na
no modo de produção do trabalho. Estas
questão da diferença de grau de
transformações,
desenvolvimento entre os países, isto é,
especialmente na Região Metropolitana
dá-se a desindustrialização de velhos
de
países, como é o caso da Inglaterra, por
diminuição do potencial de trabalho
exemplo, e a industrialização de novos,
disponível no mercado, dando lugar,
como
entre outros, ao trabalho informal e à
Brasil,
globalização,
Coréia,
a
etc.
A
transnacionalização
acentuada de toda a economia é outra
São
ocorridas
Paulo,
conseqüente
trouxe
perda
consigo
de
a
direitos
trabalhistas. Com isso, temos que:
característica marcante do processo de
As políticas econômicas adotadas na
década de 1990 estavam longe de ser
eficientes no amparo ao trabalhador
brasileiro. O período foi marcado pela
redução dos postos de trabalhos formais,
pela desvalorização da renda do
trabalhador e pela significativa queda
do poder de negociação dos sindicatos.14
produção do final do século XX,
iniciado no século XIX. Tanto que a
Ford, em 1980, atua em todas as partes
do mundo, o que é vantajoso para os
modernos e grandes capitalistas, ao
mesmo tempo que um problema para os
Em decorrência de tais transformações,
movimentos operários, já que os tornam
o trabalhador não encontra outra opção
ainda
Em
senão a de inserir-se no mercado
conseqüência, na segunda metade do
informal de trabalho, no qual, na maior
século XX “já não existe um só modelo
parte
de classes operárias, como parecia haver
dificuldades de sobrevivência, somada à
mais
heterogêneos.
das
vezes
encontra
sérias
no final do século XIX, com um só
modelo
de
organização
sindical,
política. Há uma variedade de casos
possíveis
em
contextos
políticos
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
13
Idem, p. 16.
ZAVALA, Rodrigo. Livro explica como os
anos 90 foram negativos para o trabalhador. In:
FOLHA
ONLINE,
<
http://www.folha.uol.com.br/folha/>. 21 fev.
2002. Acesso: 3abr. 2003.
14
Página 95
Transformações no mundo do trabalho da
revolução industrial aos nossos dias
Elisângela Magela Oliveira
impossibilidade de retorno pelos anos de
trabalho executado através de benefícios
estatais, como Aposentadoria, Seguro
Desemprego, entre outros, ficando à
mercê da própria sorte. Infelizmente, este
é o legado que nos foi deixado de uma
colonização gananciosa e mal planejada.
Contudo, analisarmos o passado e o
espaço ao qual está relacionado e
resumirmos
nossas
exclusivamente
à
sensações
sentimentos
de
frustração e derrota, significa não levar
em consideração o nosso momento
presente, tempo e espaço nos quais únicos
e exclusivamente poderemos projetar o
futuro. O futuro? Está acontecendo.
REFEÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOBSBAWM,
Eric.
“Trajetória
do
Movimento Operário”. In: REVISTA
TRABALHADORES.
Prefeitura
Municipal de Campinas, 1989. n.º 2.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo:
Abril Cultural, 1984. Vol. 1, tomo 2.
THOMPSON, E.P. A Formação da
Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro:
Paz e Terra. 1989. V. 1.
ZAVALA, Rodrigo. Livro explica como
os anos 90 foram negativos para o
trabalhador. In: FOLHA ONLINE, <
http://www.folha.uol.com.br/folha/>.
21 fev. 2002.
Caminhos de Geografia 2(11)84-96, Fev/2004
Página 96
Download

Baixar este arquivo PDF - Sistema Eletrônico de Editoração de