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apenas pela avó, que lhe contava histórias, as quais o influenciarão a seguir o ofício de
escritor.
Dificuldades econômicas obrigaram o avô a vender a pequena propriedade que
possuía no campo e se mudar para Holguín, onde ele pretendia abrir um empório para
vender frutas e alimentos. Nessa época, Arenas é um adolescente e passa a trabalhar em
uma fábrica de doces de goiaba. Começa a escrever seus primeiros textos, “imensos e
horríveis”, provavelmente influenciado pelos muitos filmes de faroeste aos quais
assistia. Afloram também os primeiros indícios de sua homossexualidade, que é
reprimida.
No ano de 1952, ocorre em Cuba o golpe militar de Fulgencio Batista. Seis anos
depois, Arenas junta-se aos rebeldes de Fidel Castro. Com a vitória deste e a fuga de
Batista de Cuba, sua vida sofre profundas alterações. As propriedades privadas passam a
pertencer ao governo. Seu avô perde a pequena venda e a família volta a enfrentar
necessidades. Ele vai para uma escola do governo da qual sai graduado como contador
agrícola e é designado para trabalhar em uma granja próxima a Manzanillo. O serviço é
entediante e monótono. Sem grandes perspectivas nessa profissão, dirige-se para
Havana, onde freqüenta o curso de planejamento em agricultura. Irá trabalhar como
contador num dos escritórios do Instituto Nacional da Reforma Agrária, enquanto é
estudante.
Em 1963, inscreve-se num concurso de contos da Biblioteca Nacional. Seu conto
impressiona o júri e a diretora da biblioteca consegue-lhe trabalho ali. Nessa biblioteca,
aproveitando o tempo ocioso, ele escreverá Celestino antes del alba (1965). Essa obra
foi vitoriosa num concurso promovido pela UNEAC, União dos Escritores e Artistas de
Cuba, embora não tenha sido publicado nessa época.
Mais tarde, deixa o trabalho na biblioteca e começa a trabalhar no Instituto
Cubano do Livro. Torna-se amigo dos escritores Virgilio Piñera e Lezama Lima. A sua
aberta homossexualidade na idade adulta e a publicação de El mundo alucinante (1966)
na França transformam-no em contra-revolucionário e inimigo do governo. Arenas
inscreveu esse romance em outro concurso promovido pela UNEAC, mas obteve apenas
uma menção honrosa. A partir dessa época, ele começa a sofrer as primeiras
perseguições e se desencanta com a ditadura castrista, pois considera que “siempre
hemos sido víctimas del dictador de turno y, quizás, eso forma parte no sólo de la
tradición cubana, sino también de la tradición latinoamericana, es decir, de la herencia
hispánica que nos ha tocado padecer” (ARENAS, 2003, p. 115).
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A opressão política entra em conflito com o rebelde, que quer viver plenamente
sua sexualidade, expressar suas idéias livremente no campo ficcional sem precisar fugir
ou ter que enviar seus manuscritos para fora do país para que sejam publicados. Num
dos momentos mais belos e tocantes de sua autobiografia, intitulada Antes que
anochezca (1991), o escritor cubano contrapõe a situação dos rebeldes e o poder
esmagador do governo ditatorial:
Nuestra historia es una historia de traiciones, alzamientos,
deserciones, conspiraciones, motines, golpes de estado; todo
dominado por la infinita ambición, por el abuso, por la desesperación,
la soberbia, la envidia. Hasta Cristóbal Colón, ya en el tercer viaje,
después de haber descubierto toda la América, regresa a España
encadenado. Dos actitudes, dos personalidades, parecen siempre estar
en contienda en nuestra historia: la de los incesantes rebeldes amantes
de la libertad y, por lo tanto, de la creación y el experimento; y la de
los oportunistas y demagogos, amantes siempre del poder y, por lo
tanto, practicantes del dogma y del crimen y de las ambiciones más
mezquinas. Esas actitudes se han repetido a lo largo del tiempo: el
general Tacón contra Heredia, Martínez Campos contra José Martí,
Fidel Castro contra Lezama Lima o Virgilio Piñera; siempre la misma
retórica, siempre los mismos discursos, siempre el estruendo militar
asfixiando el ritmo de la poesía o de la vida. (ARENAS, 2003, p. 116)
Dessa forma, o poder político destrói e aniquila qualquer tentativa de oposição
ou contestação ao status quo, mantido pela repressão e pelas armas. Suas vítimas
principais são os escritores, que através de seus textos podem levar seus leitores à
reflexão e a não-aceitação de um estado permanente de submissão aos ditadores. A
ditadura castrista considerava as obras de Arenas como uma ameaça e muitos de seus
manuscritos foram apreendidos e destruídos. Ele teve que reescrever três vezes seu
romance Otra vez el mar (1982).
Durante o ano de 1967, houve um evento em Cuba conhecido como Salão de
Maio. Vários intelectuais e personalidades participaram do encontro. Nessa ocasião,
Arenas conheceu Margarita e Jorge Camacho, com os quais manteve estreita amizade
durante toda vida e aos quais pôde contar a situação difícil pela qual passavam todos os
escritores que se opunham a Fidel Castro. É graças ao casal que várias obras suas
puderam sair de Cuba e ser publicadas em outros países.
Arenas continua passando por dificuldades, sempre perseguido pela polícia de
Fidel Castro, que busca motivos para prendê-lo. A prisão ocorrerá alguns anos mais
tarde, quando Arenas é flagrado num ato sexual. Permanece preso por algum tempo,
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mas consegue fugir da cadeia. Tenta fugir de Cuba, porém é recapturado e mandado
para a prisão de Castillo del Morro. É obrigado a assinar uma confissão na qual renega
sua vida de homossexual, sua situação de contra-revolucionário e seus livros, afirmando
que a partir daquele momento, trabalharia pela Revolução e que estava ‘reabilitado’. É
posto em liberdade no início de 1976. Compra um apartamento pequeno no Hotel
Monserrate, onde passa a residir.
Em 1980, a embaixada do Peru é invadida por mais de dez mil pessoas que
querem deixar Cuba. Esse acontecimento foi a primeira rebelião em massa do povo
cubano contra a ditadura. Temendo uma revolução popular, Fidel Castro permitiu a
saída do país de um imenso grupo de dissidentes. Contudo, tal permissão não foi
concedida a profissionais com nível universitário, nem a escritores com livros
publicados no exterior.
Arenas tenta conseguir a permissão para sair do país. Vai até uma delegacia,
informa às autoridades que é homossexual passivo, uma vez que se declarar
homossexual ativo ou bissexual era um fator que acarretava a negação da permissão
pretendida. Como seu nome constava de uma lista de pessoas que não podiam deixar o
país, antes de embarcar muda o “e” de seu sobrenome para “i” no passaporte. Assim,
com o sobrenome de Arinas não é descoberto e chega aos Estados Unidos.
Permanece algum tempo em Miami, não se adapta ao local e decide mudar-se
para New York. Sobrevive de conferências e aulas de literatura. Em 1987, descobre que
tem Aids. Sua saúde vai piorando paulatinamente, até que em 1990, encontra-se em
situação crítica. Diante de uma situação que ele considerava irreversível, Arenas
suicidou-se em 7 de dezembro deixando uma carta na qual acusava Fidel Castro por
todos os seus sofrimentos e desilusões.
Mario Vargas Llosa (1995, p. 15-16), no prólogo que fez para Adiós a mamá (De
La Habana a Nueva York), afirma que Arenas foi um “aventurero de muchas agallas,
barroco fabulador, desvalido muchacho campesino al que ni la ciudad ni los suplicios
ideológicos ni la ciudadela del capitalismo pudieron domesticar”. A liberdade sempre
foi o fator determinante em tudo o que fez durante a sua vida. Seja por meio de seus
escritos ou pelo corajoso posicionamento sexual assumido, ela é a força que sempre o
motivou. Assim viveu e morreu, “pájaro tropical, fuera de la bandada y el tropel, salvaje
e inocente en medio del infierno de afuera y el que llevaba dentro, libre hasta la
incandescencia”. Não é em vão que um dos valores mais visíveis de sua criação poética
é a luta pela liberdade, como se pode constatar pelo conjunto de sua obra.
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II. A criação ficcional: um universo de possibilidades
1. A “Pentalogía” de Arenas
Pentalogía é o termo utilizado por Arenas para caracterizar um ciclo de cinco
romances que recobrem, simbolicamente, a história recente de Cuba através de distintos
protagonistas.
O primeiro deles é Celestino antes del alba, escrito em 1965 e publicado em
Havana em 1967. Na reedição desta obra, que surge em 1982, Reinaldo Arenas muda o
seu título para Cantando en el pozo. A narração estrutura-se num grande monólogo de
uma criança do campo cubano, que é maltratada pela família e vive num ambiente de
crueldade e violência. Ela inventa um personagem, Celestino, um escritor de poemas,
que será seu companheiro e amigo. Esse texto pode ser considerado como um romance
de aprendizagem e também autobiográfico, no qual o autor reconstrói a sua própria
infância. É uma obra impregnada de lirismo e de sensibilidade em que a realidade e a
imaginação entrelaçam-se e a defesa da liberdade convive com o tema obsessivo do
suicídio e da morte.
A continuação do ciclo prossegue com El palacio de las blanquísimas mofetas
(1980), publicado inicialmente em francês (1975) e em alemão (1977). Nessa obra é
narrada a história de um adolescente durante a ditadura de Fidel Castro.
Otra vez el mar (1982) é o terceiro romance da pentalogía e se ambienta nos
primeiros anos da revolução cubana (1958-70). Com duas partes bem distintas, a
narrativa é composta pelos monólogos de uma mulher e de seu marido, um artista
homossexual.
A evolução do ‘castrismo’que acabou provocando a invasão da embaixada do
Peru em 1980 por milhares de pessoas e a saída de numerosos cubanos em direção aos
Estados Unidos é o assunto do quarto romance, El color del verano, publicado
postumamente em 1991.
Finalmente, o último livro que forma a pentalogía é El asalto, obra também
póstuma, cuja publicação se deu no ano de 1991. Nesse texto, o autor lança um olhar
subjetivo e fantástico em direção ao futuro da humanidade.
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2. Sobre Romances e contos: algumas particularidades
Arenas escreveu ainda contos os contos Con los ojos cerrados (1972), Adiós a
mamá (De La Habana a Nueva York) (1995); as novelas La vieja Rosa (1980), Arturo,
la estrella más brillante (1984), Viaje a La Habana (Novela en tres viajes) (1990) relatos relacionados entre si pelo tom nostálgico e pelo tema da homossexualidade -, os
romances El portero (1988), La loma del ángel (1987); o poema El central (1981);
cinco peças de teatro reunidas sob o título de Persecución (1986); o livro de palestras e
ensaios Necesidad de libertad (1986); e a autobiografia Antes que anochezca (1991).
2.1. La vieja Rosa e Arturo, la estrella más brillante
Nesses dois relatos juntam-se duas histórias: a de Rosa, que rememora o
passado, enquanto sua casa e as outras instalações de sua fazenda queimam-se por obra
sua, e a do filho mais novo, Arturo, homossexual que é preso pela polícia do ditador
Fidel Castro e é enviado para um campo de concentração para homossexuais.
No primeiro relato, Rosa casou-se com Pablo e teve quatro filhos: Armando,
Rosa María, Arturo e um natimorto. Todos residem numa fazenda, onde ela é quem
comanda tudo. O marido suicida-se. Fidel Castro chega ao poder e a fazenda de Rosa é
desapropriada. É Armando, seu filho mais velho, que agora faz parte do governo
castrista, quem lhe dá a notícia e lhe entrega o dinheiro para que ela desocupe a
propriedade. Sua filha casa-se com um negro e a mãe renega-a.
No dia em que vai deixar a fazenda, vai até o quarto do filho mais novo, Arturo,
que construíra uma espécie de torre, um pouco afastada da casa, e o surpreende na cama
com outro homem. Tenta alvejá-lo, mas ele foge. Em seguida, coloca fogo na casa e nas
suas imediações e fica observando tudo se arder em chamas. Quando isso está
acontecendo, Rosa percebe alguém atrás de suas costas (era uma imagem que sempre a
acompanhava e que ela acreditava ser um anjo). Depois disso, ela é atingida pelas
chamas e morre carbonizada.
A história de Arturo liga-se ao primeiro relato pelas suas constantes lembranças
da mãe: o velório, os tiros que não o atingiram, a infância na fazenda e a sua companhia
constante.
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Ele está preso num campo de concentração e é obrigado a se integrar com os
demais homossexuais do local. Além disso, trabalha nos canaviais do governo e é
obrigado a satisfazer sexualmente um soldado que vigia os prisioneiros.
Arturo começa a escrever e esta é a única forma que ele encontra para se evadir da triste
realidade que o cerca. Imagina um outro mundo, no qual um príncipe o encontraria e
ambos seriam felizes num palácio criado pela sua escrita. Para poder escrever
sossegado, ele oculta-se da vigilância dos guardas. Entretanto, um dia em que ele
demora a aparecer, eles começam a procurá-lo e, quando o encontram, Arturo começa a
correr em direção contrária. Ele é atingido e morre, findando a narração.
Nossa atenção é despertada nestas duas narrativas pelo fato de que cada uma
delas estrutura-se como um único parágrafo, sem divisões de espécie alguma,
constituindo um imenso monólogo do protagonista. Na primeira história, o parágrafo
começa na página 9 e termina na página 60, com a morte de Rosa; e na segunda, iniciase na página 65 e acaba na página 126, também com a morte do protagonista (Arturo).
Parece que os dois relatos foram escritos com a intenção de que o leitor os lesse de um
fôlego só, sem qualquer interrupção.
A presença do fantástico nas duas narrativas é um outro componente que torna
as histórias interessantes, já que permitem aos leitores chegarem a diversas conclusões
sobre o que é narrado - a presença do anjo/demônio na história de Rosa, a criação
ficcional como fuga da realidade ou como forma de enfrentá-la. Além disso, não é
possível ignorar a interferência de dados biográficos da vida do autor que são
reelaborados e transformados em matéria ficcional.
2.2. El Portero
O narrador onisciente que surge nas primeiras linhas desse romance, afirma que
irá narrar a história de Juan, um cubano exilado, que vive em Nova York, e é porteiro de
um prédio. Nesse prédio residem Roy Friedman, um senhor de sessenta e cinco anos
que sempre lhe dá balas; Joseph Rozeman, um dentista; John Lockpez, pastor de uma
igreja que prega o contato e o toque entre os seres humanos; Brenda Hill, solteirona e
alcóolatra; Arthur Makadam, de idade avançada, envolvido em aventuras amorosas
desastradas; Mary Avilés, suposta namorada do porteiro cujo único objetivo é morrer;
Stephen Warren, um milionário; Cassandra Levinson, professora e defensora do regime
de Fidel Castro; Pietri, o síndico; Oscar Times I e II, homossexuais que viviam no
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mesmo apartamento e eram muito semelhantes; Scarlet Reynolds, atriz aposentada e
sovina; e Walter Skirius, um cientista.
Cada um dos moradores possuía um ou mais animais de estimação (gato,
cachorro, pássaros, urso, macaco, tartaruga, coelho, etc.). Durante toda a primeira parte
do livro, Juan tenta conversar com os moradores e lhes falar de uma porta para a
felicidade (ele acreditava ser essa sua missão), mas ninguém lhe dá ouvidos. Ao final da
primeira parte da narrativa, Cleópatra, a cadela egípcia do Sr. Warren diz-lhe que ela e
outros animais querem conversar com ele no porão.
Na segunda parte do romance, os animais narram as suas desventuras e os
problemas que enfrentam com seus donos. Eles querem abandoná-los, mas não se
entendem sobre qual o melhor local para onde deverão ir. Finalmente, Cleópatra
convence todos a irem para uma montanha, longe dos humanos, onde eles poderiam
viver em paz. Os animais e Juan são surpreendidos no porão. O porteiro é internado em
um manicômio e os animais voltam para casa de seus donos. Estes acabam libertando-o
do hospital e, assim, Juan os conduz para a montanha e para a liberdade. Ele é o
responsável para que cada animal encontre e atravesse a porta que os conduzirá à
felicidade.
Cabe uma observação a respeito do narrador. Ele inicia a narração afirmando
que faz parte de um grupo de exilados cubanos e, em conjunto, vão relatar os fatos
extraordinários que envolveram a vida do porteiro, baseados em anotações feitas por ele
e em farta documentação obtida no local e através de pessoas que conviveram com o
protagonista. Apesar disso, a história é narrada somente com o foco do narrador em
terceira pessoa.
No início da segunda parte da história, o narrador apresenta suas razões para
escrever o relato e porque não deixava essa tarefa para escritores renomados que
poderiam executar o trabalho melhor do que ele e sua ‘equipe’. O narrador pergunta-se
porque não pedir a participação de Guillermo Cabrera Infante, Heberto Padilla, Severo
Sarduy, Reinaldo Arenas, que estariam mais aptos para escrever o relato. Para cada
escritor mencionado, o narrador expõe as razões que poderiam impedi-los de realizar a
tarefa proposta. Com Cabrera Infante, o relato converter-se-ia numa espécie de
“palhaçada” ou diversão lingüística carregada de “frivolidades” mais ou menos
criativas. Heberto Padilla aproveitaria para interpolar seu ego “hipertrofiado” no texto,
de modo que, ao invés de tratar da história do porteiro, o texto acabaria transformado
numa apologia dele próprio, feita sempre na primeira pessoa, sem dar espaço para que
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nenhum outro personagem além dele pudesse destacar-se. Reinaldo Arenas
contaminaria a história com a sua homossexualidade “confessa”, obscurecendo sua
objetividade. Com Severo Sarduy, tudo se transformaria em uma “bijuteria neobarroca”,
que nenhum leitor conseguiria entender.
A instância narrativa narrador faz uma crítica bem-humorada dos principais
escritores cubanos que vivem no exílio e não poupa nem mesmo o autor do romance,
Reinaldo Arenas. Em um tom galhofeiro, apresenta todos os pontos negativos com os
quais os críticos costumam caracterizar a produção literária desses autores e, dessa
forma, justifica o fato de a narração estar a cargo de um grupo que, em tese, não estaria
apto a narrar a história de Juan. Não obstante, repetimos, esse é um artifício empregado
para questionar a crítica que se faz a autores cubanos. Tal crítica, na visão do narrador, é
improdutiva e preconceituosa, incapaz de abarcar e analisar em profundidade toda a
riqueza e inventividade da literatura cubana.
Podemos ainda constatar que El portero, em vários momentos, traz a nossa
memória a obra A revolução dos bichos, de George Orwell, e pode até ser lido como
uma paródia dessa obra. No livro de Orwell, os animais da fazenda do Sr. Jones, que se
localiza na Inglaterra, fazem uma revolução, expulsam seus donos e começam a cuidar
da propriedade sem a interferência dos seres humanos. Por meio de histórias que
retomam os princípios das fábulas de La Fontaine e Esopo, nas quais animais falam e
atuam com seres humanos, tanto Arenas quanto Orwell conseguem, de forma brilhante,
fazer uma alegoria das relações de poder que enlaçam o oprimido e o opressor, o forte e
o fraco, e também da busca e da luta pela liberdade.
2.3. El color del verano
Esse romance também
apresenta uma trama com
vários
elementos
autobiográficos de Arenas, especialmente de sua juventude. Tudo foi escrito de maneira
imaginativa e informal, de acordo com observações do próprio autor em sua
autobiografia Antes que Anochezca (ARENAS, 2003, p. 14).
O texto aborda a história de um ditador velho e senil e também é relevante o
destaque que é dado ao tema da homossexualidade nessa obra. Durante um grande
carnaval, o povo consegue soltar a ilha de Cuba de sua plataforma insular e vai embora
com ela como se fosse um barco. Em alto-mar ninguém consegue se entender quanto ao
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rumo e quanto ao tipo de governo que vão instituir. Diante de tais fatos, ocorre uma
confusão imensa e a ilha afunda no mar.
Essa narrativa lembra A jangada de pedra (1986), romance do escritor português
José Saramago, no qual a península ibérica desprende-se da Europa por uma rachadura
nos Pirineus e fica à deriva em alto-mar, até se alojar entre a África e a América
Central. Em ambos os relatos, o motivo que deflagra a narração é o mesmo: um país
inteiro solta-se de sua posição geográfica estabelecida e passa a navegar pelo mar, como
uma embarcação. Essas duas obras são exemplos de narrativas carnavalizadas que
merecem um estudo comparativo.
2.4 Os contos de Adiós a Mamá (de la Habana a Nueva York)
O conto que abre o volume intitula-se “Traidor”. Nesse texto, uma velha senhora
conta a vida de seu marido a alguém que pretende escrever um livro. De acordo com
ela, o marido foi um fiel servidor de Fidel Castro, mas quando este perde o poder, ele
cai em desgraça: “El momento en que fue derrocado el régimen” ele foi “procesado y
condenado como agente directo de la tiranía castrista [...] a la pena máxima de
fusilamiento” (ARENAS, 1995, p. 29-30). A mulher informa que o marido viveu em
constante conflito: quis sempre se rebelar contra as ordens do ditador, mas foi fraco e,
afinal, perdeu a própria vida como conseqüência dessa fraqueza.
Esse conto enfatiza o universo político do ditador cubano, Fidel Castro, e com o
seu término (que só ocorreu na ficção), vários de seus seguidores são obrigados a
prestar contas de seus atos. Seus papéis invertem-se, e eles passam a ser considerados
como traidores, assim como ocorre na maioria das ditaduras. O limite que separa
traidor/fiel servidor é muito tênue, dependendo sempre de quem está no poder.
Em “La torre de cristal”, um escritor chamado Alfredo Fuentes, exilado, que reside em
Miami, vive ocupado quase todo o tempo com alguma conferência, evento cultural ou
reunião de intelectuais, nas quais é obrigado a comparecer para não ser esquecido.
Dessa forma, ele vai adiando a escritura de um romance ou relato (não sabe ao certo o
seu gênero). Contudo, em sua cabeça já estão os personagens da história: Berta, Nicolás,
Delfín, Daniel e Olga que “incesantemente le estaban llamando la atención para que se
ocupase de sus respectivas tragedias” (ARENAS, 1995, p. 33).
O autor é convidado para uma festa promovida por Gladys Pérez Campo em sua
casa. Ela é a anfitriã das letras cubanas no exílio. À meia-noite todos os convidados são
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chamados para ir a uma torre de cristal que está no seu jardim. Lá, os personagens de
Alfredo misturam-se aos convidados e passam a ignorá-lo, assim como todos os demais.
Quando a festa termina, todos partem, menos o escritor, que vê a casa e a torre serem
desmontadas e empacotadas. No local fica um terreno vazio e a cachorra da raça São
Bernardo, Narcisa, que pertencia à anfitriã e que passa a lamber o rosto de Alfredo.
A temática desse conto é a mesma que se encontra na obra Seis personagens à
procura de um autor, de Luigi Pirandello, na qual os seis passam a interagir com outros
personagens que estão ensaiando uma peça (o diretor, a atriz principal, o ator, o contraregra, o iluminador, etc.), mas a sua principal preocupação é encontrar alguém que
escreva um texto que os imortalize, garantindo-lhes vida no reino ficcional. Esse é
também o desejo dos personagens do conto, que quase imploram para que Alfredo
Fuentes escreva a história de suas vidas, até que se tornam independentes dele e o
menosprezam.
O terceiro conto é exatamente aquele que dá título ao livro: “Adiós a mamá”. A
mãe de quatro mulheres, Otilia, Odilia, Onelia y Ofelia, e de um homem, o narrador,
cujo nome não ficamos sabendo, morre. Elas recusam-se a enterrá-la. O corpo apodrece
sobre a cama e, uma das filhas pega uma faca na cozinha e se suicida, caindo sobre o
cadáver da morta. Em seguida, em diferentes dias, as outras repetem o mesmo gesto da
primeira. Dessa maneira, todas morrem e apodrecem junto ao cadáver materno.
O narrador que presencia tudo isso, não tem coragem de tirar a própria vida e
foge da casa e se atira ao mar, onde nada, feliz por ter deixado longe todo o horror ao
qual assistira. O fantástico é o traço mais relevante dessa narrativa. Ratos, baratas e
vermes cantam enquanto devoram os cadáveres, e cada um deles afirma sua
superioridade em relação aos demais seres vivos, uma vez que sua existência é
necessária para eliminar a matéria apodrecida e transformá-la em novas fontes de
energia.
Tomando como ponto de partida os personagens da peça La casa de Bernarda
Alba, de Federico García Lorca, o narrador dá continuidade à história, no conto “El
cometa Halley”, quando relata o que aconteceu com as filhas de Bernarda Alba.
Pepe foge depois de desvirginar Adela. Ela tenta o suicídio enforcando-se.
Entretanto, ela não morre e, juntamente com as outras irmãs, Angustias, Magdalena,
Amelia e Martirio, deixam a casa da mãe e se mudam para Havana. Adela tem um filho,
além de conseguir inúmeros amantes. As outras irmãs abandonam-na e levam seu filho.
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Instalam-se num pequeno povoado chamado Cárdenas. Elas criam o sobrinho, José, e
vivem pacata e devotamente.
Passam-se vários anos, o menino cresce e, em 1910, o mundo todo se abala com
a passagem do cometa Halley que, segundo muitos, traria o fim do mundo, provocando
catástrofes por todos os lugares. Até mesmo um escritor famoso e popular, “García
Markos”, autor de várias obras, de acordo com o narrador, escreveu uma série de artigos
sobre o fim da humanidade e do planeta terra.
Adela retorna e conhece o filho. Vem acompanhada por um cocheiro. Como
acreditam que o fim do mundo está próximo, todas se deixam possuir pelo sobrinho e
pelo cocheiro. O mundo não acaba e elas abrem um prostíbulo, El cometa Halley, que se
tornou famoso em todo o país.
A intertextualidade que “El cometa Halley” estabelece com a peça de Lorca é
extremamente clara e dá continuidade a um texto consagrado. A questão da repressão
sexual, tema de La casa de Bernarda Alba, também é o centro da fábula do conto.
Diferentemente do que ocorre no primeiro texto, no relato de Arenas, toda a sexualidade
reprimida é liberada e as irmãs Alba, símbolo da retidão e do decoro, tornam-se famosas
prostitutas. Além disso, é hilária a referência a Gabriel García Márquez, cujo nome é
mencionado como “García Markos”, e o título de uma de suas obras, El amor en los
tiempos de cólera, aparece com um título parodiado no relato, El amor en los tiempos
del vómito rojo. García Márquez é retratado como um escritor que dissemina o pavor e
o medo quando escreve artigos que preconizam o fim do mundo.
“Algo sucede en el último balcón” é o quinto texto do livro Adiós a Mamá.
Nesse texto, um homem observa da sacada de seu apartamento, pássaros que cantam
nos fios elétricos. Relembra a infância, a juventude, a maturidade e a velhice que agora
o atormenta. Ouve o barulho dos filhos que brincam na sala e da esposa que o chama
para jantar. Em determinado momento, ele atira-se pela sacada, destruindo os fios e
caindo sobre um automóvel. Somente um garoto, vendedor de jornais, vê seu corpo cair
e se espatifar contra o veículo.
O suicídio é um dos temas recorrentes na obra de Reinaldo Arenas, abrangendo
contos e romances. É um tema que poderíamos classificar como obsessivo em seus
escritos. Comumente visto como uma maneira de se fugir dos problemas, para os
personagens de Arenas esse é o único modo de se atingir a liberdade plena e absoluta,
encontrar a paz.
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“La gran fuerza” é uma releitura paródica da vida, paixão e morte de Jesus
Cristo. A grande força do título é um ser todo-poderoso, que é responsável pela criação
de todo o universo e todo o gênero de vida que habita a terra. Ao terminar a tarefa da
criação, compreende as imperfeições dos seres terrestres que criara: os seres humanos
eram mesquinhos, ameaçadores e malvados.
Ela teve um filho que, quando se torna adulto, decide descer a terra para falar
sobre o conhecimento e o amor. Ele foi mal-interpretado, perseguido e morto. A grande
força ressuscitou-o e os humanos que a tudo assistiram, compreenderam suas reais
intenções, esperavam que o filho voltasse para redimi-los de seus pecados e suas faltas.
Passados vários anos, ele teve uma bonita prole e vive nos céus, esqueceu-se da terra e
nem pensa em visitá-la.
Na paródia de Arenas, constata-se que não há esperança para os seres humanos.
Quando eles ignoraram e destruíram o único ser que poderia libertá-los da dor e do
sofrimento, selaram para sempre o seu destino - a infelicidade - e também perderam
qualquer chance de serem favorecidos pelos céus diante de qualquer infortúnio.
“Memorias de la tierra” é composto por quatro textos curtos. No primeiro,
“Monstruo I”, é narrada a história de um povoado perseguido por um monstro imenso.
Apesar disso, os poetas escreviam odes em seu louvor e ele era temido por todos e
ninguém ousava desafiá-lo, até que alguém o fez. Essa pessoa iniciou seus discursos
contra o monstro, foi ouvido, começou a ser respeitado, teve seus discursos
parafraseados. Enfim, passou a ocupar o lugar do monstro e se tornou também um
monstro.
No segundo texto, “Los negros”, os negros transformaram-se em brancos, mas
eram perseguidos por aqueles que ocupavam o poder (os brancos que eram negros).
Durante o final da Quinta Guerra Super Térmica, os negros foram exterminados. Um
dos perseguidores mais implacáveis dos negros vai ao palácio informar a seu superior
que todos os negros haviam sido liquidados. Este pega uma arma desintegradora e atira,
eliminando o perseguidor, afirmando que ele era o último negro, embora fosse branco.
O terceiro texto é “La mesa”, um dos mais emblemáticos na denúncia da
situação de opressão vivida pelos cubanos. Atrás de uma mesa com duas cadeiras está
uma fila infinita de pessoas que espera sua vez para se sentar e fazer sua refeição.
Enquanto isso, todos são perseguidos por um inimigo que lhes lança radiações
mortíferas. Os que conseguiam manter-se vivos, continuavam na fila e procuravam
assassinar, com pequenas navalhas, aqueles que não eram atingidos pelo inimigo.
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Todos que estavam na fila traziam pratos, talheres, garrafas. Embora o inimigo
fizesse todos os esforços para que se dispersassem e eles mesmos procurassem matar
aquele que estivesse a sua frente, quando dois conseguiam sentar-se à mesa, colocavam
suas comidas e bebidas sobre ela, comiam, bebiam, e ficavam tão felizes que se
esqueciam da realidade atroz que os cercava.
No último texto, “Monstruo II”, é retomado o assunto do primeiro texto: a
presença ameaçadora de um monstro. Depois de várias explorações e constatações,
expedições descobrem a existência de um monstro e começam a procurá-lo. A
Comissão de Salvamento Universal coloca todos os tipos de artefatos em uma nave para
que se possa localizar o monstro. Ela levanta vôo e os tripulantes, efetivamente,
localizam-no, mas devido ao seu tamanho e proporções, são obrigados a fugir. Não
obstante, depois de algum tempo, eles têm consciência que precisarão retornar a terra.
Esses quatro textos funcionam como uma alegoria à ditadura de Fidel Castro. A
figura monstruosa da primeira e quarta história poderia ser o próprio Fidel, que controla
e persegue a todos aqueles que se opõem à sua forma de governo. “Los negros” e “La
mesa” retratam a situação de opressão e marginalização que afetam os habitantes de
Cuba. Embora não seja feita nenhuma menção explícita ao povo cubano, as situações
apresentadas remetem, sem sombra de dúvida, a seus habitantes e seu líder político.
A última narrativa do livro chama-se “Final de un cuento”. Trata-se de um
monólogo que o narrador dirige a um amigo, exilado como ele, que reside nos Estados
Unidos. O narrador revela que o amigo nunca se adaptou à nova terra, e se manteve
nostálgico e triste durante todo o período em que foi obrigado a viver no exílio. Ele
passeia por todos os pontos turísticos de Nova York e relembra o passado na companhia
do amigo solitário e inconsolável.
No final do conto, ficamos sabendo que o amigo do narrador suicidara-se,
saltando do Empire State Building e ele carrega suas cinzas numa pequena maleta, levao a um lugar a que nunca quis ir, o extremo sul dos Estados Unidos, o lugar mais
próximo de Cuba. Chega perto do mar, joga suas cinzas e deseja que as águas levem-nas
de volta a sua terra natal, Cuba, onde o amigo sofrera muito e fora obrigado a fugir, mas
não conseguira viver longe de lá.
Essa narrativa apresenta vários fatos que marcaram a vida de seu autor. Seu
caráter autobiográfico é inquestionável, já que retrata a vida de um homossexual,
exilado, que não foi capaz de se adaptar e viver longe da sua pátria. É inegavelmente um
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dos textos mais carregados de lirismo e de tristeza, entre todos os que formam o livro
Adiós a mamá.
Procuramos aqui apenas comentar algumas particularidades e alguns elementos
marcantes dos textos de Arenas, para que se possa conhecer, ainda que
superficialmente, a sua produção artística e a diversidade de temas e assuntos que o
escritor explorou em suas narrativas. Sendo assim, é claro que não poderíamos deixar de
apontar algumas aproximações entre seus textos e outras obras (A jangada de pedra, La
casa de Bernarda Alba, Seis personagens à procura de um autor), que aí ficam como
sugestões para trabalhos futuros no terreno da literatura comparada ou em outros
campos literários. Seus textos merecem e devem ser estudados em profundidade porque,
Arenas é, sem dúvida, um dos autores mais fecundos da literatura hispano-americana.
Referências Bibliográficas
ARENAS, Reinaldo. Celestino antes del alba. Barcelona: Tusquets, 2000.
_______. El palacio de las blanquísimas mofetas. Barcelona: Tusquets, 2001.
_______. La vieja Rosa. Caracas: Editorial Cruz del Sur, 1980.
_______. Otra vez el mar. Barcelona: Tusquets, 2002.
_______. Arturo, la estrella más brillante. Barcelona: Montesinos, 1984.
_______. El portero. .Málaga: Dador, 1989.
_______. El asalto. Barcelona: Tusquets, 2003.
_______. El color del verano. Barcelona: Tusquets, 1999.
_______. Adiós a mamá (De La Habana a Nueva York). Prólogo de Mario Vargas
Llosa. 2. ed. Barcelona: Áltera, 2000.
_______. Antes que anochezca. 10. ed. Barcelona: Tusquets, 2003.
_______. El mundo alucinante. 2. ed. Barcelona: Tusquets, 1997.
LLOSA, Mario Vargas. Prólogo. In: ARENAS, Reinaldo. Adiós a mamá (De La
Habana e Nueva York). Barcelona: Altera, 1995, p. 7-16.
1
Doutor em Letras (Área de Teoria Literária e Literatura Comparada) pela FCL - UNESP, Campus de
Assis-SP.
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Reinaldo Arenas Vida e obra de um dos exponentes da