Universidade Federal do Rio de Janeiro
A FORMAÇÃO DO ETHOS POPULAR DO EX-PRESIDENTE LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA
Natália Rocha Oliveira Tomaz
2014
UFRJ
A FORMAÇÃO DO ETHOS POPULAR DO EX-PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA
DA SILVA
Natália Rocha Oliveira Tomaz
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ –,
como parte dos requisitos necessários à obtenção
do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua
Portuguesa).
Orientadora: Profa. Doutora Lúcia Helena Martins
Gouvêa
Rio de Janeiro
Agosto de 2014
AGRADECIMENTOS
A conclusão deste trabalho é, antes de tudo, uma realização pessoal. Mais
que isso, é apenas o início de uma longa trajetória acadêmica que, não sem esforço,
vem sendo construída em minha vida. E nesse caminho, inúmeras foram as vezes
em que me senti perdida, verdadeiramente desesperada, situações em que Deus,
com seu olhar atento de Pai, restituiu-me a paz e a determinação necessárias para
continuar. Por isso, a Ele, o meu maior agradecimento.
Durante esse percurso de intensos estudos, tive a honra de poder contar
também com o apoio de pessoas muito especiais em minha vida. Aqui, não poderia
deixar de registrar a importância daquele que convive comigo diariamente e
acompanhou bem de perto minhas crises de ansiedade e meus momentos de
estresse. A meu marido, Arilson, agradeço por sua infinita paciência.
Há, ainda, alguém a quem, de modo particular, dedico este trabalho. Alguém
que me admira, que me apoia e que acredita em mim de maneira absoluta, mesmo
quando a realidade contradiga as perspectivas positivas. À minha irmã, Elis, a minha
eterna gratidão.
Agradeço também a meus pais, Salete e Valdir, pela confiança e pela
compreensão nos momentos de ausência. Essa conquista é também uma forma de
tentar retribuir o dom da vida que me foi confiado por eles.
A meu cunhado, Edinardo, que, como um irmão, sempre se orgulhou de mim,
apoiando-me com palavras de confiança.
A meus amigos, verdadeiros amigos, de quem estive distante por muitas
vezes, mas que nunca deixaram de torcer por meu sucesso e, claro, pela conclusão
interminável deste trabalho.
Finalmente, agradeço a Lúcia Helena, minha orientadora, pelas horas
dedicadas a ler e reler esta dissertação; pelos inúmeros atendimentos, conselhos e
sugestões; por me receber em sua casa e, principalmente, por confiar em mim e ter
aceitado me orientar quando eu, aprovada na seleção do Mestrado, não tinha ainda
um professor que realizasse essa função.
Muito obrigada a todos!
Tomaz, Natália Rocha Oliveira.
A formação do ethos popular do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva/ Natália Rocha Oliveira Tomaz. – Rio
de Janeiro: UFRJ/ FL, 2014.
vii, 95f.: il.; 31cm.
Orientadora: Lúcia Helena Martins Gouvêa
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ FL/ Programa de
Pós-graduação em Letras Vernáculas, 2014.
Referências Bibliográficas: f. 100-102.
1. Análise do Discurso. 2. Discurso Político. 3.
Ethos. 4. Lula. I. Gouvêa, Lúcia Helena Martins. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas. III. Título.
RESUMO
A FORMAÇÃO DO ETHOS POPULAR DO EX-PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA
DA SILVA
Natália Rocha Oliveira Tomaz
Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa
Resumo da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ –, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Esta pesquisa tem por objetivo analisar de que forma o ethos do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva era construído em seus discursos proferidos
durante os dois mandatos de governo – 2002 a 2010. Para tanto, contará,
primordialmente, com as contribuições da Semiolinguística do Discurso, de Patrick
Charaudeau, com os apontamentos de Dominique Maingueneau a respeito da
cenografia e de sua importância para a enunciação, e com os estudos desenvolvidos
por Ruth Amossy sobre as modalidades argumentativas. Privilegiou-se, neste
trabalho, o discurso improvisado para que se pudesse verificar a existência de ethé
oriundos da própria personalidade do ex-presidente, e não que fossem fruto do
discurso produzido por uma equipe redatora. Uma verificação quantitativa e
qualitativa das ocorrências desses ethé permitiu compreender os processos
envolvidos na formação da imagem do ex-presidente.
Palavras-chave: enunciação; discurso político; ethos; Lula.
Rio de Janeiro
Agosto de 2014
ABSTRACT
THE FORMATION OF THE POPULAR ETHOS OF FORMER PRESIDENT LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA
Natália Rocha Oliveira Tomaz
Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa
Abstract da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ –, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
This research aims to analyze how the ethos of former President Luiz Inácio
Lula da Silva was built in his speeches during the two terms of government – 2002 a
2010. For both, it will based mainly in the Semiolinguistic Discourse Analysis, Patrick
Charaudeau, with the contributions by Dominique Maingueneau about the scenery
and its importance to the enunciation, and studies developed by Ruth Amossy on
argumentative modalities. The study privileged the improvised speech to make
possible to verify the existence of the ethé formated in the own personality the former
president, in other words, that it were not fruits of discourse produced by an editorial
team. A quantitative and qualitative examination of these occurrences allowed to
understand the processes involved in forming the image of the former president.
Key-words: enunciation; political discourse; ethos; Lula.
Rio de Janeiro
Agosto de 2014
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ........................................................................... 11
2.1 A Semiolinguística do Discurso .................................................................... 11
2.2 A Cena de Enunciação na visão de Maingueneau ........................................ 20
2.3 Os conceitos de ethos, pathos e logos na retórica aristotélica .................. 22
2.4 O ethos na perspectiva de Maingueneau ..................................................... 25
2.5 O discurso político e o ethos segundo Charaudeau .................................... 28
2.5.1 O campo político e sua organização em instâncias ........................................ 29
2.5.2 A construção do ethos no discurso político ..................................................... 32
2.5.2.1 Os ethé de credibilidade ............................................................................... 37
2.5.2.2 Os ethé de identificação ............................................................................... 39
2.6 A argumentação na Análise do Discurso e as modalidades argumentativas
de Amossy ......................................................................................................... 44
2.7 A importância da metáfora para a construção do sentido ........................... 48
3 A HISTÓRIA DE UM EX-PRESIDENTE ............................................................... 52
3.1 Lula: trajetória de vida e percurso político .................................................... 52
3.1.1 Do agreste para o Brasil ................................................................................ 52
3.1.2 A presença de Lula no Partido dos Trabalhadores ......................................... 54
3.1.3 O Governo Lula ............................................................................................. 58
3.2 Populismo ou Lulismo? ................................................................................... 61
4 METODOLOGIA ................................................................................................... 64
5 ANÁLISE DE DISCURSOS PRESIDENCIAIS DE LULA: A CONSTRUÇÃO
DE UM ETHOS POPULAR ................................................................................... 67
5.1 Análise qualitativa dos dados ......................................................................... 67
5.2 Análise quantitativa dos dados ....................................................................... 93
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 98
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 100
ANEXOS ............................................................................................................. 103
8
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por propósito estudar o conceito de ethos, tendo
como corpus discursos não oficiais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
pronunciados durante seus dois mandatos, compreendidos entre os anos de 2002 e
2010 e publicados no site da Presidência da República.
Considera-se ethos uma representação ou imagem do enunciador, projetada
por ele em seu discurso, de maneira consciente ou inconsciente, durante o ato de
comunicação. (CHARAUDEAU, 2011; MAINGUENEAU, 2008).
Tendo em vista que a cena enunciativa é uma realização e, ao mesmo tempo,
uma interpretação de estratégias argumentativas em maior ou menor grau de
consciência dos interlocutores envolvidos, o objetivo desta análise é evidenciar a
representação do ethos do ex-presidente Lula e os mecanismos linguísticodiscursivos associados a essa finalidade.
Assim, esta pesquisa fundamenta-se em estudos de Análise do Discurso,
apoiando-se, especificamente, na Semiolinguística do Discurso, de Patrick
Charaudeau (2010), com ênfase no tratamento dado por ele ao Discurso Político e
ao conceito de ethos (CHARAUDEAU, 2011).
Acrescentam-se à teoria, outros estudos também relevantes para a pesquisa:
considerações de Maingueneau (2013) sobre cena enunciativa, cenografia e ethos;
apontamentos de Ruth Amossy (2008) a respeito das modalidades argumentativas
do discurso; contribuições de Lakoff e Johnson (1980) acerca do processo cognitivo
de construção da metáfora.
A liderança de Lula revelou a imagem de um chefe oriundo do povo quando
discursava para grupos sociais menos favorecidos ou mesmo quando se dirigia a
grandes empresários ou à elite em geral. Esse ethos de líder carismático favoreceu
tamanha identificação do povo com seu chefe de Estado que garantiu a maior
aprovação histórica de um governante, mesmo diante de escândalos políticos, como
o caso do Mensalão. Aprofundar-se na relação persuasiva estabelecida entre Lula e
a grande massa popular brasileira permite compreender esse apoio maciço dado a
seu governo.
O corpus dessa investigação é composto por discursos proferidos pelo expresidente, em eventos locais, por ocasião de inaugurações ou festividades
9
específicas para determinados setores da sociedade. A partir da análise dos dados,
observa-se o predomínio do ethos de chefe, reafirmado, principalmente, pelos
demais ethé de identificação. A fala simples, pautada pelas modalidades elocutiva e
alocutiva, demonstra, por um lado, a valorização dos exemplos de vida do expresidente, suas opiniões e crenças particulares acima da instituição governamental,
e, por outro, a direta imbricação do destinatário, em uma verdadeira convocação do
povo brasileiro para governar junto de seu líder.
A análise do corpus possibilitou também a identificação, nos discursos
improvisados por Lula, de marcas linguísticas recorrentes, como metáforas
relacionadas, muitas vezes, ao futebol, e uma escolha lexical que reforça a
construção de um ethos popular.
Buscam-se, por meio desta pesquisa, evidências que respondam ao seguinte
questionamento: quais ethé seriam transmitidos por Lula nos discursos analisados?
Esse questionamento mais amplo desdobra-se em outros mais restritos, a
saber:
1) Dentre os comportamentos elocutivo, alocutivo e delocutivo do modo
enunciativo de organização do discurso, proposto por Charaudeau, qual deles
predominaria nos pronunciamentos do ex-presidente?
2) Que significado teria o predomínio de um ou outro comportamento
enunciativo no que diz respeito aos ethé de Lula e sua popularidade?
3) Que marcas linguísticas representariam os ethé de Lula?
4) Que modificações ocorreriam, nos ethé de Lula, diante de auditórios
diferentes?
5) Considerando-se as modalidades argumentativas demonstrativa, patética,
pedagógica, de co-construção, negociada e polêmica, de Ruth Amossy, qual(is)
dela(s) representaria(m) Lula prototipicamente?
6) Que relação poderia ser estabelecida entre a figura de um presidente
popular e os ethé transmitidos pelo discurso de Lula?
Quanto à disposição das partes deste trabalho, inicia-se pela introdução, em
que se expõe, brevemente, o objeto de estudo – o conceito de ethos –, bem como a
organização da presente pesquisa.
No capítulo 2, apresentam-se os pressupostos teóricos, buscando-se
fundamentar os conceitos que serão utilizados na análise do corpus e como eles são
abordados pelos autores selecionados.
10
O capítulo 3 trata da metodologia empregada na análise do corpus,
contemplando a maneira pela qual foi conduzida a leitura quantitativa e qualitativa
dos dados.
No capítulo 4, a ênfase da pesquisa recai na análise efetiva do corpus,
momento em que os questionamentos que motivaram este trabalho serão
respondidos com base nas conclusões extraídas do material investigado.
Por último, nas considerações finais, serão acrescentados, à guisa de
conclusão, alguns comentários que ratifiquem o percurso percorrido nesta pesquisa,
seja para confirmar as hipóteses postuladas inicialmente, seja para infirmá-las.
11
2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
2.1 A Semiolinguística do Discurso
A linguagem sempre despertou o interesse de inúmeros estudiosos ao longo
da história da humanidade. Hoje, é quase consenso que ela é inerente ao ser
humano e não uma ferramenta ou mecanismo criado apenas para a comunicação1.
Diversas são as teorias existentes que se voltam para os estudos da linguagem e
essas áreas podem aprofundar isoladamente cada dimensão presente – cognitiva,
psicossocial, semiótica e linguística – ou, como será adotado nesta pesquisa,
explorar a intersecção dessas naturezas, que trazem consigo contribuições
relevantes para a formação de um panorama mais amplo de análise do discurso. A
Semiolinguística do Discurso, de Patrick Charaudeau, é a área escolhida para
nortear este trabalho.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a linguagem apresenta-se como
realização multidimensional, mas, ao adotar o termo Semiolinguística, Charaudeau
não privilegia a Semiótica e a Linguística em detrimento das demais dimensões da
linguagem. Pelo contrário, uma análise semiolinguística do discurso deseja abarcar
justamente essa natureza multidimensional da linguagem, utilizando, tão somente,
uma denominação mais simplificada para sua área de estudo (CHARAUDEAU,
2007, p. 13).
Charaudeau (2007) afirma que é a linguagem a responsável pela
semiotização do mundo e, para tal, é preciso que ocorram dois processos: o
processo de transformação, em que o sujeito falante transforma um “mundo a
significar” em um “mundo significado”, e o processo de transação, que consiste na
utilização deste “mundo significado” como um objeto de troca para interação do
falante com seu destinatário.
No processo de transformação, quatro operações são fundamentais para que,
de fato, “mundo a significar” torne-se “mundo significado”: identificação, qualificação,
ação e causação.
Primeiramente, ocorre a identificação dos seres do mundo, transformando-os
em identidades nominais. Em seguida, uma qualificação desses seres, permitindo
1
Cf. BENVENISTE, E. (2005).
12
que possam ser descritos a partir de suas características. A próxima operação
relaciona-se à ação e possibilita que os seres do mundo adquiram identidades
narrativas, a fim de que estejam suscetíveis a praticar ou sofrer uma ação. Por
último, é na causação que se estabelece a capacidade de os seres do mundo
fazerem parte de um processo motivado pela causalidade.
Tanto o processo de transformação quanto o de transação são interligados e
ocorrem simultaneamente, mas o processo de transformação precisa ser orientado
pelos direcionamentos do processo de transação. É este que fará emergir da
comunicação um verdadeiro sentido de acordo com o contexto, e isso ocorre por
intermédio de quatro princípios relacionados ao processo de transação: o princípio
de alteridade, o de pertinência, o de influência e o de regulação.
O princípio de alteridade consiste em que a comunicação ocorra entre
parceiros que se reconheçam semelhantes e diferentes, para que se possa
estabelecer não só um vínculo de interesses e saberes mútuos, mas também o
exercício de papéis diferentes na troca linguageira – os papéis de sujeito
comunicante e sujeito interpretante.
O princípio de pertinência exige para si que haja compartilhamento dos
diversos saberes envolvidos entre os parceiros em um ato de linguagem, ou seja,
que exista compartilhamento do universo de referências em que estão inseridos,
como os saberes sobre o mundo, questões psicossociais ou de ordem
comportamental.
O princípio de influência corresponde à natureza de todo ato de linguagem,
ou seja, à intenção de o sujeito comunicante atingir seu parceiro a depender dos
interesses que tenha naquela situação discursiva. Em contrapartida, o sujeito
interpretante apresenta-se consciente de sua condição de alvo daquela influência,
podendo decidir sobre a possibilidade de aceitar, declinar ou mesmo mudar o tom
inicial das trocas sociolinguageiras.
O princípio de regulação diz respeito ao fato de que é no dispositivo
sociolinguageiro que se encontram as estratégias responsáveis por estabelecer os
limites do ato de linguagem e assegurar que o princípio de influência transcorra a
partir de um acordo diplomático consciente ou inconsciente entre os sujeitos
envolvidos.
Considerando que a Semiótica se apoia, de maneira geral, nessa premissa de
semiotização do mundo e acrescenta que os objetos ou significantes só se
13
constituem a partir de uma intertextualidade propiciada pelos sujeitos da linguagem,
a teoria semiolinguística é também semiótica2 nesse sentido, já que comunga do
mesmo ponto de vista.
Não se pode ignorar, contudo, a importância do material linguístico-discursivo
para a Semiolinguística. Os fatos linguageiros que envolvem o objeto são relevantes
para essa área de estudo, que considera tanto a situação externa ao discurso
quanto as realizações dos enunciados, no interior do discurso, como elementos
fundamentais para a Análise do Discurso. Assim é que nem a Linguística nem a
Semiótica podem se dissociar ou apresentar importância preponderante uma sobre
a outra em uma análise semiolinguística do discurso (CHARAUDEAU, 2010). Se a
Semiótica garante que a linguagem é por si e para si mesma instrumento de análise,
a Linguística, por sua vez, torna os fatos linguageiros o seu objeto de estudo. As
duas áreas, atreladas às dimensões psicossociais, compõem o campo de análise da
Semiolinguística do Discurso.
A Semiolinguística do Discurso enxerga, no ato de linguagem, um fenômeno
de troca entre parceiros, um jogo de interesses que depende, necessariamente, de
uma intencionalidade dos sujeitos falantes envolvidos.
Benveniste, em seus estudos acerca da subjetividade na linguagem, já
mencionava a existência de um eu que se realiza na enunciação. Veja-se:
[...] eu se refere ao ato de discurso individual no qual é pronunciado, e lhe
designa o locutor. É um termo que não pode ser identificado a não ser
dentro do que, noutro passo, chamamos uma instância de discurso, e que
só tem referência atual. A realidade à qual ele remete é a realidade do
discurso. É na instância do discurso na qual eu designa o locutor que este
se enuncia como “sujeito”.
(BENVENISTE, 2005, p. 288, grifos do autor)
Sob essa perspectiva, o autor afirma que é a enunciação a responsável pela
constituição do sujeito, pela fundamentação de ego. A partir desse momento, o eu
implanta o outro diante de si. Assim, toda enunciação é uma alocução –
pressuposição do outro –, pois postula um alocutário, fazendo com que, ao surgir um
eu, surja também um tu, visto que a consciência de si mesmo só nasce a partir do
contraste. Essa relação (eu-tu), apesar de não ser simétrica, é complementar, faz
parte de uma realidade dialética.
2
Cf. CHARAUDEAU, 2010.
14
Além disso, a enunciação insere quem fala em sua própria fala. Assim, cada
instância de discurso constitui um centro de referência interno, colocando o locutor
em relação constante e necessária com sua enunciação.
No que se refere aos mecanismos linguísticos que evidenciam essa relação, é
o fenômeno da dêixis que permite aos pares EU-TU e AQUI-AGORA a expressão
das relações espaço-temporais inseridas na enunciação3.
A Semiolinguística define as Circunstâncias de discurso como “os saberes
supostos que circulam entre os protagonistas da linguagem” (CHARAUDEAU, 2010,
p. 44), saberes que envolvem os processos de produção e interpretação do ato de
linguagem.
Dessa forma, semelhante ao que afirma Benveniste, Charaudeau (2010)
define o ato de linguagem como um processo que engloba dois espaços e envolve a
projeção de, pelo menos, quatro sujeitos. Em um espaço externo – circuito
situacional – os seres sociais, parceiros no ato de linguagem, correspondem ao
sujeito comunicante (EUc) e ao sujeito interpretante (TUi). Internamente – no circuito
discursivo, espaço onde se realiza a enunciação –, encontram-se os seres de fala,
os protagonistas, que se realizam no discurso, chamados de sujeito enunciador
(EUe) e sujeito destinatário (TUd).
O EUc do ato de linguagem, para se comunicar, aciona um sujeito enunciador
(EUe) que se dirige a um sujeito destinatário (TUd), sendo EUe e TUd entidades
idealizadas. Em outros termos, EUc instaura uma “imagem” de si, adequada às
circunstâncias do discurso, que possa atender ao seu projeto de intencionalidade4
diante de TUd.
Essa imagem projetada por EUc corresponde a um sujeito de fala, que só
existe inserido na enunciação e que nunca se repete, já que as condições para que
um ato de linguagem ocorra são únicas. Este ser que se mostra a TUd é chamado
de EU-enunciador. Num espaço interno, portanto, EUe e TUd são os sujeitos de fala
envolvidos no ato de produção-interpretação.
É importante ressaltar que, conforme afirma Charaudeau (2010, p. 44), todo
ato de linguagem é uma aposta do sujeito comunicante, pois suas expectativas em
relação ao interlocutor podem se confirmar ou não, haja vista que, por trás de TUd
3
A esse respeito, cf. MAINGUENEAU, 1997 e BENVENISTE, 2005, 2006, para quem a presença da
dêixis também é indicada por índices de ostensão.
4 O termo intencionalidade, utilizado aqui, compreende, além dos objetivos voluntários, as intenções
inconscientes e provenientes de uma dada situação psicossociolinguageira.
15
há também um sujeito social, o TUi, que é o responsável por confirmar ou rejeitar a
imagem que EUc projetou inicialmente (EUe) e também criar uma representação
para si de EUe.
Um ato de linguagem é, pois, um evento que ocorre exatamente na área de
intersecção entre os dois espaços da enunciação – interno e externo. Para que um
sujeito atinja, efetivamente, seu propósito de comunicação com o outro, ele deverá
obedecer a certas restrições que são impostas pelos espaços em que ambos se
inserem. As “normas” de convivência em sociedade, por exemplo, fazem parte
dessas restrições que devem ser conhecidas pelos sujeitos na encenação do ato de
linguagem.
Ao mesmo tempo, o sujeito poderá contar com algumas liberdades para
selecionar suas estratégias de comunicação5. Essa possibilidade que é oferecida ao
sujeito
comunicante
facilita-lhe
alcançar
êxito
diante
de
seu
projeto
de
intencionalidade, visto que buscará selecionar estratégias que visem à fusão entre
as identidades do sujeito destinatário e do sujeito interpretante.
Pode-se afirmar, então, que a produção de um ato de linguagem depende,
necessariamente, de uma situação real de troca, de uma intencionalidade e de duas
naturezas:
uma
de
rigidez
e
outra
de
flexibilidade,
que
correspondem,
respectivamente, aos espaços de restrições e de estratégias. Esse conjunto de
elementos relacionados ao ato de linguagem é, verdadeiramente, o que produz as
significações do discurso, a partir da inter-relação entre os espaços interno e externo
onde se realiza a mise-en-scène discursiva. A organização do projeto de
comunicação do sujeito deve partir das escolhas do seu repertório de competências,
daí a liberdade de que dispõe, sem deixar de seguir as mínimas restrições
necessárias à determinada situação discursiva.
Diante desses processos, que fazem parte da produção do ato de linguagem,
pode-se depreender um modelo de estruturação do ato em três níveis: situacional,
comunicacional e discursivo (CHARAUDEAU, 2007).
No nível situacional, encontram-se os fatores relacionados ao espaço externo
da enunciação. É também onde se constitui o espaço de restrições do ato de
linguagem. A finalidade da comunicação, a identidade dos parceiros, o domínio de
saber
5
oriundo
da
troca
linguageira
Cf. CHARAUDEAU, 2007, p. 17 - 18
e
o
reconhecimento
do
dispositivo
16
correspondente às condições materiais dessa troca são fundamentos determinados
pelo nível situacional.
No nível comunicacional, estão inseridas as maneiras de falar ou escrever e a
definição dos papéis linguageiros que legitimam o direito à fala dos sujeitos. As
escolhas no nível comunicacional estão intimamente relacionadas ao nível
situacional e podem revelar a identidade do sujeito, o tratamento concedido à
determinada proposição (tema) e sob quais circunstâncias (dispositivo) seu discurso
foi orientado.
Por último, no nível discursivo, destaca-se o espaço interno onde se realiza o
ato de linguagem. É, portanto, o nível onde se projetam os seres de fala – sujeito
enunciador e sujeito destinatário. Ali, o enunciador se utiliza de recursos linguísticos
para pôr em prática um projeto discursivo. Ao selecionar suas palavras, o sujeito
deve, pois, equilibrar as restrições do nível situacional e as possibilidades oferecidas
pelo nível comunicacional. Isso requer que atenda a condições de legitimidade
(princípio de alteridade), de credibilidade (princípio de pertinência) e de captação
(princípio de influência e de regulação).
O sucesso da comunicação implica, ainda, o reconhecimento de um contrato
de comunicação entre os parceiros. Assim, a liberdade concedida ao sujeito
comunicante no momento da escolha, organização e encenação de seus interesses
faz parte de um conjunto de estratégias pertencentes ao contrato de comunicação e
visa a gerar determinados efeitos de discurso no TUi a fim de que ele possa se
identificar com o TUd idealizado por EUc.
Essas estratégias, contudo, podem não surtir o efeito desejado por EUc e,
dessa forma, TUi, sabendo – em maior ou menor grau de consciência – que está
sob a regulação de um contrato de comunicação e sob a influência das estratégias
de EUc, tem o direito de aceitar ou rejeitar, total ou parcialmente, sua encenação.
Buscando uma fusão entre TUd e TUi, o EUc tem à sua disposição uma série
de estratégias para a composição da imagem de EUe: a transparência de EUc, a
sua ocultação, o desejo de que EUe se apresente como pessoa humilde, etc. Tal
escolha é possibilitada pelo nível de credibilidade que há entre os seres sociais e
corresponde a uma legitimação de fala. Dessa forma, quanto maior o grau de
credibilidade do sujeito comunicante perante o sujeito interpretante, maior será a
permissão que aquele terá para a criação da imagem de EUe. Essa credibilidade
17
bem como as restrições existentes em um ato de linguagem são sobredeterminadas
pela regulação do contrato de comunicação.
No discurso político de um presidente com altos índices de popularidade, por
exemplo, a legitimação de sua fala permite-lhe ousar nas diversas imagens que seu
EUe terá diante do interlocutor. Sobre esse discurso, especificamente, Charaudeau
afirma:
O discurso político se caracteriza por um jogo polêmico, que utiliza
constantemente contratos e estratégias para convencer ou seduzir o outro.
Digamos que EUc tenta fabricar uma imagem de sujeito destinatário (TUd)
que acredita ser coincidente com a do sujeito interpretante. Assim, no
contexto desse tipo de discurso, podemos notar a construção de uma
imagem de “fusão identitária” como uma estratégia de dramatização, para
fazer com que uma nação se sinta integrada em um mesmo grau de
cidadania, não é parte dela que conta, mas seu todo. Esse fato pode ser
visto claramente na declaração abaixo: [...]
“Quero dizer para vocês que sou Presidente de todos, sem distinção
de credo religioso, sem distinção de compromissos ideológicos. Sou
Presidente de todos sem me preocupar com a origem social de cada um.
(...)”. 6
(CHARAUDEAU, 2010, p. 58, grifos do autor)
Em se tratando de matéria linguística, um ato de linguagem, regido por um
contrato de comunicação, só adquire forma orientado pelos modos de organização
do discurso. Esses modos correspondem aos princípios de organização linguística
de um discurso de acordo com os propósitos do sujeito comunicante.
Segundo Charaudeau (2010), são quatro os modos de organização do
discurso: o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o argumentativo. Todos
apresentam uma função de base, que consiste na finalidade discursiva do sujeito
falante, e um princípio de organização, que corresponde à lógica de construção de
sua encenação. O modo enunciativo, entretanto, é o único presente também nos
outros três modos, fazendo com que estes disponham de um duplo princípio de
organização.
Dessa forma, o modo argumentativo, por exemplo, tem como função de base
que um locutor exponha e relacione nexos causais com o objetivo de influenciar o
seu interlocutor. O seu princípio de organização baseia-se na lógica e na encenação
argumentativas.
“Discurso proferido pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Parlatório do Palácio do Planalto
durante a cerimônia de posse de seu segundo mandato, 01/01/2007.” (Nota de rodapé extraída de
CHARAUDEAU, 2010, p. 58).
6
18
Já o modo narrativo busca exprimir uma sequência de ações, visando à
construção de um relato, o que consiste em sua função de base. O princípio de
organização desse modo corresponde a uma encenação narrativa com enfoque
direcionado aos actantes e aos processos.
O modo descritivo tem por função de base a identificação e a caracterização
objetiva ou subjetiva de seres, espaços, etc., e seu princípio de organização
obedece a uma encenação descritiva com intuito de nomear- localizar-qualificar.
O modo enunciativo de organização do discurso merece um aprofundamento,
não só por estar presente também nos outros modos, mas por ter importância
central neste estudo acerca da análise do discurso político de Lula.
Com efeito, o modo enunciativo diz respeito à maneira escolhida pelo sujeito
comunicante para fazer o sujeito enunciador agir na encenação de um ato de
comunicação. Além de comandar os outros modos de organização do discurso, o
enunciativo é responsável por demarcar a posição do locutor diante do interlocutor,
diante de si mesmo e dos outros. Isso quer dizer que o modo enunciativo é uma
categoria de discurso que evidencia os protagonistas da encenação.
Assim, essa forma de agir no modo enunciativo pode ocorrer de três
maneiras, o que corresponde às três funções desse modo: uma relação de influência
entre
locutor
e
interlocutor,
chamada
de
comportamento
alocutivo;
uma
demonstração do ponto de vista do locutor, denominada comportamento elocutivo;
um “apagamento” do locutor, visando à construção de um discurso mais objetivo ou
à reprodução da fala de um terceiro, o que se chama comportamento delocutivo
(CHARAUDEAU, 2010, p. 82).
O comportamento alocutivo é, de fato, um exercício de influência do locutor
sobre o interlocutor. Partindo de um ponto de vista acional, por meio de uma
construção enunciativa baseada na alocução e estando em posição de
superioridade, o locutor impõe ao interlocutor um “fazer fazer” ou “fazer dizer”,
instando-o a agir de alguma forma, como nas modalidades de injunção e
interpelação, por exemplo.
Por outro lado, se o locutor estiver em condições de inferioridade em relação
ao interlocutor, ainda assim haverá uma implicação deste, mas de forma que
demonstre um “saber” ou consinta ao locutor um “poder fazer”, exercendo, assim,
sua autoridade. Dessa forma, entre falante e destinatário, ocorre uma relação de
solicitação, o que se concretiza nas modalidades de interrogação e de petição.
19
Os mecanismos linguísticos que expressam esse comportamento podem
variar da utilização de pronomes pessoais de segunda pessoa, atrelados a verbos
modais, até qualificativos e outras denominações que demarcam a relação entre os
protagonistas bem como o papel do interlocutor na encenação, como o emprego de
formas de tratamento, por exemplo.
No que se refere ao comportamento elocutivo, não há uma implicação direta
do interlocutor na encenação. O propósito referencial, que é o ponto de vista do
locutor sobre o mundo, é enunciado como forma de construir a imagem de um
protagonista-sujeito-enunciador como aquele que detém um modo de saber (que
evidencia como o locutor tem um referido conhecimento), como possuidor de uma
avaliação (que destaca o seu julgamento sobre o propósito referencial), como um
falante que se baseia em uma motivação (que ressalta os motivos condutores do
sujeito a pensar/dizer o propósito), como um sujeito com postura de engajamento
(que revela o grau de envolvimento do locutor com o propósito) e como uma
proposição de decisão (que detalha o tipo de deliberação ou o estatuto do locutor).
As marcas linguísticas mais expressivas consistem na utilização de pronomes
pessoais e verbos modais em primeira pessoa, advérbios e qualificativos para
destacar o ponto de vista do falante.
No comportamento delocutivo, por sua vez, não há marcas explícitas da
presença do locutor, tampouco a implicação do interlocutor. Sabe-se, no entanto,
que a tentativa de apagamento da subjetividade em um discurso não significa,
efetivamente, a sua ausência, já que a subjetividade é inerente à linguagem
humana7. A delocução, contudo, pretende que haja referências ao mundo externo à
encenação do ato de comunicação a partir de textos e propósitos de terceiros.
Dessa forma, o locutor pode simplesmente enunciar um propósito que se impõe por
si só, sem marcas de um discurso pessoal (mas orientado por sua forma de
enxergar o mundo), ou enunciar um texto que não é de sua autoria, quando o locutor
passa a se comportar como uma espécie de relator do discurso alheio.
No comportamento delocutivo, os mecanismos linguísticos precisam estar a
serviço de uma aparente objetividade no discurso. Isso quer dizer que traços de
primeira ou segunda pessoa e modalizadores dão lugar a frases impessoais ou com
emprego de verbos no infinitivo, por exemplo, o que garante ao discurso um ar de
7
Cf. BENVENISTE, 2005.
20
verdade absoluta e, naturalmente, de forma indireta, colabora para o reforço da
imagem do falante como um sujeito conhecedor e detentor da verdade.
A análise do discurso, enfim, precisa considerar essas manifestações
linguísticas e as condições psicossociointeracionais envolvidas na realização de um
ato de linguagem. Nesse sentido, é somente no interior da enunciação que essas
situações discursivas se inauguram.
A próxima seção elucidará alguns aspectos relacionados à enunciação, desta
vez, sob a perspectiva de Dominique Maingueneau.
2.2 A Cena de Enunciação na visão de Maingueneau
O campo da enunciação tem sido, ao longo dos anos, objeto recorrente de
estudo. Diversas áreas buscam, na enunciação, respostas para compreender as
inter-relações existentes nas atividades humano-discursivas a partir da linguagem. A
Análise do Discurso francesa (AD), que tem Maingueneau como um de seus
grandes expoentes, também se enquadra nessa realidade.
Seguindo essa lógica, a AD considera que todos os fatores relacionados à
enunciação são sempre internos a ela. Assim, não há condições exteriores à
enunciação. Tudo se instaura na própria situação discursiva. Segundo Jean-Pierre
Faye (apud MAINGUENEAU, 1997, p. 34): “Estamos em um terreno onde a relação
social é, desde o início, linguagem.”.
A Análise do Discurso privilegia o termo “lugares” para tratar das instâncias da
enunciação. Dessa forma, os lugares sociais só existem a partir dos lugares
discursivos. O real não se dissocia da encenação, mas, antes, reveste-se de
discurso.
Maingueneau (2004) diz que, para compreender melhor a cena da
enunciação, onde se realiza um discurso, é preciso reconhecer três cenas distintas:
a cena englobante, a cena genérica e a cenografia.
A cena englobante corresponde ao tipo de discurso empregado, isto é, se o
objeto faz parte do discurso religioso, do discurso publicitário, do discurso político,
por exemplo. É ela a responsável por delimitar a situação dos parceiros, a finalidade
do discurso e até mesmo condições espaço-temporais relativas à enunciação. A
cena englobante é variável de acordo com as sociedades. Assim, há tipos de
21
discurso que existem em determinadas comunidades e fazem parte do seu
cotidiano, mas não são do domínio de outras.
Determinar, contudo, a cena englobante não é suficiente para caracterizar a
cena de enunciação. As informações que são trazidas ao discurso pela cena
englobante são, relativamente, vagas e dependem de outro tipo de cena. Dessa
forma, é a cena genérica que conduz as delimitações do gênero do discurso, o que
influencia diretamente na composição dos papéis dos interlocutores. Um discurso
político como cena englobante, por exemplo, pode apresentar-se em um panfleto,
em um comício, em um debate, ou seja, a variabilidade genérica é extensa e, com
isso, modificam-se também os papéis dos interlocutores envolvidos na enunciação.
Maingueneau (2004, p. 87), então, define como quadro cênico essa
interdependência entre a cena englobante e a cena genérica. Para o autor, a ligação
entre o tipo e o gênero de discurso é responsável por uma estabilidade no espaço
interno, onde o enunciado adquire sentido.
O quadro cênico, no entanto, não é o que determina a construção de uma
cenografia. Ela se compõe, primordialmente, a partir da própria enunciação, que a
legitima e por ela é legitimada num “enlaçamento paradoxal”, nas palavras de
Maingueneau (2004, p. 87). Assim, a cenografia é o que se destaca perante o
coenunciador, aquilo com o que ele se depara concretamente na enunciação e que
lhe determina um lugar a ocupar no espaço construído por aquela cenografia.
Considerando-se
que
os
gêneros
apresentam
características
muito
particulares, é preciso notar que nem todos dispõem de uma diversidade de
cenografias. Há casos, inclusive, em que o coenunciador depara-se unicamente com
o gênero do discurso, ou seja, é orientado pelas especificidades da cena genérica,
como ocorre com as listas telefônicas e com as receitas médicas, por exemplo.
Em outras situações, gêneros, como o publicitário, o literário ou o filosófico,
permitem a escolha de cenografias diversas a depender dos propósitos de
comunicação envolvidos na enunciação:
O discurso político é igualmente propício à diversidade das cenografias: um
candidato poderá falar a seus eleitores como jovem executivo, como
tecnocrata, como operário, como homem experiente etc., e conferir os
“lugares” correspondentes a seu público.
(MAINGUENEAU, 2013, p. 76)
22
Assim, muitas vezes, o enunciador, ao elaborar uma cenografia específica
para um determinado gênero do discurso, apoia sua construção no que
Maingueneau (2004) chama de cenas validadas, que equivalem a cenas já
incorporadas à memória coletiva. O enunciador pode, portanto, amparar-se em
cenas validadas positivamente ou utilizar-se de cenas validadas de forma negativa
para combatê-las, por exemplo.
A variabilidade da cenografia, decorrente das formas como se apresenta
segundo a enunciação, é o que permite a construção do ethos em favor do alcance
do coenunciador. A noção de ethos remonta à Antiguidade clássica e esse conceito
foi abordado por diversos pensadores. Aristóteles, certamente, deixou um legado
para diversas áreas, dentre as quais, a Análise do Discurso.
2.3 Os conceitos de ethos, pathos e logos na retórica aristotélica
A origem da retórica tem em Aristóteles (século IV a.C) uma das
personalidades mais influentes no assunto. Para o filósofo, retórica significava a
“capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 95). Assim, diferentemente de outras áreas que se
ocupam da persuasão apenas em seus campos específicos de conhecimento, a
retórica busca os mecanismos ideais de persuasão em qualquer temática envolvida.
Aristóteles afirmava que, para persuadir, eram necessários dois tipos de
provas: inartísticas e artísticas. As provas inartísticas correspondem àquelas que
não dependem do orador por já terem uma existência prévia, como testemunhos ou
documentos. As provas artísticas, por sua vez, relacionam-se à capacidade de
produção do próprio enunciador e, nesse grupo, enquadram-se as que se formulam
no discurso.
Nesse sentido, a persuasão oriunda das provas produzidas no discurso apoiase em três formas distintas, segundo o pensador: no caráter moral do orador, nos
efeitos causados no ouvinte e no que o próprio discurso suscita a partir do modo
como foi construído. Essas formas correspondem, respectivamente, ao ethos, ao
pathos e ao logos.
A arte de persuadir, então, recebe a contribuição do ethos quando, pelo
discurso, o orador consegue transmitir a imagem de alguém digno de confiança.
Aristóteles (2004, p. 96) acrescenta que o ouvinte tem mais facilidade em aderir a
23
ideias de pessoas verdadeiramente honestas ou das quais não se tenha
informações prévias ou exatas.
Maingueneau e Amossy posicionam-se de maneira complementar a esse
pensamento de Aristóteles. Para o primeiro: “Se o ethos está crucialmente ligado ao
ato de enunciação, não se pode ignorar, entretanto, que o público constrói
representações
do
ethos
do
enunciador
antes
mesmo
que
ele
fale.”
(MAINGUENEAU, 2013, p. 71).
Para Amossy (2013, p. 122 – 123), há atualmente dois grupos que se opõem
em relação a essa discussão. Os pragmáticos, que seguem a linha de Aristóteles,
acreditam que o ethos configura-se apenas pelo discurso. Os sociólogos, por outro
lado, afirmam que é na troca simbólica, plena de contribuições sociais, que essa
imagem se constrói. A partir disso, a autora posiciona-se, como Maingueneau, na
intersecção entre essas duas abordagens.
Aristóteles (2005, p. 97), ainda a respeito da persuasão, ressalta a
importância de fazer com que o ouvinte sinta emoção por meio do discurso, o que
corresponde ao pathos. Para o filósofo, os julgamentos humanos são influenciados
pelas paixões, fato que motiva o orador a tentar manipular determinados
sentimentos no destinatário.
O discurso em si, como forma de persuasão, equivale ao logos e significa
afirmar que, para cada contexto, a construção ou forma concreta com que as
palavras serão utilizadas pode determinar o êxito do objetivo comunicativo. É
importante, para isso, que o discurso demonstre a verdade ou uma aparência de
verdade, com o que o ouvinte deverá concordar.
Ethos, pathos e logos, portanto, constituem provas relacionadas à persuasão.
Há ainda, segundo Aristóteles, três causas que podem tornar o orador tão
persuasivo que não seja necessário haver demonstrações de sua parte. São elas: a
phrónesis, a areté e a eunóia, ou seja, a prudência, a virtude e a benevolência,
respectivamente8.
Eggs (2013, p.32) defende que, modernamente, esses termos poderiam ser
traduzidos de maneira mais explicativa. Assim, a phrónesis estaria relacionada à
8
Cf. tradução de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena
para Retórica, de Aristóteles (2005). Termos também reproduzidos de Dufour por Ekkehard Eggs
(2013).
24
sabedoria e à razão; a areté, à honestidade e à sinceridade e a eunóia teria ligação
com a solidariedade e a amabilidade no tratamento direcionado ao ouvinte.
Essas três razões, que transmitem confiança, associam-se ao logos, ao ethos
e ao pathos. Dessa forma, a virtude da sabedoria e da razão faz parte do logos; a
honestidade e a sinceridade são características pertencentes ao ethos e o ser
solidário e amável pertence ao pathos.
Dentre as três provas persuasivas, o ethos ocupará posição de destaque, já
que é o centro da discussão que norteia os objetivos desta pesquisa.
Nesse sentido, o aprofundamento nas virtudes que formam o ethos é
essencial para entender como sua exploração no discurso pode favorecer a
persuasão. Sendo honestidade e sinceridade características que aumentam a
credibilidade do orador perante o auditório, pode-se constatar, então, que a falta
delas ou a presença de comportamento oposto prejudiquem o êxito argumentativo.
Fiorin (1989), mantendo a discussão já suscitada por Aristóteles, tem grandes
contribuições que podem aclarar também esse assunto.
As virtudes devem evidenciar um orador equilibrado, que se apresenta fora
dos extremos dos comportamentos, ou seja, aquele que se situa na justa medida.
Assim, segundo Fiorin (1989, p. 350), um observador social passa a julgar os
comportamentos do outro a partir do que a sociedade estabelece como formas de
convivência. Se o comportamento está de acordo com o dever fazer ou com o não
dever fazer, o indivíduo pode receber uma sanção positiva ou negativa e ser
considerado bem ou mal educado, agradável ou desagradável, por exemplo. Isso
implica, inclusive, a aceitação ou não do sujeito em determinado grupo social e, em
se tratando de persuasão, o sucesso ou o fracasso do projeto comunicativo.
Naturalmente, haverá variação no que se estabelece como justa medida a
partir das crenças e da cultura de cada sociedade. Dessa forma, o orador deve
atentar-se aos imaginários coletivos de maneira que sua aparência ajuste-se ao
ideal desejado por seu interlocutor.
Com efeito, é a partir da construção do ethos que os limites entre o ser e o
parecer tornam-se tênues a tal ponto que possibilita a identificação do interlocutor
com a imagem criada pelo enunciador. Dessa forma, será apresentada, a seguir,
uma breve descrição dos estudos de Maingueneau sobre esse fenômeno.
25
2.4 O ethos na perspectiva de Maingueneau
Ao explorar a variabilidade cenográfica como uma das três cenas
constituintes da enunciação, Maingueneau (2004, p. 98) defende que a origem do
ethos relaciona-se, especificamente, a essa cena. O autor define ethos como uma
“representação do corpo9 do orador” que surge na própria enunciação. O ethos não
consiste em uma autoafirmação sobre si, mas corresponde a uma determinada
imagem do enunciador que se sobressai no e pelo discurso.
Assim, o enunciador quando se mostra em uma situação discursiva passa a
corresponder a uma associação entre corpo e discurso, construída pelo
coenunciador por meio de índices percebidos na enunciação. Essa imagem está
relacionada ao fiador do discurso, aquele que se relaciona ao “mundo ético” e a ele
também permite o acesso, segundo Maingueneau (2008, p. 18).
É na enunciação que o interlocutor apreende não só o caráter do fiador, ou
seja, traços psicológicos assimiláveis, mas também uma corporalidade, o que se
relaciona aos modos de se vestir e de se portar no meio social. Caráter e
corporalidade, portanto, fazem parte do ethos e apresentam relação direta com as
imagens cristalizadas na sociedade, os estereótipos.
O fiador, dessa forma, é parte integrante de um “mundo ético” ao mesmo
tempo em que permite ao coenunciador acesso a ele. O que se apresenta aqui é um
ciclo em que o enunciador se utiliza de estereótipos presentes no imaginário coletivo
e, com isso, também os reforça na própria enunciação.
Para a Análise do Discurso, não é tarefa simples analisar textos que já não
fazem parte do contexto cultural contemporâneo ou de domínio do analista. Os
estereótipos modificam-se de acordo com a conjuntura sócio-histórica de uma
comunidade e é preciso que se leve em consideração esse universo referencial para
que se possa chegar às representações éticas em uma situação discursiva.
Maingueneau (1997, p. 46) destaca ainda que, à composição do ethos, é
preciso acrescentar a importância do tom. O ethos seria, dessa forma, uma
demonstração de caráter, corporalidade e tom do fiador, em que tom não se limita
9
Não se pode confundir o corpo físico do enunciador com o corpo representado pelo ethos. Essa
corporificação advém da cena enunciativa e pode ou não se relacionar com o corpo efetivo do
enunciador. Cf. MAINGUENEAU, 1997, 2004, 2008, 2013.
26
ao campo da oralidade, mas ao modo como o discurso é proferido – tanto em textos
orais quanto em textos ecritos.
A noção de tom está diretamente relacionada ao caráter demonstrado pelo
enunciador e, naturalmente, ligado também às condições discursivas. Assim, um tom
alegre e equilibrado pode indicar o caráter de uma pessoa positiva e sensata, por
exemplo.
Na tentativa de persuadir o coenunciador, é essencial que o fiador ultrapasse
os objetivos básicos de busca por sua adesão. A persuasão implica, sobretudo, uma
trajetória anterior: conduzir o coenunciador a uma identificação com o corpo do
fiador, imbuído de valores sociais. Assim, o mundo representado na enunciação
deve coincidir com os valores transmitidos pelo ethos do fiador.
Essa aceitação do coenunciador aos objetivos comunicativos do enunciador
equivale ao que Maingueneau (2004, p. 99) designa como incorporação. Para que
esse processo efetivamente se realize, é necessária a correlação de três etapas.
Primeiramente, a partir de todos os elementos que compõem a cena de
enunciação, o coenunciador é conduzido a instaurar um ethos para seu fiador, à
medida que a própria enunciação proporciona-lhe um corpo.
Em seguida, o coenunciador assimila ou incorpora o modo como o enunciador
se insere no mundo, ao observar os valores destacados e a forma como controla
seu corpo, por exemplo.
Por último, a associação das duas etapas anteriores permite surgir um corpo
que faz parte do universo imaginário daqueles que compartilham do mesmo discurso
– aí se inclui o coenunciador – o que significa dizer que houve, portanto, a
incorporação do ethos do fiador pelo coenunciador.
Esse processo leva a uma conclusão:
O coenunciador interpelado não é apenas um indivíduo para quem se
propõem "ideias" que corresponderiam aproximadamente a seus interesses;
é também alguém que tem acesso ao "dito" através de uma "maneira de
dizer" que está enraizada em uma "maneira de ser", o imaginário de um
vivido. (MAINGUENEAU, 1997, p. 49)
O ethos, dessa forma, é uma construção com base na integração de diversos
fatores que podem, simultaneamente, estar presentes em um discurso ou não. A
formação do ethos, segundo Maingueneau (2008, p. 18), pode envolver: o ethos prédiscursivo, o ethos discursivo e ainda o ethos dito.
27
Em alguns tipos de discurso, não há informações prévias sobre o locutor.
Dessa forma, a representação do fiador se concretiza no próprio ato de linguagem.
Em outros, como o discurso político, o ethos pré-discursivo pode confirmar ou
infirmar a imagem pretendida pelo enunciador. Isso quer dizer, nestes casos, que
antes mesmo que o enunciador fale, o auditório já concebe uma representação sua.
A mídia tem grande responsabilidade na construção dos ethé de celebridades
e políticos, mas não se pode atribuir ao ethos pré-discursivo uma autonomia alheia
ao discurso. Pelo contrário, a imagem prévia de um político, por exemplo, pode ir ao
encontro do povo e de seus anseios, mas é somente na cena enunciativa que ele
será capaz de mantê-la ou distorcê-la.
Nesse ponto, Maingueneau (2008) concorda com Aristóteles (2005). O ethos
discursivo, também chamado ethos mostrado, é, de fato, o grande responsável pela
representação do fiador na enunciação. A escolha das palavras, os argumentos e
provas, o registro linguístico, o ritmo e a modulação e o modo de se portar no
espaço social são escolhas do enunciador que fazem parte do ethos mostrado no
momento da enunciação e que podem superar um ethos pré-discursivo.
Há casos, porém, em que o fiador não se contenta em mostrar seu ethos pelo
discurso. Assim, muitas vezes, utiliza-se de um ethos dito, deixando explícita a
representação que deseja ter perante seu coenunciador.
Essa forma de dizer o ethos pode ocorrer de maneira direta ou indireta.
Quando um político afirma: “é um amigo que lhes fala” (MAINGUENEAU, 2008, p.
18), está, de maneira direta, dizendo o ethos que adotou naquela situação, ethos de
amigo, de pessoa próxima. Ao se utilizar, contudo, de metáforas ou de alusões a
outras situações discursivas, emprega um ethos dito de forma indireta.
Todas essas formas de construção do ethos não garantem que o projeto
inicial do fiador alcance a adesão de seu público. Isso quer dizer que nem sempre o
ethos visado – aquele idealizado pelo enunciador – corresponderá ao ethos efetivo
que emana de seu discurso. Logo, o ethos pode apresentar significativas diferenças
se considerado do ponto de vista do produtor ou do interpretante.
O esquema a seguir mostra as trajetórias possíveis envolvidas na construção
do ethos:
28
(MAINGUENEAU, 2008, p. 19)
Pelo esquema de Maingueneau, é possível perceber que, onde há flechas
duplas, ocorre interação. Isso indica que ethos pré-discursivo e discursivo sofrem
influências mútuas assim como o ethos dito e o mostrado. O esquema revela, ainda,
que os variados tipos de ethé estão, necessariamente, relacionados aos
estereótipos ligados aos mundos éticos. Dessa forma, independentemente de o
percurso ser construído por um ethos pré-discursivo ou por um ethos discursivo, o
produto será um ethos efetivo.
Os pensamentos de Dominique Maingueneau estão em consonância em
vários aspectos com os de Patrick Charaudeau a respeito do estudo do ethos. Na
seção seguinte, será detalhado o estudo deste linguista e suas contribuições para a
Análise do Discurso francesa.
2.5 O discurso político e o ethos segundo Charaudeau
O conceito de política apresenta inúmeras definições, mas, de forma geral, é
possível reconhecer a importância da ação no âmbito social. Nessa perspectiva, as
relações de influência na sociedade passam, necessariamente, pela linguagem, pois
ela permite que haja espaços de discussão, de persuasão e de sedução.
O discurso faz parte dessas relações que se constroem para a administração
da boa convivência em comunidade. Nesse sentido, as contribuições do ethos nas
trocas linguageiras passam a ser decisivas para que político e povo estejam em
sintonia quanto a interesses comuns.
29
2.5.1 O campo político e sua organização em instâncias
O desejo de viver em comunidade passa por uma série de implicações
necessárias ao bem comum. Para que se estabeleçam relações de igualdade entre
os indivíduos, é preciso que seja determinado um conjunto de valores partilhados
pela coletividade. Esses valores tornam-se, então, princípios que orientam os
comportamentos na sociedade.
Dentro de uma comunidade, no entanto, nem todos adotam esses valores.
Dessa forma, entidades políticas são criadas para garantir o cumprimento dos
deveres e o acesso aos direitos dos cidadãos. O político torna-se o representante de
uma propriedade coletiva de valores.
Assim, o campo político é composto por um espaço de discussão, um espaço
de ação e um espaço de persuasão, segundo Charaudeau (2011, p. 21).
O espaço de discussão utiliza-se da palavra para definir quais os objetivos da
ação política e os meios que serão utilizados para o alcance dessas metas.
O espaço da ação corresponde à organização das tarefas, à sanção de leis,
normas e decisões de acordo com o conjunto inicial de valores adotados por aquela
comunidade.
O espaço de persuasão consiste em que a instituição política convença a
sociedade da razão de seu programa administrativo e das decisões que precisa
tomar, diluindo conflitos e trazendo a opinião pública para junto de si.
Nessa perspectiva, o discurso político adquire força nesses três espaços: “O
governo da palavra não é tudo na política, mas a política não pode agir sem a
palavra” (CHARAUDEAU, 2011, p. 21). Assim, poder e ação precisam combinar-se,
já que o político necessita conduzir seu auditório a um “fazer fazer”, “fazer dizer” ou
“fazer pensar”.
Essa não é tarefa simples. Charaudeau (2011) menciona que a submissão do
sujeito passa, necessariamente, pela existência de uma ameaça ou gratificação, o
que revela, nos dois casos, a existência de uma sanção. Ao garantir, portanto, seu
projeto de influência, o político assumirá sua posição de dominante e o sujeito-alvo,
de dominado, ambos em uma relação de poder e ação a partir de uma troca
legítima, baseada nos interesses de cada parte, ou no bem comum.
30
As relações de poder e ação devem, ainda, ser mediadas pelo equilíbrio. Um
político, se deseja a adesão de seus interlocutores em uma situação democrática 10,
não pode exercer seu poder de forma impositiva. É importante seu reconhecimento
de que essa soberania só é garantida pela legitimação da comunidade. E essa
comunidade cristaliza suas opiniões acerca do político com o auxílio da mídia.
Essa cadeia de influências, de acordo com Charaudeau (2011, p. 18), revela
a interdependência de três instâncias na ação política: a instância política (e seu
opositor direto, a instância adversária), como um lugar de governança; a instância
cidadã, como um lugar onde se constrói a opinião, e a instância midiática, como um
lugar de mediação. O autor ressalta que, no campo político, não são as entidades
humanas que se destacam, mas categorias abstratas que assumem papéis de
acordo com as funções que exercem na organização política da sociedade.
Dessa forma, tratar de instâncias é ir além dos aspectos psicológicos e
sociais que envolvem cada personalidade. As instâncias são definidas, sobretudo, a
partir de características identitárias que levam à finalidade comunicacional de sua
posição.
A relação entre as instâncias está evidenciada no quadro a seguir:
(CHARAUDEAU, 2011, p. 56)
A instância política é aquela que detém o poder de fazer, relacionado à
decisão e à ação, e o poder de fazer pensar, ligado à manipulação. Por
corresponder a um lugar de governança, necessita de legitimação para chegar a
essa posição e, em seguida, autoridade e credibilidade para sua manutenção no
poder.
Dessa maneira, é pelo discurso que a instância política encontrará o caminho
que a levará ao lugar de governança. Naturalmente, a instância adversária também
o deseja e as estratégias persuasivas serão cruciais para esse fim.
10
Neste trabalho, será considerada apenas a política democrático-presidencialista, modelo em que se
insere o Brasil e o corpus desta pesquisa.
31
Quando se trata de uma instância política que já está no poder, a instância
adversária, por não ocupar o mesmo espaço que aquela, assume um tom crítico em
suas atividades discursivas. Com exceção dessa situação, não há que se destacar
acentuada diferença entre as duas instâncias, uma vez que as estratégias
persuasivas serão as mesmas.
Com relação à instância cidadã, pode-se afirmar que é o lugar onde as
opiniões são construídas para além do espaço da governança. Os indivíduos dessa
instância buscam um saber para poder julgar as propostas e as ações da instância
política. A partir disso, contestam ou não a legitimidade e a credibilidade das
autoridades políticas.
Se a instância política impõe sanções de gratificação ou punição à instância
cidadã, de maneira análoga, o povo também pode submeter os políticos a sanções,
especialmente por meio da eleição de seus representantes.
A instância cidadã, contudo, não se constitui de forma homogênea e seu
comportamento diante do campo político é bastante variável. Charaudeau (2011, p.
59) identifica uma divisão dessa instância em dois subgrupos: a sociedade civil e a
sociedade cidadã.
Apoiando-se no conceito elaborado por Hobbes e Hegel, no século XIX, e
adaptando-o de acordo com a situação atual de organização das sociedades, o
autor emprega o termo sociedade civil para indicar um espaço social de formação de
opinião, de partilha do mesmo espaço físico e social – e não necessariamente de
convivência coletiva – e, sobretudo, de ação individual. É, portanto, um lugar em que
não há mobilização conjunta de interesses, ou seja, uma consciência cidadã.
A sociedade cidadã, por sua vez, é formada por indivíduos cientes de seu
papel social na organização do espaço comunitário. São pessoas que, quando
necessário, questionam a credibilidade da instância política, via mídia, reivindicam
direitos e podem, inclusive, usar de força para intervir no espaço de governança.
Charaudeau afirma: “a sociedade cidadã compõe-se de indivíduos de direitos e não
de pessoas concretas, o que a distingue da sociedade civil” (2011, p. 60).
A última instância que compõe a ação política é a midiática. Essa instância
exerce papel de mediadora entre a instância política e a cidadã e atua por
intermédio dos meios de informação, de panfletos, de cartazes etc.
Um dos compromissos da instância midiática é com a credibilidade no
repasse das informações. Isso, no entanto, não anula outro interesse da mídia: a
32
cooptação de seu público dada a concorrência nesse meio. Assim, os atores
envolvidos nessa instância preocupam-se, simultaneamente, com a exibição dos
fatos e com o espetáculo nessa demonstração, o que não inviabiliza seu legítimo
direito de informar e de auxiliar na formação da opinião da instância cidadã a
respeito da instância política.
Seguindo essa lógica, ao mesmo tempo em que a mídia se aproxima da
instância política para colher fatos e dados, também precisa manter um certo
distanciamento a fim de garantir que sejam preservadas a sua imparcialidade e
credibilidade.
A instância midiática que se faz presente nos regimes democráticos – em que
há liberdade de expressão da imprensa – goza de importante prestígio perante a
comunidade, porque tem o compromisso de levar a política ao povo e a satisfação
ou descontentamento do povo à política.
A relação de interdependência entre as três instâncias, portanto, pode ser
assim resumida:
Encontramo-nos, assim, em um jogo em que todos mudam sob a influência
dos outros: a opinião sob a influência das mídias, as mídias sob influência
da política e da opinião, o político sob influência das mídias e da opinião.
(CHARAUDEAU, 2011, p. 25)
Esse jogo de influências é conduzido pela própria ação política e,
naturalmente, pelos meios discursivos, em que o político deve combinar o terreno
das paixões ao campo do pensamento.
2.5.2 A construção do ethos no discurso político
A atividade argumentativa no discurso político é conduzida a partir de
elementos pertencentes à categoria da razão e da paixão (o logos e o pathos,
respectivamente). As paixões não devem ser descartadas em nenhum discurso que
vise à influência do interlocutor, segundo Charaudeau (2011, p. 81). Acrescente-se
ao logos e ao pathos as contribuições do ethos na persuasão política como recurso
de identificação do auditório com o orador.
33
Nem sempre, porém, a imagem de si no discurso político alcança todos os
interlocutores da mesma forma. Ela depende de diversos fatores irrepetíveis,
situados no contexto de ocorrência do ato de comunicação.
A esse respeito, Charaudeau (2011) afirma que grandes acontecimentos
envolvendo, de alguma forma, personalidades políticas, como guerras ou crises
internacionais, podem gerar a construção de figuras simbólicas fortes, mas de pouca
durabilidade. Por outro lado, pequenos acontecimentos, mais frequentes e
relacionados ao cotidiano de uma determinada sociedade, contribuem para uma
sedimentação mais duradoura de certas características do indivíduo.
A construção do ethos no campo político só faz sentido se for voltada para o
público, já que o objetivo precípuo é a fusão de interesses e anseios entre as
instâncias política e cidadã. Para conquistar a adesão do interlocutor é importante,
então, que o enunciador busque se aproximar dos imaginários populares, mas esse
reconhecimento não é tão simples.
Quando não há uma imagem clara favorecida pelo povo, o político deve optar
pela conciliação de imagens opostas, com o fim de não adotar extremos e atingir o
maior número possível de interlocutores.
É frequente, no discurso político, que o ethos construído pelo enunciador se
aproxime de uma espécie de redentor dos problemas enfrentados pela comunidade
a que se destina. Para se chegar a essa imagem, Charaudeau (2011, p. 91) traça
um percurso muito empregado em discursos dessa natureza.
Primeiramente, o político menciona uma situação de desordem social, que o
cidadão reconhece como algo que faz parte do momento vivido pela sociedade ou
como uma desestabilização iminente da ordem. Em seguida, o enfoque do político
recai para a origem do mal, normalmente personificado em um adversário político ou
em uma situação adversa a ser combatida. Por último, ele introduz a solução
salvadora que o implica, necessariamente, como aquele que sabe como fazer para
que a desordem social seja sanada.
A construção do ethos também passa pela apresentação de valores da
instância política que coincidam com aqueles adotados pela instância cidadã. Não é
só com a escolha desses valores, contudo, que o político deve se preocupar. É
preciso estar atento, ainda, à forma como esses valores serão transmitidos ao
público. Charaudeau (2011, p. 97) destaca duas características primordiais para
esse projeto: condições de simplicidade e condições de argumentação.
34
As condições de simplicidade estão relacionadas à necessidade de ser
entendido por todos, considerando que o discurso político tem como alvo uma
massa de indivíduos heterogêneos quanto à classe social, nível de escolaridade,
conhecimento cultural etc. Assim, o político deve buscar evidenciar os valores que
estão no ponto de intersecção desses grupos distintos de maneira simples para que
possam ser assimilados pela maioria.
O autor acrescenta que, ao se adotar a estratégia da simplicidade, há,
inevitavelmente, alguma perda da verdade. E isso ocorre devido aos procedimentos
de singularização e essencialização.
A singularização consiste em que as ideias sejam transmitidas por partes,
uma de cada vez, visando a que o auditório possa perceber com clareza os
propósitos discursivos.
Já a essencialização ocorre quando os detalhes de uma ideia são reduzidos e
ela é, então, condensada em uma palavra ou expressão nominalizada. No Brasil,
expressões como “anistia”, “privatização” ou “apagão” trazem consigo cargas
expressivas que reduzem seu significado mais complexo a situações conhecidas do
povo.
Muitas vezes, a combinação entre a singularização e a essencialização no
discurso leva à cristalização de fórmulas que representam algum êxito na
persuasão. De tão repetidas, essas fórmulas já não exigem do interlocutor um
domínio maior sobre o processo mais complexo que há por trás delas e isso
aumenta o poder de atração do discurso, especialmente sobre as camadas da
sociedade com menor nível de instrução.
A outra condição citada por Charaudeau para uma defesa eficiente dos
valores refere-se às condições de argumentação. Elas comportam duas premissas
essenciais: um raciocínio casual simples e a força dos argumentos.
O raciocínio casual simples pode ser construído a partir de um método
principista ou também chamado de ético, em que uma finalidade é apresentada
como motivação para uma ação, ou também pode ser elaborada por meio de um
raciocínio pragmático, no qual se atrela uma consequência a uma ação esperada ou
rejeitada pelo fiador.
No primeiro caso, uma estrutura, como “Por um país melhor”, inserida no
contexto das eleições, direciona a ação ao voto, buscando gerar como princípio
motivador ou como finalidade a melhoria do país. A segunda estratégia poderia ser
35
representada pela frase “Pra acabar com a sujeira, se o assunto é eleição, não
podemos lavar as mãos”11, slogan presente na campanha do PDT, de 2010, em
Angra dos Reis. Neste caso, o que se pretende é demonstrar que não há outro
caminho a não ser o indicado: não negociar o voto, se o objetivo é acabar com a
corrupção.
Por sua vez, a força dos argumentos, como outra premissa relacionada às
condições de argumentação, corresponde a uma série de utilizações que reforçam
as ideias contidas no discurso. Serão tratados, aqui, apenas os argumentos que
dizem respeito ao discurso político.
Dentre essas estratégias, Charaudeau (2011, p. 102) cita os argumentos pela
força das crenças partilhadas, que consistem nas ideias apoiadas pelo povo e que,
por isso, são também defendidas pelo político; os argumentos pelo peso das
circunstâncias, que têm como base situações notórias na sociedade; os argumentos
pela vontade de agir, que se orientam pelo desejo de ação daquele que persuade;
os argumentos pelo risco, que, muitas vezes, representa uma ameaça caso não se
faça a devida escolha.
Há ainda os argumentos relacionados à autoridade de si ou de outro, que se
firmam na legitimidade ou credibilidade do enunciador ou de um terceiro ligado a ele;
os argumentos pela desqualificação do adversário, que pode ocorrer de forma direta
ou indireta; os argumentos por analogia, que buscam comparar situações,
normalmente do passado, e que servem de modelo para que não se repitam na
atualidade e os argumentos que se baseiam em metáforas e comparações, que,
mais adiante, serão objeto de aprofundamento desta pesquisa.
Charaudeau cita, ainda, o emprego de humor como um recurso da
argumentação. O autor destaca, entretanto, que essa utilização depende do público
a que se destina o discurso. Geralmente, o auditório espera seriedade de um político
e o excesso de humor pode representar uma característica negativa do ethos
mostrado. Sendo empregado de maneira equilibrada, o humor pode indicar virtudes,
como inteligência e espirituosidade, levando o político ao domínio de seu público.
Esses recursos argumentativos presentes no discurso podem auxiliar na
construção do ethos do enunciador. Cabe, então, um aprofundamento nas questões
11
Disponível em http://pdtangra12.blogspot.com.br/2010/10/ta-na-hora-cidadao-exercademocracia.html. Acesso em 13/05/2014.
36
que envolvem o conceito do ethos de acordo com o que Charaudeau defende a esse
respeito.
Nas palavras do autor:
[...], o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma
propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se
transveste o interlocutor a partir daquilo que diz. O ethos relaciona-se ao
cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele
que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê.
(CHARAUDEAU, 2011, p. 115)
No processo de construção do ethos, além desse duplo cruzamento de
olhares, destacado por Charaudeau, é preciso considerar ainda a associação entre
um ethos pré-discursivo e um ethos discursivo, ideia que vai ao encontro do que
Maingueneau também defende.
O quadro de Charaudeau, a respeito dos desdobramentos do sujeito no ato
de enunciação, ajuda a entender esse processo.
Considerando-se uma situação discursiva, o sujeito apresenta-se ao outro,
primeiramente, como um ser social. Essa identidade social é o que lhe garante
legitimidade para falar, dadas as circunstâncias que cercam a enunciação. A partir
disso, esse sujeito constrói, então, uma imagem de si que corresponde a uma
identidade discursiva. Logo, o ethos efetivo será o produto extraído da relação entre
duas identidades: uma, psicológica e social, e outra, discursiva.
Naturalmente, é importante destacar que esse processo de construção do
ethos por parte do enunciador é, no mais das vezes, inconsciente, orientado,
principalmente, pelas condições que lhe são impostas. Quando se trata de analisar o
discurso político, contudo, estratégias deliberadas tornam-se, muitas vezes,
evidentes, sendo necessário, portanto, considerá-las.
Outra questão que se deve levar em conta é o fato de que, sendo a
elaboração do ethos consciente ou não, nem sempre o ethos mostrado coincide com
o ethos percebido pelo interlocutor, o que também se observa com frequência no
discurso político.
Para evitar esse efeito, de acordo com Charaudeau (2011, p. 118), dois
conceitos devem ser observados, pois se relacionam a uma adesão maior ao ethos
construído nos discursos políticos. São eles: a credibilidade e a identificação.
37
A credibilidade é fundamental, porque não é possível conceber a figura de um
político sem que se creia em seu poder de fazer.
Já a identificação está intimamente ligada à pessoa do político. Para
conquistar a adesão a suas ideias, o sujeito precisa, antes, gerar um sentimento de
identificação do auditório com a sua pessoa.
2.5.2.1 Os ethé de credibilidade
Credibilidade e identificação são dois pilares que estarão presentes na
composição dos diferentes tipos de ethé. Assim, os ethé de credibilidade são
aqueles que primam por um discurso voltado à razão, já que é preciso crer no “poder
fazer” do sujeito. Os ethé de identificação, por sua vez, revelam um fundamento
baseado em um discurso afetivo.
As imagens relacionadas à credibilidade são construídas a partir da
identidade discursiva do enunciador e não da sua identidade social. Isso ocorre
porque, apesar das informações prévias a que o interlocutor possa ter acesso, para
parecer crível, é preciso que o locutor construa uma imagem direcionada a essa
qualidade. A identidade social não fala por si só nos discursos.
Dessa forma, para ser considerado crível, o sujeito precisa reunir três
características essenciais: condições de sinceridade, de performance e de eficácia.
As condições de sinceridade ou de transparência dizem respeito à
possibilidade de se verificar que o enunciador transmite uma imagem de alguém que
diz aquilo que efetivamente pensa.
As condições de performance são estabelecidas quando se pode constatar
que o sujeito detém os meios necessários para concretizar aquilo que enuncia.
Por último, as condições de eficácia realizam-se quando o que o locutor
anuncia e aplica realmente produz efeito positivo que beneficie o público.
Essas três condições, portanto, são atendidas pelo político quando ele
constrói para si um ethos de “sério”, de “virtuoso” e de “competente”.
O ethos de sério não pode ser dissociado do que se constitui como seriedade
para uma determinada comunidade, já que os valores são construtos do imaginário
coletivo, dependentes das representações culturais.
38
De uma maneira geral, entretanto, fazem parte da construção desse ethos
índices corporais, comportamentais e verbais. Os primeiros estão relacionados a
uma certa rigidez postural, pouca ou rara expressão sorridente.
Já os índices comportamentais demonstram que o político apresenta
autocontrole diante de críticas e problemas, empenho no alcance de metas e na
resolução de conflitos e capacidade de estar presente em todas as áreas da
administração política e social. Na vida privada, o respeito à família e o afastamento
de qualquer suspeita de infidelidade também correspondem a uma imagem de
seriedade.
Os índices verbais revelam um tom firme e equilibrado. A seleção vocabular é
simples e sem grandes efeitos oratórios. Em alguns casos, autodeclarações a
respeito das ideias que guiam o político também podem auxiliar na composição de
um ethos de sério.
Essa imagem pode gerar, contudo, um efeito negativo no público, se o limite
da seriedade for ultrapassado. Ao se mostrar austero, por exemplo, o político perde
a simpatia do auditório, o que estabelece uma distância entre as partes. A frieza e a
indiferença com os mais necessitados também podem ser fruto de uma imagem
excessivamente séria.
No que se refere às ideias defendidas, encontrar a justa medida é, mais uma
vez, uma demonstração de equilíbrio e seriedade. Se, em vez disso, o político faz
promessas utópicas ou declarações improváveis de serem concretizadas, correrá o
risco de não ser considerado uma pessoa séria, mas demagoga. Do contrário, a
consciência das suas próprias limitações e dos meios disponíveis para pôr em
prática um plano revela comprometimento e, portanto, um ethos de sério.
Os ethé de credibilidade são compostos ainda pelo ethos de virtude. Essa
imagem é construída pela demonstração de certas características, como sinceridade
e fidelidade, acrescidas de honestidade pessoal. Não estar envolvido em
escândalos, dizer o que pensa, tratar o adversário com lealdade, reconhecer os
próprios erros e valorizar, quando necessário, a opinião alheia são manifestações de
virtudes que levam à credibilidade.
A composição dessas figuras depende do tempo, já que se relacionam a
atributos mensuráveis a partir de variadas situações. Outras vezes, podem ser
transmitidas pela instância midiática, por meio de reportagens, entrevistas, debates.
39
Há que se considerar, ainda, a declaração de outras pessoas ligadas ao político e
que podem descrevê-lo com essas características.
O terceiro e último tipo de ethos que compõe as representações de
credibilidade é o ethos de competência. Nele, são exaltadas a sabedoria e a
habilidade do político, relacionadas a estudos, experiências acumuladas, domínio de
funções relacionadas à vida política etc. Nesse sentido, se a trajetória do político é
marcada por realizações positivas, muitas vezes, ela fala por si, o que deixa
adversários menos experientes em desvantagem.
2.5.2.2 Os ethé de identificação
Os ethé baseados na identificação entre a instância cidadã e a instância
política constroem-se por uma via distinta dos ethé de credibilidade. Em vez do uso
da razão, o apelo recai para a afetividade: “o cidadão, mediante um processo de
identificação irracional, funda sua identidade na do político.” (CHARAUDEAU, 2011,
p. 137).
Lidar com a emoção é adentrar um terreno incerto, em que os resultados não
são garantidos devido à heterogeneidade dos indivíduos que compõem a instância
cidadã. Diante disso, muitos políticos adotam imagens que exploram características
antitéticas, visando a uma maior adesão de seu público, sem que com isso pareçam
contraditórios.
São muitas as representações que se baseiam no afeto. Charaudeau destaca
como mais frequentes o ethos de potência, de caráter, de inteligência e de
humanidade. A esses ethé, ele atribui uma natureza de criação mais voltada ao
próprio político, visto que os ethé lhe potencializam o aspecto humano. Além desses,
acrescenta o ethos de chefe e o de solidariedade, como imagens orientadas para o
outro, já que há uma necessária relação entre o político chefe e o político solidário e
seu povo.
O ethos de potência relaciona-se a uma força oriunda de uma espécie de
energia interna que se concretiza no corpo. É, com frequência, associado à virilidade
sexual, não necessariamente explícita, mas essa característica o torna mais visível
em homens que em mulheres.
A exaltação do corpo, a realização de façanhas na vida pessoal, envolvendo o
físico, a manifestação da força, pelo tom da voz ou pelo teor agressivo das palavras
40
são expressões desse ethos. Na história, muitos políticos considerados populistas
adotaram imagens semelhantes a essas.
Há, contudo, versões mais suaves desse tipo de ethos. A obstinação em agir
e não permanecer apenas no campo teórico também revela um caráter de potência
do homem público.
O ethos de caráter é também relacionado a uma força, mas, desta vez, não
se trata de uma força corporal, e sim, do espírito. Charaudeau (2011, p. 140) cita a
vituperação como uma característica marcante desse ethos. Diferentemente da
explosão incontrolável que ocorre no ethos de potência, a vituperação é um brado
estrondoso, mas fruto de um julgamento da mente racional, que necessita ser
expresso com força.
A vituperação é uma marca recorrente em políticos ditos de personalidade
forte. Esse recurso, contudo, só deve ser utilizado quando o político já se encontra
em uma posição que o legitime a fazer isso. Caso contrário, o descontrole pode
tornar-se mais evidente que o próprio caráter enérgico.
Há também duas variantes presentes no ethos de caráter que são mais
frequentes em debates ou em críticas a adversários. São elas a provocação e a
polêmica. A primeira busca tão somente uma reação do outro, enquanto a última
consiste em um ataque direto à moralidade do adversário.
Quando essas estratégias são empregadas sem grandes excessos, podem
corroborar o caráter do político no sentido de reforçar sua imagem como alguém
que, justamente por ter caráter, não foge de assuntos polêmicos tampouco se
esquiva de dizer a verdade. Se, no entanto, os limites do insulto são ultrapassados,
o efeito é reverso.
Outra estratégia que faz parte da construção de uma imagem de caráter é a
advertência. Nesse caso, em vez de estabelecer uma polêmica direta, o sujeito
anuncia previamente sua posição e estabelece seus limites, destacando quais serão
os efeitos se eles forem transgredidos. Em caso de haver, de fato, uma transgressão
a esses limites, o político, então, precisa cumprir a advertência que fez. Do contrário,
corre o risco de perder seu prestígio diante da comunidade, uma vez que seu caráter
pode ser abalado.
O ethos de caráter pode ser expresso ainda por uma “força tranquila”. Essa
imagem é caracterizada pela confiança de quem trabalha e sabe que os resultados
surgirão com o tempo e com paciência. Também indica alguma aproximação com o
41
ethos de chefe, pois representa uma força protetora de alguém que vai à frente,
guiando o povo, com caráter e determinação. O controle de si auxilia nessa
construção e revela um sujeito que planeja o futuro, que não se deixa levar por
impulsos e que busca avaliar os aspectos positivos e negativos em qualquer
situação.
Outros atributos presentes no ethos de caráter são: a coragem de enfrentar
os problemas que envolvem a administração da vida política; o orgulho – na justa
medida –, pois ele demonstra a ambição de um “querer fazer”; a firmeza na
expressão de suas opiniões e de suas atitudes e, finalmente, a moderação como
imagem de um bom conciliador na política.
O ethos de inteligência, como mais um que corresponde ao conjunto dos ethé
de identificação, é aí inserido por gerar uma imagem apreciável aos olhos do
público. A inteligência pode ser apreendida não só pela capacidade do político de
gerir bem as funções relacionadas a seu cargo, mas também por suas atitudes na
vida privada.
Dessa forma, dois pilares devem estar presentes na construção dessa
imagem, de acordo com Charaudeau (2011): o nível cultural e a associação entre a
astúcia e a malícia.
O primeiro diz respeito ao capital cultural acumulado pelo político. Sua
formação, sua presença em manifestações artísticas, em exposições ou em
programas culturais contribuem para uma figura intelectual.
O segundo relaciona-se à combinação de astúcia e malícia para entrar no
jogo político. A astúcia é empregada quando se faz necessário camuflar
determinadas intenções a fim de realizar projetos importantes. Já a malícia permite
ao político antever situações que lhe podem ser prejudiciais e escolher caminhos
alternativos,
nem
sempre
transparentes,
para
chegar
ao
bem
comum.
Evidentemente que, se a astúcia e a malícia revelarem dissimulação e trapaça para
benefício pessoal, comprometerão a imagem política do sujeito.
Além desses ethé, Charaudeau (2011) menciona também o ethos de
humanidade, que identifica o político como alguém que tem sentimentos, que
apresenta compaixão pelos sofredores, que admite suas fraquezas e seus gostos,
mesmo na vida particular. É um ethos que aproxima o povo à natureza humana do
político.
42
A questão de transparecer sentimentos deve ser muito bem administrada pelo
político. Se o faz com frequência, pode ser considerado uma pessoa fraca; se esses
momentos são raros, passa por insensível diante das dores dos desafortunados. É
preciso que os sentimentos surjam em ocasiões específicas, como em situações de
catástrofe, acidentes, cerimônias de memória aos mortos etc.
Igualmente delicada é a estratégia da confissão para compor um ethos de
humanidade. Admitir falhas e reconhecer, por exemplo, que poderia ter feito mais e
melhor na atuação política são símbolos de honestidade, humildade e, portanto, de
humanidade. Essa imagem não pode estar dissociada de um ethos de coragem e de
determinação para se fazer o que não foi possível. Na verdade, para ter a confissão
como um ponto positivo na construção do ethos, o político precisa deixar claro que
suas falhas ou lacunas na atuação pública se devem mais a fatores externos
incontroláveis do que a sua capacidade ou vontade.
As preferências na vida particular e os hábitos que fazem parte da intimidade
do político são, por fim, elementos que o tornam mais humano aos olhos do povo.
Não é necessário, contudo, que o sujeito se exponha demais. Ao participar de
programas de televisão, de eventos ou de entrevistas que não se relacionem ao seu
campo de trabalho, o político revela um pouco mais sobre sua vida e seus gostos.
Isso facilita o processo de identificação da instância cidadã com a instância política,
por intermédio, muitas vezes, da instância midiática.
O próximo ethos volta-se para o político e para o cidadão ao mesmo tempo.
Trata-se do ethos de chefe. Nas palavras de Charaudeau (2011, p. 153), essa
reciprocidade é justificada, porque “o político deve sua posição ao povo e a ele deve
prestar contas.”.
O ethos de chefe pode ser expresso por meio de diversas figuras.
Charaudeau cita as representações de guia, de soberano e de comandante como as
mais frequentes.
O guia supremo é uma figura que surge da necessidade do povo de ter um
líder que lhe indique o caminho a seguir. Esse guia pode ser oriundo do povo ou
exterior a ele. Se o líder vem do povo, é, então, uma entidade física com traços que
o aproximam de um herói. Se, contudo, esse líder não pertence ao povo, passa a
ser uma entidade abstrata que conhece os caminhos e o futuro, bem como os meios
de se alcançar a salvação eterna. Apesar dessa natureza abstrata, esse tipo de líder
43
exige uma figurativização que pode ser construída pelas figuras do guia-pastor e do
guia-profeta.
O guia-pastor lembra a imagem do pastor que conduz seu rebanho de
maneira tranquila e constante, sempre sabendo aonde vai. Na política, corresponde
a líderes sábios, normalmente mais introspectivos, nos quais o povo deposita sua
confiança.
O guia-profeta é semelhante ao guia-pastor, mas enquanto este permanece
ligado às questões presentes, aquele é o redentor do passado e se volta para o
futuro. A palavra é elemento de força para o guia-profeta, que usa sua voz para
conclamar o povo a segui-lo. Ele é, muitas vezes, um representante do divino na
terra.
O ethos de chefe-soberano é aquele que, por um lado, exalta os mesmos
valores do povo e a eles se funde, como uma “encarnação” do abstrato, e por outro
lado, está acima de conflitos pequenos, oriundos da instância adversária. Por ser
soberano e, portanto, um líder superior, corre o risco de ser considerado alheio às
necessidades do povo. Isso pode ser convertido em virtude se o político,
demonstrando grandiosidade, não se esquiva de participar do cotidiano dos
cidadãos.
O chefe-comandante apresenta uma imagem mais radical que as demais,
pois esse tipo de líder adota uma figura autoritária e, por vezes, agressiva.
Relaciona-se com a representação de um senhor da guerra e costuma distinguir o
bem do mal, indicando os caminhos para vencer o que ele considera como mal.
Muitos líderes que se orientavam por essa imagem foram considerados
populistas. Segundo Charaudeau (2011, p. 160): “essa imagem é destinada a
arrastar todo um povo atrás de si [do político], em direção à sua salvação.”.
A última imagem mencionada pelo autor é o ethos de solidariedade. Muito
confundido com o ethos de humanidade, a figura solidária distingue-se por um estar
em relação de igualdade e reciprocidade com os cidadãos, especialmente aqueles
que sofrem. Ao mesmo tempo em que o político se solidariza com os problemas de
sua comunidade, também se considera responsável por eles e busca, assim, uma
solução para o bem coletivo.
A compaixão, presente no ethos de humanidade, não deve ser tomada como
característica pertencente também ao ethos de solidariedade. Sentir compaixão é
estar em uma relação de superioridade com aqueles que passam por dificuldades. O
44
ethos de solidariedade pressupõe que o político carregue as dores e sofrimentos de
seu povo a partir do lugar dos próprios cidadãos, sem distanciamentos.
A solidariedade ocorre ainda quando as mesmas crenças, decisões e ideais
são partilhados por um grupo e pelo político. A cautela que se deve ter é,
justamente, delimitar a quais grupos se solidarizar. Normalmente, o político busca
assumir valores de grupos distintos para alcançar o maior número possível de
adesão a suas propostas, desde que não sejam valores antagônicos. Para tanto, é
preciso construir uma identidade com esses grupos, que também seja reconhecida
como sua.
A imagem de pessoa solidária conta também com a capacidade de o político
mostrar-se consciente das suas responsabilidades. Do contrário, seria apenas um
demagogo que finge estar em sintonia com os anseios dos cidadãos, mas nada faz
para atendê-los.
Outro caminho que revela um sujeito solidário é o saber ouvir. Quando a
instância política se predispõe a ouvir a instância cidadã, solidariza-se com suas
ideias e, dessa forma, legitima o ser do outro a partir da própria legitimidade que lhe
foi conferida outrora.
A busca pela fusão da identidade do interlocutor com a do locutor pode seguir
diversas estratégias. A seção seguinte apresentará as contribuições de Ruth
Amossy no que diz respeito ao estudo da argumentação no discurso.
2.6 A argumentação na Análise do Discurso e as modalidades argumentativas
de Amossy
Refletir sobre a enunciação e o jogo de influências que há entre os
interlocutores envolve também a necessidade de pensar nas formas de
concretização dessas atividades discursivas. A esse respeito, Ruth Amossy (2007,
2008) desenvolve a tese de que a argumentação está sempre presente em qualquer
situação enunciativa, já que, direta ou indiretamente, influências são sempre
partilhadas nas trocas linguageiras.
Evidentemente, há diferenças entre os discursos que são, por sua natureza,
orientados para a argumentação, como o discurso político e o publicitário, e outros
que apenas dispõem de uma dimensão argumentativa, como as notícias, os textos
de ficção etc.
45
A argumentação, na visão da autora, estaria inscrita na inter-relação entre o
ethos, o logos e o pathos construídos no discurso, sob a influência dos aspectos
social e linguístico.
Isso significa dizer que, sendo explícita ou implícita, a argumentação é
dependente: do ethos do locutor, construído nas trocas verbais; do pathos, ou seja,
da imagem que o orador constrói do público, e consequentemente, dos efeitos
produzidos no auditório; por último, do logos, como o raciocínio em que repousa a
razão. Essa teia de relações é formada pela orientação da cena genérica, que é
responsável pela distribuição dos papéis na enunciação, conforme define
Maingueneau (2004).
O direcionamento da argumentação é, então, orientado por três fatores:
“Pode-se, assim, considerar a argumentação na materialidade linguageira e no
espaço social, cultural e institucional, que lhe conferem sua densidade e sua
complexidade.” (AMOSSY, 2007, p. 133). Esse conjunto de influências está presente
no que a autora chama de modalidades argumentativas – categorias responsáveis
por modelar o discurso, independentemente do gênero de que ele faça parte, o que
contribui para a persuasão do interlocutor.
Assim,
Amossy
(2008,
p.
233
–
237)
lista
algumas
modalidades
argumentativas que são mais comuns, sem pretender esgotar esse campo. São
elas: modalidade demonstrativa, patética, pedagógica, de co-construção, negociada
e polêmica.
Essas modalidades são espécies de paradigmas nas trocas verbais no que se
refere à argumentação, isto é, são maneiras de persuadir. Entre elas, há em comum
alguns princípios, como: o direcionamento estrutural da troca argumentativa, ou seja,
a delimitação dos papéis na enunciação; o modo pelo qual a atividade argumentativa
será conduzida (modo racional, agressivo, emotivo etc.); e a forma como o
interlocutor será considerado na enunciação.
Dentro
dessa
perspectiva,
encontra-se
a
primeira
modalidade,
a
demonstrativa. O discurso, nesse caso, pode ser monodialogal ou dialogal e
consiste em uma tentativa de persuasão por meio de estratégias racionais, apoiadas
em provas. É comum que essa modalidade seja empregada em gêneros como o
discurso parlamentar, o ensaio filosófico, o editorial, o artigo científico, o debate de
ideias etc.
46
Já a modalidade patética corresponde a um discurso que emprega o apelo na
defesa de um ponto de vista, na tentativa de emocionar o interlocutor. Assim, essa
modalidade se opõe, diretamente, à modalidade demonstrativa, já que o recurso que
a orienta é a manipulação de sentimentos do auditório. Frequentemente, surge em
pedidos à ajuda humanitária, em defesas perante os jurados, no discurso lírico ou no
próprio discurso político.
A modalidade pedagógica equivale a uma troca argumentativa em que os
parceiros ocupam posições assimétricas em relação a um saber. Dessa maneira, o
locutor direciona seu público a uma reflexão sobre esse saber que apenas ele, na
condição de fiador, detém. Essa estratégia presente na modalidade pedagógica é
comum em manuais escolares, na literatura infantil, em romances de tese etc.
Por sua vez, a modalidade de co-construção baseia-se na elaboração
conjunta de soluções para problemas afins entre as partes que compõem esse
conjunto. Tem certa frequência em reuniões profissionais, na conversa familiar, no
debate em que se tenha de resolver um problema em união.
A modalidade negociada apresenta alguma semelhança com a modalidade de
co-construção. Sua diferença, entretanto, está no papel que os interlocutores
exercem na situação comunicativa. Na modalidade negociada, as partes envolvidas
na enunciação ocupam posições divergentes, mas se unem em busca da solução
para um problema em comum e para o estabelecimento de um compromisso. Essa
categoria pode ser identificada em trocas diplomáticas, nas conversas familiares, em
negociações comerciais.
Por último, a modalidade polêmica se realiza quando o discurso apresenta
teses opostas, de instâncias adversárias que se atacam, buscando, ou a adesão do
outro ou a de um terceiro. É comum entre os gêneros panfleto, controvérsia
filosófica, debate político.
Ainda que essas modalidades argumentativas sejam mais frequentes em
determinados gêneros do discurso do que em outros, há nelas uma grande
flexibilidade para permearem qualquer discurso a depender da cena enunciativa.
O discurso político pode encaixar-se em diversas circunstâncias e, dessa
forma, lançar mão do uso de quaisquer dessas modalidades argumentativas. Com o
auxílio dessas estratégias, será possível distribuir os papéis no dispositivo
enunciativo, selecionar a melhor maneira para o tom argumentativo e determinar
como o alocutário será definido nessa troca argumentativa.
47
Amossy (2008) destaca a importância de não se confundir a modalidade
argumentativa com o registro discursivo que a concretiza. Ambos são categorias
complementares, mas a primeira corresponde à maneira como pode ocorrer a
argumentação, enquanto o segundo transmite o tom12 dessa atividade persuasiva.
Os termos “registro” e “tom” podem assumir inúmeros sentidos a depender do
contexto. Vale ressaltar o ponto de vista da autora a esse respeito:
A noção de registro discursivo não toma aqui sentido a não ser na sua
complementaridade com a noção de modalidade argumentativa; ela permite
designar um tom particular mobilizado, nesse quadro, para assegurar o
sucesso da fala persuasiva. (AMOSSY, 2008, p. 239)
O tom, portanto, é aquele que o discurso adquire quando toma forma a partir
dos objetivos do locutor. Note-se o humor, por exemplo, como um registro discursivo
que pode auxiliar na força da fala em diversas modalidades argumentativas.
A complementaridade existente entre a modalidade argumentativa e o registro
discursivo concretiza-se de diversas formas. É o que acontece, por exemplo, com a
modalidade patética, que pode apresentar-se a partir de um tom emocional – o que
corresponde ao registro discursivo – e, simultaneamente, a uma maneira de
argumentar
guiada
pelo
pathos,
configurando,
assim,
uma
modalidade
argumentativa.
É importante ressaltar que a modalidade patética nem sempre contará com
um registro discursivo de tom emocional. Nesse sentido, conceber um discurso
patético que leve o auditório à emoção, por meio de outro tom que não o emocional,
é possível. Segundo Amossy (2008, p. 240): “Um discurso factual, uma escrita
neutra pode obter a adesão do público, provocando a compaixão ou a indignação
melhor do que faria uma fala patética.”.
Ao explorar as noções de modalidade argumentativa e registro discursivo
como elementos complementares, é possível, portanto, chegar a uma análise do
discurso argumentativo que considera não só o gênero empregado, mas também as
inúmeras possibilidades de persuadir dentro daquele gênero, combinadas a outras
tantas escolhas de tons possíveis a partir da enunciação.
A atividade argumentativa conta com diversas estratégias. Muitas metáforas
também auxiliam nesse projeto e podem ser de grande valia no discurso político. A
12
Amossy apresenta uma visão de tom muito aproximada da concepção de Maingueneau (1997), já
detalhada neste trabalho.
48
seguir, será apresentado, brevemente, o ponto de vista de Lakoff e Johnson sobre
esse assunto, que também é importante para esta pesquisa.
2.7 A importância da metáfora para a construção do sentido
Refletir sobre a construção de metáforas é, inevitavelmente, buscar
embasamento no trabalho relevante da Linguística Cognitiva a respeito desse
assunto. Apesar de esta pesquisa ter como norte os estudos da Semiolinguística, de
Patrick Charaudeau, de modo particular, procurará respostas para análise de seu
corpus também na teoria de Lakoff e Johnson, já que os autores são referências
para os estudos sobre as metáforas.
No fim da década de 70, George Lakoff e Mark Johnson (1980)
desenvolveram pesquisas para demonstrar que a metáfora não era um processo
periférico em relação ao sentido. Até então, boa parte dos estudos acreditava na
oposição entre sentido literal e sentido figurado, e a metáfora estaria relegada aos
casos em que se empregava o figurado, principalmente, em se tratando de textos
poéticos.
Os autores, então, desenvolveram a noção de que a metáfora é um processo
cognitivo que faz parte da vida cotidiana das pessoas e não se restringe à
linguagem, mas está relacionada aos pensamentos e às ações humanas.
Conforme Neves (2006, p. 40), isso quer dizer que “O pensamento é
corporificado e advém da nossa experiência corpórea”. Seguindo essa lógica, as
experiências
vivenciadas
pelos
seres
humanos
podem,
por
vezes,
ser
compreendidas como entidades ou substâncias e, dessa forma, é possível tornar o
que é abstrato em algo que se possa categorizar, agrupar, quantificar.
Os falantes têm necessidade de uma noção concreta das coisas em geral.
Assim, mesmo quando não existe claramente uma delimitação de um conceito,
costuma-se categorizá-lo por meio de uma associação com objetos físicos ou ideias
mais “palpáveis”, mais próximas da realidade cotidiana.
Dessa forma, Lakoff (2006, p. 185 - 186) afirma que a metáfora é um
processo que, por meio de comparações, aproxima conceitos abstratos, como
tempo, mudança, causa, a situações concretas do dia-a-dia. A partir dessa ideia, é
possível perceber a centralidade da metáfora no pensamento humano, já que,
49
cotidianamente, os indivíduos deparam-se com situações em que precisam criar
associações.
É importante que não se confunda metáfora com expressão linguística
metafórica. Enquanto a primeira se refere ao processo cognitivo de mapeamento de
domínios no sistema conceptual, a segunda consiste na palavra, frase ou sentença
como realização física de uma metáfora. Nas palavras de Lakoff (2006, p. 192):
“Metáfora, como um fenômeno, envolve tanto os mapeamentos conceituais quanto
expressões linguísticas individuais.”13.
Seguindo essa perspectiva, o autor acrescenta que, no processo metafórico
como um todo, as ideias ou significados correspondem a objetos, ao passo que as
expressões linguísticas equivalem a recipientes ou containers. Com essa
concepção, o autor pretende demonstrar que uma mesma metáfora pode se realizar,
linguisticamente, de inúmeras formas, conservando seu sentido, ao mesmo tempo
em que um recipiente – expressão linguística – pode conter diferentes objetos –
ideias, metáforas – em contextos distintos.
Nas palavras de Neves (2006, p. 42), esse esquema pode ser entendido
como “um elemento contido em um espaço delimitado por barreiras definidas. Sua
lógica básica conta com a ideia de dentro-fora.”.
Lakoff (2006, p. 190) aprofunda esse conceito e defende que a metáfora pode
ser compreendida como um mapeamento ou um conjunto de correspondências
conceituais que partem de um domínio fonte – uma situação concreta – em direção
a um domínio alvo – uma situação abstrata.
Para explicar melhor esse processo, o autor utiliza-se da metáfora “Love is a
journey”. Assim, ao considerar que o amor é uma viagem, o domínio fonte, ou seja, o
ponto de partida do raciocínio, equivale à ideia concreta, a viagem. Tomando como
base esse domínio fonte, ocorre, então, uma comparação com o amor, o domínio
alvo, conceito abstrato que se desejava, efetivamente, construir. O amor, portanto, é
o ponto de chegada, o alvo da metáfora.
Cançado (2008, p. 101) ressalta que, apesar da crença de que a metáfora é
uma comparação simétrica entre dois conceitos, o que há, de fato, é uma assimetria,
em que ocorre uma transferência unilateral de propriedades da fonte em direção ao
alvo, e não o contrário. Note-se que, no exemplo de Lakoff, as características do
Livre tradução do original: “Metaphor, as a phenomenon, involves both conceptual mappings and
individual linguistic expressions.” (LAKOFF, 2006, p. 192).
13
50
conceito envolvendo a viagem são transmitidas para o conceito do amor, mas não
se pode afirmar que o amor transfira suas propriedades para a viagem.
Naturalmente, o sistema conceptual metafórico é formado de acordo com a
vivência em sociedade de cada indivíduo. Assim, além da experiência particular da
pessoa e do modo como ela se relaciona com os outros, a cultura também
corresponde a um fator essencial para que as metáforas possam ser utilizadas e
compreendidas no cotidiano.
Lakoff e Johnson (1980, p. 15) denominam metáforas de orientação aquelas
relacionadas,
principalmente,
a
orientações
espaciais
e
provenientes
de
experiências físicas. Assim, conceitos abstratos, como felicidade, saúde e bondade,
seriam conceitos voltados para o alto ou para cima, assumindo uma conotação
positiva, enquanto tristeza, doença e maldade seriam direcionadas para baixo, como
ideias negativas, segundo os autores.
Na verdade, muitas metáforas de orientação são compartilhadas por
diferentes sociedades. O fator cultural, entretanto, pode fazer com que haja alguma
variação no seu emprego, o que revela a importância desse aspecto no processo de
construção das metáforas.
Dessa forma, os dois pilares de construção de uma metáfora, isto é, o
domínio fonte e o domínio alvo, são interligados a partir de uma base experiencial
que deve ser dominada por ambos os interlocutores. Sendo assim, é preciso que o
locutor, ao elaborar uma metáfora, tenha ciência de que seu interlocutor domina a
base experiencial que une os dois domínios. Do contrário, o entendimento ficará
comprometido.
O processo que envolve a construção de metáforas, portanto, obedece a
fatores internos e externos ao indivíduo. Ao selecionar uma determinada metáfora
em uma situação comunicativa, o locutor precisa refletir a respeito do efeito que
deseja gerar em seu interlocutor e se conseguirá se fazer entender. Como seres
argumentativos por natureza, o homem tem na metáfora um recurso importante para
a persuasão.
Isso pode ser especialmente útil quando o sujeito busca transmitir seu ponto
de vista sobre ideias complexas para interlocutores que não partilham do mesmo
conhecimento, o que ocorre com frequência no discurso político.
Assim, buscou-se traçar, nesta seção, um panorama das principais correntes
teóricas em que se baseia a presente pesquisa. O próximo capítulo destacará os
51
momentos mais importantes da vida pessoal e política do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, a fim de que se possam compreender as origens da formação de sua
imagem popular.
52
3 A HISTÓRIA DE UM EX-PRESIDENTE
3.1 Lula: trajetória de vida e percurso político
Para compreender a intensidade da contribuição do ethos prévio ou prédiscursivo (AMOSSY, 2013; CHARAUDEAU, 2011; MAINGUENEAU, 2008) na
construção do ethos discursivo do ex-presidente Lula, é relevante para esta
pesquisa uma abordagem dos principais momentos da vida do político, desde a sua
origem humilde até sua chegada ao PT e à Presidência da República.
3.1.1 Do agreste para o Brasil
Na tarde de 27 de outubro de 1945, em Caetés, cidade pernambucana de
Garanhuns, nasce Luiz Inácio da Silva, filho de Lindu e Aristides. O parto, realizado
em casa, não contou com a presença do pai, que havia abandonado a família – a
esposa já grávida de Lula e mais cinco filhos – para viver com uma prima de Lindu,
então chamada para ajudar nas tarefas da casa.
A situação da família, que com o pai já era difícil, ficou ainda mais restrita
após sua ausência. Segundo Denise Paraná (2010), jornalista que pesquisou
minuciosamente a vida de Lula, a família passou a viver da ajuda de parentes.
Quando Lula estava com cinco anos, seu pai retornou de Santos para rever a
família. Ali, permaneceu por pouco tempo, o suficiente para engravidar novamente a
esposa. Na hora da partida, levou consigo os dois filhos mais velhos para trabalhar.
De Santos, o pai enviava algumas cartas à família, informando como estava a
vida, normalmente, notícias desanimadoras. Em uma dessas cartas, escrita pelo
filho Jaime, o pai desejava dizer que a vida estava difícil no sul, mas, em vez disso,
Jaime, passando-se por Aristides, pediu que Lindu vendesse tudo no nordeste e
fosse viver com eles em São Paulo, porque lá a vida era melhor.
Assim, Lindu, junto a seus filhos que restavam, dentre eles, Lula, vendeu o
pouco que tinha e comprou passagens para o próximo pau de arara em direção a
São Paulo. Após 13 dias e 13 noites de viagem, a família chega ao endereço de
Aristides, que não disfarça a surpresa causada por aquele momento.
53
A família instalou-se na casa onde Aristides vivia com Mocinha, a prima de
Lindu, e a segunda esposa mudou-se para a casa de um compadre. Aristides
passou, então, a sustentar suas duas famílias e, para ajudar nas despesas, Lula,
assim como seus irmãos, teve de trabalhar.
Inicialmente, antes dos oitos anos de idade, o menino Luiz Inácio vendia
amendoim, tapioca e laranja, mas, por ter vergonha de gritar o nome de suas
mercadorias, passou, rapidamente, a engraxate.
Segundo Paraná (2010), naquela época, Aristides bebia cada vez mais e
tornava-se violento com a família. Proibira os filhos de estudar, mas Lindu mandava
os meninos à escola sem o pai saber. Certa tarde, Aristides chegou bêbado a sua
casa e viu um dos irmãos de Lula vestido com um uniforme escolar. Descontrolado,
o pai bateu no menino com uma mangueira e até mesmo em Lula, que não estava
envolvido na situação. Sua mãe se posicionou na frente das crianças e também foi
agredida, o que se tornou o estopim para o fim de sua relação com Aristides.
Lindu e seus filhos mudaram-se para a Grande São Paulo e, sozinhos,
conviveram com problemas diferentes daqueles do sertão nordestino. A casa
humilde na periferia era alagada constantemente, fazendo com que a família
perdesse móveis e objetos conquistados com dificuldade.
Aos poucos, a família ia se adaptando à nova realidade da cidade grande.
Lula deixou a vida de engraxate para ajudar nas entregas de roupas de uma
tinturaria. Seu primeiro emprego formal, contudo, foi o de telefonista em uma fábrica
de persianas. Sua timidez era um empecilho ao sucesso e, rapidamente, foi demitido
do cargo.
Em 1960, com 15 anos, Lula viu uma oportunidade de crescimento
profissional em um curso de torneiro mecânico oferecido pelo Senai. Após três anos,
o filho de Lindu receberia seu diploma, sendo o primeiro filho a ter uma profissão.
Meses
após
se
profissionalizar,
Lula
foi
empregado
pela
Fábrica
Independência. Após o parafuso de uma máquina desgastada quebrar, o torneiro
mecânico teve seu dedo mínimo decepado. O jovem recebeu uma indenização pelo
ocorrido, que foi utilizada na compra de móveis e roupas para a família.
A vida de Lula seguia seu curso de acordo com as oportunidades. Ora
conseguia emprego nas fábricas, ora estava em busca de alguma vaga. Quando
tinha tempo, sua grande paixão era o futebol. Gostava de jogar com os amigos e de
acompanhar os jogos do seu time de coração, o Corinthians. Uma proposta de seu
54
irmão, Frei Chico, no entanto, fez com que Lula dividisse seu tempo com outro
assunto: a participação no sindicato dos metalúrgicos.
Após casar-se com a irmã de um de seus melhores amigos, Lula tornou-se
viúvo com 22 anos, o que o levou à depressão por três anos. A saída para aquele
período de sofrimento estava no engajamento na luta sindical.
Já mais fortalecido, Lula casou-se novamente, desta vez com Marisa, sua
atual esposa, que, à época, já o apoiava no sindicalismo.
A imersão de Lula na realidade política dos movimentos sindicais intensificouse tanto que em 1975 foi indicado e eleito presidente do sindicato dos metalúrgicos
de São Bernardo e Diadema com 92% dos votos (PARANÁ, 2010, p. 53). O
expressivo apoio da maioria não surgiu por acaso: Lula mantinha boas relações com
diferentes partidos dentro do movimento, característica que o acompanhará também
no governo.
Com a Ditadura Militar, Lula tornou suas críticas mais duras ao governo.
Mobilizou greves históricas dos operários das fábricas ao final da década de 70 e
sofreu perseguições de militares até ser preso em 1980. A oposição ao regime
culminaria, inevitavelmente, na criação de um partido político – o Partido dos
Trabalhadores.
3.1.2 A presença de Lula no Partido dos Trabalhadores
Fundado em 10 de fevereiro de 1980, o Partido dos Trabalhadores, então
liderado por Lula, surgiu a partir do cenário de desencanto político oriundo do regime
militar e da articulação com os setores sindicais e com as CEBS – Comunidades
Eclesiais de Base da Igreja Católica. Frei Betto, amigo e companheiro de Lula na
militância desse período, afirma que a ideia de fundar um partido surgiu a partir de
um questionamento do ex-metalúrgico: “Por que trabalhador não elege trabalhador?”
(BETTO, 2006, p. 57).
A relação entre os movimentos sindicalistas e o partido de esquerda tem
razões sociais. Na década de 80, as greves do ABC paulista revelaram uma forte
mobilização sindical sobre os trabalhadores que apoiaram os movimentos. A luta
contra a opressão dos trabalhadores era identificada, politicamente, com os ideais
da escola de Marx.
55
O sociólogo Ruy Braga (2012, p. 57), apoiando-se nas ideias de Leôncio
Martins Rodrigues, afirma que é o sentimento de inépcia que faz com que esse
grupo de trabalhadores se aproxime de lideranças carismáticas populistas. Isso
ocorre porque esses operários, por não terem condições de se auto-organizar,
passam a buscar benefícios individuais a partir da proteção trabalhista. Nas palavras
do autor:
[...] o populismo emergiria aos olhos das massas precarizadas,
desorganizadas e carentes de tradições associativas como a única forma
possível de participação – ainda que marcadamente passiva e realizada por
intermédio de um sucedâneo do sindicato, isto é, o líder carismático – na
vida política nacional. (BRAGA, 2012, p. 57)
Dessa forma, nota-se que esses trabalhadores buscavam, no apoio às
greves, mecanismos de melhorias de vida, não compreendendo, portanto, o
processo mais profundo de exploração do trabalho. Sua cooptação ocorria graças às
lideranças sindicais populistas que, pelo discurso, angariavam adeptos aos
movimentos. Um desses líderes era Lula.
Após sua criação, o PT estreitava consideravelmente sua relação com a
parcela mais pobre da população. Isso significa dizer que sua ideologia em favor dos
desprestigiados da sociedade se mantinha e se expandia, inclusive, para além dos
setores sindicais.
Nesse sentido, o trabalho de campo do partido se estendia não só às áreas
industriais como também era ampliado para a região nordeste do país, já em 1989.
Não por acaso, será daquela região que Lula receberá grande apoio para a sua
reeleição em 2006.
Apesar dessa tentativa de aproximação, o voto dos mais pobres não veio na
primeira eleição disputada por Lula, contra Collor. Segundo Singer (2012), o apoio
popular dos eleitores com menor renda e escolaridade permanecia com a direita,
neste caso, identificada com Collor e com suas propostas políticas assistencialistas
e de implantação da ordem ao caos econômico surgido durante o governo Sarney.
Mesmo diante do impeachment de Collor, as duas eleições seguintes
mantiveram praticamente o mesmo panorama de 89: Lula continuava com o apoio
dos estudantes, dos assalariados com escolaridade secundária ou superior e dos
funcionários públicos, grupos de intelectuais que se identificavam com a esquerda.
56
Em 1994 e 1998, seria a vez de Fernando Henrique Cardoso manter na
população com menos renda a aversão ao PT e incutir-lhe os discursos antiesquerdistas que demonstravam ser o partido do ex-metalúrgico uma organização
radical, incapaz de lidar com a crise financeira internacional que ameaçava a
estabilidade da economia do país.
Dessa forma, as três derrotas do PT revelam o cenário de um país que
possuía, em suas bases, empecilhos históricos para a chegada ao poder de um
partido socialista.
Assim, buscando definitivamente o êxito esperado desde as eleições de 1989,
o PT passa a considerar o estabelecimento de alianças com outros partidos para
reforçar a imagem de seu candidato à presidência. Não que antes não as tivesse
feito, mas agora já não importava a ideologia do partido aliado. O objetivo era
angariar votos.
À época das eleições de 2002, uma propaganda polêmica, veiculada pelo
PSDB, contava com a participação da atriz Regina Duarte para estimular ainda mais
o medo e a insegurança em torno da possível vitória de Lula14. A atriz afirmava que,
naquela eleição, o país corria o risco de perder toda a estabilidade conquistada.
Regina Duarte dirigia-se não só a toda a nação, mas, especificamente, aos
setores econômicos da sociedade, como empresários, comerciantes, pessoas que
compreendiam o que representava a estabilidade naquele contexto.
Com o aumento crescente da preferência dos eleitores por Lula em 2002, o
medo dos investidores fez subir o Risco Brasil. Se havia uma política de imposição
do medo, esse sentimento teria uma raiz, um fundamento. E essa razão estava na
ideologia de esquerda do PT e em suas propostas de mudança desde a sua
fundação.
Referindo-se a esse aspecto, Regina Duarte afirma na propaganda:
Nós temos dois candidatos à presidência: um eu conheço, é o Serra, é o
homem dos genéricos, do combate a AIDS; o outro, eu achava que
conhecia, mas hoje eu não conheço mais. Tudo o que ele dizia mudou
muito! Isso dá medo na gente.
14
A propaganda encontra-se disponível no endereço eletrônico:
<http://www.youtube.com/watch?v=DEeNSkXn5mY> Acesso em 30/08/2013.
57
Nesse trecho, a tentativa é a de demonstrar para o eleitor que, no passado,
Lula era muito diferente dessa nova imagem que estava sendo mostrada nas
propagandas, o que poderia ser apenas uma estratégia para enganar o eleitorado.
Dessa forma, o PSDB baseava sua propaganda na imagem já conhecida de
Lula: um homem carrancudo, de voz imponente, por vezes agressiva, como nas
propagandas políticas de 1989, o que correspondia a um ethos de revolucionário,
alguém que não inspirava confiança devido à falta de estabilidade.
A divulgação da Carta ao Povo Brasileiro foi uma resposta ao medo do novo e
à incerteza da esquerda no poder que assolavam alguns setores da sociedade. A
carta era uma forma de acalmar os mercados financeiros, afirmando que o candidato
petista não faria revoluções na administração do país e ainda daria segmento às
políticas econômicas de seu antecessor, apoiando as empresas, a tecnologia e o
capital estrangeiro e, principalmente, não rompendo contratos ou regras já
estabelecidas.
Para sagrar-se vitorioso, o PT precisou, ainda, contar com uma grandiosa
empreitada de marketing, que, alheia a partidos, tratou também de desideologizar o
PT original, buscando, acima de tudo, proporcionar uma imagem “comprável” por
todos os eleitores.
Com as intervenções do publicitário Duda Mendonça, um novo Lula surgiria,
este a quem Regina Duarte afirmava desconhecer: discurso sereno, Lulinha paz e
amor, vindo do povo e experiente o suficiente para conduzir a o país de maneira
ordeira e gradativa.
O ritmo ditado pela campanha de 2002 é muito bem resumido por Frei Betto:
A tática eleitoral deu certo. Trouxe para o eleitorado de Lula setores da
população que, antes, o encaravam pela ótica do preconceito. Ampliou o
arco de apoios na esfera partidária. A campanha de 2002 não visou a
agradar petistas ou à esquerda. Mostrou que Lula seria o presidente de
todos os brasileiros, fiel a seu programa de governo. Priorizaria as questões
sociais, às quais a economia estaria subjugada. E promoveria cinco
reformas: agrária, trabalhista, previdenciária, tributária e política. (BETTO,
2006, p. 86)
Assim, apesar da campanha de temor, no primeiro turno, Lula lidera as
eleições, com 46,44% dos votos válidos, contra 23,19% do segundo lugar, o
58
candidato José Serra. No segundo turno, Lula elege-se presidente, com 61,27% dos
votos, contra 38,72% de seu adversário15.
No dia seguinte, grande parte da mídia reproduziu a vitória, pela primeira vez,
de um candidato de esquerda, representante da parcela mais humilde do povo
brasileiro.
3.1.3 O Governo Lula
O discurso de posse do presidente, em 1º de janeiro de 2003, ressaltava a
palavra “mudança”, mas não afirmava que essa mudança seria a ruptura com o até
então modelo econômico nacional. Nas palavras do presidente, uma mudança que
seria capaz de “transformar o Brasil naquela Nação soberana, digna, consciente da
própria importância no cenário internacional e, ao mesmo tempo, capaz de abrigar,
acolher e tratar com justiça todos os seus filhos.”16.
O presidente já ali demonstrava que buscaria o equilíbrio entre a
concretização de um projeto social voltado aos mais pobres sem, contudo, renegar
uma política neoliberal em favor dos mais ricos e do progresso da economia da
nação.
Singer (2012) destaca que a administração conservadora de Lula nos seus
primeiros anos de governo desnorteou os setores da direita, que esperavam um
programa socialista para criticar o governo petista.
Destacaram-se no governo Lula, entretanto, medidas inovadoras que foram
responsáveis, em 2006, pelo que Singer considera como realinhamento eleitoral, o
que caracteriza o lulismo.
O lançamento do programa Bolsa-Família, em setembro de 2003, seria um
marco do governo Lula, que chega a ser considerado como o “Pai dos pobres”. O
programa de transferência de renda retirou mais de 11 milhões de famílias da
situação de miséria extrema, elevou e, em muitos casos, possibilitou o poder de
compra de indivíduos que antes não tinham essas condições. Juntamente a esse
programa, Lula ainda controlou a inflação, diminuiu o preço da cesta básica,
15
Dados extraídos do TSE, disponíveis em <http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoesanteriores/eleicoes-2002/resultado-da-eleicao-2002> Acesso em 30/08/2013.
16
Disponível em < http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-dasilva/discursos-de-posse/discurso-de-posse-1o-mandato/view> Acesso em 31/08/2013.
59
aumentou o salário mínimo ao longo do primeiro mandato em 24,25% e expandiu o
financiamento popular, criando, dentre outras medidas, o crédito consignado a
aposentados e pensionistas.
O efeito dessas medidas foi imediato: a popularidade do presidente às
vésperas do segundo mandato havia aumentado significativamente, em especial,
entre os eleitores de menor renda, fenômeno inédito na trajetória do PT. Sem
descuidar da economia, Lula conseguia agradar a neoliberais e melhorar a vida dos
mais pobres. Essa política que equilibrava as correntes de direita e de esquerda é
também responsável por uma crença atual de neutralização política.
Um acontecimento, porém, abalaria a euforia do momento econômico
próspero e completaria de vez o realinhamento eleitoral de que trata Singer (2012).
O escândalo do mensalão17, em 2005, afetou as bases de apoio ao governo,
oriundas da classe média e com maior grau de instrução. Esse panorama representa
a inversão, portanto o realinhamento, do que até então se verificava nas eleições de
que o PT havia participado.
Percebendo o acentuado abalo causado pelo mensalão, o governo decide
aumentar os recursos destinados ao Programa Bolsa Família em 26% no mesmo
ano em que surge o escândalo envolvendo o PT (Cf. SINGER, 2012, p. 64). Dessa
forma, compensava a perda de apoio da classe média com o aumento de eleitores
com renda até dois salários mínimos, principalmente das regiões norte e nordeste.
Apesar da crise do mensalão, para os grandes empresários, a economia
mantinha-se controlada e satisfatória com lucros cada vez mais expressivos. A
opinião do banqueiro Olavo Setúbal, citada por Ab’Sáber (2011, p.19), ilustra o
pensamento do grupo de abastados da sociedade. Para Setúbal, a presidência do
PT mostrou-se, a despeito de todo o receio em torno da esquerda no poder, um
governo extremamente conservador, equivalendo ao mesmo resultado a vitória de
Lula ou Alckmin em 2006.
Em entrevista à Folha de São Paulo, Emílio Odebrecht, importante
empresário do ramo da engenharia, também demonstra opinião semelhante a Olavo
Setúbal:
O termo “mensalão” foi um nome que a imprensa atribuiu ao escândalo envolvendo membros do
Governo Lula, pertencentes ao Partido dos Trabalhadores, para a compra de votos de parlamentares
do Congresso Nacional.
17
60
Nós quebramos um tabu enorme, que era a chegada de um presidente da
esquerda e, mais ainda, um líder dos trabalhadores, e esse tabu não existe
mais. O investidor estrangeiro sempre perguntava como se comportaria o
Brasil com um presidente com esse perfil de esquerda, com essa ideologia,
e veja o que aconteceu. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para
o nosso país, sem dúvida nenhuma. [...] Essa quebra de tabu tranquilizou os
investimentos, e o que se viu é que esse governo não tem nada de
esquerda. O presidente Lula não tem nada de esquerda, nunca foi de
esquerda. (Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/
fi2701200814.htm> Acesso em: 28/08/2013. Grifo nosso.)
Para Ab’Sáber (2011), o mensalão seria um marco para um segundo início do
governo Lula. Segundo o autor, há três movimentos que delimitam esse recomeço: a
participação efetiva de Lula na gestão de seu governo, a entrada do PMDB na
administração governamental e o distanciamento de Lula do PT. Ao afirmar que o
caso seria tratado com rigor, independentemente de os envolvidos serem de seu
próprio partido, o presidente revelaria um ethos de sério, demonstrando justiça em
sua liderança e, ao mesmo tempo, buscando a renovação de suas alianças para
continuar fortalecido.
É importante ressaltar que os resultados da eleição de 2006 comprovaram
que o escândalo do mensalão não causou impactos relevantes na avaliação positiva
do governo por parte dos mais pobres, já que, em pesquisa de intenção de voto
realizada pelo Ibope para as eleições de 2006, Lula obteve 64% das intenções entre
os que recebiam até dois salários mínimos, contra 25% de seu adversário, Geraldo
Alckmin (SINGER, 2012, p. 56).
A visão de Frei Betto, após destacar inúmeros benefícios do governo Lula, é a
de que “O PT, nascido dos movimentos sociais, ao chegar ao governo assumiu a
lógica do Estado. Tornou-se partido do governo, quando deveria manter-se como
partido da sociedade junto ao governo” (BETTO, 2006, p. 117).
O que se percebe na chegada ao poder pelo PT é que um programa
esquerdista de governo foi substituído por uma administração que buscava
neutralizar a oposição, mantendo um diálogo íntimo com todos os setores e uma
relação de simpatia inclusive com grupos divergentes da ideologia socialista inicial
do partido.
Assim, o ethos de chefe vindo do povo permaneceu ao longo do governo
Lula. A identificação com o líder ocorria em diferentes grupos da sociedade, desde a
população mais pobre e a classe média, com maior poder de compra, passando pela
oposição, atraída por alianças, cargos e benefícios, até os banqueiros e
61
empresários. Lula conseguiu ser o ponto de intersecção entre os mais diversos
setores que compunham a sociedade.
3.2 Populismo ou Lulismo?
O populismo é observado por Charaudeau (2011) como um fenômeno que
pode ocorrer em setores de extrema direita ou de extrema esquerda na política.
Normalmente, o político populista emprega um discurso pautado pela denúncia de
tudo o que prejudica o povo, apontando culpados por esses males – a instância
adversária – e exalta os valores necessários ao restabelecimento do bem-estar e da
ordem. Esses valores são, direta ou indiretamente, reunidos em uma pessoa ou
governo: o próprio político fiador do discurso. A essa estratégia, Charaudeau atribui
o nome de “efeito retorno”18.
O impacto desse tipo de discurso pode gerar, a depender das condições em
que o país se encontre, uma forte adesão popular. Se o país passa por uma crise,
por exemplo, o povo, então, enxergaria no populista, um salvador que conduziria a
sociedade a uma situação favorável.
Não basta, contudo, que a fórmula do “efeito retorno” seja empregada. É
preciso, sobretudo, que o político tenha carisma. Segundo Charaudeau (2014), o
carisma não deve ser confundido como uma forma de realização do ethos. Enquanto
o ethos pode ser construído voluntariamente em alguns casos, o carisma seria como
um processo químico sobre o qual não se tem domínio, porque é relacionado a uma
força interior que se mistura ao corpo e emana dele.
A confirmação da presença de carisma em um indivíduo é dependente ainda
de um intercâmbio entre os interlocutores. Naturalmente, não se pode afirmar que a
opinião sobre o carisma de um político seja consenso entre os cidadãos. Também o
aspecto cultural é relevante nesse sentido, já que, em determinadas culturas,
alguém pode ser considerado carismático, enquanto em outras, não. São os valores
e estereótipos presentes no imaginário coletivo que serão responsáveis por essa
crença.
18
Em palestra proferida em 14/05/2014, na Faculdade de Letras da UFRJ, Patrick Charaudeau
definiu o “efeito retorno”, como um discurso populista que, conforme detalhado, é construído sob a
seguinte ordem: “o estado de vitimização”, “a satanização dos culpáveis”, “a exaltação dos valores”.
62
A partir disso, é possível afirmar que o populismo é um fenômeno que se
baseia em um ethos pré-discursivo e em um ethos discursivo, aliado a um tipo de
carisma que seja responsável pela identificação do povo com o político. A esse
conjunto de fatores, não se pode deixar de acrescentar o impacto ideológico na
figura política extremista, que, muitas vezes, toma atitudes radicais em relação a
determinados setores da sociedade, privilegiando o controle das massas e sua
própria permanência no poder.
Com relação ao ethos discursivo, o populista utiliza-se, com frequência, de
um ethos de potência, com firmeza na voz, de um ethos de homem sério, que não
brinca quando se trata da administração política, e, principalmente, de um ethos de
chefe. Este último é, então, orientado pelo carisma, para que possa, de fato,
representar a imagem do político que vai à frente, conduzindo o povo à salvação.
Na história, não faltam personalidades que apresentam essas características,
principalmente concentradas na América Latina: Getúlio Vargas, no Brasil; Juan
Perón, na Argentina; Fidel Castro, em Cuba; Hugo Chávez, na Venezuela; Lázaro
Cárdenas, no México. Todos, a despeito de suas particularidades, voltados para
uma política excessivamente nacionalista, com apoio das massas e discursos dignos
de arrastar multidões.
Seria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma personalidade política
semelhante a esses líderes latinos?
O que se percebe ao analisar a trajetória de Lula, antes e durante seu
governo, é a presença de um político que sofreu transformações na representação
de seu ethos ao longo desse período.
Inicialmente mais identificado com o populismo, no que se refere ao ethos de
potência e à defesa de uma ideologia de extrema esquerda durante os anos em que
era candidato do PT, o Lula presidente abandona o radicalismo e passa a
apresentar um comportamento conciliador diante dos adversários políticos.
O termo lulismo foi usado, inicialmente, por André Singer em diversos artigos
que tratavam do fenômeno Lula na presidência. Singer é cientista político e foi portavoz de Lula durante o seu primeiro mandato.
A ideia do lulismo consiste em um afastamento dos ideais primários da
esquerda petista e uma atitude apaziguadora diante da oposição, a partir do carisma
e da troca de interesses. Com isso, nenhuma mudança radical foi implementada, de
63
modo que a política neoliberal se manteve, atendendo, dessa forma, aos interesses
dos setores capitalistas.
Em contrapartida, a parcela mais pobre da sociedade foi beneficiada com
políticas de transferência de renda, o que garantiu o maior índice de aprovação de
um governo na história do país, algo em torno de 85%19.
Tendo o carisma como ponto forte e uma aprovação em massa da população
brasileira, Lula reunia muitos atributos que poderiam torná-lo um populista. Suas
estratégias de governo, contudo, não se aproximaram dos regimes populistas.
Por buscar uma administração conservadora, o ex-presidente abandonou os
ideais de esquerda e estabeleceu alianças com diversos setores conservadores da
sociedade. Dessa forma, Lula neutralizava as críticas e conquistava a adesão da
oposição, mantendo para si o apoio do povo.
Essas atitudes representam um distanciamento do populismo, o que se
refletiu também em seus discursos. Muito mais tranquilo, o político passou a adotar
uma imagem de brincalhão, sem, contudo, abandonar o ethos de chefe. Nesse caso,
um chefe oriundo do próprio povo e, por isso, legitimado por ele a extinguir as
mazelas históricas que nenhum outro político antes havia conseguido.
Assim, Lula construiu para si uma imagem antes considerada paradoxal:
voltou-se às necessidades mais urgentes dos pobres e miseráveis da sociedade e,
sem gerar descontentamento nos setores capitalistas, conseguiu alçar a política
econômica do país a uma posição de prestígio no cenário internacional.
Apesar de apresentar características populistas em alguns aspectos, o
governo Lula deve ser analisado por suas particularidades, que, no todo, afastam-no
do populismo. A atuação histórica de Lula na presidência é, portanto, uma evidência
do lulismo.
A partir dos fundamentos teóricos que embasam esta pesquisa e da breve
narrativa da vida pessoal e política de Lula, será possível compreender o percurso
percorrido neste trabalho de maneira mais clara. Dessa forma, o próximo capítulo
demonstrará de que forma a análise dos discursos de Lula foi conduzida.
19
Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2010/12/1211078-acima-dasexpectativas-lula-encerra-mandato-com-melhor-avaliacao-da-historia.shtml> Acesso em 31/08/2013.
64
4 METODOLOGIA
Para se estudar o conceito de ethos, a partir de discursos do ex-presidente
Lula, foram percorridos alguns caminhos.
Escolheram-se, inicialmente, para a constituição do corpus, 10 discursos
proferidos por Lula em datas comemorativas: o Dia do trabalhador, a Proclamação
da Independência e os dois Discursos de Posse. A análise desse material,
entretanto, não revelou os dados esperados: os discursos estavam presos aos
textos originais, que eram produzidos por uma equipe e não por Lula efetivamente.
Dessa forma, procedeu-se a uma nova busca, pois era necessário encontrar
instrumentos que conduzissem ao indivíduo “Lula”, conhecido e admirado pela
população. O material linguístico precisava ser autêntico para que, realmente,
revelasse a imagem popular do político.
Uma nova seleção foi feita, desta vez com 11 discursos, primeiramente, a
partir de vídeos do ex-presidente em eventos locais, por ocasião de inaugurações ou
festividades específicas para determinados setores da sociedade e não mais em
rede nacional.
O material foi satisfatório e havia, então, a necessidade de transcrever todos
os discursos. Uma busca pelo site do Palácio do Planalto20, mantido pelo Governo
Federal, revelou, que eles eram arquivados e disponibilizados em ambiente virtual,
conservando exatamente a natureza como foram pronunciados pelo ex-presidente.
Apesar disso, todos os discursos foram conferidos com os vídeos para que sua
fidelidade fosse garantida, evitando, assim, desvios quanto aos verdadeiros ethé
projetados por Lula.
A escolha desses discursos privilegiou grupos da sociedade distintos, desde a
massa de trabalhadores de áreas como a agricultura, a indústria e serviços, até
grandes empresários nacionais e internacionais. Dessa forma, com a variedade de
públicos, buscava-se observar se haveria profundas modificações nos ethé de Lula
diante de auditórios diferentes.
A pesquisa obedeceu a uma análise quantitativa do corpus, buscando, de
início, nos números, o material necessário para a análise qualitativa, que respondeu,
20
Cf. <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/pagina-inicial-3>
65
satisfatoriamente, aos questionamentos mais amplos e mais restritos desta
pesquisa.
Com relação à análise quantitativa do corpus, foram pesquisados:

trechos em que estratégias empregadas por Lula comprovassem os
tipos de ethé mencionados por Charaudeau (2011);

marcas gramaticais indicativas das modalidades elocutiva, alocutiva e
delocutiva dos procedimentos enunciativos, também propostos por
Charaudeau (2010);

fragmentos em que pudessem ser observadas representações de
cenografias, conceito proposto por Maingueneau (2010);

aplicações das modalidades argumentativas defendidas por Amossy
(2008) – demonstrativa, patética, pedagógica, de co-construção,
negociada e polêmica – como formas de modelar a atividade
persuasiva;

utilizações de metáforas, aprofundadas por Lakoff e Johnson (1980),
que fossem criadas a partir de qualquer domínio fonte.
Após essa verificação, o número de ocorrências desses fenômenos foi
contabilizado e os dados, tabulados em uma planilha no programa Excel. Essa
planilha foi dividida por colunas e linhas em que cada coluna era composta por um
discurso e cada linha, por um fenômeno pesquisado.
Dessa forma, ao preencher todas as células com informações numéricas, foi
possível ter uma visão dos fenômenos presentes de maneira isolada, ou seja, em
cada discurso, e também visualizá-los no somatório geral.
A partir disso, foi possível perceber as estratégias mais prototípicas
empregadas por Lula em seus discursos e, assim, compreender como sua imagem
de político popular era formada durante seus pronunciamentos.
Os métodos envolvidos na análise de um discurso podem ser variados,
conforme se pode notar:
[...] uma análise lexicométrica que, utilizando um método de tratamento
estatístico dos corpora, tenta determinar os universos semânticos e os
posicionamentos dos locutores implicados de uma maneira ou de outra no
campo político; uma análise enunciativa que evidencia os comportamentos
locucionais dos atores da vida política, para além de seu posicionamento
ideológico; uma análise argumentativa que tenta evidenciar as lógicas de
raciocínio que caracterizam os ditos posicionamentos” (CHARAUDEAU,
2011, p. 38)
66
Nesse sentido, o que se buscou não foi privilegiar um determinado método de
análise para o discurso de Lula, mas a combinação de vários deles, de acordo com
o que a teoria semiolinguística acredita ser o caminho para uma análise abrangente
e comprometida com a realidade. Os resultados obtidos serão detalhados a seguir
no capítulo relacionado à análise do corpus.
67
5 ANÁLISE DE DISCURSOS PRESIDENCIAIS DE LULA: A CONSTRUÇÃO DE
UM ETHOS POPULAR
No presente capítulo, serão demonstrados os fenômenos identificados no
corpus que auxiliam para a formação do ethos popular do ex-presidente Lula. Esses
fenômenos podem ser comprovados pelas teorias já detalhadas na seção
relacionada à fundamentação teórica deste trabalho.
Para tanto, dois tipos de análises foram necessários: o primeiro, que privilegia
uma leitura qualitativa do material selecionado, e o segundo, que demonstra,
quantitativamente, a frequência dos índices abordados na teoria deste trabalho.
5.1 Análise qualitativa dos dados
Tomando-se como ponto de partida a tipologia de ethé proposta por Patrick
Charaudeau, buscou-se averiguar quais ethé seriam mais produtivos nos discursos
de Lula analisados nesta pesquisa. A partir da verificação desses ethé, seria, então,
possível identificar que imagem o ex-presidente transmitia ao povo e, possivelmente,
encontrar justificativas para sua elevada popularidade na história do país.
Conforme Charaudeau (2011) a respeito dos ethé de credibilidade, as
imagens de sério, de virtuoso e de competente são voltadas para a construção de
uma personalidade que detém o poder de fazer, ou seja, um indivíduo crível aos
olhos do povo.
No que se refere, contudo, aos ethé de identificação, “o cidadão, mediante um
processo de identificação irracional, funda sua identidade na do político.”
(CHARAUDEAU 2011, p.137). Essa fusão de identidades ocorre por meio do afeto
social entre o povo e seu líder.
Pela análise do corpus, foi possível notar a predominância dos ethé de
identificação sobre os ethé de credibilidade – 83% dos primeiros contra 17% dos
últimos. O que se percebe, com isso, é a figura de um presidente que não só ocupa
o mais alto cargo de representante de sua nação, mas também reflete a imagem de
seus cidadãos, compartilha os mesmos valores e conhece, por experiência de vida,
os desafios por que passa a maioria pobre da população.
68
Nos discursos, a presença majoritária de imagens que visam à identificação
do interlocutor com o político reforça a ideia de que Lula apresentava um ethos
popular, ou seja, buscava tornar a sua imagem uma extensão da imagem do povo.
Mesmo com a predominância dos ethé de identificação, também foram
encontradas ocorrências dos ethé de credibilidade nos discursos analisados. Eles
reforçam o sentimento do povo de que o líder escolhido tem condições de fazer
aquilo que se espera dele.
Dentre os três ethé que reforçam a credibilidade, o ethos de sério é aquele
que apresenta maior frequência no corpus desta pesquisa – 10,9% dos casos.
Observe-se, por exemplo, o trecho a seguir, extraído de um discurso do expresidente a metalúrgicos por ocasião da inauguração de uma fábrica:
Então, estamos fazendo a coisa. Não tem milagre. Não tem invenções.
Não tem invenções. Não tem plano Lula, plano Palocci, plano Alckmin,
plano José Dirceu, plano Graziano. Não tem plano.
Tem o
estabelecimento de uma política de relação de fidelidade com as
pessoas, de sinceridade e, sobretudo, uma relação de credibilidade: o
que pode, pode; o que não pode, não pode. Se der para fazer hoje,
fazemos. Se não der, fazemos amanhã.21
O ethos de sério é associado a políticos que não se utilizam, com certa
frequência, do humor na vida pública. São líderes focados no trabalho que, por
vezes, deixam transparecer certa frieza em seu comportamento. Essa imagem não é
adotada por Lula. Outra característica do ethos de sério, no entanto, está presente
no trecho transcrito: a sinceridade que o líder deixa transparecer ao povo.
O presidente afirma que está trabalhando, mas que tem consciência de seus
limites na administração pública e, diante disso, agirá com cautela e sinceridade
para com o povo, evitando a demagogia. Essa é também uma forma de o líder
criticar a oposição, deixando claro que ele não precisa inventar “planos milagrosos”,
mas que, sendo um político sério, trabalhará, pacientemente, para que a sociedade
goze de efetivas melhorias.
A presença maior do ethos de sério em relação aos demais de credibilidade é
justificada, principalmente, pela consciência dos limites, demonstrada pelo político
em seus discursos. Veja-se o trecho a seguir:
21
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de inauguração da
nova unidade de fundição da fábrica Dedini S.A. Piracicaba-SP, 16 de janeiro de 2004.
69
Mas eu queria dizer para vocês, companheiros, que eu tenho
consciência do que fiz, eu tenho consciência do que falta fazer e tenho
consciência de que, por mais que a gente faça, sempre haverá um
pouco a ser feito.22
O trecho em destaque faz parte de um discurso pronunciado no final do
segundo mandato do presidente, em 2010. Corresponde, portanto, a uma espécie
de balanço de sua própria atuação como Chefe da Nação, que fica evidente pela
gradação temporal empregada pelo político: “fiz”, “falta fazer”, “haverá [...] a ser
feito”. Nesta data, já tendo sido divulgados os índices de popularidade do governo, o
presidente afirma que, de maneira consciente, assume as atitudes que tomou,
reconhece que não foram suficientes, mas destaca que sempre haverá algo a ser
feito, em uma clara menção de que não se pode esperar uma administração pública
perfeita.
Dessa forma, essa imagem revela um homem sério, ciente de suas
responsabilidades para com a nação e realista diante dos recursos de que dispõe
para pôr seus planos em prática.
O ethos de competência, que também auxilia na credibilidade, é empregado
com menos frequência que o anterior – 4,6% –, mas também tem a sua
representatividade nos discursos de Lula.
A competência, segundo Charaudeau (2011), é uma característica que está
relacionada ao poder e à experiência necessários ao governo. O político que se
utiliza desse tipo de ethos, normalmente, tem a seu favor longa trajetória política:
E este país, eu não abro mão de construir. Eu sei o quanto foi duro
chegar até onde nós chegamos. Eu sei quantas lutas... Aqui eu estou
vendo companheiros de 30 anos de caminhada, só que eu conheço,
[...]23
Já no início de sua fala, como um chefe, Lula toma para si a responsabilidade
de construção do país. Para atribuir maior credibilidade à sua posição de chefe, o
22
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de entrega da última
fase das obras de reconstrução do cais do Porto de Itajaí. Itajaí-SC, 27 de outubro de 2010
23 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
70
líder, então, evoca sua experiência de 30 anos na trajetória política do país rumo ao
desenvolvimento.
Em outro momento, a competência é construída a partir de derrotas políticas:
[...] eu já vivi muitas alegrias, já vivi muitas alegrias, já vivi muita
tristeza. [...] Eu perdi, Zuma 24, três eleições, eu perdi três eleições.
Cada uma que eu perdia, eu chegava em casa, minha mulher falava:
“Ô Lula, você não acha que está na hora de parar, meu filho, não
acha?”. E eu notava que os meus amigos também gostariam que eu
parasse, viu, Zuma? Eu ficava achando que os meus companheiros
também queriam que eu parasse. Mas eu perdia as eleições no mês de
outubro, ficava lambendo as feridas entre novembro e dezembro, e
quando chegava janeiro, eu tinha que começar a viajar o Brasil outra
vez para levantar a moral da tropa, porque se a gente não levantar a
moral o pessoal desanima. Então, eu não acredito, Zuma, em hipótese
alguma, em derrota antecipada, [...]25
Nesse trecho, Lula menciona ter perdido três eleições e, embora a esposa e
os amigos preferissem sua desistência, o ex-metalúrgico continuava nas disputas
para presidente e ainda incentivava outros a continuar na campanha política. Essa
demonstração de persistência, somada à experiência de alguém que, desde novo,
envolveu-se na política, são características que revelam ao auditório um ethos de
competência para ocupar a Presidência da República.
A vida pessoal do político também pode contribuir para os saberes
necessários à administração do país. No primeiro ano de seu mandato, Lula
ressaltava a importância de se ter experiência de vida:
Aos 57 anos de idade eu acho que um ser humano atinge a plenitude
da maturidade da sua vida. Eu hoje não tenho pressa, até porque sei
que a pressa não é sinônimo de perfeição.26
A afirmação do presidente privilegia uma idade específica para a plena
maturidade do ser humano, 57 anos, a mesma idade com que o político estava à
época do pronunciamento. A imagem que deseja transmitir aos interlocutores é a de
24
Zuma era o então presidente da África do Sul, em 2010, a quem Lula, em alguns momentos,
direciona seu discurso.
25 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encerramento do Fórum
Empresarial Brasil-África do Sul. Johannesburgo, África do Sul, 09 de julho de 2010.
26 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na exposição de produtos da
fábrica Daimler Chrysler do Brasil. São Paulo, 10 de março de 2003.
71
que, estando completamente maduro, ele passou a ter a paciência necessária para
governar de maneira competente.
O último ethos que reforça a credibilidade é o de virtude. Nos discursos
analisados, a incidência desse ethos é pequena – 1,7% –, mas não por acaso.
Charaudeau (2011, p. 122) afirma que os pilares para que se considere um político
virtuoso são a sinceridade, a fidelidade e a honestidade pessoal, construídas através
do tempo.
Com frequência, Lula costumava demonstrar essas características em seus
pronunciamentos. Precisou, entretanto, modificar algumas bases ideológicas
presentes no início de sua atuação política para que pudesse, efetivamente, chegar
ao poder. A fidelidade, por exemplo, é característica que não pode ser verificada
quando se comparam a primeira e a última eleição disputada pelo político.
Já a sinceridade e a honestidade aparecem em alguns pronunciamentos do
ex-presidente, como o seguinte:
E eu agradeço, porque o momento que estamos vivendo no Brasil é um
momento, eu diria ruim, do ponto de vista político, mas um momento
importante para que a gente possa consolidar definitivamente, não
apenas a democracia no Brasil, mas para que a gente possa provar
que é possível a gente extirpar a corrupção da vida nacional.27
Ao reconhecer que o momento político não era favorável (referência ao
escândalo do mensalão), Lula demonstra sinceridade diante do povo. O
reconhecimento das falhas, pessoais ou do próprio partido, é um indicativo de
virtuosidade.
Apresentar uma imagem de pessoa crível, em quem o povo podia confiar, não
era o recurso mais empregado nos discursos de Lula. Sua fala espontânea, sem
grande complexidade para o entendimento de qualquer pessoa, permitia a
construção de imagens que propiciavam a identificação popular.
Nesse sentido, são os ethé de identificação que, no corpus analisado,
receberão destaque nas construções do ex-presidente. Charaudeau (2011) cita os
ethé de potência, de caráter, de inteligência, de humanidade, de chefe e de
solidariedade como aqueles que contribuem para a identificação do auditório. Nos
discursos ora analisados, contudo, nem todos terão presença recorrente.
27
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
72
É o caso, por exemplo, do ethos de inteligência, com 1,3% de frequência no
corpus, o que apresentou menor produtividade. Alguns políticos, segundo
Charaudeau (2011), demonstram inteligência não só pelo discurso, mas também
pela formação acadêmica, pelos gostos culturais, por participação em eventos
artísticos. O ex-presidente Lula deixava claro que, apesar de seu pouco estudo, em
decorrência da necessidade de trabalhar cedo, sua experiência tornava-o um
homem habilitado a governar o país. Veja-se um dos poucos trechos em que o ethos
de inteligência é empregado pelo político:
Então, eu precisei chegar lá para provar que a inteligência não é
medida pelo tempo de escolaridade. O tempo de escolaridade mostra
conhecimento e aperfeiçoamento específico de uma matéria. A
inteligência, você nasce com ela e você aperfeiçoa, até porque o dom
da política a gente não aprende na escola.28
Apesar de o ethos de inteligência representar uma valorização do estudo,
Lula, por meio de um ethos dito (MAINGUENAU, 2008), afirma que inteligência não
se relaciona a anos de estudos, mas a uma característica com a qual se nasce,
deixando claro que ele é um exemplo de pessoa inteligente.
A valorização cultural como reforço à imagem de inteligência pode ser
percebida em outro momento:
Recebi um bilhete agora, que está aqui, e aí eu tenho que fazer uma
deferência toda especial, eu não vi até agora o nosso querido Ariano
Suassuna. Seria infinitamente melhor se ele estivesse aqui no meu
lugar para contar uns casos, ao invés de vocês ouvirem o discurso.29
O respeito e o carinho destinados a Ariano Suassuna, ilustre escritor que foi
membro da Academia Brasileira de Letras, ressalta a valorização cultural do
presidente às manifestações artísticas brasileiras, uma imagem de homem
inteligente, conhecedor da literatura nacional.
O segundo ethos com pouca incidência nos discursos analisados, pertencente
também ao grupo dos que visam à identificação, é o ethos de potência, com 2,3% de
28
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de entrega da última
fase das obras de reconstrução do cais do Porto de Itajaí. Itajaí-SC, 27 de outubro de 2010.
29 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de assinatura dos
contratos para construção dos 10 primeiros navios da Transpetro. Suape-Pernambuco, 31 de janeiro
de 2007.
73
ocorrência. É importante lembrar que, como afirma Charaudeau (2011), esta
imagem é voltada a uma força mais corporal, muitas vezes até relacionada à
virilidade masculina.
A fala simples e tranquila do ex-presidente não privilegiava esse tipo de ethos.
Em alguns momentos, no entanto, o político recorria a ele:
Se a gente tiver culpa... quem tiver culpa no governo vai pagar, mas
também quem tiver culpa por aqui, tem que ser publicado quem é que
tem culpa. Não dá, não dá, não dá para a gente ficar brigando de
esconde-esconde quando se trata de discutir o destino de pessoas que
foram vitimadas por chuvas torrenciais que alagaram praticamente todo
o estado de Santa Catarina.30
No trecho do discurso em questão, Lula defende um comportamento justo
diante dos próprios erros e dos erros de outros líderes. Em sua fala contextualizada,
o ex-presidente refere-se a possíveis desvios de verbas no estado de Santa
Catarina. A repetição “Não dá, não dá, não dá”, como uma marca de oralidade, e o
apelo emocional presente na menção a pessoas que foram vítimas das chuvas no
estado revelam o quanto Lula considerava inadmissível ter de discutir administração
pública enquanto se vivia uma situação emergencial naquele lugar.
A desaprovação do ex-presidente tornou-se evidente, portanto, em seu falar
forte, seguro, indicativo de que ele “não é apenas um homem de palavras, mas
também de ação.” (CHARAUDEAU, 2011, p. 139), o que caracteriza o ethos de
potência.
Uma imagem muito empregada nos discursos analisados é a que remete à
valorização do caráter do ex-presidente. Esse tipo de ethos apresentou 10,2% de
frequência nos discursos analisados e corresponde a um ethos muito versátil, que,
tanto pode revelar um político provocador, polêmico, quanto um líder que apresenta
uma força tranquila, com determinação, senso de justiça e equilíbrio de si. O
segundo caso é mais comum em Lula. Veja-se:
Nós queremos mostrar para o Brasil que não é possível a gente
governar este país se a gente não entender a megadiversidade da
sociedade brasileira, se a gente não compreender que nós temos que
30
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de entrega da última
fase das obras de reconstrução do cais do Porto de Itajaí. Itajaí-SC, 27 de outubro de 2010.
74
conhecer os mais diferentes brasis para a gente governar igual, mesmo
esses brasis sendo diferentes.31
As palavras “megadiversidade” e “diferentes” ressaltam a valorização da
diferença que o Brasil apresenta em toda a sua extensão. O presidente, entretanto,
destaca que é preciso “governar igual”, em uma demonstração de determinação e
justiça.
Essa imagem de pessoa de caráter, adotada pelo político, é construída de
forma semelhante também no trecho a seguir:
Eu sonho em ver o Nordeste brasileiro ser tratado, nordestinos e
nordestinas, nem mais e nem menos, apenas iguais aos outros milhões
de brasileiros que moram em regiões melhores que o Nordeste, do
ponto de vista do desenvolvimento.32
Apesar de ser nordestino e estar nesta mesma região no momento do
discurso, Lula não privilegia aquele lugar em detrimento de outros do país. O político
utiliza-se de sinceridade ao reconhecer que há outras regiões mais desenvolvidas do
que o Nordeste no Brasil. A sinceridade também é um atributo que fortalece o ethos
de caráter. Além disso, Lula destaca que os nordestinos devem ser considerados
“iguais aos outros milhões de brasileiros”, o que reforça seu senso de equidade
perante a nação.
A utilização do ethos de solidariedade nos discursos analisados representa
uma forte contribuição para a formação do ethos popular de Lula, com 9,2% dos
casos verificados. Sua presença revela um político que não se distingue do grupo
que representa, compartilhando dos mesmos valores e opiniões do povo (Cf.
CHARAUDEAU, 2011, p. 163).
O trecho a seguir é um exemplo dessa imagem solidária do ex-presidente:
E a tendência é cada dia melhorar, porque a cada dia estamos
aprendendo mais, cada dia vocês vão ficar mais sofisticados, cada dia
vocês vão reivindicar um pouco mais, cada dia vocês vão querer... É
31
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de inauguração
simultânea das novas instalações da unidade II da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD) e do campus Ponta Porã da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Dourados-MS, 24 de agosto de 2010.
32 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de assinatura dos
contratos para construção dos 10 primeiros navios da Transpetro. Suape-Pernambuco, 31 de janeiro
de 2007.
75
assim mesmo, e nós sabemos disso porque saímos disso, nós
surgimos nesse Movimento, então nós temos clara compreensão do
que são as reivindicações.33
O discurso em questão foi direcionado para famílias que viviam em áreas
rurais e aguardavam, há algum tempo, políticas voltadas para o setor da agricultura
familiar. Lula, então, por meio de um ethos de solidariedade, demonstra conhecer
bem a situação daquele grupo, porque sua origem coincide com a realidade do
público a quem dirige sua fala: “nós sabemos disso porque saímos disso, nós
surgimos nesse Movimento, então nós temos clara compreensão do que são as
reivindicações.”
Dessa forma, o político torna visível sua capacidade de enxergar e
compreender a referida situação dos agricultores sob um olhar interno, aproximado
dessa parcela da sociedade, num gesto de solidariedade e reciprocidade para com o
outro.
Em outro momento, dirigindo-se a metalúrgicos, o presidente aproxima-se
também desse grupo de trabalhadores:
[...] somente a democracia é que permitiu que metalúrgico fosse
presidente da República, somente a democracia é que permite que a
gente possa ter ascensão.34
Ao resgatar seu passado como metalúrgico diante de um público composto
também por metalúrgicos, Lula busca uma identificação com o auditório por meio do
compartilhamento de experiências profissionais. A reciprocidade entre o líder e seus
liderados torna-se ainda mais profunda pela utilização do pronome “a gente”, em
“somente a democracia é que permite que a gente possa ter ascensão.”
Essa escolha lexical possibilita que o presidente demonstre aos cidadãos que
é possível ser um metalúrgico e, no futuro, tornar-se um presidente, pois sua
trajetória política e de vida são exemplos disso.
O ethos de humanidade corresponde ao segundo mais empregado nos
discursos de Lula verificados nesta pesquisa – 21,1% de frequência. O
33
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de sanção da lei que
estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e
Empreendimentos Familiares Rurais. Palácio do Planalto, 24 de julho de 2006.
34 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de assinatura dos
contratos para construção dos 10 primeiros navios da Transpetro. Suape-Pernambuco, 31 de janeiro
de 2007.
76
sentimentalismo, a compaixão pelos mais fracos, o reconhecimento de suas
fraquezas, sendo honesto e humilde, e até o humor são características que denotam
o lado humano do político, o que o aproxima do povo.
O fragmento a seguir ilustra essa imagem:
O que importa é que todos nós nascemos, crescemos e, até
morrermos, nós temos que ser honestos, porque isso simboliza, na
verdade, os exemplos e as experiências que podemos passar para os
nossos filhos, para os nossos netos e para os nossos bisnetos.35
Nesse trecho do discurso, Lula demonstra a necessidade de ser honesto, o
que revela um ethos dito de honestidade: “nós temos que ser honestos”, visto que,
em vez de sugerir a imagem desejada, o político diz, explicitamente, a imagem que
valoriza e que adota, portanto.
Além disso, a ideia do fragmento como um todo permite inferir que o
presidente é uma pessoa que se assemelha ao povo. Isso ocorre porque, sendo
uma personalidade exemplar na vida particular e na vida pública, Lula também se
aproxima de seu público a partir de valores comuns partilhados por ambos. A ênfase
proporcionada pelo pronome de 1ª pessoa do plural reforça essa ideia: “isso
simboliza, na verdade, os exemplos e as experiências que podemos passar para os
nossos filhos, para os nossos netos e para os nossos bisnetos.”.
Dessa forma, ex-presidente evidencia suas crenças como pessoa, para além
do cargo que ocupa, o que vai ao encontro da caracterização do ethos de
humanidade, descrito por Charaudeau (2011).
Outra situação é evidenciada no trecho a seguir, quando o presidente deixa
sua condição de Chefe da Nação para se identificar com o povo:
Quando acontece uma coisa que choca a todos nós, e de vez em
quando acontece, não é regra, é exceção, mas acontece, muitas vezes
as pessoas querem fazer justiça com as próprias mãos36. E eu digo
sempre que é exatamente nesses momentos que nós precisamos não
permitir que apenas a emoção aja, mas que prevaleça a razão, porque
eu, não como presidente da República, mas como ser humano [...] e
35
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
36 Lula refere-se a um caso de violência no Rio de Janeiro, quando em 07 de fevereiro de 2007, um
roubo de automóvel terminou com a morte brutal do menino João Hélio, de 6 anos, arrastado por
diversos bairros da cidade. Disponível em <http://veja.abril.com.br/140207/p_046.shtml> (Acesso em
27/07/2014 às 11:46h).
77
qualquer companheiro deputado ou qualquer um de vocês, a gente
pode reagir emocionalmente e fica imaginando: e se a gente estivesse
naquele lugar, naquele instante, e a gente pudesse fazer alguma coisa,
o que a gente faria? Certamente nós faríamos quase que a mesma
barbaridade que ele fez com aquela criança.37
Lula busca identificar-se com seus interlocutores e, para isso, sai de seu lugar
como presidente, para falar como qualquer outra pessoa que está presente: “eu, não
como presidente da República, mas como ser humano”. Em seguida, afirma que o
sentimento de vingança é natural diante do crime cometido: “Certamente nós
faríamos quase que a mesma barbaridade que ele fez com aquela criança”. Nesse
momento, portanto, o político valoriza seu lado humano, mas reconhece que essa
atitude é falha, demonstrando sinceridade e sentimentalismo, elementos próprios do
ethos de humanidade.
O humor como marca de humanidade é também muito frequente nos
discursos de Lula. Esse recurso fazia-o aproximar-se ainda mais do povo,
assumindo, dessa forma, uma imagem popular. Indiscriminadamente, o político
empregava humor, não importando a ocasião ou o público. Em reunião com
empresários sul-africanos e brasileiros, Lula menciona:
Aí, chega o avião do Obama, chega o primeiro-ministro do Japão, eu
falei: puxa vida, é muita melancia para o meu caminhão38.
A linguagem simples e o bom humor conquistaram não só a parcela da
sociedade identificada com esses traços, como também os grandes empresários,
que, a gargalhadas, aplaudiam a cada gracejo do presidente.39
No fragmento, Lula estabelece um diálogo intertextual com um ditado popular:
“Muita areia para o meu caminhão”, reformulando-o para: “muita melancia para o
meu caminhão”. O uso do lugar-comum, apesar de causar estranhamento, ratifica o
ethos popular do ex-presidente e seu caráter humano e bem-humorado.
A irreverência, muitas vezes, parecia não ter limites para Lula. Em certos
discursos, o político ousava na seleção vocabular ao ponto de se valer de
37
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de inauguração
da nova central de atendimento telefônico da empresa ATENTO. São Paulo – SP, 16 de fevereiro de
2007.
38 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encerramento do Fórum
Empresarial Brasil-África do Sul. Johannesburgo, África do Sul, 09 de julho de 2010.
39 Cf. reação em vídeo: <https://www.youtube.com/watch?v=I6z7ICw46bY> (Acesso em 29/07/2014
às 11:19h)
78
construções inventadas que tinham um efeito direto no público: o riso incontido. Lula,
então, caía nas graças de seu auditório:
Então, o Brasil teve uma mistura extraordinária, que é a mistura do
índio, do negro e do europeu, e deu essa gente bonita como eu, [...]. E
quando eu falar de beleza, vocês têm que compreender o seguinte,
minha gente: para cada sapo tem uma sapa. Então ninguém fica sem o
seu par.40
A escolha lexical simples, como o trecho exemplifica, em especial pelo par
“sapo” e “sapa”, reforça não somente o ethos de humanidade, como também outras
representações do presidente. É o caso do ethos de chefe.
A presença maciça desse ethos no corpus verificado – 38,6% dos casos –
satisfaz ao questionamento inicial dessa pesquisa: “Que ethé seriam transmitidos
por Lula nos discursos analisados?”.
Na verdade, como se percebeu nesta análise, todos os ethé listados por
Charaudeau (2011) estão, de alguma forma, presentes nos discursos de Lula. Há,
entretanto, um predomínio dos ethé de identificação e, dentre esses, do ethos de
chefe.
Essa imagem de líder do povo é fortalecida pelos demais
ethé,
caracterizando, assim, o tipo de chefe que o ex-presidente demonstrava ser: um
chefe humano, solidário, com caráter para defender os valores do povo. Lula
assumia, ainda, a imagem de um chefe que não só fora escolhido para representar o
povo como também era oriundo dele, nasceu onde o povo vive e conhece, portanto,
suas necessidades:
Bem, mas o que me motivou a vir aqui hoje, o que me motivou a vir
aqui hoje é o fato de a gente estar cuidando de um local que dava
enchente, que as pessoas tinham problemas de alagamento – eu vi
umas fotos como era em 2008 e como é agora, eu vi crianças dentro
da água, eu vi surfista com tampa de isopor –, porque eu já passei por
isso. Eu morei em um bairro chamado Ponte Preta, em São Paulo, em
que a menor altura de água que dava, quando chovia, era um metro e
meio de água dentro de casa. E eu sei o que é a gente acordar meianoite, com rato, com barata, com fezes boiando dentro da casa,
voltando tudo do vaso sanitário. Eu sei o que é pegar a mãe, mais
40
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de lançamento
da Campanha Internacional Turística para o Brasil 2014. Johannesburgo, África do Sul, 09 de julho de
2010.
79
velha, e tirar colchão molhado, levantar fogão, levantar geladeira. Eu
sei o que é, porque passei muito isso.41
A imagem de chefe do ex-presidente constrói-se nesse trecho, inicialmente,
pelo destaque de sua autoridade diante da resolução de um problema que, antes,
acometia aquela região: “o que me motivou a vir aqui hoje é o fato de a gente estar
cuidando de um local que dava enchente”.
Em seguida, Lula descreve sua experiência com situações semelhantes de
alagamento, em uma demonstração de que sua liderança é diferente, porque já
vivenciou os problemas por que passa a população mais carente.
No fragmento em questão, o ethos de chefe é reforçado, também, pelos ethé
de humanidade e de solidariedade. A imagem de humanidade evidencia-se pela
presença de sentimentalismo, enquanto o ethos de solidário transparece a partir da
reciprocidade de Lula com o povo.
O ethos de chefe do ex-presidente constrói-se de diversas formas, ora pela
imagem de um líder semelhante a seus cidadãos, ora por meio de uma figura
paternalista. Observe-se o trecho a seguir, um discurso direcionado a operários de
uma fábrica:
Então eu quero tratar o povo brasileiro como eu trato os meus filhos.
Eu prefiro dizer um não do que contar uma mentira. E, muitas vezes,
nós vamos ter que dizer não.42
A imagem que se percebe é construída com auxílio de um ethos de virtude: o
presidente prefere “dizer um não do que contar uma mentira”. A honestidade com
que lida na administração pública é a mesma com que lida nas situações
particulares de sua vida, como na educação dos filhos.
Dessa forma, a imagem secundária de político virtuoso é empregada para
fortalecer o ethos de chefe: aquele que tem a responsabilidade de guiar o povo e
que conhece, como um pai, qual caminho a seguir e o que é melhor a seus filhos,
neste caso, à pátria.
41
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de inauguração
do projeto de urbanização de favelas nas bacias dos córregos Cabaças e Segredo; assinatura do
contrato de financiamento do programa Pró-Transporte e assinatura de ordem de início das obras do
contorno rodoviário de Campo Grande. Campo Grande-MS, 24 de agosto de 2010.
42 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de inauguração da
nova unidade de fundição da fábrica Dedini S.A. Piracicaba-SP, 16 de janeiro de 2004.
80
Mais uma vez, em outra circunstância, essa mesma imagem de pai é
empregada pelo ex-presidente:
[...] é como se o presidente fosse um pai de 27 filhos e um quisesse ter
privilégio sobre o outro. E todo mundo que é pai sabe que um filho, (...)
sabe que uma mãe e um pai não podem ter preferência por um filho,
por mais dengoso, por mais bonito que ele seja. Todos os estados têm
que ser tratados em condições de igualdade, só que tem alguns que
precisam mais do que outros e são esses que nós precisamos tratar.43
O presidente, como um pai que acolhe seus filhos com igualdade, demonstra,
contudo, que é preciso responsabilidade de chefe para olhar com atenção os
problemas de determinados estados e, se necessário, priorizar recursos para essas
regiões.
O senso de justiça e igualdade, ainda, demonstrado pelo político – “Todos os
estados têm que ser tratados em condições de igualdade” – reflete a associação do
ethos de chefe ao ethos de caráter, de forma que receba destaque a imagem de um
líder atento aos problemas de cada estado da federação, sem, contudo, privilegiar
determinadas regiões.
Observe-se, agora, que, a partir da análise da presença dos ethé nos
discursos de Lula verificados, já é possível responder a um dos questionamentos
que motivaram esta pesquisa: Que modificações ocorreriam, nos ethé de Lula,
diante de auditórios diferentes?
Os exemplos que ilustraram esta análise foram transcritos de discursos
direcionados a grupos distintos da sociedade: operários, trabalhadores de
telemarketing, pequenos agricultores, estudantes, empresários internacionais,
Chefes de Estado etc.
Apesar da heterogeneidade do público, a imagem do ex-presidente
apresenta-se constante, como um líder popular que não se furta a suas
características pessoais, independentemente, da ocasião do discurso.
Em algumas situações, entretanto, Lula busca falar a seus interlocutores,
assumindo determinadas imagens específicas nas situações discursivas em que se
43
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de assinatura dos
contratos para construção dos 10 primeiros navios da Transpetro. Suape-Pernambuco, 31 de janeiro
de 2007.
81
encontra. Essas representações não causam variações nos ethé analisados; pelo
contrário, reforçam-nos, garantindo uma aproximação ainda maior com o auditório.
Esse assunto é tratado por Maingueneau (2013) e diz respeito à cena de
enunciação e à cenografia, que, portanto, também se concretizam nos discursos de
Lula.
É importante reafirmar que, para Mainguenau (2013), a cena de enunciação
corresponde ao espaço onde se realiza o discurso. Nesse espaço, que não se limita
ao físico, tudo se instaura na própria situação discursiva, tudo está contido nela,
inclusive as relações sociais.
Assim, Maingueneau (2013) destaca a presença da cenografia na cena de
enunciação, como o lugar de onde o fiador escolhe falar com seu interlocutor. A
variabilidade cenográfica pode ser mais ou menos frequente em um discurso a
depender de seu gênero e seu tipo textual. Nesse sentido, o discurso político
apresenta grande variação de cenografias, o que permite construções de diferentes
ethé em busca da adesão do outro, o coenunciador.
Sob essa ótica, não se pode afirmar que Lula deixe de apresentar uma
imagem popular quando diante de grupos pertencentes a classes mais altas da
sociedade. Procura, no entanto, a partir de suas tantas experiências, aproximar-se
do público específico de cada situação, adotando imagens relativas ao universo
daquele auditório, sem que perca seu caráter popular. A esse respeito, vejam-se
alguns exemplos.
O primeiro foi dirigido a funcionários e alunos de duas universidades federais:
O dado concreto... qual é o dado concreto e objetivo? É que o
paradigma mudou, o paradigma mudou: as pessoas sabem que vão ter
que fazer mais, porque ninguém pode fazer menos que um peão,
ninguém pode... Porque aí eu vou estar cobrando: espera aí!44
Mesmo estando em uma situação discursiva em que ocupa a posição de
Chefe da Nação, Lula escolhe falar do lugar de um “peão”, de um trabalhador braçal.
Essa cenografia foi empregada em 15% dos casos verificados neste corpus e por
meio dela, no exemplo em questão, o presidente não buscava uma aproximação
com o auditório, já que o público a quem esse discurso era direcionado compunha44
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de inauguração
simultânea das novas instalações da unidade II da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD) e do campus Ponta Porã da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Dourados-MS, 24 de agosto de 2010.
82
se, primordialmente, por intelectuais. Ele toma para si a imagem de um “peão” para
demonstrar que, apesar de não ter estudado por muitos anos, trabalhou mais em
seu mandato e fez mais pelas universidades do que qualquer outro político
intelectual.
Em outra situação, dirigindo-se a empregados da fábrica de automóveis
Daimler Chrysler do Brasil, Lula assume outra cenografia:
Eu saio daqui como homem politicamente realizado, como sindicalista
realizado, [...]45
A imagem de sindicalista é adotada em 15% das situações avaliadas e, neste
exemplo, é empregada como forma de demonstrar que o presidente está tão
próximo de seu público que pode ser comparado a um sindicalista preocupado com
os direitos de sua classe de trabalhadores.
É preciso considerar que os trabalhadores em questão são metalúrgicos
pertencentes a uma classe que, historicamente, contou com a representação incisiva
de seu sindicato. Essa cenografia, portanto, reforça o ethos de chefe do presidente,
aquele que, sendo do povo, foi escolhido para representá-lo.
Outra cenografia, desta vez, um tanto curiosa, é empregada em discurso
voltado especialmente a sindicalistas. Em determinado momento, Lula afirma:
Como eu já fui, durante muito tempo, perseguido neste país, eu não
quero carregar nas minhas costas a marca de que eu persegui alguém.
Não perseguirei uma única pessoa neste país.46
Embora esteja se dirigindo a uma classe de que já fez parte, Lula não adota
uma cenografia de homem sindicalista neste caso. A imagem de alguém que já
sofreu perseguição é justificada por outro motivo.
As denúncias a respeito do escândalo do mensalão tinham repercutido
naquele ano, pouco tempo antes desse encontro de Lula com os sindicalistas. O
político, então, aproveita a ocasião e comenta, em uma demonstração de um ethos
de seriedade, que a função do Presidente da República não é a de perseguir e
condenar ninguém antecipadamente, mas, como um homem justo faria, contribuir
45
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na exposição de produtos da
fábrica Daimler Chrysler do Brasil. São Paulo, 10 de março de 2003.
46 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
83
para que denúncias sejam investigadas e, se comprovadas, que haja a devida
punição, ainda que sejam oriundas de seu próprio partido.
Dessa forma, o ex-presidente adota, neste discurso, a cenografia de alguém
que, outrora, também foi perseguido injustamente, o que não pretende fazer em seu
governo.
Naturalmente, essas imagens variáveis têm seu efeito potencializado, porque
o ethos pré-discursivo de Lula corresponde ao de um homem que já vivenciou
situações diversas em sua vida. As inúmeras cenografias adotadas pelo expresidente em cada discurso confirmam a veracidade dessas representações diante
do público.
Vale destacar que os estudos de Amossy (2008) a respeito das modalidades
argumentativas também foram cruciais para perceber as estratégias presentes nos
discursos de Lula.
As modalidades argumentativas são categorias que modelam o discurso,
especialmente, no que diz respeito às estratégias de persuasão, empregadas pelo
locutor.
Dentre
todas
as modalidades
aprofundadas
por
Amossy (2008)
–
demonstrativa, patética, pedagógica, de co-construção, negociada e polêmica –,
verificou-se que as modalidades de co-construção, negociada e polêmica não foram
empregadas nos discursos ora analisados. Isso se deve ao fato de que são próprias
de situações discursivas em que há a participação direta do interlocutor na
comunicação – a modalidade de co-construção requer a participação direta do
interlocutor na ação conjunta de problemas em comum; a modalidade negociada
pressupõe a união de partes divergentes pela solução de um problema também em
comum e a modalidade polêmica consiste no debate de adversários em busca da
adesão de um terceiro.
Essas situações não correspondem ao tipo de texto analisado, o discurso de
um político já eleito pelo povo. Ainda que exista oposição a seu governo, não há
espaço para essa instância em um pronunciamento do presidente, portanto, em um
discurso monodialogal.
No que se refere às modalidades argumentativas presentes no corpus,
verificou-se predominância da modalidade patética, com 41,9% dos casos. É preciso
reiterar que essa modalidade se vale da emoção como fator principal para a
atividade argumentativa.
84
O uso majoritário dessa modalidade revela que, nos discursos analisados, o
ex-presidente recorria ao sentimentalismo, de maneira frequente, como estratégia
para argumentar diante de seus interlocutores.
A presença da modalidade patética fica evidente em passagens, como a
seguinte:
Eu quero visitar grandes fazendas produtivas, mas quero visitar os
assentamentos onde as pessoas estão dormindo embaixo do encerado
preto, passando fome. Eu quero visitar as boas casas deste país, mas
quero visitar as encostas dos morros, onde nossos irmãos estão
morrendo, a cada garoa, a cada chuva que dá nas grandes cidades. 47
A construção desse trecho baseia-se em um paralelismo sintático que
destaca classes antagônicas do país – os muito ricos e os muito pobres. Assim, o
presidente demonstra que não quer privilegiar uma classe, mas conhecer a
realidade de todas, ainda que se localizem em posições extremas.
A emoção torna-se evidente, especialmente, quando caracteriza a condição
dos mais necessitados. A menção à fome e à morte costuma sensibilizar o auditório,
principalmente se ele é formado por pessoas de origem humilde que já vivenciaram
tais situações.
Em outra ocasião, Lula também se utiliza da referência à fome para persuadir
seu público. Desta vez, contudo, o problema envolve crianças:
Nós queremos saber se a pessoa cometeu um delito, se esse delito foi
apurado e se ele foi verdadeiro, como aquele de prefeitos em Alagoas,
que tiravam o dinheiro da merenda escolar. [...] não é possível alguém
ser tão mau que consiga tirar dinheiro da boca de criança, um dinheiro
sofrido que, muitas vezes, não chega onde deveria chegar.48
A capacidade de um indivíduo de desviar verbas da merenda escolar,
deixando crianças com fome, é trazida à luz por Lula como algo repugnante, que
merece punição adequada, já que pode ser considerado um crime que faz vítimas
inocentes.
47
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na exposição de produtos da
fábrica Daimler Chrysler do Brasil. São Paulo, 10 de março de 2003.
48 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
85
Apesar do equívoco de raciocínio em dizer “tirar dinheiro da boca de criança”,
o tom sentimental destaca-se no exemplo do presidente, em que atrela um problema
grave – a fome – a um grupo ainda indefeso – as crianças. Esse discurso
sentimental evidencia, dessa forma, o emprego da modalidade patética.
A menção à pobreza e à miséria como forma de provocar sentimentos é o
recurso mais frequente encontrado nos discursos de Lula em que ocorre a
modalidade patética. Note-se seu emprego no trecho a seguir:
Então, é preciso que a gente aprenda que o Brasil não é feito apenas
de coisas ruins, o Brasil tem coisas extraordinárias acontecendo neste
País e nós precisamos mostrar até para que sirva de incentivo a outras
pessoas que estão dentro de casa desesperançadas, jovens que
levantam de manhã, dormindo, cozinhando, fazendo as suas
necessidades num quarto de 3x3, repartindo espaço com rato, com
córrego, sabendo que seus amigos têm computador e que ele não tem,
sabendo que seus amigos têm televisão e ele não tem, sabendo que
seus amigos têm computador e ele não tem. Qual é a esperança?49
O apelo à emoção é intensificado, nesse trecho, a partir da descrição
minuciosa de situações vivenciadas por jovens de todo o Brasil, vítimas, segundo o
discurso do presidente, da falta de oportunidades. Além disso, o paralelismo
sintático é empregado mais uma vez e ajuda a demarcar a diferença entre aqueles
que vivenciam melhores condições e aqueles que nada possuem: “sabendo que
seus amigos têm computador e que ele não tem, sabendo que seus amigos têm
televisão e ele não tem”.
Essa oposição põe em evidência grupos distintos da sociedade, realçando,
pela emoção, a situação desfavorável dos mais pobres. Assim, é possível perceber
uma clara utilização da modalidade patética, auxiliando na argumentação do político.
No corpus analisado, também foram encontrados exemplos da modalidade
demonstrativa – 30,2% de frequência. Segundo Amossy (2008), essa modalidade
privilegia a razão como forma de persuadir o interlocutor. Naturalmente, em um
discurso político, há grande possibilidade de empregar dados e citar provas para que
haja veracidade de informações. Veja-se o trecho a seguir:
49
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de inauguração
da nova central de atendimento telefônico da empresa ATENTO. São Paulo – SP, 16 de fevereiro de
2007.
86
E é importante lembrar um dado que, muitas vezes, nós desprezamos,
que foi dito pelo Ricardo Berzoini: se pegarmos a média de empregos
criados nesses últimos 12 meses, foi uma média mensal de 120 mil
empregos. No governo passado eram apenas 8 mil empregos, quando
muito.50
Os números citados por Lula, no discurso em questão, transmitem confiança
ao público, porque indicam que o presidente é alguém que conhece a real situação
do país.
A modalidade demonstrativa, nesse trecho, reforça ainda o ethos de chefe do
político, que, em comparação com o governo anterior, está gerando mais empregos
para a população.
Outra modalidade argumentativa que também se relaciona com o ethos de
chefe é a pedagógica. É importante frisar que essa modalidade tem como
característica principal o ensinamento transmitido ao interlocutor a partir de um
enunciador que ocupe uma posição de superioridade, daí a importância do chefe.
Foi empregada por Lula em 27,9% dos casos verificados.
Em alguns momentos, Lula empregou essa modalidade, como se percebe a
seguir:
Então, companheiros, se vocês aprenderam a levantar a cabeça, eu
vou dar um conselho: nunca mais abaixem a cabeça, nunca mais.
Sejam humildes, não percam nunca a humildade de vocês, não percam
nunca o companheirismo, mas não abaixem mais a cabeça, porque se
abaixar a cabeça, eles voltam a colocar uma cangalha no nosso
pescoço e a gente não levanta mais a cabeça.51
Aqui, o presidente transmite um conselho ao povo, assumindo a imagem de
um guia pastor, como explica Charaudeau (2011 p. 154): “um condutor de homens
que sabe se fazer seguir, do sábio que tem uma vida interior e do homem
determinado que sabe aonde vai.”
Os verbos no modo imperativo – (nunca / não) “abaixem”, “sejam”, (não)
“percam” – permitem observar o caráter pedagógico dessa modalidade empregada
por Lula, já que indicam conselhos direcionados ao povo.
50
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
51 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de entrega da última
fase das obras de reconstrução do cais do Porto de Itajaí. Itajaí-SC, 27 de outubro de 2010.
87
A incidência dessas três modalidades – patética, demonstrativa e pedagógica
– responde ao questionamento inicial desta pesquisa a respeito da forma de
representação prototípica de Lula nos discursos analisados. Percebe-se que, apesar
da predominância da modalidade patética, todas as demais modalidades
argumentativas encontradas nos discursos auxiliam na atividade persuasiva de Lula
com o objetivo de reforçar a imagem de chefe do ex-presidente.
Essa imagem de chefe destaca um político, sobretudo, humano, que expõe
seus sentimentos e partilha-os com o povo (modalidade patética); que detém a
legitimidade para governar e fortalece sua liderança a partir de dados ou fatos
(modalidade demonstrativa); que tem poder e experiência, o que o torna capaz de
transmitir ensinamentos (modalidade pedagógica).
A análise do corpus desta pesquisa também demonstrou a incidência de
metáforas em algumas construções do ex-presidente.
Pela verificação das incidências das metáforas, foi possível comprovar o que
Lakoff e Johnson (1980) afirmam: as metáforas presentes foram formuladas a partir
de situações concretas de domínio da população, situações com as quais o povo
convivia e que, portanto, faziam parte de seu universo cultural.
Vejam-se, a título de ilustração, duas ocorrências de metáforas que
aproximam o ato de governar à educação transmitida pelos pais:
Ora, eu tenho cinco filhos, só com a minha “galega”, aqui, eu tenho
quatro. E eu sei que, por mais que a gente ame os filhos, quando a
Marisa engravidou eu fiquei doido: agora vou ser papai, e fiquei nove
meses grudado na barriga dela: “ele está chutando, ele está se
mexendo”. Eu tive que esperar nove meses para ele nascer. Depois
que nasceu, eu tive que esperar quase 11 meses para ele andar.
Depois, ainda tive que esperar 12 meses para ele aprender a falar
papai ou mamãe. Então, por que eu vou fazer as coisas com pressa?
Eu tenho que ter a paciência da natureza e trabalhar com a sabedoria
coletiva do nosso povo, para que a gente possa cumprir cada coisa que
prometeu para vocês, cada palavra que nós falamos nos nossos
discursos.52
E ainda:
52
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na exposição de produtos da
fábrica Daimler Chrysler do Brasil. São Paulo, 10 de março de 2003.
88
Eu digo sempre o seguinte: governar é fazer o papel de mãe. Na
verdade, a gente não governa, Nelson. Deve ter sido um intelectual que
bolou essa palavra “governar” porque, na verdade, o que nós fazemos
é cuidar do nosso povo, a palavra correta é “cuidar”, é cuidar do povo.
E da mesma forma que uma mãe é honesta, se ela tiver cinco filhos na
mesa, pode ter um mais bonito, pode ter um maior, mas se tiver cinco
bifes, ela vai dar um bifinho para cada um, e se alguém pegar dois vai
tomar uma bronca. É assim que a gente deve governar: se a gente
pode só dar um bifinho para cada um, é um bifinho para cada um, mas
não pode dar dez para um e nem um para o outro, como habitualmente
se fazia neste país.53
Sabendo que há muitos pais e muitas mães dentre seus interlocutores, o
presidente, diante de uma ideia abstrata e complexa que é o ato de governar um
país, estabelece metáforas que se aproximam do povo. Essas metáforas
relacionadas à educação dos pais foram empregadas em 29% dos casos
analisados.
No primeiro fragmento, a paciência de um pai, que tem de esperar por cada
fase de crescimento do filho, equivale ao domínio fonte, ao ponto de partida que
conduz ao domínio alvo – a paciência de um presidente, que tem de esperar o
momento certo de cumprir suas promessas ao governar seu país.
No segundo trecho, o domínio fonte corresponde ao zelo e à imparcialidade
de uma mãe para com seus filhos, enquanto o domínio alvo é, igualmente, o zelo e a
imparcialidade de um presidente para com os estados de seu país. Nesse discurso,
Lula ainda acrescenta a metáfora do “bifinho”, ressaltando a necessária equidade de
um presidente, que não pode distribuir mais recursos para um estado do que para
outro.
As metáforas construídas a partir da comparação com o universo do futebol
foram também recorrentes no corpus verificado – 24% de frequência.
O futebol é o esporte mais apreciado no Brasil, e Lula também deixava
evidente esse gosto particular em seus discursos. Empregar metáforas relacionadas
ao futebol era uma estratégia eficiente do ex-presidente para ser entendido pela
massa:
53
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de inauguração
do projeto de urbanização de favelas nas bacias dos córregos Cabaças e Segredo; assinatura do
contrato de financiamento do programa Pró-Transporte e assinatura de ordem de início das obras do
contorno rodoviário de Campo Grande. Campo Grande-MS, 24 de agosto de 2010.
89
Eu não quero fazer nada de forma atabalhoada, não quero fazer nada
de forma precipitada. Vejam que o Corinthians foi precipitado e o
Palmeiras marcou dois gols. Quando ele trabalhou com juízo, ele
recuperou. Vejam que a Portuguesa Santista foi atabalhoada, o São
Paulo marcou 5, quando ela jogou corretamente, só foi 1 x 0. Então eu
sei dos problemas do nosso país [...].54
No discurso em questão, Lula afirma que não tem pressa em realizar seu
trabalho como presidente em favor da sociedade. Essa sinceridade revela um ethos
de virtude, de um político que não mente para parecer mais produtivo, mas, antes,
prefere cumprir suas obrigações com um olhar na realidade e com a segurança de
que está fazendo o que é correto ao povo.
Para chegar a essa imagem, Lula compara sua cautela com a do Corinthians,
seu time do coração, após ser precipitado e perder para o Palmeiras. Em seguida,
utiliza outra situação semelhante, desta vez, envolvendo a Portuguesa Santista
diante do São Paulo.
De maneira lúdica e próxima da realidade dos interlocutores, Lula deixa claro
que atitudes precipitadas podem pôr em risco o êxito de determinadas empreitadas.
Ao contrário, agindo com paciência e cuidado, o resultado pode ser favorável.
Assim, o domínio fonte dessa metáfora seria a precipitação ou a calma de um
time de futebol comparadas a essas mesmas atitudes de um governo na
administração do país, o que equivale ao domínio alvo.
As metáforas encontradas nos discursos confirmam a hipótese de que Lula
construía para si um ethos popular em seus pronunciamentos. Para se aproximar do
povo, o político formulava metáforas com base em conhecimentos pertencentes a
toda a sociedade, em especial, àqueles de origem humilde.
Quanto às categorias estabelecidas para a análise do corpus, vale destacar
que as construções dos ethé, as variedades cenográficas e as modalidades
argumentativas respeitam os procedimentos enunciativos que variam de acordo com
a situação a que estão submetidos.
No que diz respeito às modalidades que compõem o modo enunciativo de
organização do discurso, proposto por Charaudeau (2011), percebe-se a
supremacia da enunciação elocutiva – 87,1% dos casos –, que se concentra no uso
da primeira pessoa do discurso. Em menor grau (12,5% de incidência), encontra-se
54
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na exposição de produtos da
fábrica Daimler Chrysler do Brasil. São Paulo, 10 de março de 2003.
90
a enunciação alocutiva, com enfoque direcionado para a 2ª pessoa do discurso.
Com menor frequência que as demais (0,4%), está a enunciação delocutiva, que se
centra no fato, no discurso impessoal, na 3ª pessoa do discurso.
O que se pode concluir, com essa verificação, é que as estratégias
argumentativas de Lula se centram em sua pessoa, daí o predomínio da força do
ethos em seus discursos. Alguns casos serão voltados ao interlocutor, em uma
exploração do pathos. Por último, o logos não recorrente indica que Lula prefere a
subjetividade ao discurso racional.
Ainda assim, os três procedimentos enunciativos podem ser verificados na
pesquisa. Veja-se, por exemplo, uma ocorrência de enunciação elocutiva em:
Ora, então para mim, para mim é motivo de orgulho, para mim é motivo
de orgulho saber que eu estou terminando o oitavo ano de governo e
que o meu Ministro da Ciência e Tecnologia vai à SBPC e é aplaudido
de pé pela política de ciência e tecnologia que nós colocamos em
prática neste país [...]55
São visíveis os índices que marcam a modalidade elocutiva nesse trecho do
discurso: o emprego da 1ª pessoa do singular nos pronomes “mim”, “eu” e “meu”, e
na locução verbal “estou terminando”; o uso da 1ª pessoa do plural no pronome
“nós” e no verbo “colocamos”; o uso do dêitico “neste país”.
Essas marcas linguísticas ressaltam a pessoa do político, que ora fala por si,
ora fala por sua equipe de governo. Nos dois casos, é a figura do chefe que se
sobressai diante do povo.
Os casos de enunciação alocutiva aparecem com expressão reduzida nos
discursos, mas, em alguns momentos, Lula dirige-se ao povo:
Então, ao terminar o meu mandato, eu termino satisfeito com uma
coisa simples: foi possível provar, neste país, que um de vocês pode
ser presidente da República. Vocês não têm que ter mais o medo que
tinham em 1989 [...]56
55
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de inauguração
simultânea das novas instalações da unidade II da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD) e do campus Ponta Porã da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Dourados-MS, 24 de agosto de 2010.
56 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de entrega da última
fase das obras de reconstrução do cais do Porto de Itajaí. Itajaí-SC, 27 de outubro de 2010.
91
Desta vez, por meio do pronome “vocês”, em dois momentos no trecho, e do
verbo “ter” (têm), Lula fala diretamente ao auditório, como se aquele público
presente também representasse a mesma parcela da sociedade que deixou de votar
no político nas eleições de 1989.
Mesmo com pouca presença nos discursos analisados, a modalidade
alocutiva contribui para o fortalecimento da imagem de Lula como um chefe, já que
expressa a autoridade do líder, que deve ser ouvido pelos seus liderados no ato de
comunicação.
Por sua vez, a enunciação delocutiva, mais rara no corpus analisado,
representa uma opção que não corresponde à imagem adotada pelo ex-presidente.
É possível, contudo, observar um dos momentos em que é empregada por ele:
Todo mundo adora que haja uma forte investigação dos outros. Todo
mundo quer que haja um forte combate à corrupção dos outros. Todo
mundo acha que é preciso investigar tudo desde que chegue na casa
do vizinho e não na sua.57
Ao fazer referência ao fato de “todo mundo” saber algo, Lula não privilegia a
1ª pessoa do discurso – quem fala –, tampouco implica o interlocutor, diretamente,
na cena enunciativa. O objetivo maior é tornar a afirmação uma verdade
inquestionável, sem autoria, como forma de transmitir uma informação de maneira
impessoal, ou seja, sem que os interesses do locutor estejam envolvidos.
Na mesma ocasião desse discurso, um uso curioso de modalidade delocutiva
foi empregado pelo presidente:
O que o Presidente da República tem, deve e pode fazer é facilitar que
tudo o que for denunciado e tiver indícios de prova possa ser
investigado, com toda transparência possível, para que a sociedade
brasileira possa saber.58
De acordo com a construção do discurso, esse trecho é uma evidência de
modalidade delocutiva, por apresentar uma afirmação sem autoria marcada, sem
imbricação do interlocutor e com o uso da terceira pessoa: “O que o Presidente da
República tem, deve e pode fazer”.
57
Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
58 Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005.
92
Essa estratégia, contudo, revela, pela análise de seu conteúdo, uma
associação indireta com a pessoa do político, já que Lula discursa na posição de
Presidente da República sobre, justamente, sua própria função no governo. Assim, o
que se percebe é uma referência feita pelo político a si mesmo, tratando-se como
uma terceira pessoa.
A análise deste corpus só foi possível a partir da constatação de que os textos
tinham o improviso como característica fundamental na sua construção.
Essa marca nos discursos de Lula fazia-o aproximar-se do povo, reforçando o
ethos de chefe que está presente em todos os pronunciamentos analisados. Outro
elemento fundamental que transparece nos discursos é o carisma do político. A
origem de seu carisma e de sua energia não surgiu no governo, mas advém da
época em que era dirigente sindical metalúrgico.
O primeiro contato de Frei Betto com Lula, em janeiro de 1980, revela o
destaque dessa característica segundo a impressão do religioso. Nas palavras de
Frei Betto:
[...] a liderança de Lula não emergia da horda de miseráveis nem da
projeção arquitetada pelas estruturas de um partido político. Era a ‘força da
natureza’, como diziam alguns analistas, a voz rouca, impositiva, a retórica
afetuosa, o apelo moral, a capacidade de apelar aos brios da classe
trabalhadora e fazer paralisar as multinacionais da indústria automobilística.
Havia nele carisma, essa aura fulgurante que reveste poucos seres
humanos, como se emanassem uma energia, um calor capaz de aquecer os
que deles se aproximam. Seu discurso exortativo, ético, dispensava
formulações ideológicas e nunca apelava a chavões do vocabulário da
esquerda. E a categoria metalúrgica do ABC, sua base sindical, o mirava
com a mesma confiança do viajante de olho na bússola rumo ao porto
seguro. (BETTO, 2006, p. 38)
Nesse período, o ethos de chefe, de líder, já acompanhava Lula. Muitos
elitistas criticavam a linguagem simples do político, os improvisos mesmo no
governo e até os desvios gramaticais, repreendendo suas formas de discurso sob a
alegação de que não condiziam com um líder sindicalista, com um candidato à
presidência ou, principalmente, com o Chefe da Nação.
A falta de escolaridade de Lula, entretanto, foi exatamente o que o aproximou
da realidade de milhões de brasileiros que, portanto, reconheciam e legitimavam,
após sua eleição, a figura do líder popular carismático, como “gente da gente”,
93
oriundo das entranhas de um Brasil nunca antes representado na política. Esse fato
corrobora, portanto, o ethos popular do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A seção seguinte demonstrará, portanto, a incidência numérica dos
fenômenos detalhados nesta análise qualitativa.
5.2 Análise quantitativa dos dados
O questionamento principal que norteou esta pesquisa trata dos tipos de ethé
que seriam transmitidos por Lula nos discursos verificados. Charaudeau (2011)
agrupa essas imagens políticas em dois grupos: os ethé de credibilidade (ethos de
sério, de virtude e de competência) e os ethé de identificação (ethos de potência, de
caráter, de inteligência, de humanidade, de chefe e de solidariedade).
Dessa forma, em relação ao predomínio de um dos grupos, verificou-se que
os ethé de identificação equivalem a 83% dos casos analisados (251 casos), contra
17% de ocorrência dos ethé de credibilidade (52 casos). Veja-se o gráfico a seguir:
FREQUÊNCIA DOS ETHÉ AGRUPADOS POR
TIPOLOGIA
17%
ETHÉ DE CREDIBILIDADE
83%
ETHÉ DE IDENTIFICAÇÃO
Ao se observar a incidência de cada ethos no corpus, percebe-se a presença
majoritária do ethos de chefe, com 38,6% do total de casos (117 ocorrências). O
ethos de humanidade vem em seguida, com 21,1% de frequência (64 incidências).
Pertencente ao grupo dos ethé de credibilidade, o ethos de sério é o terceiro mais
empregado por Lula, com 10,9% dos casos (33 ocorrências). O ethos de caráter fica
na quarta colocação em número de ocorrências, com 10,2% do total (31 casos). Em
94
seguida está o ethos de solidariedade, com o equivalente a 9,2% dos casos (28
incidências). O ethos de competência distancia-se consideravelmente do anterior,
com 4,6% de incidência (14 ocorrências). Os últimos três ethé foram, portanto,
menos produtivos nos discursos. O ethos de potência correspondeu a 2,3% do total
de casos (7 incidências); o ethos de virtude esteve presente em 1,7% de ocorrências
(5 ocorrências) e o ethos de inteligência, como o mais incomum, apresentou 1,3%
dos dados obtidos (4 casos). Observe-se o gráfico:
FREQUÊNCIA DOS ETHÉ
Ethos de chefe
38,6%
Ethos de humanidade
21,1%
Ethos de sério
10,9%
Ethos de caráter
10,2%
Ethos de solidariedade
Ethos de competência
9,2%
4,6%
Ethos de potência
2,3%
Ethos de virtude
1,7%
Ethos de inteligência
1,3%
Nos discursos analisados, foram encontradas cenografias distintas adotadas
pelo presidente. Algumas dessas representações foram empregadas mais de uma
vez em contextos diferentes.
A cenografia mais frequente relaciona-se a uma representação de Chefe da
Nação, Presidente da República ou ainda Dirigente político. Mesmo ocupando o
cargo máximo do país, Lula, em 24% das situações (3 casos), decide falar ao povo a
partir desses lugares, demarcando bem que, naquelas circunstâncias, ele não fala
como um cidadão qualquer.
Em seguida, quatro cenografias equilibram-se com a mesma frequência de
utilização, 15% dos casos (duas ocorrências). O político falou, nessas situações, do
lugar de um metalúrgico, de um pai, de um peão trabalhador e de um sindicalista.
Empatadas como escolhas menos frequentes, aparecem as cenografias de
ser humano e de torneiro mecânico, cada uma com apenas 8% de ocorrência no
corpus verificado (uma incidência para cada).
95
FREQUÊNCIA DE CENOGRAFIAS
8%
24%
Torneiro mecânico
8%
Ser humano
15%
15%
Sindicalista
Peão trabalhador
15%
15%
Pai
Metalúrgico
Chefe da Nação
Quanto às modalidades argumentativas, três delas não foram encontradas no
corpus desta pesquisa, as modalidades de co-construção, polêmica e negociada.
Essa ausência deve-se ao fato de serem modalidades que envolvem o interlocutor
ou a instância adversária (Cf. CHARAUDEAU, 2011, p. 56), sem possibilidade de
expressão nos discursos analisados.
As demais modalidades apresentam frequência equilibrada nos discursos. A
modalidade patética lidera o grupo, com 41,9% das ocorrências analisadas (18
casos). Em seguida está a modalidade demonstrativa, com 30,2% de frequência (13
ocorrências). A modalidade pedagógica aparece quase que na mesma proporção da
anterior, com 27,9% do total contabilizado (12 incidências). Veja-se o gráfico:
FREQUÊNCIA DAS MODALIDADES
ARGUMENTATIVAS
Patética
41,9%
Demonstrati…
30,2%
Pedagógica
27,9%
Co-construção
0,0%
Polêmica
0,0%
Negociada
0,0%
96
No que concerne às metáforas presentes nos discursos analisados, 29%
foram construídas a partir de assuntos diversos (5 casos); outras 29% equivalem a
comparações com as funções de um pai ou de uma mãe na família (5 ocorrências);
24% baseiam-se em comparações com assuntos relacionados a futebol (4
incidências) e 18% são formadas a partir de ditados populares (3 casos). Observese a figura:
FREQUÊNCIA DE METÁFORAS
18%
29%
Pai / Mãe
Outros
24%
29%
Futebol
Ditados populares
Por último, a leitura quantitativa dos procedimentos enunciativos revelou a
preferência do ex-presidente pela modalidade elocutiva em 87,1% de todos os casos
contabilizados (1816 índices). Foram consideradas como marcas da modalidade
elocutiva pronomes de 1ª pessoa do singular e do plural, verbos conjugados em 1ª
pessoa do singular e do plural e dêiticos.
A modalidade alocutiva corresponde a 12,5% dos casos (260 incidências).
Nesse grupo, os pronomes e verbos relacionados à segunda pessoa do discurso –
“tu” ou “você” – correspondem às marcas linguísticas que foram consideradas nesta
pesquisa.
Apenas 0,4% do total de casos analisados corresponderam à modalidade
delocutiva (8 casos). Em muitas situações, o presidente iniciava sua fala com o
discurso impessoal, mas, em seguida, na mesma sequência, incluía-se ou
direcionava seu pronunciamento aos interlocutores. Esses casos não foram
contabilizados como representantes da modalidade delocutiva, já que seria
necessário fazer recortes para que esses trechos fizessem parte das estatísticas.
97
Dessa forma, apenas fragmentos que, efetivamente, não transpareçam autoria ou
direcionamento foram incluídos.
FREQUÊNCIA DE PROCEDIMENTOS
ENUNCIATIVOS
Elocução
87,1%
Alocução
Delocução
12,5%
0,4%
A análise quantitativa desta pesquisa, portanto, corroborou o que a análise
qualitativa demonstrou, quando se deteve, minuciosamente, ao material presente no
corpus.
Assim, demonstrou-se um panorama geral de todos os dados verificados
nesta análise. A próxima seção deste trabalho apresentará, de forma sucinta, o que
se pôde concluir a partir dessas informações.
98
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A conclusão desta pesquisa possibilitou um aprofundamento nos processos
envolvidos na construção do ethos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O corpus desta pesquisa compôs-se de discursos proferidos durante os dois
mandatos de Lula como Presidente da República, em contextos nos quais o públicoalvo variava quanto à classe social.
Dessa forma, a análise desses discursos permitiu inferir, inicialmente, que
Lula apresentava um ethos popular que privilegiava a identificação do povo com sua
imagem, daí a predominância dos ethé de identificação sobre os ethé de
credibilidade.
Essa imagem era construída por meio de diversos recursos, sendo, o
principal, o emprego do ethos de chefe, não como um líder soberano ou distante,
mas identificado com o povo, porque oriundo das camadas mais pobres da
sociedade.
Nesse sentido, o ethos prévio do presidente auxiliou consideravelmente na
formação do ethos discursivo. Conhecer as raízes do presidente e identificar traços
de sua origem em sua fala, em suas construções simples e em suas improvisações
garantia maior adesão do público por ele representado.
A análise de discursos voltados a diferentes públicos também permitiu
concluir que não havia variação nos ethé empregados por Lula quando a situação
discursiva se alterava. Mesmo diante de empresários ou de metalúrgicos, por
exemplo, a imagem de Lula era a de um político popular, de origem humilde, sem
que isso representasse um sentimento de alteridade no auditório. Outras imagens
faziam-se presentes também e fortaleciam a ligação do político com seus
interlocutores, como o ethos de competência e o ethos de sério.
No que concerne aos procedimentos enunciativos, esta pesquisa demonstrou
a predominância de marcas linguísticas relacionadas à modalidade elocutiva. A
presença majoritária dessa modalidade nos discursos fortalece a liderança do
político, evidenciando ainda mais o ethos de chefe de Lula.
Além disso, essa imagem de líder do povo era ratificada por marcas
linguísticas que se tornaram evidentes após a análise dos discursos. A seleção
vocabular simples e o predomínio da 1ª pessoa do singular, em discursos
improvisados, garantiam maior aproximação do político ao povo.
99
Essas construções eram potencializadas, muitas vezes, quando inseridas em
metáforas produzidas por Lula, que as utilizava para facilitar a compreensão de
situações complexas por meio de sua aproximação com fatos concretos e presentes
no cotidiano dos cidadãos, como o universo do futebol e a administração de um lar,
feita por pais e mães. Mais uma vez, essa estratégia, fortalecia a imagem popular de
Lula.
Em se tratando das cenografias adotadas pelo político nos discursos, foi
possível perceber que também elas corroboravam o ethos popular de Lula,
aproximando-o ainda mais dos interlocutores específicos de cada situação
discursiva, ora como metalúrgico, quando falava a esse grupo, ora como sindicalista,
quando era esse o público presente, por exemplo.
Nessa busca pela adesão do público, as modalidades argumentativas
mostravam-se fundamentais, pois proporcionavam nuanças diferentes à atividade
persuasiva do ex-presidente de acordo com os objetivos pretendidos.
A modalidade patética era empregada quando o político desejava destacar
um ethos de humanidade, portanto, mais voltado ao sentimentalismo. A modalidade
demonstrativa, baseada em argumentos racionais, bem como as modalidades
pedagógica e de co-construção – que privilegiavam, respectivamente, os
ensinamentos e a solução conjunta – contribuíam para um reforço do ethos de
chefe, já que indicavam ser o líder um detentor de sabedoria e, ao mesmo tempo, de
humildade.
Com esta análise, foi possível compreender, portanto, os altos índices de
popularidade alcançados por Lula ao final de seu segundo mandato. O político
entrou para a história do Brasil com 85% de aprovação59 por parte dos brasileiros.
Independentemente de suas atitudes como Presidente da República, a análise de
seus discursos comprova essa imagem de líder exaltado pela nação.
59
Disponível em: <http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2010/12/1211078-acima-dasexpectativas-lula-encerra-mandato-com-melhor-avaliacao-da-historia.shtml> Acesso em 31/08/2013.
100
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103
ANEXOS
Anexo 1: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na
exposição de produtos da fábrica Daimler Chrysler do Brasil.
São Paulo – SP, 10 de março de 2003
104
105
106
107
108
109
110
111
112
113
Anexo 2: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na
cerimônia de inauguração da nova unidade de fundição da fábrica Dedini S.A.
Piracicaba-SP, 16 de janeiro de 2004
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
Anexo 3: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no
encontro com sindicalistas.
Palácio do Planalto, 11 de julho de 2005
124
125
126
127
128
129
130
131
Anexo 4: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na
cerimônia de sanção da lei que estabelece as diretrizes para a formulação da
Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares
Rurais.
Palácio do Planalto, 24 de julho de 2006
132
133
134
135
136
137
138
139
Anexo 5: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na
cerimônia de assinatura dos contratos para construção dos 10 primeiros
navios da Transpetro.
Suape-Pernambuco, 31 de janeiro de 2007
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Anexo 6: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
durante cerimônia de inauguração da nova central de atendimento telefônico
da empresa Atento.
São Paulo - SP, 16 de fevereiro de 2007
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Anexo 7: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no
encerramento do Fórum Empresarial Brasil-África do Sul.
Johannesburgo-África do Sul, 09 de julho de 2010
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Anexo 8: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
durante cerimônia de lançamento da Campanha Internacional Turística para o
Brasil 2014.
Johannesburgo-África do Sul, 09 de julho de 2010
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Anexo 9: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na
cerimônia de inauguração simultânea das novas instalações da unidade II da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e do campus Ponta Porã da
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Dourados-MS, 24 de agosto de 2010
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Anexo 10: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na
cerimônia de entrega da última fase das obras de reconstrução do cais do
Porto de Itajaí.
Itajaí-SC, 27 de outubro de 2010
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Anexo 11: Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,
durante cerimônia de inauguração do projeto de urbanização de favelas nas
bacias dos córregos Cabaças e Segredo; assinatura do contrato de
financiamento do programa Pró-Transporte e assinatura de ordem de início
das obras do contorno rodoviário de Campo Grande.
Campo Grande-MS, 24 de agosto de 2010
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