Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
“FOMENTO MERCANTIL – POSSIBILIDADE DO USO DE
GARANTIAS REAIS E PESSOAIS”
Autor: Bruno Stacciarini Rocha Oliveira
Orientador: Prof. Doutor Ronaldo Lindimar Marton
Brasília – DF
2010
i
BRUNO STACCIARINI ROCHA OLIVEIRA
FOMENTO MERCANTIL: POSSIBILIDADE DE USO DE
GARANTIAS REAIS E PESSOAIS
Projeto de pesquisa apresentado ao curso de
graduação em direito da Universidade
Católica de Brasília como requisito parcial
para obtenção do título de bacharel em Direito
Orientador: MSc Ronaldo Lindimar Marton.
Brasília
2010
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RESUMO
OLIVEIRA, Bruno Stacciarini Rocha Oliveira. Fomento Mercantil: possibilidade do
uso de garantias reais e pessoais. 74 folhas. Monografia apresentada ao Curso de
Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2010.
O autor pretende com o presente trabalho de pesquisa definir a atividade de fomento
mercantil, atividade esta ainda pouco conhecida no Brasil, não obstante responsável
por grande parte do financiamento das pequenas e médias empresas, à luz da
possibilidade de utilização de garantias reais e pessoais nos contratos de tal
natureza. Tendo identificado a relutância da doutrina em aceitar o uso de garantias
nos contratos de factoring, o autor demonstra como nossa lei civil admite o referido
uso, trazendo ainda à colação julgados de nosso tribunais que demonstram estar
havendo uma evolução do pensamento sobre o tema.
Palavras-chave: fomento mercantil, factoring, garantias, obrigações, direitos reais.
i
ABSTRACT
OLIVEIRA, Bruno Stacciarini Rocha Oliveira. Factoring: aplication of security
interests and obligations. 74 pages. Paper presented to the Catholic University of
Brasília, as a requirement to obtain the degree of law, Brasília-DF, 2010.
The writer intends to demonstrate how the factoring activity works in the brazilian
legal system, showing how He believes to be possible the use of obligations and
security interests to secur the contracts of that nature. The paper shows the evolution
of the Brazilian jurisprudence regarding the subject, showing that much of the
prejudice related to the activity has been slowly disappearing.
Keywords: factoring, security interest, obligantions, contract.
i
SUMÁRIO
RESUMO ________________________________________________ i
ABSTRACT
__________________________________________________________
ii
INTRODUÇÃO ____________________________________________1
1. O FOMENTO MERCANTIL OU FACTORING
______________________
4
1.1. ORIGENS ______________________________________________________4
1.2. O FOMENTO MERCANTIL HOJE. NO BRASIL E NO MUNDO ____________7
1.3. MODALIDADES DE FACTORING ________________________________ 17
2. AS GARANTIAS REAIS E PESSOAIS NO DIREITO CIVIL
BRASILEIRO ________________________________________________________ 20
2.1. DAS OBRIGAÇÕES ___________________________________________ 20
2.2. OS DIREITOS REAIS __________________________________________ 26
2.3. AS GARANTIAS APLICADAS AO FOMENTO MERCANTIL ____________ 32
3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
___________________________________ 40
3.1. ACÓRDÃO TJ/ES ______________________________________________ 40
3.2. ACÓRDÃO STJ _______________________________________________ 64
CONCLUSÃO ____________________________________________71
BIBLIOGRAFIA
_____________________________________________________ 73
1
INTRODUÇÃO
A atividade de fomento mercantil, mais conhecida por seu nome em inglês –
factoring, é atividade de natureza bastante controversa, tendo gerado idéias erradas
e criado vários mitos, não somente no imaginário popular, mas também nos
doutrinadores e aplicadores do direito.
A faturização, por possuir natureza que nos remete às operações bancárias,
sem, contudo, ser operação bancária, levou os incautos à seguinte conclusão: quem
empresta dinheiro e não é banco, só pode ser agiota!
O Brasil é um país que passou a maior parte de sua história recente sob a
sombra do processo inflacionário, processo este que castigou duplamente a
população. A uma porque a inflação corroia, de fato, o poder de compra da
população que não tinha acesso aos bancos e, a duas, porque o crédito era
praticamente inexistente, já que a realidade econômico-financeira não lhe era
favorável.
Não tendo acesso, as pessoas mal sabiam o que significava crédito.
Felizmente, com o advento do plano real, essa situação começou a mudar.
Com a estabilidade econômica, passamos a ter poder real de compra e de
poupança, bem como acesso a linhas de crédito que antes nos eram inimagináveis.
Com esta mudança, a imagem que a população fazia do crédito passou se
alterar paulatinamente. O que antes era visto como algo ruim, destinado ao
enriquecimento da elite, à usura, como comumente se diz, se mostrou não somente
uma forma de melhorar as condições de vida, de acesso a bens de consumo, de
moradia, mas principalmente de financiamento das atividades mercantis como um
todo.
Para abrir um pequeno comércio, o cidadão já não precisava mais de ter
grandes reservas de capital. Bastava que tivesse acesso a crédito.
Se no começo desse processo os bancos já fizeram grande diferença, mais
tarde, no entanto, foram as sociedades de fomento mercantil que passaram a
1
financiar, à vista, aquilo que o pequeno e médio comerciante vendia a prazo. Mais
do que isso, esse pequeno comerciante não raras as vezes não possuía o
conhecimento necessário para gerir seu negócio, o que acabava por levá-lo à
bancarrota.
As empresas de fomento mercantil passaram, então a prestar toda uma
assistência, não só creditícia, mas também gerencial às pequenas e médias
empresas, de forma que seus donos pudessem, sem despender de grandes
capitais, se dedicar à atividade-fim dos seus negócios.
Não obstante os benefícios trazidos pela atividade de fomento mercantil, boa
parte dos preconceitos inerentes à atividade permaneceram no imaginário popular,
seja em razão da falta de uma legislação específica para o setor, seja pela prática
espúria adotada por algumas empresas.
Por essa razão, talvez, as sociedades de fomento mercantil tenham sido
castigadas juridicamente com a impossibilidade de pedirem garantias para firmarem
seus contratos, já que tanto a doutrina, como a jurisprudência não o admitiam.
O intuito desse trabalho é investigar se é possível que as empresas de
fomento mercantil exijam de seus clientes garantias – sejam elas reais ou pessoais –
demonstrando, ainda, a evolução dos pensamentos doutrinário e jurisprudencial
acerca do tema, além de tentar contribuir para a desmistificação de uma atividade
que se mostra tão importante para o desenvolvimento econômico de um país,
mormente quando se fala em crédito para a pequena e média empresa, geralmente
excluídas das linhas de crédito oferecidas pelas instituições financeiras.
Para isso, começaremos definindo a atividade de fomento mercantil, seu
histórico, surgimento, bem como demonstraremos um panorama nacional e mundial
do ramo comercial. Após, faremos uma breve revisão bibliográfica acerca dos
direitos pessoais e reais, mormente no que tange à aplicação de tais direitos em
forma de garantias, tanto em sentido amplo, como em sentido estrito (Entenda-se
aqui sentido estrito como a aplicação dos conceitos das garantias reais e pessoais à
atividade de fomento mercantil).
2
Por fim, faremos um apanhado jurisprudencial no intuito de demonstrar que
não obstante já ter constituído, num passado não tão longínquo, tabu o assunto
factoring, assim como também o foi a cobrança de garantias reais e pessoais nesse
ramo comercial, que o entendimento dos tribunais evoluiu no sentido de se admitir
que, em se tratando de uma atividade de natureza comercial como qualquer outra,
principalmente quando lastreada na cessão de títulos, que possuem regramento
próprio no direito brasileiro, é perfeitamente possível, perfeitamente legal que o
factor exija de seus clientes garantias acerca do efetivo pagamento dos recebíveis
entre eles negociados.
3
CAPÍTULO 1 - O FOMENTO MERCANTIL OU FACTORING.
1.1 ORIGENS
O substantivo latino factor é derivado do verbo facere, que significa agir,
fazer, desenvolver. Factor, portanto, quer dizer aquele que faz alguma coisa, que
desenvolve ou fomenta uma atividade mercantil.
A atividade de fomento mercantil, ou factoring, como é mais popularmente
conhecida, tem origem remota, prendendo-se, na verdade, à atividade de certos
comerciantes de origem anglo-saxã que se faziam encarregados do armazenamento
e venda de mercadorias de outros comerciantes dos dois lados do oceano Atlântico.
É o que nos ensina o eminente professor e jurista Fábio Konder Comparato, citado
por José Carlos Dias Guilherme1.
Não obstante, tanto na Grécia quanto na Roma antiga já havia o que se
chamava de “factors”, ou seja, os mesmos procuradores encarregados pelos
comerciantes da guarda e venda de suas mercadorias.
Os romanos, no entanto, tinham no factor um agente mercantil, um prestador
de serviços cujo principal objetivo era o desenvolvimento do comércio local. Por isso,
para desempenhar esse papel, mister far-se-ia escolher um comerciante
conceituado, com bom trânsito pessoal e financeiro entre os comerciantes da área
de sua atuação, que possuiria, entre suas principais obrigações, colher informações
sobre o padrão creditício dos referidos negociantes e, repassando-as aos
proprietários das mercadorias, responsabilizar-se-ia este, então, pela venda,
recebimento e armazenagem de produtos e, por fim, mas não menos importante,
pela cobrança dos créditos oriundos das operações mercantis por ele patrocinadas2.
Luiz Lemos Leite, por sua vez, nos narra que3:
1
GUILHERME, José Carlos Dias. Factoring: teoria e prática. São Paulo: Klarear, 2009.
GUILHERME, José Carlos Dias. Op. Cit. Pg. 31.
3
LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007, 11ª edição, pg. 1.
2
4
Nos primórdios da História do Ocidente, há mais de dois mil anos
antes da nossa era, Hamurabi, Rei da Babilônia, fez gravar num
bloco de pedra, como parte do chamado ‘Código de Hamurabi’,
fórmulas de gestão comercial e normas que regulamentavam os
procedimentos do comércio daquela época. Comércio pressupunha
confiança (crédito). Naqueles primórdios da civilização, a forma de
obter e transferir recursos a terceiros surgia como necessidade do
tráfico de mercadorias e foi utilizada pelos povos antigos, caldeus,
babilônios, fenícios, etruscos, gregos e romanos, entre outros que
faziam comércio no Oriente Médio e no Mediterrâneo.
Afirma o autor que vários são os pesquisadores que vão buscar no
supracitado “Código de Hamurabi” as origens históricas tanto do factoring, como
também das demais atividades comerciais relacionadas com o crédito.
Daí é que chega a asseverar que “(...) as origens do factoring perdem-se em
tempos imemoriais” 4
Reforça o autor a conclusão de José Carlos Dias Guilherme de que a figura
do agente mercantil – ou factor – teria nascido juntamente com a civilização com o
objetivo de facilitar e incrementar o comércio, que, segundo afirma, era baseado
(nesse passado remoto em que não existia a moeda) no escambo, ou seja, na troca
de mercadorias.
Aduz o pesquisador que a troca de mercadorias ou de ativos visando à
obtenção de recursos necessários para que o comerciante pudesse viabilizar sua
atividade seria tão velha quanto o próprio comércio, dando a entender ainda, que
mecanismos como o factoring eram utilizados pelos comerciantes de forma a
contornar as enormes dificuldades encontradas na comercialização de suas
mercadorias.
Dessa forma, mecanismos do porte do factoring ajudavam o comerciante
primitivo a racionalizar sua atividade.
Como bom exemplo da importância da atividade do factor, Luiz Lemos Leite5
cita a atividade dos fenícios, quando de sua chegada à Península Ibérica.
4
5
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 2.
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 3.
5
Dominando o comércio do Mediterrâneo, e tendo-o desenvolvido em larga
escala, suas atividades passaram, não obstante, a serem atrapalhadas pela falta de
conhecimento e entrosamento – mormente financeiro e creditício – com os
comerciantes que operavam naquela região. Tal fato fez com que surgisse a
necessidade de estabelecer, como de fato estabeleceram, factorias, ou agentes
comerciais na região.
Segundo o autor, o uso reiterado das funções de uma factoria pelos
comerciantes sempre foi feito, então, com o fito de facilitar e garantir bons negócios,
mormente em razão da lentidão verificada nos meios de comunicação e transporte
da época. Nesse ambiente, o factor, por ser profundo conhecedor do mercado e da
tradição creditícia dos comerciantes locais, era o intermediário ideal nas trocas
comerciais e, por conseguinte, no desenvolvimento da economia como um todo.
Na idade média, sempre de acordo com autor, a atividade do factoring teria
evoluído para uma espécie de cooperativa que tinha como finalidade a diluição do
risco, que naquela época valia dizer prejuízos sofridos, entre seus membros.
O autor faz um registro interessante acerca de uma das características mais
duais do comércio, qual seja: o crédito. Ele nos informa que, desde que o comércio
existe, já possuía o comerciante a idéia de que, sem crédito ele não se desenvolve;
não obstante, é o crédito que, uma vez não satisfeito, inviabiliza a atividade
econômica.
Mais recentemente, a atividade do factor se mostrou importante (pelas
mesmas razões já elencadas), nos grandes descobrimentos oriundos da exploração
marítima, dando ensejo ao estabelecimento de várias colônias.
Uma peculiaridade da atividade do factoring que até hoje é alvo de muita
confusão na doutrina sobre o assunto surgiu na então colônia inglesa dos Estados
Unidos da América. Lá, os agentes comerciais, além de todas as atividades
relacionadas ao fomento mercantil, houveram por bem oferecer algo a mais aos
comerciantes por eles representados: eles garantiam o pagamento do crédito
recebido, concedendo aos comerciantes uma tranqüilidade sem precedentes no
mundo do comércio.
6
Com o tempo, o factor prosperava e passou a pagar à vista as mercadorias
por ele recebidas antes mesmo que o comprador final o fizesse, o que agregou às
suas atividades a função de fornecedor de recursos.
Foi dessa forma que surgiu o factoring moderno – também conhecido como
“fomento comercial”, “fomento mercantil” e até mesmo como “faturização”.
1.2 O FOMENTO MERCANTIL HOJE. NO BRASIL E NO MUNDO.
A doutrina a respeito do fomento mercantil brasileiro não é uníssona. Fábio
Ulhôa Coelho assim define a atividade:6
O fomento mercantil (factoring) é contrato pelo qual um empresário
(faturizador) presta a outro (faturizado) serviços de administração do
crédito concedido e garante o pagamento das faturas emitidas
(maturity factoring). É comum, também, o contrato abranger a
antecipação do crédito, uma operação de financiamento
(conventional factoring).
Na mesma linha, a opinião de Arnoldo Wald, citado por José Carlos Dias
Guilherme7, defende que o factoring seria a aquisição de créditos faturados por um
comerciante ou industrial (sempre por pessoa jurídica, frise-se), sem direito de
regresso contra este.8
José Carlos Dias Guilherme, no entanto, considera que as definições
expostas simplificam ao extremo o caráter da atividade de fomento mercantil.
Para embasar sua opinião, vale-se da Convenção Diplomática de Ottawa,
realizada no Canadá, de 19 a 28 de maio de 1988, da qual o Brasil participou, e na
6
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 2008 pg. 143
GUILHERME, José Carlos Dias. Op. Cit. Pg. 36.
8
Fazemos questão de demonstrar aqui as mais variadas opiniões doutrinárias (que, com as também
mais variadas definições terminológicas, sempre convergem para um ponto comum, qual seja, a
compra do título implicando a compra do risco) com o intuito de demonstrar a divergência entre
estas e a realidade prática e jurisprudencial da atividade comercial em estudo. Queremos, com isso
demonstrar que a assunção do risco pela empresa faturizadora é tão somente uma das inúmeras
modalidades contratuais de factoring, o que, na linha do problema proposto nesse trabalho de
pesquisa, vai de encontro à tese de que não só o direito de regresso, quando expresso em
contrato, como a possibilidade de utilização de garantias reais e pessoais são perfeitamente legais
e possíveis.
7
7
qual foi firmado entendimento em que o factoring seria, ipsis litteris, “(...) a prestação
contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção de riscos, acompanhamento de contas a pagar e a receber, conjugada à
compra de créditos de empresas resultantes de suas vendas a prazo9.
Não foi por acaso que a lei nº 8.981/95, que trouxe alterações à realidade
tributária brasileira, definiu a atividade de factoring como sendo a “(...) prestação
cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão
de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras
de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de
serviços10, ou seja, uma definição praticamente idêntica àquela proposta na
supracitada Convenção de Ottawa.
Alerta-nos o mesmo autor de que a atividade de fomento mercantil
consolidou-se no arcabouço jurídico brasileiro por meio de diversos dispositivos
legais, tais como o art. 15, §1º, inciso II, alínea d, da Lei nº 9.249 de 26 de dezembro
de 1995; art., 58 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996; art. 58 da Lei nº 9.532
de 10 de dezembro de 1997; Resolução nº. 2144 do Conselho Monetário Nacional,
de 22 de fevereiro de 1995; Portaria Conjunta n.º 4 da então Secretaria da Receita
Federal e da Secretaria de Política Comercial, de 15 de junho de 1993. De se notar
que todos os dispositivos legais mencionados houveram por bem ratificar o conceito
proposto na Convenção de Ottawa11
Por conseguinte, a definição legal de factoring, no Brasil, é aquela constante
da já citada Lei n.º 9.249/9512, repetida à exaustão:
9
Convenção de Ottawa. Convenção Internacional Sobre Factoring da Unidroit. Disponível em
http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/MHB_MA_4564.txt Acesso em: 10 mai.10.
10
BRASIL. Lei n.º 8.981, de 20 de janeiro de 1995. Altera a legislação tributária Federal e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 jan 1995. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8981.htm>. Acesso em: 10 mai.10.
11
GUILHERME, José Carlos Dias. Op. Cit. Pg. 133.
12
BRASIL. Lei n.º 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das
pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 dez 1995. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9249.htm>. Acesso em: 10 mai.10.
8
[...] prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria
creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos,
administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos
creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação
de serviços (factoring).
Luiz Lemos Leite, corroborando o entendimento de José Carlos Dias
Guilherme aduz que, “definir factoring-fomento mercantil, como a simples cessão de
créditos vincendos, representados por duplicadas de vendas mercantis ou de
prestação de serviços, é confundir alhos com bugalhos13”
Afirma que a cessão de crédito não é operação de crédito, sendo, na
realidade, um instituto do direito civil. Não há, para ele, falar em “crédito vincendo”.
Se o crédito objeto da negociação é vincendo ou vencido não importa. O que
importa é que a empresa faturizadora, na condição de sujeito do direito civil, exerce
uma atividade civil e não de crédito, beneficiando diretamente o pequeno e médio
empresário que muitas vezes não possui acesso ao sistema financeiro.14
Importante ressaltar que a operação de faturização em nada se assemelha à
exercida pelos bancos, sendo antes que concorrentes, atividades complementares.
Nessa linha, de se notar que o próprio Banco Central do Brasil não elenca a
atividade de fomento mercantil como sendo atividade bancária. E nem poderia, dado
que as instituições financeiras operam com spread, ou seja, captam recursos no
mercado e os repassam a taxas mais altas, ganhando a diferença entre as taxas de
captação e as de repasse.
O factoring, por sua vez, opera com capital próprio.
Para elucidar a questão, transcrevemos quadro elaborado por Luiz Lemos
Leite15 para diferenciar as atividades próprias dos bancos daquelas exercidas pela
empresas de fomento mercantil:
13
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 22.
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 27.
15
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 28.
14
9
BANCO
FACTORING
É intermediário de crédito. De um lado, ele é
devedor
pela
aplicação
feita
pelos
investidores
(depositantes).
É
uma
exigibilidade. Uma operação passiva. É
tomador de recursos.
O factoring é uma operação dicotômica:
prestação de serviços mais compra de crédito
mercantil.
De outro lado, ele é credor pela aplicação
dos recursos captados. É uma operação
ativa. Pratica uma operação de crédito – um
mútuo, em que concede um prazo e cobra
juros.
Capta recursos de terceiros no mercado e
empresta.
Faz intermediação de recursos de terceiros,
da poupança popular.
Na parte relativa à compra de crédito não
existe uma operação de crédito. – Trata-se de
venda, a vista, de um bem móvel (papel de
crédito comercial) e de uma compra, a vista,
em dinheiro, desse bem móvel (recebível
mercantil). Não é mútuo.
Não capta recursos.
Presta serviços e compra créditos (direitos).
Opera com recursos não captados do público
Não coloca em risco a poupança popular.
Em suas operações ativas, remunera-se
com a cobrança de juros (remuneração pelo
uso do dinheiro durante determinado prazo).
É uma operação tipicamente mercantil, com
dois pólos distintos:
- serviços
- compra de créditos
Sua remuneração não tem a natureza nem de
juros, nem de desconto. Pela prestação de
serviços, a sociedade de fomento mercantil
se remunera com uma comissão cobrada ad
valorem. Na venda e compra de bens móveis
(papéis de crédito comerciais) se pactua em
preço – fator de compra.
Spread – diferença entre o custo de
captação e o de aplicação dos recursos
coletados no mercado.
Fator – precificação da compra de créditos.
Compõe-se de:
- custo de oportunidade dos recursos;
- custos operacionais;
- tributos;
Expectativa de lucro e de risco.
IOF – Federal
IR.
Demais contribuições.
ISS – Municipal – sobre a comissão cobrada
pela prestação de serviços.
IR.
Demais contribuições
IOF – objeto da Adin 1.763/98, argüida sua
inconstitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal
10
Como se pode ver, a atividade de factoring, segundo Luiz Lemos Leite, é de
alta complexidade. O empresário do setor é um profissional “polivalente” cujas
atividades não podem ser classificadas como mero desconto de duplicatas, ou de
cheques, como vulgarmente são conhecidas, e nem muito menos guardam relação
com as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras.
Tanto é que a já referida Resolução do Conselho Monetário Nacional n.º
2.144/95 esclareceu que toda e qualquer operação realizada pelas empresas de
fomento mercantil que não se enquadrem no conceito legal, e que caracterizem
operação privativa de instituição financeira, constituem ilícitos passíveis de sanção
tanto na esfera administrativa quanto na esfera criminal.
O professor Luiz Lemos Leite nos indica, de forma objetiva, como se dá a
transação típica de empresa de faturização:16
O fomento mercantil pressupõe a prestação de serviços de apoio ao
segmento das pequenas e médias empresas que têm dificuldades de
dimensionar e identificar suas deficiências em itens fundamentais,
como por exemplo: controle de estoques, conhecimento do mercado
de
seus
produtos,
negociação
com
os
fornecedores,
acompanhamento de contas a receber e a pagar.
Como conseqüência desses serviços , as empresas-clientes vendem
a vista seus direitos (créditos) resultantes de suas vendas mercantis
realizadas a prazo, materializadas em títulos de crédito, que são
comprados, em dinheiro, pela sociedade de fomento mercantil.
Mediante endosso em preto17aposto nos títulos negociados, a
empresa-cliente (vendedora-endossante) transfere a titularidade de
seus direitos à sociedade de fomento mercantil (compradoraendossatária), que passa a ser sua única e legítima proprietária. Os
títulos adquiridos são incorporados ao ativo patrimonial da sociedade
de fomento mercantil e contabilizados em “títulos a receber”.
O que efetivamente ocorre nas operações das sociedades de
fomento mercantil, não é um mútuo (financiamento, desconto ou
adiantamento de recursos), mas uma venda e uma compra de
créditos (direitos), por um preço pactuado entre as partes. Pelo
endosso opera-se a alienação desses direitos de obrigações ou de
créditos (coisas móveis), representadas por títulos de crédito.
16
17
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 62
Quando o endossante indica o nome do destinatário, isto é, da pessoa para quem o título é
transferido. Nessa modalidade o endossatário, por sua vez, poderá também transferir o título a
outrem.
11
Os direitos das vendas são negociados mediante a pactuação de um
preço (FATOR). A precificação dos créditos está na razão direta do
valor que se lhes atribuem as partes.
Como em qualquer transação comercial, na formação do FATOR
(preço de compra dos créditos) são ponderados todos os itens de
custeio de uma sociedade de fomento mercantil.
A discriminação dos componentes do FATOR, como fazem
diariamente as empresas de fomento mercantil para fixar seu preço,
justifica-se pelo fato de que se compram a vista, em dinheiro, por um
preço ajustado, os créditos gerados pelas vendas mercantis
realizadas a prazo por suas empresas-clientes.
A decomposição dos itens que forma o FATOR objetiva dar
consistência e suporte para eventuais demandas, judiciais ou não,
em que se assenta o conceito de uma compra e venda mercantil, e
não um mútuo (empréstimo), não cabendo cobra juros.
Convém esclarecer que impostos, contribuições sociais, custos
administrativos e outras despesas não são remunerações de capital.
Juro representa a remuneração pelo uso do capita de terceiros,
levando-se em conta o prazo e o risco do desembolso, excluídas
outras despesas ou impostos.
Como no negócio jurídico do fomento mercantil, o que de fato existe
é uma venda a vista, pela empresa-cliente, de seus direitos sobre
vendas mercantis, e uma compra a vista, em dinheiro, pela
sociedade de fomento mercantil, desses créditos mercantis, só se
pode cogitar da estipulação de um preço. Não cabe cobrar juro
(remuneração do capital).
Com efeito, sendo, como é, mercantil, a operação de factoring, em
que estão presentes a coisa, o preço e as condições, elementos
essenciais que caracterizam a compra e venda mercantil,
entendemos que, para maior proteção e defesa das sociedades de
fomento mercantil, a inserção, no contrato, de dispositivo que
discipline a fixação do preço (FATOR) visa a dissipar dúvidas de que
é colocado juro nas operações de factoring.
Analisada, à exaustão, a natureza das empresas de fomento mercantil, cabe,
por último demonstrar sua importância no desenvolvimento econômico de um país.
Com essa incumbência, José Carlos Dias Guilherme, em sua obra Factoring:
teoria e prática,18procura demonstrar a importância social das empresas de fomento
mercantil.
Afirma o doutrinador que em razão do suporte técnico-financeiro fornecidos
pelas empresas de faturização, boa parte da mão de obra disponível é empregada.
Além da geração de emprego, as empresas-cliente não raramente são pequenas e,
18
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 47.
12
por essa mesma razão, não tem condições de arcar com os elevados custos do
planejamento administrativo e financeiro requeridos por qualquer negócio.
Nesse ramo, a atividade de fomento mercantil coloca as pequenas e médias
empresas em pé de igualdade com as concorrentes, prestando-lhes apoio gerencial,
controlando custos, gastos, negociando com fornecedores e, inclusive, fornecendo o
capital de giro necessário para a sua sobrevivência, capital esse oriundo da
aquisição dos recebíveis da empresa.
Luiz Lemos Leite, para reforçar o argumento de seu colega, defende que “(...)
o factoring, pela sua flexibilidade e dinâmica operacionais, atua no saneamento do
mercado, contribuindo para liquidez dos ativos dos bancos, como é hoje largamente
praticado em todas as partes do mundo” 19
E acrescenta que “(...) no Brasil mesmo, já existem empresas concordatárias,
devedoras de bancos e que são clientes das sociedades de fomento mercantilfactoring. É uma perspectiva que se lhes abre de levantar a concordata, sobretudo
quando elas têm um mercado conhecido composto de bons compradores” 20.
E arremata afirmando categoricamente: “o factoring tem exercido importante
função na recuperação de empresas”.
Para além desses benefícios, assevera o autor serem crescentes as
dificuldades de acesso às fontes tidas como normais de financiamento – leia-se
bancos – seja pela limitação de sua capacidade, seja pelos riscos oferecidos. E o
factoring, diante dessa realidade, se consubstancia no mecanismo ideal para o
rompimento deste círculo vicioso em que vivem os pequenos e médios empresários.
E toda a economia do país acaba por se sustentar nos mais de três milhões
de pequenas e médias empresas existentes hoje no Brasil.
No Brasil, o fomento mercantil tal como o delineamos, ou seja, como
fornecedor de recursos destinados ao comércio, é algo recente.
19
20
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 23.
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 23.
13
O já citado professor Fábio Konder Comparato passou a tratar do tema em
seus escritos a partir de 1972, mas foi a partir de 1982, com a criação da Associação
Nacional das Sociedades de fomento Mercantil (ANFAC), no Rio de Janeiro, que a
atividade começou a ser difundida e conhecida.
O Banco Central do Brasil, inclusive, ante o desconhecimento da atividade,
chegou a proibi-la, alegando que o fomento mercantil possuiria características e
peculiaridades próprias daquelas privativas de instituições financeiras por ele
autorizadas a funcionar. Tal normativa foi revogada em 1988, a partir de quando o
factoring passou a se desenvolver sem maiores embaraços.21
Hoje, segundo Luiz Lemos Leite (2007, p. 371), são 720 as sociedades de
fomento mercantil associadas à ANFAC, garantindo a sobrevivência de 60.000
pequenas e médias empresas e gerando mais de 700.000 empregos direitos e
indiretos.
No panorama mundial, a consolidação do factoring se deu de formas distintas.
Até 196022, o factoring moderno era um fenômeno exclusivamente norteamericano. Razões comerciais levaram as sociedades de fomento mercantil a se
interessar por outros mercados, em especial o europeu, na tentativa de difusão das
modernas técnicas de gestão, bem como de olho nos créditos estrangeiros frutos de
exportações, o que consubstanciar-se-ia na prestação de um serviço completo aos
exportadores americanos.
A primeira iniciativa, conforme nos narra o professor Luiz Leite Lemos, “(...) foi
do First National Bank of Boston, que, em colaboração com o Commercial Bank e
uma Confirming House, estabeleceu-se em Londres e constituiu uma holding suíça,
a International Factors, com o fim exclusivo de criar sociedades de factoring nos
principais países europeus” 23. Segundo o autor, esse grupo cresceu rapidamente.
21
GUILHERME, José Carlos Dias. Op. Cit. Pgs. 32-33.
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 300-305.
23
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 300.
22
14
O autor narra, ainda, que o exemplo teria sido seguindo pela Walter Heller de
Chicago, que constituiu na Europa uma segunda cadeia internacional. A elas teria se
juntado uma terceira cadeia, com sede em Amsterdã, Holanda.
A Inglaterra, berço do factoring, que era quase que exclusivamente destinado
à indústria de lã, teve a atividade regulamentada já no ano de 1823. Segundo o
autor, a atividade, apesar de surgida lá, cai rapidamente em desuso, tendo
praticamente desaparecido por completo no século XIX.
Na França, a faturização foi muito mal recebida. Os bancos franceses, diante
da instalação dos factors americanos, reagiram de forma bastante hostil. Aos poucos
tal situação foi mudando e as empresas de factoring puderam passar a conviver
pacificamente com as instituições financeiras. Nos moldes do que ocorreu no Brasil,
muitas foram as batalhas jurídicas entre os bancos e as empresas faturizadoras, de
modo que a solução judicialmente adotada foi praticamente a que se adotou por
aqui, ou seja, banco é banco e factoring é factoring. São atividades distintas e, quem
exerce uma não pode exercer a outra.
A Alemanha, por conta de um problema legislativo, impõe obstáculos ao
crescimento da atividade. É porque lá, a cessão de crédito não pode ser aplicada às
vendas mercantis.
Na Bélgica, único lugar em que existiu lei específica para o factoring, houve
uma opção do mercado pela não utilização do instituto, razão pela qual conta, hoje,
com apenas duas empresas do gênero.
Na Suécia, devido à flexibilidade econômico-jurídica experimentada, foi o país
europeu que mais rápido viu a atividade crescer. O sucesso do factoring deveu-se
ainda, ao forte contingenciamento de crédito adotado após a década de 1960, assim
como pela tradição local de terceirização dos serviços estranhos às atividades fim da
empresa.
O sucesso sueco estendeu-se para toda a Escandinávia.
15
Na Espanha o factoring é praticado por 20 (vinte) companhias, sendo que
25% dos negócios são relativos ao comércio internacional. Em Portugal, a atividade
é fortemente regulada pelo Banco Central (Banco de Portugal).
Além desses países, o factoring está presente ainda nos seguintes24:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
24
África do Sul;
Argentina;
Áustria;
Canadá;
Chile;
China;
Chipre;
Cingapura;
Coréia;
Dinamarca;
Eslováquia;
Eslovênia;
Estônia;
Filipinas;
Finlândia;
Grécia;
Holanda;
Hungria;
Índia;
Indonésia;
Irlanda;
Islândia;
Israel;
Itália
Japão;
Jordânia;
Malásia;
Marrocos;
México;
Polônia;
Romênia;
Rússia;
Sri Lanka;
Tailândia;
Taiwan;
LEITE, Luiz Lemos. Op. Cit. Pg. 305.
16
•
Turquia.
1.3 MODALIDADES DE FACTORING.
Antes que se encerre a exposição da atividade de factoring, faz-se mister que
se enumere suas variadas modalidades. Não cabe aqui adentrar as peculiaridades
de cada uma delas, mas sim fornecer ao leitor uma visão geral que proporcione uma
melhor compreensão dessa atividade comercial.
Cabe ressaltar (e isso sim tem relação direta com o objetivo de nosso
trabalho), que cada uma das modalidades de fomento mercantil é pactuada por meio
de um contrato entre a sociedade faturizadora e a empresa faturizada. As operações
em referência têm, por objeto, o fomento das atividades da empresa-cliente e são
norteadas, de forma geral, pelas seguintes disposições: 1) Convenção de Genebra
(LU – Decreto n.º 47.663 de 24 de janeiro de 1966); 2) Lei das duplicatas (Lei n.º
5.474 de 18 de julho de 1968); 3) Lei do cheque (Lei n.º 7.357 de 02 de setembro de
1985); 4) Lei Tributária n.º 9.249, de 26 de dezembro de 1995; 5) Código Civil25.
São 4 (quatro) as modalidades de fomento mercantil:
•
Factoring Convencional;
•
Trustee;
•
Fomento à produção;
•
Factoring Internacional.
O factoring convencional consiste, de acordo com José Carlos Dias
Guilherme26 na prestação de serviços, na compra de direitos creditórios ou na
combinação entre ambas as modalidades.
A prestação de serviços por sua vez, de acordo com o autor, consiste
basicamente no “acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico, da
25
26
GUILHERME, José Carlos Dias, op. Cit., pg. 51.
GUILHERME, José Carlos Dias, op. Cit., pg. 51-52.
17
administração de contas a receber e a pagar, da seleção de devedores e de
fornecedores, da avaliação do desempenho da contratante”.
Já a compra dos direitos creditórios é definida pelo doutrinador como a
aquisição dos créditos da contratante, cumulativamente ou não com a prestação de
serviços já descrita. Os ativos negociados, no entanto, devem ser provenientes das
vendas mercantis ou da prestação de serviços realizada pela empresa faturizada. E
essa compra se dá por intermédio do instituto da cessão de crédito.
A modalidade trustee consubstancia-se na ausência de compra e/ou venda de
quaisquer direitos creditórios. A faturizadora gerencia as contas a receber, a conta a
pagar e, na função de procuradora da faturizada, faz a cobrança dos títulos de
crédito oriundos das vendas mercantis ou prestação de serviços realizados pela
cliente. O fundamento desta modalidade reside na promoção de eficiência na
cobrança e o ajuste do fluxo de caixa da empresa faturizada.
Já a modalidade fomento à produção, também conhecida como factoring
matéria-prima, destina-se ao fomento da atividade produtiva da contratante,
consubstanciando-se no acompanhamento da elaboração dos produtos, do nível dos
estoques, bem como das vendas, além da aquisição de matéria-prima, insumos e
estoques destinados a um perfeito ciclo operacional e produtivo da empresa
faturizada.
O factoring internacional caracteriza-se pela inserção dos produtos e serviços
da empresa faturizada no mercado internacional. Dada a complexidade e dinamismo
do comércio internacional, há apenas 2 (duas) empresas no Brasil que prestam tal
serviço.
É de se notar o fato de que o instituto do fomento mercantil, historicamente
criado para diluir os riscos do comércio praticado em terras distantes tenha se
tornado modalidade praticada principalmente internamente, dentro das fronteiras de
um país, constituindo, o factoring internacional, hoje, verdadeiro regime de exceção.
Esse o panorama da atividade de fomento mercantil no mundo atual. No
capítulo que se segue, dissertaremos sobre o instituto civil das garantias reais e
18
pessoais, mormente quando aplicados de forma a garantir as atividades comerciais,
escopo de atuação das empresas de faturização.
19
CAPÍTULO 2 - AS GARANTIAS REAIS E PESSOAIS NO DIREITO CIVIL
BRASILEIRO.
2.1 DAS OBRIGAÇÕES.
Não há forma de se promover uma análise perfunctória acerca da
possibilidade de uso das garantias reais e pessoais nos contratos de fomento
mercantil sem, de início, definir alguns conceitos intrínsecos à matéria.
Primeiramente, necessário se faz que analisemos o conceito de obrigação. O
mestre Arnoldo Wald27 nos ensina que foi na Roma antiga que se estabeleceu a
distinção dos direitos entre pessoais e reais.
Segundo o autor, o direito real surge como oposição ao direito obrigacional,
ou pessoal.
O direito patrimonial, ou real, segundo o mestre, pode importar numa relação
jurídica na qual o sujeito ativo exerce um poder de sujeição sobre uma coisa,
devendo, tal direito, ser respeitado por todos os demais membros da coletividade.
Pode ainda, o sujeito ativo, ser detentor da possibilidade de exigir de
determinada pessoa ou grupo de pessoas, a prática ou a abstenção de praticar
algum ato determinado, perfazendo, tal modalidade, aquilo que conhecemos como
direito obrigacional.
O próprio direito romano já sintetizava o conceito de obrigação como sendo
um vínculo jurídico em razão do qual alguém devia uma contraprestação em favor
de terceiro28.
Na definição do professor Wald, obrigação seria a “(...) relação jurídica em
virtude da qual uma ou mais pessoas determinadas devem, em favor de outra ou de
outras, uma prestação de caráter patrimonial”.
27
WALD, Arnoldo. Curso de direito civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos. Vol. 2.
São Paulo: Saraiva, 2009.
28
WALD, Arnoldo. Op. Cit. Pg. 4.
20
Em outras palavras, seria o vínculo jurídico temporário por meio do qual o
sujeito ativo (credor da obrigação) pode exigir da parte devedora (sujeito passivo da
obrigação) uma prestação com caráter patrimonial, podendo, inclusive, agir
judicialmente sobre o patrimônio deste de modo a ver satisfeita a obrigação que não
o foi espontaneamente.
Washington de Barros Monteiro29, ao seu turno, define o instituto em comento
como sendo “(...) a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre
devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva
ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento
através de seu patrimônio”.
Maria Helena Diniz30, por sua vez, empresta ao direito das obrigações,
sustentando-se em Clóvis Beviláqua, o seguinte conceito:
O direito das obrigações consiste num complexo de normas que
regem relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto
prestações de um sujeito em proveito de outro. Visa, portanto,
regular aqueles vínculos jurídicos em que ao poder de exigir uma
prestação, conferido a alguém, corresponde um dever de prestar,
imposto a outrem, como, p. ex., o direito que tem o vendedor de
exigir do comprador o preço convencionado ou o direito do locador
de reclamar o aluguel do bem locado. Infere-se daí que esse ramo do
direito civil trata dos vínculos entre credor e devedor, excluindo de
sua órbita relações de uma pessoa para com uma coisa. O direito
obrigacional ou de crédito contempla as relações jurídicas de
natureza pessoal, visto que seu conteúdo é a prestação patrimonial,
ou seja, a ação ou omissão da parte vinculada (devedor) tendo em
vista o interesse do credor, que por sua vez tem o direito de exigir
aquela ação ou omissão, de tal modo que, se ela não for cumprida
espontaneamente, poderá movimentar a máquina judiciária para
obter do patrimônio do devedor a quantia necessária à composição
do dano.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho31 vão além:
29
30
31
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, vol. 4: direito das obrigações.São Paulo:
Saraiva, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 2º volume: teoria geral das obrigações. 22ª
Ed.. São Paulo: Saraiva, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume II: obrigações / Pablo Stolze
Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
21
Em objetiva definição, trata-se do conjunto de normas e princípios
jurídicos reguladores das relações patrimoniais entre um credor
(sujeito ativo) e um devedor (sujeito passivo) a quem incumbe o
dever de cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação de
dar, fazer ou não fazer.32
De se notar, que por mais que tentem, as mais variadas definições aqui
exploradas
acerca
do
conceito
de
obrigação
não
conseguem
afastar-se
substancialmente uma das outras, razão pela qual somos levados a crer que o
núcleo básico daquilo que se pode e deve entender por obrigação consiste nas
normas oriundas do direito que estabelecem relações patrimoniais entre duas ou
mais partes contratantes, sendo que uma ou mais destas serão credoras, assim
como também uma ou mais serão devedoras das primeiras, e que deverão, de
forma livre ou forçada, cumprir com a obrigação assumida.
As obrigações pessoais, opondo-se de forma diametral à obrigação real,
constituindo a prestação assumida pelo devedor algo que somente ele poderá
satisfazer.
Nesse sentido, analisada a relação obrigacional, veremos que a estrutura
básica das várias modalidades de prestação.
Conforme GAGLIANO E PAMPLONA FILHO (2007), as obrigações
subdividem-se em positivas e negativas, consistindo as positivas em: 1) dar coisa
certa, 2) dar coisa incerta e; 3) de fazer. As negativas, por seu turno,
consubstanciam-se nas obrigações de não fazer.
Os autores salientam ser essa a classificação básica das obrigações, de
acordo com o direito romano.
Rubens Filinto da Silva (2006) define garantia pessoal como sendo aquela
que vincula pessoas, ao invés de coisas. Não vinculam o bem específico, mas todo
o patrimônio do garantidor.
32
GAGLIANO, Pablo Stolze. Op. Cit. pg. 1-2.
22
Fábio Ulhôa Coelho33, conhecedor da realidade jurídico-empresarial, nos
afirma que o empresário para realizar a atividade à qual se dedica, celebra inúmeros
contratos.
Assevera que, quando as duas partes contratantes são empresários ou
sociedades empresárias, a natureza dos contratos firmados entre elas é mercantil.
Na sua definição, “a compra e venda mercantil é um contrato consensual, ou
seja, para sua constituição é suficiente o encontro de vontades do comprador e do
vendedor. Basta que eles se entendam quanto à coisa e ao preço para que o vínculo
contratual se aperfeiçoe.” 34
Para que sejam adimplidas as obrigações contraídas entre empresários,
teremos de um lado a entrega de serviços e/ou mercadorias, e de outro, como
contraprestação, o pagamento, que pode ser em espécie, mas como é mais usual
no meio, poderá também se dar por meio de título de crédito.
Os títulos de crédito, de acordo com FÁBIO ULHÔA COELHO (2008), são os
documentos que representam uma obrigação pecuniária. Não se confundem com a
obrigação em si (no caso, o contrato), mas a representam.
Indica que três são os princípios que regem os títulos de crédito, a saber:
princípio da autonomia, princípio da cartularidade e, por fim, princípio da literalidade.
Vale dizer, segundo os ditames do mestre, que para que tenha plena
validade, faz-se necessário que o título de crédito seja composto pelo documento
em si, ou cártula, que traduz a existência física do título; que nele estejam contidos
de forma expressa o valor devido, bem como quaisquer avais ou quitações, de forma
que o que nele não estiver escrito não terá eficácia; e por fim, as obrigações
constantes do título e do negócio que lhe deu origem são independentes entre si.
Os títulos de crédito consistem em: letra de câmbio; nota promissória, cheque
e duplicata.
33
34
COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit. pg. 409.
COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit. pg. 423.
23
Quando os títulos de crédito têm origem em um contrato de compra e venda,
diz-se que que possuem origem extra cambial, podendo ainda ter origem puramente
cambial, como no caso do avalista.35
Na acepção declinada pelo próprio mestre:
Da circunstância de ser representada determinada obrigação por um
ou outro instrumento decorrem conseqüências” jurídicas bem
distintas. O credor de uma obrigação representada por um título de
crédito tem direitos, de conteúdo operacional, diversos do que teria
se a mesma obrigação não se encontrasse representada por um
título de crédito. Basicamente, há duas especificidades que
beneficiam o credor por um título de crédito. De um lado, o título de
crédito possibilita uma negociação mais fácil do crédito decorrente da
obrigação representada; de outro lado, a cobrança judicial de um
crédito documentado por este tipo de instrumento é mais eficiente e
célere. A estas circunstâncias especiais costuma a doutrina se referir
como os atributos dos títulos de crédito, chamados, respectivamente,
de negociabilidade (facilidade de circulação do crédito) e
executividade (maior eficiência na cobrança) 36
Como leciona GONÇALVES (2007), os créditos podem ser cedidos. Trata-se,
a cessão de crédito, de negócio jurídico bilateral, por meio do qual o credor transfere
a terceiros quaisquer direitos que possua na relação obrigacional.
O autor nos alerta de que a cessão de crédito não se confunde com a cessão
do contrato.
GAGLIANO E PAMPLONA FILHO (2007) defendem tese de que as
obrigações não são vínculos pessoais imóveis. Para tanto, classificam a cessão de
crédito como sendo o negócio pelo qual o credor repassa de forma total ou parcial a
outrem crédito que porventura tenha junto a alguém, mantendo-se, no entanto, a
relação obrigacional original com o devedor.37
Como já vimos, os títulos de crédito são regidos pela Lei Uniforme de
Genebra e por nosso Código Civil.
35
COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit. pg. 232.
COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit. pg. 232.
37
No que tange ao fomento mercantil, a cessão dos créditos oriundos dos contratos de natureza
mercantil realizados entres as empresas constituem o próprio negócio. É dessa forma que se
operacionaliza o factoring.
36
24
Nesses dois diplomas legais encontraremos as bases para dois instrumentos
que dão garantia ao empresário que trabalha com fomento mercantil, quais sejam, o
endosso e o aval.
Segundo o professor ULHOA (2008), como o título de crédito pode ser
negociado, faz-se necessário que seja transferida sua titularidade. Para isso foi
criado o endosso, que nada mais é do que o ato que realiza a indigitada
transferência.
Na espécie, aquele que aliena o crédito é chamado de endossante ou
endossador, e aquele que o adquire, de endossatário, não havendo limite para o
número de endossos.
O endosso, de acordo com o autor, não só transfere a titularidade do crédito
representado no título, como, de regra, também vincula o endossante ao pagamento
do título, na qualidade de coobrigado. Somente havendo, quando do endosso,
cláusula em contrário, é que este não se obrigará.
Por sua vez, a figura do aval, prevista no art. 899 do Código Civil Brasileiro, é
a garantida dada por uma pessoa ao emissor do título de crédito. Caracteriza-se
pela aposição da assinatura no anverso do título, conjuntamente com a expressão
“por aval” ou assemelhada.
Rubens Filinto da Silva (2006) assim define o aval:38
O aval é uma garantia de pagamento que, a rigor, só existe em
matéria de título de crédito, e é prestado através de declaração
unilateral e de vontade, onde o avalista assume, solidariamente, a
responsabilidade cambiária, incondicional e autônoma, pelo
cumprimento da obrigação constante no título.
O aval é prestado na forma de assinatura no corpo do título. O
avalista fica responsável pelo pagamento do valor expresso no título
da mesma maneira que o avalizado.
38
SILVA, Rubens Filinto. As garantias reais e pessoais no factoring. São Paulo: Editora Pilares, 2006.
25
Há, ainda, no âmbito das obrigações, uma garantia conhecida como fiança.
Ao contrário do aval, o instituto da fiança ocorrerá sempre por meio de contrato
acessório, vinculado a um contrato principal.
A fiança é assim definida por Rubens Filinto da Silva (2006)39
Diferentemente do aval que é prestado exclusivamente em título de
crédito, a fiança é uma garantia prestada em contrato. A fiança é
formalizada por meio da assinatura no corpo do instrumento
contratual, ou através de documento em separado.
No caso do aval, a garantia incide somente sobre o valor de face do
título de crédito, já o fiador fica responsável pelo pagamento de todas
as obrigações acessórias previstas no contrato, bem como, pelas
demais despesas inerentes ao mesmo.
Em caso de inadimplemento da obrigação contratual, o fiador, salvo
estipulação em contrário, é beneficiado pela ordem da obrigação, ou
seja, em primeiro lugar, a obrigação deverá ser reclamada do
devedor principal, e somente posteriormente, do fiador.
Muito utilizado para garantir os contratos de locação de bens imóveis, o
instituto da fiança, no entanto, não é restrito a esse tipo de transação.
O fiador indicado no supracitado contrato responde sempre de forma
subsidiária, valendo dizer, se o devedor do contrato principal não adimplir suas
obrigações, só aí é que o fiador será chamado a fazê-lo.
Nada obstante, o fiador tem direito de reaver do credor originário, por meio de
ação regressiva, os valores pagos.
O instituto é regido pelo nosso Código Civil em seus artigos 818 a 839.
Sendo estas as duas garantias pessoais que interessam ao nosso estudo,
passemos à análise dos direitos reais.
2.2 OS DIREITOS REAIS.
39
SILVA, Rubens Filinto. Op. Cit. Pg. 77.
26
Orlando Gomes40 (2008), em sua obra, nos adverte não haver aquilo que se
chamaria de critério absoluto apto a fazer a distinção entre o direito real e o direito
pessoal.
Indica, o ilustre professor, que aqueles que se valem da teoria realista para
fazê-lo, chegam à conclusão que o direito real caracterizar-se-ia como sendo o
domínio sem mediações da pessoa sobre a coisa, poder esse oponível contra tudo e
todos, ou melhor, utilizando o conhecido brocardo jurídico, erga omnes.
É aquilo que vulgarmente se conhece como propriedade.
Ressalva o autor haverem ainda aqueles que, por acreditarem esdrúxula a
possibilidade de que seja estabelecida uma relação jurídica entre pessoa e coisa,
criara a chamada teoria personalista, que sustenta, em síntese, que os direitos reais,
a exemplo de seus congêneres pessoais, caracterizar-se-iam, também, por
revelarem uma relação entre pessoas. A diferença estaria no devedor. O devedor,
ou sujeito passivo, que na obrigação pessoal seria certo e determinado, no caso da
obrigação real passaria a ser indeterminado, ou melhor, seria a universalidade, o
todo, já que contra todos oponível.41
A preocupação doutrinária, no entanto, com o aspecto passivo da relação em
questão nos é menos importante.
Ainda segundo o autor42, a diferenciação entre o direito real e o pessoal seria,
em verdade, a realidade natural da obrigação, consistindo, a indigitada realidade, na
espécie de valor, de riqueza que se coloque à disposição das partes para que seja
negociada.
Sob a égide de tal definição, obteremos duas espécies de riquezas: coisas e
serviços.
Sobre as coisas a ação do homem se dá de maneira imediata, sempre que
estas já não estejam à disposição de outrem. Os serviços, no entanto, dependem da
40
GOMES, Orlando. Direitos reais. 19ª ed. Atualizada / por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro:
Forense, 2008.
41
GOMES, Orlando. Op. Cit. pg. 11-12.
42
GOMES, Orlando. Op. Cit. pg. 15.
27
aquiescência da outra parte, do devedor que se obrigou a prestá-lo, já que, sendo
uma restrição à sua liberdade, este só pode adimpli-la de forma voluntária.43
Assim sendo, para melhor diferenciarmos uns dos outros, mister faz que
passemos a elencar as características dos direitos reais.
Sempre segundo Orlando Gomes, os direitos reais têm como característica
tanto a seqüela como também a preferência. O direito da seqüela, que o nosso
Código Civil traz explanado em ser art. 1.228, faz referência à faculdade que tem o
proprietário de usar, gozar e dispor de sua propriedade, além de poder reavê-la de
quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O direito de preferência (que no escopo de nossa pesquisa talvez seja o mais
importante), por sua vez, vem regido no 1.419 do Código Civil Brasileiro, e consiste
no direito de obter o pagamento de uma dívida com o valor do bem que tenha
eventualmente sido destinado, exclusivamente à sua satisfação.
Nas palavras do próprio professor44:
Constituído o direito real de garantia, a responsabilidade da
obrigação se concentra sobre determinado bem do patrimônio do
devedor. Para o caso de inadimplemento tem o credo o direito de se
satisfazer sobre o valor desse bem, afastando outros credores que
tenha apenas direito pessoal contra o devedor, ou mesmo direito real
de inscrição posterior. Em suma, a coisa dada em garantia é
subtraída à execução coletiva. O credor pignoratício, ou hipotecário,
prefere a todos os outros, o que é de evidente vantagem, pois plus
cautionis est in re, quam in persona.
Carlos Roberto Gonçalves45 assim espanca, definitivamente, a questão:
O direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular
sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. Tem, como
elementos essenciais, o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do
sujeito ativo sobre a coisa, chamado de domínio.
A propriedade é o direito real mais completo. Confere ao seu titular
os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, assim como de reavê-la
do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (CC,
43
GOMES, Orlando. Op. Cit. pg. 15.
GOMES, Orlando. Op. Cit. pg. 20.
45
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das coisas. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
44
28
art. 1.228). Quando todas essas prerrogativas acham-se reunidas em
uma só pessoa, diz-se que é ela titular da propriedade plena.
Entretanto, a propriedade poderá ser limitada quando algum ou
alguns dos poderes inerentes ao domínio se destacarem e se
incorporarem ao patrimônio de outra pessoa, No usufruto, por
exemplo, o direito de usar e gozar fica com o usufrutuário,
permanecendo com o nu-proprietário somente o de dispor e
reivindicar a coisa. O usufrutuário, em razão desse
desmembramento, passa a ter um direito real sobre coisa alheia,
sendo oponível erga omnes”.46
Sílvio de Salvo Venosa47, por sua vez, nos informa que, para que nos
apliquemos no estudo dos direitos reais, faz-se mister que definamos o escopo de
tal ramo do direito civil, e acrescenta que esse escopo não pode ser outro senão o
universo dos bens que podem ser apropriados.
Ressalta que não necessariamente apenas as coisas corpóreas, mas também
as incorpóreas podem integrar o rol daquilo que aqui denominamos coisa.
E continua:48
No direito das obrigações, vimos que o objeto das relações jurídicas
é um dar, fazer ou não fazer. O objeto dessa relação jurídica é uma
prestação de parte do devedor, em prol do credor; uma atividade ou
conduta, conjunto de atos mais ou menos extensos. Vimos também
que essa obrigação pode servir de veículo, a fim de que o credor
venha fazer com que integre seu patrimônio uma utilidade
apropriável. O contrato não é a única modalidade, único instrumento
de aquisição da propriedade, constituindo-se, porém, na principal ou
que mais ocorre na prática. Ora,uma vez fixado que o objeto de uma
obrigação pode ser uma coisa, ou seja, bem economicamente
apreciável e apropriável,importa agora desvincularmo-nos dessa
relação pessoal credor-devedor, que faz parte do direito obrigacional,
para debruçarmo-nos nessa relação que liga a pessoa às coisas.
Afirma que o direito real tanto é exercido como também recai imediatamente
sobre a coisa, à medida em que o direito pessoal tem como objeto as relações
humanas. A julgar desse prisma, podemos dizer, segundo ele, que o direito real
seria de veras absoluto, enquanto seu congênere pessoal seria relativo. A prestação
46
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit. pg. 108.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
48
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. pg. 3.
47
29
de uma obrigação só pode ser exigida daquele que se obrigou a prestá-la, enquanto
que, no direito real, há a adesão do titular ao objeto do pacto.
E é por conta de tal característica que, segundo o doutrinador, a coisa não
comporta mais do que um titular.
Diz que, em geral, a obrigação é transitória, exaurindo-se com seu
cumprimento, com o respectivo adimplemento, enquanto o direito real, nesse
aspecto, estaria imantado de permanência, de longa duração.
Examinado o conceito de direitos reais, urge que passemos à analise acerca
de que maneira tais direitos podem ser utilizados como garantia para os mais
variados negócios jurídicos.
VENOSA (2008) nos conta que a mais antiga forma de garantia de que se
tem notícia é a fidúcia cum creditore, modalidade essa em que o devedor transfere a
propriedade aos credores, com o fito de garantir o cumprimento de obrigação,
sempre mediado por uma cláusula de restituição posterior do bem, quando da
extinção da dívida. Esse instituto, já bastante difundido no direito romano, evoluiu
para o que hoje conhecemos como alienação fiduciária.
Segundo o autor, no entanto, nessa modalidade de fidúcia, a coisa era de fato
transferida para a propriedade do credor, não existindo o conceito moderno de
direito real sobre coisa alheia. Tal modalidade era inconveniente para o devedor,
porque fazia com que este perdesse, ainda que temporariamente, tanto a
propriedade quanto a posse do bem.
Posteriormente, surgiu aquilo que ficou conhecido como pignus, e que
representou uma grande evolução no que tange aos direitos de garantia. Por meio
de tal modalidade, sempre de acordo com VENOSA (2008), a posse do bem era
transferida para o credor, de modo que constituía garantia até que fosse extinto o
débito.
Se o bem empenhado produzisse frutos, poderia ser estabelecido que estes
seriam utilizados para o adimplemento da obrigação, nascendo, dessa forma, o que
conhecemos como anticrese.
30
De acordo com o mestre, a hipoteca no direito antigo era vista como algo
diverso do penhor, uma vez que o credor desta não recebia a posse. O penhor
romano consistia em direito real com posse, e a hipoteca, por sua vez era direito
real, porém sem posse.
Nada obstante, tanto penhor como hipoteca demonstram, claramente, sua
origem comum, constituindo, de fato, institutos únicos, na busca de semelhantes
finalidades.
O professor nota, ainda, que ao redigir, o legislador, em razão das garantias
em torno das dívidas, optou este por conceder um tratamento especial para os
direitos reais.
De tudo o que aqui exposto, há de se concluir, sempre de acordo com o
doutrinador, que restam, como direitos reais de garantia o penhor, a hipoteca e a
anticrese.
Tais institutos, defende, são sempre utilizados de forma a garantir uma
obrigação, mas com esta não se confundem. “Só haverá garantia se houver o que
garantir,isto é, uma dívida, uma obrigação. Do mesmo modo se diz acerca da fiança,
que é garantia pessoa”.49
Para o autor, o direito de garantia advém de uma relação unilateral, instituída
sempre em benefício do credor. Aquele em benefício de quem se faz a garantia é o
titular da obrigação garantida, havendo, dessa forma, sempre uma obrigação por
trás de uma garantia, seja esta real, seja ela pessoal.
Não obstante, a relação obrigacional não está contida no direito de garantia,
remanescendo o direito pessoal de garantia, enquanto não for solvida a obrigação,
assim como também o direito real, enquanto não for averbada sua extinção no
registro competente.
VENOSA (2008) afirma que nosso Código Civil o penhor (art. 1431, CC), com
a seguinte redação:
49
VENOSO, Sílvio de Salvo. Op. Cit. pg. 505.
31
Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em
garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor,
ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.
Define o penhor como sendo direito real sobre coisa alheia, indivisível, visto
que o bem passa a ficar sobre constrição para garantir a dívida. A propriedade pode
ser tanto do devedor quanto de terceiro que haja por bem oferecer-lha em garantia.
O instituto, de acordo com o direito brasileiro, permite a dação em pagamento,
devendo o credor restituí-la em caso de quitação do débito.
Assevera o autor que o penhor cumpre importante função econômica,
facilitando o crédito.
O penhor convencional exige um acordo das partes acerca do valor e das
condições por meio das quais a dívida será paga. Pode ser feita por via de
instrumento público ou particular.
Várias são as modalidades de penhor. Sendo esta, no entanto, a
convencional, decorrente do acordo de vontade entre as partes a que mais nos
interessa, passemos à análise da hipoteca.
A hipoteca, de acordo com Sílvio de Salvo Venosa50, é direito real sobre coisa
alheia, acessório e indivisível. Os princípios a ela aplicáveis são os mesmos tratados
pelo nosso Código Civil nos arts. 1.419 a 1.430. Aplicando-se tanto
2.3 AS GARANTIAS APLICADAS AO FOMENTO MERCANTIL.
José Carlos Guilherme Dias (2009), nos informa que, no que tange o conceito
de crédito, a garantia deve ser compreendida como sendo um ato ou um bem
qualquer dado ao credor para que seja assegurada a satisfação da obrigação.
Assevera, peremptoriamente que, qualquer empresa, para que realize a
concessão de crédito, tem o direito de exigir garantias.
50
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit. pg. 547.
32
Nas operações de fomento mercantil, segundo leciona o professor, a garantia
pode ser tanto legal como convencional. No primeiro caso, ao amparo do art. 295 do
Código Civil, vemos que o cedente é o responsável pela existência do crédito
perante o cessionário; na segunda hipótese, com supedâneo no art. 296 do mesmo
diploma legal, temos como livre a convenção entre as partes, para que o cedente
responda pela solvência do devedor.
Conclui que a atividade de fomento mercantil pode se cercar, portanto, tanto
de garantias pessoais como também das reais para a concessão de crédito.
Esse entendimento, no entanto, não é pacífico na doutrina. O Professor José
Carlos Guilherme Dias cita, a título de exemplo, teoria diversa daquela por ele
defendida, em que, sob o argumento de que o fomento mercantil compra recebíveis
resultantes de vendas de produtos e/ou serviços, pagando por tais títulos de acordo
com a qualidade do crédito e garantia de recebimento com base nas condições do
devedor, não financiando ou descontando títulos, não havendo falar, portanto, em
operação de crédito.
Na mesma linha a tese de Arnaldo Rizzardo (apud José Carlos Guilherme
Dias, 2009, pg. 271):
Nada tem a reclamar o factor se não recebe o crédito adquirido,
desde que existente quando da sua transferência. Pela formação do
factoring, por sua natureza e história, não podendo se voltar o
faturizador contra o vendedor do crédito, se não há vício em sua
origem ou formação, garantia nenhuma pode aquele tomar deste.
Não é válida a fiança, e muito menos se admite o aval no endosso.
Inteiramente sem efeito garantias reais, como a hipoteca e o penhor.
Tal entendimento, no entanto, segundo José Carlos Guilherme Dias ignora
entendimento corrente de que a compra de recebíveis, não é (e nem poderia ser,
como já vimos) operação de crédito, mas sim o próprio crédito, significando, aqui,
confiança do credor no devedor.
Aduz que, na aquisição dos recebíveis, quem compra concede crédito tanto a
quem vende como também ao devedor do título, confiando no adimplemento do
débito. Nada obstante, podem ser contratadas, junto com a compra, quaisquer
33
garantias adicionais, sem que, com tal prática, se invada a esfera de atuação dos
bancos.
É o que acredita também Sílvio Rodrigues (apud José Carlos Guilherme Dias,
2009, pg. 272). Para ele, “(...) o penhor, no plano teórico, é um acessório do crédito,
representado por um direito real recainte sobre coisa móvel, a qual deve ser
entregue pelo devedor ao credor, por ocasião do contrato, e com o fim de garantir o
cumprimento de uma obrigação”.
José Carlos Guilherme Dias (2009) pondera ainda a falsa premissa que
afirma que o risco é elemento que compõe o preço do título, premissa esta que
induz ao entendimento errôneo de impossibilidade de regresso por insolvência do
devedor. Afirma que o risco, embora esteja evidente, não é, via de regra, cobrado do
cedente.
Conclui não haver norma legal impeditiva de que seja estipulada garantia nos
contratos de fomento mercantil.
Nesse sentido, a lição de Orlando Gomes (apud José Carlos Guilherme Dias,
2009, pg. 274):
Outra garantia pode ser exigida do credor-cedente: a solvência do
devedor. Para assumir essa responsabilidade, é preciso que se
obrigue expressamente a garantir o nomen bonum. Em princípio, não
responde. De regra, é o cessionário quem assume esse risco. Sob
esse aspecto, há, portanto, duas modalidades de cessão: a) cessio
pro soluto, e b) cessio pro solvendo. Pela primeira, a cedente apenas
garante a veritas nominis, isto é, a existência do crédito, sem
responder, entretanto, pela solvência do devedor. Pela segunda. A
cedente garante a bonitas nominis, insto é obriga-se a pagar se o
debitor cessus for insolvente. É admissível a cessão em que a
cedente se responsabilize pelo pagamento, caso o devedor não o
efetue.
Na mesma linha o posicionamento de Caio Mário da Silva Pereira (apud José
Carlos Guilherme Dias, 2009, pg. 274):
Em virtude da autonomia, e em razão de ser a cessão um negócio
jurídico abstrato, cumpre distinguir o ato da cessão, relativamente ao
negócio jurídico gerador do direito cedido. Daí destacar-se a
responsabilidade da empresa cedente pela realidade do crédito
34
transferido – veritas nominis, da sua responsabilidade pela solvência
do devedor – bonitas nominis.
Seguindo o indigitado entendimento, o presidente da Associação Brasileira
das Empresas de Factoring (ABFAC), Antônio Carlos Donini (apud José Carlos
Guilherme Dias, 2009, pg. 274), entende que as disposições do nosso Código Civil
atinentes ao direito de regresso seriam sim aplicáveis à atividade de fomento
mercantil. Embasando-se nos arts. 295 e 296 do referido diploma legal, ele afirma
que a responsabilidade obrigatória ou opcional da empresa cedente (faturizada)
pode ser aventada contratualmente. Em suas próprias palavras:
Se no contrato contive a convenção de responsabilidade do
faturizador cedente (cessão de crédito) pela solvência do devedor, o
faturizador, ocorrendo a inadimplência deste, poderá utilizar-se do
título de crédito negociado e, com base no endosso, executar o
endossante-faturizado, tendo o contrato como origem e causa da
cobrança.
É o entendimento de Luiz Lemos Leite (2007):
A regra do Código Civil é que a cedente não responde em caso de
inadimplemento do sacado. Entretanto, desde que estipulado no
contrato de fomento mercantil, a empresa contratante (vendedora
cedente) responde pela solvência do devedor (salvo estipulação em
contrário), ou seja, o Factoring será autorizado pelo código Civil e
pelo contrato a cobrar judicialmente o emitente do título.
Rubens Filinto da Silva51 no conta que, desde o início das operações de
faturização no Brasil, até o início do Plano Real, a rentabilidade das empresas do
setor era alta, a concorrência era baixa, a carga tributária era diminuta e, no que
tange à apuração do imposto de renda, adotava-se o regime de lucro presumido.
Atualmente, no entanto, a rentabilidade diminui, a concorrência e a carga
tributária cresceram, bem como a inadimplência atingiu níveis recordes, fazendo
com que o empresário do setor reavaliasse suas estratégias mercadológicas, assim
como também a viabilidade do seu negócio.
51
SILVA, Rubens Filinto. Op. Cit. Pg. 31.
35
Nas palavras do autor:52
Só resta ao factor, precipitar a revisão de seus conceitos, posturas e
atitudes, principalmente, em relação à sua cultura.
Quem não se preocupava sequer em gerir seus riscos de crédito de
forma objetiva, técnica e profissional, fazendo-a meramente de forma
subjetiva, terá, de uma hora para outra, que gerir todos os riscos
acima elencados tecnicamente, deixando de lado qualquer indício de
subjetividade.
Será obrigatório, gerir estes riscos de forma integrada, à medida que
o ambiente se torna complexo e o cenário incerto. Serão obrigatórios
novos instrumentos de medição, acompanhamento e gestão das
empresas de factoring, em diversas frentes, sendo uma delas, a
gestão integradas dos riscos de crédito, com os riscos legais,
abordados, em parte, nesta publicação.
Alguns desses riscos são, de certa forma, identificáveis, outros,
porém, de difícil identificação. Para tratar o desconhecido, o incerto,
uma ferramenta interessante, são as garantias nas operações de
factoring, no sentido inclusive, de trazer maior equilíbrio contratual ao
negócio jurídico, pois, no factoring o risco negocial é
substancialmente maior para o faturizador, pois o faturizado sempre
recebe à vista, entregando créditos que muitas vezes não se
realizam, em razão de diversas variáveis, como vícios de origem,
inexistência dos créditos negociados, exceções e oposições, por
exemplo.
Rubens Filinto Silva (2006), afirma que as garantias possuem função oculta,
qual seja, de reduzir os custos envolvidos em negociações de qualquer ordem.
Para o autor, a diminuição dos riscos nas operações de crédito, sejam estas
de natureza bancária ou comercial, visam atender, diretamente, o interesse da
empresa, mas também, por outra ótica, a poupança pública, os recursos de
terceiros, de aplicadores, e do sistema como um todo.53
Assevera não haver como se discutir a aplicação de garantias ao contratos de
faturização sem que se espanque a questão do direito de regresso, que entende
com ainda mal compreendida, polêmica e desencadeadora de vários equívocos.
Luiz Lemos Leite (apud Rubens Filinto da Silva, 2006, pg. 39), ensina que:
52
SILVA, Rubens Filinto. Op. Cit. Pg. 32.
53
SILVA, Rubens Filinto. Op. Cit. Pg. 39.
36
O Direito de Regresso, que durante muito tempo, constituiu-se um
tabu, prevaleceu em nossas operações apenas em função de de
alguns preconceitos surgidos, que se cristalizaram naquela ocasião,
por ainda não conhecerem suficientemente a matéria, e que
estigmatizaram o Factoring como atividade não regular no sistema
financeiro nacional, que dependeria de regulamentação do Conselho
Monetário Nacional, Circular 703/82 da Diretoria do Banco Central,
posteriormente revogada pela Circular 1.359/99. Tornou-se um mito.
Leciona Rubens Filinto da Silva que sendo o caso de vício de origem,
ilegitimidade, simulação de duplicatas, prorrogação, dedução, compensação,
antecipação e congêneres, é pacífica na doutrina e na jurisprudência a aplicabilidade
do direito de regresso contra o endossante/cedente.
De outro lado, reconhece que a doutrina acerca da possibilidade de regresso
no caso do inadimplemento simples do sacado devedor estaria dividida.
Percebe que entendimento contrário à possibilidade de regresso em caso de
inadimplemento configuraria retrocesso lastimável.
Ensina que o entendimento de que os títulos recebidos por força dos
contratos de faturização teriam sua cessão na modalidade pro soluto advém daquela
que ficou conhecida como convenção de Ottawa (que já tratamos aqui), da qual o
Brasil não é signatário.
Defende que, ainda que o Brasil fosse signatário da referida convenção, a
cláusula pro soluto, do que se pode depreender do seu texto, seria opcional, e
entendê-la como obrigatória seria incorrer em exegese ilógica. Indica que o art. 3º do
tratado em questão facultaria às partes a exclusão da cláusula pro soluto.
Exemplifica seu entendimento citando o caso italiano, que não obstante ser
signatário da Convenção, tratou do fomento mercantil em legislação própria,
legislação esta que admite o direito de regresso em caso de inadimplemento.
Ensina, como já visto alhures, que o factoring, no Brasil, não possui
ordenamento jurídico que o regulamente e defina de forma específica, encontrando,
no entanto, respaldo na legislação civil, mormente no que tange o direito cambiário.
Invoca, primeiramente, os arts. 113, 421, 422 e 425 do Código Civil:
37
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé.
Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as
normas gerais fixadas neste Código.
Depois, faz referência à Resolução nº 2.144 do Banco Central de 22 de
fevereiro de 1995:
A atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços
assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção
riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras
direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou
prestação de serviços.
de
de
de
de
Verifica que o PLS 230/95 (que trata da regulamentação da atividade), teve
seu art. 8º inspirado no art. 9º e 15 do Decreto 57.663/66 (Lei Cambial), verbis:
Art. 8º. A endossante-sacadora se responsabiliza civil e
criminalmente pela veracidade, legitimidade, e legalidade do crédito
cedido, respondendo pelos vícios redibitórios e, quando
contratualmente previsto, pela solvência do devedor. (PLS 230/95)
Art. 9º O sacador é garante tanto da aceitação do pagamento de
letra. O sacador pode exonerar-se da garantia da aceitação; toda e
qualquer cláusula pela qual ele se exonere da garantia do
pagamento considera-se como não escrita. (Lei Cambial)
Art. 15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é garante tanto
da aceitação, como do pagamento da letra.
No mesmo sentido o art. 21 da Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85):
Art. 21. Salvo estipulação em contrário, o endossante garante o
pagamento.
E também os arts. 18 e 25 da Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68):
38
Art. 18. Os coobrigados da duplicata respondem solidariamente pelo
aceite e pelo pagamento.
Art. 25. Aplicam- se à duplicata e à triplicata, no que couber, os
dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento
das Letras de Câmbio.
Após exaustiva análise dos dispositivos acima mencionados, Rubens Filinto
da Silva (2006) chega à conclusão que contra toda e qualquer evidência, que o
direito de regresso não só é admitido mas, mais do que isso, é regra, e não exceção,
sendo involuntária a obrigação do endossante pelo pagamento.
Por outro lado, no que tange ao direito de regresso, assim estipula o art. 914
da Lei 10.406/2002, o nosso Código Civil:
Art. 914. Ressalvada cláusula expressa em contrário constante do
endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da
prestação constante do título.
§1º Assumindo responsabilidade pelo pagamento, o endossante se
torna devedor solidário.
§2º Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os
coobrigados anteriores.
Ou seja, de todo o exposto, o que se pode inferir, segundo o autor, é que se
os créditos representados por títulos não regidos por legislação especial, ainda
assim a transferência pode ser feita por meio de endosso e, desde que
convencionado entre as partes, é aplicável o direito de regresso.
39
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE JURISPRUDENCIAL.
Para que se entenda melhor o pensamento dos nossos tribunais acerca do
tema ora estudado, houvemos por bem transcrever a íntegra de dois julgamentos. A
jurisprudência em torno do tema parece ensaiar uma consolidação em nossa Cortes,
como demonstraremos a seguir.
3.1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO - APELAÇÃO CÍVEL Nº
024.02.017047-8, RELATOR DES. ELPÍDIO JOSÉ DUQUE. JULGADO EM 12
DE JULHO DE 2005.
ADMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA ‘PRO SOLVENDO’’ – Contrato
de factoring. Garantias contratuais. Possibilidade. Ementa Oficial: 1
– O contrato de fomento mercantil – factoring – tem natureza de
contrato misto e atípico. Mista porque presta serviços e compra
créditos mercantis. Atípica porque compra créditos adquiridos do
cedente-faturizado pelo cessionário-faturizador. 3 – A factor, através do
ato de cessão, fica investida de todos os direitos de agir em nome
próprio na cobrança da dívida. 4. – É lícita a exigência de garantias
no contrato de fomento mercantil; 5 – Admite-se a condição de ‘pro
solvendo’ do faturizado, conforme permitido pelo artigo 296, do
NCC. 6. O fim social ou teleológico da legislação de factoring é
incentivar e permitir que a iniciativa privada se desenvolva.
ACÓRDÃO – (Relatório) – O SR. DESEMBARGADOR EWERTON
SCHWAB PINTO JÚNIOR (RELATOR): Adoto o relatório de lavra do
Eminente Desembargador Elpídio José Duque.
A
SRª
ADVOGADA
MARIA
CHRISTINA
DE
MORAES
–
Excelentíssima senhora Presidente desta Egrégia Câmara, Drªa
Catharina Maria Novaes Barcellos, Exmoº Desembargador Álvaro
Manoel Rosindo Bourguignon, Eminentes Desembargadores Samuel
Meira Brasil Júnior e Ewerton Schwab Pinto Júnior.
40
Trata-se de uma apelação da sentença proferida pelo Dr. Robson Luiz
Albanez que, ao decidir a questão, afastou a hipótese da contratação
por empresa de factoring da cláusula pro solvendo, mas ao decidir pela
anulação das cláusulas, no final do seu julgado, não diz quais
cláusulas estaria anulando.
Se olharmos detidamente a sentença, vamos verificar que em
momento algum S. Exª transcreve ou relata qual seria a cláusula que
estaria anulando.
Trata-se de dois contratos de fomento mercantil. Um firmado com a
consultoria empresarial Paulo Roberto e outro com Paulo Roberto
Figueira de Almeida, enquanto profissional liberal.
Ao decidir, no final, o nosso douto Magistrado diz:
“(...) Ante o exposto, com esteio nas argumentações ora expendidas,
JUGO PROCEDENTE O PEDIDO DOS AUTORES, para declarar
nulas as cláusulas constantes dos Contratos de Fomento nºs 236 e
318, que responsabilizam os contratantes-vendedores e seus fiadores
à recompra de títulos inadimplidos pelo devedor, sem que tenha sido
caracterizados vícios que comprometam a existência do crédito (...)”.
A meu sentir, dificulta a defesa, inviabiliza a defesa, tanto que ao
apelar procurei nos contratos cláusulas – são dois contratos – e
verifiquei que existem pequenas diferenças de um contrato para o
outro.
Na minha apelação, às fls. 5, onde relato o contrato 236, as cláusulas
10ª, 11ª e 12ª, tratam dos riscos e prejuízos dos títulos negociados,
quando opostas as exceções. Então, vamos colocar claramente.
A empresa de factoring faz o contrato pro solvendo ou pro soluto. Pro
solvendo o deságio é menor. Por quê? Esse tipo de operação é feito da
seguinte forma: a empresa de factoring adquire aquele título com
deságio. Então, no valor de face do título tem o desconto. Se é pro
41
solvendo o desconto é menor. Esse desconto também é previsto, ele
não ultrapassa a 4, 4,5% das operações.
Em caso do inadimplemento, tem juros de mora de 1% ao mês e uma
multa. São dois contratos nos quais se prevê multa de 2% e 10%,
respectivamente.
O contrato 236 faz a previsão da recompra, no caso de opostas as
exceções, de legitimidade, legalidade, veracidade, que é na cláusula
10.
Na cláusula 11ª está claramente prevista que opostas as exceções eles
recompram – que é a questão do vício, e a cláusula 12ª do contrato
236 dispões que: ‘concluída a operação, e sobrevindo vício na origem
dos títulos, fica a contratante obrigada a recomprá-los’. Esse tem multa
de 2% de taxa de inadimplemento e mora.
Já a cláusula 12ª do art. 318 versa:
“Art. 318 – cláusula 12ª – Concluída a operação e sobrevindo a
constatação de vícios ou de quaisquer outras exceções na origem do
(s) título (s) negociado (s), ou em caso de inadimplemento do sacadodevedor, obrigam-se a CONTRATANTE e os FIADORES, a recomprálo (s) da CONTRATADA, pelo valor de face do título negociado,
acrescido da multa de 10% (dez por cento) e de juros moratórios de
1,00% (um por cento) ao mês.”
Por isso acho que o MM. Deveria ter dito quais cláusulas, deveria ter
feito toda uma instrução para se saber quais títulos foram comprados
ou recomprados naquelas hipóteses.
Eis o que entende a apelante: durante todas essa negociação, a
empresa e o Sr. Paulo Roberto Figueira de Almeida levantaram uma
importância vultosa dessa empresa de factoring, porque era pro
solvendo, e alcançaram mais de trezentos mil reais.
42
Em toda essa negociação e diante da cláusula 4 desse contrato, os
mesmos, por diversas vezes, solicitaram.
Nesses processos, os senhores irão encontrar cartas deles mesmos,
admitindo a recompra e pedindo a devolução dos títulos.
Vejam bem! No decorrer da gestão contratual, vários títulos
apresentados foram recomprados mediante solicitação expressa dos
apelados. Os apelados mandaram a carta e pediram, conforme provas
de várias correspondências, que V. Exªs poderão encontrar às fls.
110/112, 120/123, 131/133, 144/146.
Todas essas informações estão no bojo do contrato e eles operaram
normalmente. Não é uma relação de empresa e consumidor, é relação
jurídica entre empresas, em que os apelados apresentavam pro
solvendo e faziam o endosso para o pro solvendo, endosso em preto.
No momento em que estavam obtendo esse volume de dinheiro da
factoring, eles mesmos, expressamente, pediram recompra. – quero
recomprar o título. – Mandavam as cartas, recompravam os títulos e
renegociavam as dívidas. Ocorreu isso naturalmente. Eram dois
contratos que já vinham de algum tempo. O que acontece com o
factoring? Não tem lei que regula o factoring. Existe uma previsão legal
de acordo com a lei – inclusive o senhor já assinalou no relatório – que
diz: empresa de factoring é empresa de factoring, instituição financeira
é instituição financeira. Agora, as empresas de factoring operam pro
soluto e pro solvendo. Pro solvendo com endosso em preto e deságio
menor, já o pro soluto a responsabilidade de factoring de quem está
comprando é problema dela. Nesse caso, as partes são legitimadas a
contratar, não se tratando de relação de consumidor e fizeram o
endosso de títulos. Eles mesmos pediram o retorno de vários e, no
final, ficaram com a dívida grande e resolveram discutir o contrato.
Vejam bem! Estamos alegando também não só a força contratual, a
falta de proibição legal, pois não existe proibição legal para isso, não
43
existe proibição legal para se contratar dessa forma. A lei que vai
regular o factoring ainda está em discussão no Congresso.
No caso presente, os contratos são regulares, com cartas da própria
empresa do Sr. Paulo Roberto pedindo a recompra do título, inclusive,
alegando que havia vício no próprio título. São títulos inadimplidos.
Argüimos o art. 1.074 do antigo Código Civil e o 296 do novo código
Civil:
“Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela
solvência do devedor.”
Aqui há estipulação em contrário, expresso, contratado, assinado, nos
dois contratos.
Gostaria que V. Exa. Analisassem a questão da própria sentença, pois
entendo que esse é um defeito constitucional, visto que fere e dificulta
a defesa. Além disso, o nosso queridíssimo juiz não disse quais
cláusulas estaria anulando. Entendo que tais circunstâncias não estão
argüidas expressamente na apelação, bem como a questão dos
contratos firmados entre partes capazes, legitimadas que fluiu por um
bom tempo, mas só na hora que ocorreu um débito maior de trezentos
e tantos mil é que se foi discutir o contrato. Executamos os dois
contratos, não á juros abusivos. É de 1% ao mês. É o título deságio e o
que está no contrato. As execuções foram ajuizadas por mim e estão
aguardando a solução desse processo.
Muito obrigada.
A SRª ADVOGADA KÁTIA LEÃO BORGES DE ALMEIDA – Exma.
Desembargadora-Presidente, Eminentes Desembargadores.
Através da presente apelação, a empresa da factoring COMPROCRED se insurge contra sentença proferida nos autos de Ação de
Declaração de Nulidade de Cláusulas Contratuais Abusivas c/c
Cobrança.
44
A sentença guerreada declarou nulas as cláusulas do Contrato de
Fomento Mercantil que responsabilizam os contratantes e seus
fiadores, ora apelados, à recompra de títulos inadimplidos pelos
devedores, sem que tenham sido caracterizados vícios redibitórios, - e
nesse ponto foi clara a sentença – considerando que tais itens
desvirtuam a relação pactuada entre as partes, que é de factoring.
Condenou, ainda, a COMPROCRED a devolver as notas promissórias
e as quantias pagas à recompra dos títulos inadimplidos, sem
apresentação de vícios.
Em suas razões, a apelante busca a validade das cláusulas que
determinam a recompra dos títulos, fazendo crer que os mesmos eram
títulos viciados. Inclusive, junta aos autos correspondências que lhe
foram encaminhadas pelos apelados, solicitando a baixa de duplicatas,
alegando equivocadamente, para não dizer, de má-fé, que tais baixas
foram solicitadas por apresentarem, as duplicatas, vícios na sua origem
que comprometiam a existência do crédito.
No entanto, essa não é a realidade dos fatos, uma vez que as
solicitações de baixa de títulos jamais ocorreram pela apresentação de
vícios, mas por motivos outros, como o pagamento realizado pelo
devedor, diretamente no escritório dos apelados, conforme comprovam
os documentos citados no respeitável relatório do Desembargador
Relator e pela própria ilustre advogada que brilhantemente fez a
sustentação oral, documentos esses de fls. 110/112, 120/123, 131/133,
144/146 dos autos.
A apelante se estende em argumentações sobre a recompra de títulos
viciados, quando não é esse o objeto da presente ação.
Primeiro, porque os títulos transacionados através dos contratos de
factoring em comento jamais apresentaram qualquer vício que
comprometesse sua origem ou validade.
45
Segundo, porque não há qualquer objeção à cláusula contratual que
responsabiliza o cedente-faturizado à recompra de títulos que
apresentem vícios redibitórios.
Esse ponto é pacífico e desmerecedor de maiores delongas.
O que buscam os apelados é a manutenção da sentença de 1º piso
que afastou a incidência de cláusulas que obrigam o cedente a
recomprar títulos, pela sua simples inadimplência, sem que se tenha
apresentado vício redibitório.
Impende salientar, nobres Desembargadores, que factoring, ou
fomento mercantil, consoante Projeto de Lei que visa regulamentar
esse instituto, caracteriza-se como a prestação contínua e cumulativa
de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, de gestão de
crédito, de seleção de riscos, de acompanhamento de contas a receber
e a pagar e outros serviços, conjugada com aquisição pro soluto de
créditos de empresas, resultante de suas vendas mercantis, a prazo,
ou de prestação de serviços. Friso: essa definição é a que está no
Projeto de Lei.
A operação mais rotineira da factoring é, sem dúvida, a compra de
créditos, quando o empresário cede seu crédito ao faturizador, que se
incumbe de cobrá-lo, antecipando recursos por conta dos recebimentos
a serem realizados.
O faturizador assume o risco pela cobrança e pelo recebimento do
título de crédito negociado. Sua remuneração se exprime em dedução
no pagamento ao cedente, proporcional ao prazo de vencimento dos
títulos, acrescido de despesas administrativas de cobrança.
No entanto, esse não foi o procedimento adotado na relação entre
apelante e apelados.
A COMPROCRED adquiria o título de crédito dos apelados, deduzindo
de seu valor de face a sua remuneração para assumir os riscos pela
46
cobrança e aguardava o vencimento do título. Se pago, já existente o
lucro, uma vez que houve a remuneração no ato da cessão do crédito.
No contrário, havendo o inadimplemento do devedor, obrigava os
apelados a recomprarem os títulos, cobrando, ainda, multa e juros pelo
atraso, sem sequer fazer prova de ter efetivamente cobrado os valores
dos devedores.
Assim, Eminentes Julgadores, a apelante era remunerada pelos riscos
de cobrança do título, não cumpria sua obrigação de cobrança e, ao
invés de devolver o valor cobrado pelo serviço não realizado, ainda
imputava aos apelados juros e multa.
Essa faturização que se apresentava entre as partes, em que havia
apenas empréstimos, a taxa de interesse livre, é conhecida e
rechaçada por nossos Tribunais que lhe dão um nome claríssimo:
agiotagem. Aliás, esses mesmos Tribunais afastam veementemente o
direito de regresso das relações de factoring, entendendo que o
contrato de faturização tem como característica o fato de o faturizado,
ao ceder seus créditos, não responder pela solvência do devedor,
correndo por conta do faturizador o risco pelo não-recebimento.
E afastam ainda, os Tribunais, a possibilidade de a cessão do crédito
se dar pro solvendo, concluindo que o factoring se distancia de
instituição financeira justamente porque seus negócios não se abrigam
nos direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou
endosso. São firme em afirmar que, se os títulos não forem recebidos
pro soluto, não há que se falar em faturização, mas de mútuo puro e
simples.
Não há que se debater sobre a existência de endosso visto que, na
relação de factoring, esse endosso não tem a função de garantir o
adimplemento do débito, mas apenas de transferir a propriedade do
título.
47
Nas palavras do ilustre Dr. Antonio Carlos Donini, ex-advogado da
Associação nacional de Factoring, “a cessão de crédito é meio de
transmissão dos títulos de crédito adquiridos do cedente-faturizado
pelo cessionário-faturizador. Conquanto na tradição, por serem
cambiais, se faça também através de endosso, predomina a cessão de
crédito, em face da natureza contratual do factoring”.
Assim, forçoso reconhecer que as cláusulas inseridas nos contratos de
Fomento Mercantil 236 e 318, firmados entre COMPROCRED e
apelados, que asseguram à factor o direito de regresso pela simples
inadimplência do devedor, sem que se tenha verificado vício redibitório,
descaracterizam a sua natureza, devendo ser afastadas, mantendo-se,
pelos motivos expostos, a sentença proferida pelo r. Juízo Monocrático.
É o que se espera!
Muito obrigada.
A
SRª
DESEMBARGADORA
CATHARINA
MARIA
NOVAES
BARCELOS ( NO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA) – Cumprimento as
ilustres advogadas pela sustentação na Tribuna e passo a palavra ao
Eminente Relator.
VOTO – O SR. DESEMBARGADOR EWERTON SCHWAB PINTO
JÚNIOR (RELATOR) – Egrégia Câmara, inicialmente, também,
gostaria de me associar às homenagens prestadas pela nossa
Desembargadora-Presidente as nobres e eminentes advogadas, que
sustentaram suas teses de maneira brilhante na tribuna.
Na verdade, a matéria não é pacificada e ambas as teses são
sustentáveis.
Em meu voto procurei embasar o julgamento sempre no princípio da
socialidade. Mas, em linhas gerais, a matéria está bem explanada na
tribuna pelas ilustres advogadas.
48
Cuidam
os
autos
COMPROCRED
de
recurso
FOMENTO
de
apelação
MERCANTIL
interposta
LTDA.
Em
por
face
da
CONSULTORIA PAULO ROBERTO DE ALMEIDA LTDA., nos autos
da
AÇÃO
DECLARATÓRIA
DE
NULIDADE
DE
CLÁUSULAS
CONTRATUAIS ABUSIVAS C/C COBRANÇA ajuizada pela apelada.
Compulsando as razões recursais, observa-se que a insatisfação do
apelante encontra-se calcada, basicamente, nos seguintes pontos: (a)
incidência da livre pactuação no contrato de fomento mercantil,
conforme pode ser observado pela leitura da cláusula 10ª do contrato;
(b) em razão disto, o teor da cláusula 12ª dos contratos 236 e 318 é
plenamente válido, já que a legislação em vigor no momento da
celebração do pacto permitia a feitura destas cláusulas. Os
fundamentos apresentados pelo apelante são as previsões contidas
nos artigos 192 a 220 do vetusto Código Comercial – artigo 1.216 do
Código civil – artigo 28, §1º, c, e o artigo 4º da Lei nº 8.981/95 e
Resolução nº 2.144/95 do Conselho Monetário Nacional; (c) relata que,
no decorrer da vigência contratual vários títulos apresentaram vícios e
foram recomprados mediante solicitação expressa dos apelados,
conforme se observa pelas correspondências encaminhadas a
apelante/faturizadora (todas anexadas ás páginas 110/112, 120/123,
131/133 e 144/146); (d) destaca ainda a plena legalidade das
operações de fomento mercantil pro solvendo.
Em homenagem ao princípio do contraditório, e dentro do prazo legal,
os recorridos apresentaram suas contra-razões. Em breves linhas,
constata-se que a linha de resistência traçada ficou delimitada nos
seguintes pontos: (a) que o contrato de fomento mercantil estava
sendo desvirtuado até a declaração de nulidade das cláusulas
existentes nos contratos; (b) salienta ainda que o apelante estava
tendo um enriquecimento ilícito em razão dos moldes contratuais; (c)
afirma também que a inadimplência dos títulos pelos devedores jamais
ocorreu por fato imputável aos apelados, o que impossibilita o direito
49
de regresso da faturizadora/recorrente contra os faturizados/ apelados;
(d) destaca ainda que a compra de créditos que ocorre no contrato de
fomento mercantil é sempre pro soluto, isto é, o cedente não responde
pela solvência do devedor neste tipo de relação jurídica.
Para a justa composição da lide em tela, imprescindível uma visão
conjunta, universal, portanto, sistêmica do instituto do factoring;
mister que se leve em conta não só as disposições legais específicas
do contrato de fomento mercantil, mas também as demais disposições
normativas ínsitas aos contratos em geral, já que se trata de um
contrato misto e atípico, também se torna possível a aplicação a
ele dos princípios e aspectos gerais aplicáveis aos contratos do
Código Civil. Sendo assim, um dos pontos que deve ser verficado
no caso dos autos é o princípio da socialidade.
Este pilar fundamental da nova legislação civil, fez com que vários
institutos previstos na antiga legislação civil perdessem a característica
de uma visão individualista e cêntrica do antigo legislador, para ter uma
abordagem descentralizada e social.
Como reflexo desta socialização do direito civil, institutos como a
propriedade e os contratos, DEVEM atender, em primeiro plano, o
interesse social, para que só depois seja satisfeito o interesse
individual, para que assim, seja satisfeita a norma encontrada no artigo
421 do NCC, que afirma que “a liberdade de contratar será exercida
em razão e nos limites da FUNÇÃO SOCIAL do contrato”.
E, contrato que cumpre sua função social é aquele que promove a
realização de uma justiça comutativa, retirando ao máximo as
desigualdades matérias entre os contratantes.
Observa-se assim, que a função social do contrato pode ser enfocada
sob dois ângulos: (1) um individual, atinente aos contratantes, que
utilizam o contrato como instrumento para consecução de sua
satisfação pessoal, enquanto que o outro (2) sob um enfoque
50
público, que é o interesse da sociedade sobre o contrato. Nesse
aspecto, a função social do contrato será executada quando seu
objetivo, que é a circulação de riqueza, for realizado de forma
justa, isto é, quando o contrato representar uma fonte de
equilíbrio social.
Por outras palavras, a produção e circulação de riquezas não
pode ser feita de forma desmensurada e desregrada. Sob pena do
pacto produzir efeitos maléficos no seio social e, por via reflexa, a
uma das partes do negócio jurídico. Outrossim não pode ser feita
sem que as partes envolvidas no negócio jurídico estejam, ao
máximo, resguardadas de situações imprevisíveis que afetem o
patrimônio da outra banda da relação jurídica de direito material.
No caso dos autos, o que se constata é que o contrato em destaque
encontra-se em perfeita sintonia com o princípio em questão,
produzindo a circulação de riqueza de forma responsável e
equilibrada, o que derruba por terra qualquer afronta aos dogmas
constitucionais ou mesmo da legislação infraconstitucional.
Conforme relatado linhas acima, para que a função social do contrato
possa ser enxergada em determinada relação jurídica de direito
matéria,
imprescindível
que
seja
retirada
ao
máximo
as
desigualdades entre os pactuantes.
Na situação sob análise, não vejo com maus olhos, o fato da
apelante/faturizadora
ter
exigido,
dos
recorridos,
notas
promissórias para resguardo do negócio jurídico.
A uma, o contrato de fomento mercantil não pode ser enxergado
como uma ilha no oceano do mundo dos contratos. Muito pelo
contrário, deve se adequar a todo o sistema. E, é de tradição das
mais variadas espécies contratuais, a exigência de garantias para
resguardar-se interesses. Portanto, não é de hoje que uma das
51
partes do pacto pode exigir da outra, apenas a título de prevenção,
garantias para o sucesso do negócio.
Ora, se as grandes instituições financeiras, proprietárias de grandes
reservas patrimoniais, exigem no momento da celebração das mais
varias espécies contratuais garantias patrimoniais; por que seria
defeso às sociedades empresariais (que certamente possuem
patrimônio muito menor do que as citadas instituições financeira)
fomentadoras da atividade mercantil exigi-las, quando livremente
pactuado no contrato de factoring?
Dentre os vários contratos celebrados pelas instituições financeira,
destaca-se o contrato de alienação fiduciária. Nestes contratos, é
praxe a garantia através de títulos de créditos, mormente notas
promissórias. Portanto, não é de hoje que o contrato entre
particulares pode e, na grande maioria das vezes, é resguardado
pelas mais variadas formas de garantias.
Destaca-se ainda que a exigência de garantias contratuais
também não são estranhas ao “leviatã”, quando em momento
prévio a celebração dos contratos administrativos exige garantias
do outro pólo da relação contratual, para que a quebra contratual
por parte do contratado não lhe cause abalos; porque não permitir
que as sociedades faturizadoras ajam assim, já uma mesma
situação previsível que cause uma pequena lesão ao Estado e às
instituições
financeira,
pode
significar
a
extinção
dos
faturizadores, dada a grande diferença patrimonial que há entre
ambos.
A duas, as partes no momento da celebração do pacto estavam
cientes
de
todos
os
ônus
e
bônus
que
adviriam
do
aperfeiçoamento do enlace. Assim, entendo por bem não
modificar a base objetiva do negócio, pois do contrário estaria
atentando contra o princípio da autonomia da vontade, que se
52
alicerça na ampla liberdade contratual, que em breves palavras pode
ser sintetizada como sendo (1) o direito de contrata; (2) com quem
contrata e (3) de estabelecer o objeto contratual. Ou, por um outro
ângulo de análise, resume-se no poder dos contratantes de disciplinar
seus interesses mediante acordos, criando efeitos previstos e
amparados no ordenamento jurídico.
Sendo assim, são plenamente válidas e operantes as cláusulas
impugnadas pelos apelados, já que foram celebrados livremente entre
os demandantes.
Pese-se ainda o fato do contrato de faturização ser considerado como
um contrato ATÍPICO, que é espécime contratual resultante de um
acordo de vontades não previstos no sistema, mas criados pelas
necessidades e interesses dos pactuantes. Nestes contratos, o
pressupostos de sua validade é o atendimento aos elementos de
validade dos negócios jurídicos, ou seja, (I) partes capazes, (II) objeto
lícito, possível, determinado ou determinável e (III) suscetível de
apreciação econômica.
Destaque-se ainda que os contratos atípicos refogem as regras dos
contratos típicos, que são aqueles que possuem seus efeitos e
características pré-estabelecidas pelo legislador, o que permite que
ocorra uma mescla das mais variadas regras previstas em nosso
sistema, com as previstas nas cláusulas declaradas nulas pelo juízo a
quo.
A três, as normas de direito contratual, em sua essência, são normas
dispositivas ou elásticas, isto é, são normas que podem ter seu
alcance modificado pelos contratantes, desde que tais alterações
não subjuguem preceitos de ordem pública, os costumes e a
moral.
No caso vertente, o contrato de fomento mercantil também possui,
em sua essência, normas elásticas ou dispositivas, o que permite
53
que os pactuantes possam acrescentar, as normas aplicáveis ao
contrato de fomento mercantil, outras como as que foram declaradas
nulas pela decisão que encerrou o procedimento em primeiro grau.
Portanto, é tempo de cair por terra a visão restritiva implementada
nos contratos de fomento mercantil, ao enxergar que o faturizador
assume a total responsabilidade dos riscos do negócio. O que o
intérprete deve visualizar, e que deve estar patente no caso concreto (o
que se vê na situação em tela) é que as garantias exigidas no contrato
de fomento mercantil apenas são exigidas para garantir a recompra de
títulos viciados. E, a recompra de títulos não pode ser considerada
como uma operação de faturização.
Além disso, uma outra forma de garantia que deve ser admitida é
a condição de pro solvendo do faturizado, desde que seja ajustada
expressamente o que é permitido pelo artigo 296 do NCC. Em
outras palavras, o faturizado responde pela solvência do devedor,
o que se observa nos contratos sob análise.
A quatro, a faturização tem por objetivo promover o fomento da
atividade do faturizado, e como fomento é realizado com o próprio
capita do faturizador, torna-se lógico, juto e coerente que o factor
resguarda-se de eventuais danos ao seu patrimônio, já que
estimula a atividade do faturizado com seu próprio capital.
A cinco, a admissibilidade do faturizador “prevenir-se” de
eventuais deslizes no negócio, apenas eleva o princípio da função
social da empresa, já que tal princípio visa a preservar a
sociedade empresaria que promove a criação, produção e
circulação de riqueza social. Por outra banda, a visão tradicional,
que veda a possibilidade de existir garantias no contrato de
fomento
mercantil,
coloca
em
risco
a
sobrevivência
dos
faturizadores.
54
E o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil é claro ao afirmar que o
juiz DEVE na aplicação da lei, atender aos seus fins sociais e as
exigências do bem comum. Neste compasso, focando as luzes
sobre o contrato de factoring, chega-se à conclusão que seu
objetivo é promover o fomento da atividade da micro-empresa e
do pequeno empresário.
Mas, de que adiantaria incrementar a atividade do empresário de
pequeno porte e da microempresa (pois este é o público-alvo do
contrato de fomento mercantil), se o fomentador de sua atividade
encontrar-se, muitas vezes, sujeito às intempéries do mercado???? A
resposta é duplamente negativa, já que uma das partes do enlace (a
que promove o fomento) estaria sujeita a grandes abismos financeiros,
sem ter, ao menos, a possibilidade de se salvar dos mesmos.
O fim social ou teleológico da legislação da factoring é incentivar e
permitir que a iniciativa privada de pequeno porte possa realmente
caminhar com as próprias pernas. No entanto, reitero que não se pode
fechar os olhos para a realidade que nos cerca, já que uma de suas
características do nosso mercado interno é a possibilidade de grandes
oscilações, em curtos espaços de tempo. E, permitir que o
fomentador da atividade mercantil esteja sujeito aos tsunamis
mercadológicos, é, em última análise, anuir com a extinção de
uma das fontes incentivadoras da atividade mercantil.
A seis, a impossibilidade de celebração de garantias no negócio
somente seria admissível se houvesse norma legal expressa neste
sentido. E, um passeio em nosso vasto escalão jurídico, evidencia
a ausência de norma proibitiva da implantação de garantias em
contratos de faturização.
Sendo assim, alterar a base objetiva do negócio, quando esta
convive harmoniosamente com os princípios regentes do sistema,
é instalar a insegurança jurídica no seio social e ofender ao
55
núcleo intangível da Constituição Federal, já que o ato jurídico
perfeito pactuado entre os demandantes estará sendo alterado de
forma sorrateira.
Por fim, as cláusulas sob análise também não ofendem ao
princípio da boa-fé, seja em seu aspecto subjetivo ou objetivo (art.
422, NCC). Quanto à boa-fé, em seu aspecto SUBJETIVO, não há
qualquer ofensa porque as partes tinham plena consciência de
todos os termos do contrato de fomento mercantil. E a boa-fé
subjetiva nada mais é do que a noção equivocada de dado assunto,
em um erro que o contratante incide, o que certamente não se vê o
caso dos autos.
Em se cuidando da boa-fé, mas agora encarada sob o olhar
OBJETIVO, também não vejo qualquer afronta a ela no contrato
em questão. Na concepção objetiva, a boa-fé está calcada na
honestidade, retidão e lealdade.
Em suma, este princípio exige que as partes se comportem de forma
correta nas tratativas, formação e cumprimento dos contratos. Em
outros termos, pode-se dizer que é a maneira criteriosa de cumprir com
TODOS direitos e, em especial, os DEVERES previstos no contrato.
Na situação fática posta em juízo, o que se vê é a tentativa dos
apelados de se verem livres de fardos contratuais analisadas e
assumidos diante do recorrente, o que denota a quebra da
cláusula geral da boa-fé objetiva, não por parte da sociedade
empresarial faturizadora, mas, sim, pelo pólo passivo da
demanda.
Sendo assim, as partes pactuantes devem não só estabelecer as
obrigações, mas também cumpri-las. Também neste mesmo sentido
se posicionou a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, mediante aprovação por unanimidade:
56
“Concordata Preventiva – habilitação de crédito – Contrato de fomento
mercantil (‘factoring’) – Validade e eficácia em que a contratante
assume a responsabilidade solidária pelos títulos sacados por terceiros
e não pagos – Procedência que se impunha – Recurso Provido.”
Ora, a decisão unânime em epígrafe apenas reflete que, desde que
observados os pressupostos ou requisitos de validade do negócio
jurídico, não há óbice algum para que o contrato de fomento mercantil,
que possui como marca a sua atipicidade, possua em suas entrelinhas
cláusulas como as que foram questionadas e declaradas nulas pelo
juízo monocrático.
Deve-se, mais uma vez, mencionar que o princípio da autonomia da
vontade, também encontra eco no contrato em questão, já que
permitir que cláusulas firmadas livremente pelas partes sejam
posteriormente impugnadas judicialmente, é, em última análise,
ofender o princípio geral de direito que impede que alguém venha
a juízo para se beneficiar de sua própria torpeza e semear no
campo social a semente da insegurança jurídica e da má-fé nas
relações contratuais.
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso e, no mérito, dou-lhe
PROVIMENTO, afim de manter a eficácia das cláusulas dos contratos
de fomento mercantil nºs 236 e 318, bem como os termos aditivos
firmados entre as partes. Ainda, reformo a condenação para devolução
das notas promissórias e das quantias pagas pela recompra dos
títulos, sem apresentação de vícios. Por fim, inverto o ônus da
sucumbência.
É como voto.
VISTA – O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL
JÚNIOR (REVISOR) – Eminente Presidente, de fato, como o Eminente
e Culto Desembargador Relator ressaltou, a matéria, realmente, é
muito complexa. Apesar do brilhante voto proferido pelo Eminente
57
Relator, entendo que minha revisão foi bastante modesta e, talvez, não
tenha feito justiça a todas as questões levantadas pelas partes.
De forma que, até mesmo para que possa apreender um pouco dos
ensinamentos jurídicos do Eminente Relator, respeitosamente, peço
vista dos autos.
O
SR.
DESEMBARGADOR
ÁLVARO
MANOEL
ROSINDO
BOURGUIGNON (PRESIDENTE) – Transfiro a presidência à Eminente
Desembargadora Catharina Maria Novaes Barcellos.
A
SRª
DESEMBARGADORA
CATHARINA
MARIA
NOVAES
BARCELLOS (NO EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA) – Concedo a
palavra ao Eminente Desembargador Samuel Meira Brasil Júnior
VOTO – (PEDIDO DE VISTA) – O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL
MEIRA BRASIL JÚNIOR (REVISOR) – Pedi retorno dos autos em
razão do brilhante voto do Eminente e culto Relator, que concluiu pela
validade das cláusulas pro solvendo em contrato de factoring.
Considerando a divergência doutrinária a respeito de tão importante
tema, preferi ponderar um pouco mais sobre a matéria, examinando
mais profundamente a situação dos autos. Passo a proferir o meu voto.
O vocábulo factoring, de origem inglesa, não tem correspondente no
vernáculo. Fábio Konder Comparato propôs, como tradução, o termo
faturização que, embora também não exista originariamente em nossa
linguagem, foi adotado pela jurisprudência e pela doutrina, como se vê
em Waldirio Bulgarelli e Orlando Gomes. Alguns autores, como Arnaldo
Rizzardo e Luiz Lemos Leite, criticam a expressão, por entenderem
limitativa da atividade de factoring, e propõem fomento mercantil ou até
mesmo o original factoring.
Contudo, já é premissa aceita que a denominação dada a um conceito
não define sua natureza jurídica – e essa assertiva será importante
para decidirmos o presente caso.
58
Geralmente, o factoring envolve a aquisição de créditos de uma
empresa. Mas o factoring não se limita à compra dos direitos
creditórios. Envolve uma operação complexa, com a realização de, no
mínimo, dois serviços de forma contínua.
Há um elemento essencial, que é a cessão de créditos. Mas pode
abranger, ainda, outras operações, como a gestão de negócios e o
financiamento de recursos. Waldirio Bulgarelli entende o factoring
como ‘venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe
de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão e cobrando juros
quando antecipa recursos por conta dos recebimentos a serem feitos’.
Fran Martins aduz que ‘é o contrato em que um comerciante cede a
outros os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a
terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses
créditos, mediante o pagamento de uma remuneração’. Orlando
Gomes afirma que factoring é ‘o contrato por via do qual uma das
partes cede a terceiro vários créditos provenientes de vendas
mercantis, assumindo este risco de não recebê-los contra o pagamento
de determinada comissão pelo cedente’.
Há atualmente no congresso Nacional, dois projetos de lei para regular
o factoring: um no Senado Federal, de nº 230/95, de autoria do
Senador José Fogaça, e outro na Câmara dos Deputados, de nº
3.615/2000 e substitutivo 3.896/2000, Relator Deputado Emerson
Kapaz. O Projeto de lei nº 230 retornou à CCJ no dia 1º de julho de
2005, Para leitura do voto do Relator Senador João Capiberibe. Este
citado Projeto de Lei nº 230/95 conceitua factoring em seu artigo 1º no
seguinte contexto:
“Entende-se por fomento mercantil, para os efeitos desta lei, a
prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria creditícia,
mercadológica, de gestão de crédito, de seleção de riscos, de
acompanhamento de contas a receber e a pagar e outros serviços,
59
conjugada com aquisição pro soluto de créditos de empresas
resultantes de suas vendas mercantis, a prazo, ou de prestação de
serviços”.
Costuma-se dizer, ainda, que o Brasil é signatário da Convenção de
Ottawa, sujeitando-se às regras internacionais sobre o factoring.
Porém, como adverte Antonio Carlos Donini:
“A convenção sobre Factoring Internacional, negociada sob a égide do
UNIDROIT (Instituto para Unificação do direito Privado), foi adotada na
conferência Diplomática que decorreu em Ottawa, Canadá, entre 9 e
28 de maio de 1988, onde participaram representantes de 55 países. O
Brasil, com efeito, participou da convenção, como membro que é da
UNIDROIT. O representante do Brasil foi o embaixador marcos
Coimbra, todavia, o Brasil não assinou, não ratificou e não aderiu à
convenção de Ottawa. O Embaixador Marcos Coimbra apenas assinou
a ata de reunião, pois não tinha poderes para assinar como signatário
a Convenção de Ottawa.”
A título de direito positivo, o factoring encontra-se disciplinado na
Resolução nº 2.144 do Banco Central (22/2/1995), como sendo:
“A atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de
assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção de
riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras de
direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços.”
Esta resolução é considerada pela doutrina como marco da
admissão do factoring como atividade lícita em nosso sistema
jurídico. A Lei nº 9.249, de 26/12/1995 (art. 15, §1º, III, d), que trata
sobre o Imposto de Renda, também mantém esse conceito.
60
Assim, a atividade de factoring encontra-se regulamentada, já se
revelando uma importante fonte de recursos para o fomento comercial
e industrial.
Mas o presente recurso não visa a declaração dos tribunais sobre o
que é factoring. Porém, para solucionarmos o presente conflito de
interesses,
torna-se
imprescindível
conhecermos
os
elementos
conotativos do conceito de factoring, por uma razão bastante óbvia.
Conforme vimos, geralmente o conceito de factoring encontra-se
associado à aquisição de créditos pro soluto – inclusive pela redação
do projeto de lei -, em que o faturizador assume o risco de não receber
os créditos na hipótese de inadimplência do devedor.
Essa é a questão fundamental no presente recurso: saber se é
possível estipular contrato de factoring com a cláusula pro solvendo, ou
se o factoring somente é admissível na modalidade pro soluto.
Para que o voto fique bastante compreensível para os litigantes –
verdadeiros destinatários da prestação jurisdicional – vou esclarecer o
que cada modalidade efetivamente significa.
Na cessão pro solvendo, o cedente permanece obrigado pela
importâncias cedidas na hipótese de inadimplemento dos devedores
originários. Ou seja, “Il rischio di insolvenza resta a carico Del
creditore cedente: cio significa Che, in caso di insolvenza. Il factor
si rivale sull’impresa cedente”.
Na cessão pro soluto, o cedente não responde pelas importâncias
cedidas, se o devedor originário tornar- inadimplente. O faturizadorendossatário assume todos os riscos do não-pagamento, não existindo
qualquer responsabilidade do faturizado-endossante. Isto é, “Il rischio
di insolvenza viene assunto dal factor Che si sostituisce in tutto
all’imprensa ner rapporto com La clientela, La cessione Del debito
essere notificata al debitore”.
61
No Brasil, somente se aceitava o factoring na modalidade pro soluto,
ou seja, o faturizador-endossatário assumia integralmente o risco pelo
não adimplemento do devedor originário. O cedente não responderia
mais pela higidez do crédito cedido.
O caso nos autos, no entanto, versa sobre factoring com cláusula pro
solvendo, a saber, o faturizado-endossante mantém a responsabilidade
subsidiária em razão de um eventual inadimplemento do devedor
originário.
Alguns autores – seguindo a prática de diversos países – têm
sustentado a possibilidade da cláusula pro solvendo nos
contratos de factoring. Invocam o Código Civil de 2002, que
repetiu dispositivos legais do Código Civil de 1916, a saber, os
artigos 295 e 296 (respectivamente arts. 1.073 e 1.074), que
estabelecem:
“Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se
responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do
crédito ao tempo em que lhe cedeu: a mesma responsabilidade lhe
cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.”
“Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela
solvência do devedor.”
Portanto, pela disposição constante no Código Civil de 2002, o
contrato pode estipular que o cedente (faturizado-endossante)
permaneça como responsável perante o cessionário (faturizadorendossatário) pela solvência do devedor originário, ou seja, pode
prever a cláusula pro solvendo.
Porém, dois argumentos devem ser considerados. Primeiro, os arts.
295 e 296 do CC/2002 referem-se à cessão de crédito, que não se
confunde com o factoring, haja vista a natureza de “atividade mercantil
mista atípica”, deste último, envolvendo duas ou mais funções: a de
62
cessão de crédito e outra dentre as previstas na convenção de Ottawa.
Segundo, se considerarmos a aplicação dos artigos 295 e 297 do
CC/2002, não podemos esquecer que o artigo 297, do mesmo diploma
legal estabelece:
“Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do
devedor, não responde por mais do que daquele que recebeu, como os
respectivos juros; mas tem de ressarci-lhe as despesas da cessão e as
que o cessionário houver feito com a cobrança.”
Creio ser essa a melhor solução para o presente caso.
Entendo, acompanhando o brilhante e irretocável voto do
Eminente e culto Relator, que – no presente caso – a cláusula pro
solvendo é válida, independentemente da natureza faturizadora do
contrato (factoring).
Outro argumento que reforça essa conclusão reside no fato de que a
Apelada (faturizada-endossante) já procedeu, em diversas vezes, à
recompra dos créditos cedido à Apelante (faturizadora-endossatária).
Este é um fato único que, se não pode ser invocado para conceituar o
factoring, a meu ver, repercute na solução da presente lide. A apelada,
ao efetuar a recompra dos títulos inadimplidos, permitia uma
expectativa da Apelante que, talvez em razão dessa possível
recompra, tinha maior confiança na operação de factoring, o que
poderia até mesmo influenciar no valor da cessão.
Logo, a conduta reiterada da Apelada – em recomprar os títulos
inadimplidos – é um forte elemento de convicção para a validade
da cláusula pro solvendo, no presente caso. Mas, conforme
salientei, a responsabilidade deve se dar na forma do artigo 297
do código Civil, ou seja, a Apelada (faturizada-endossante)
responde apenas pelo que recebeu da Apelante (faturizadoraendossatária), com os respectivos juros, devendo ressarcir
eventuais despesas da cessão.
63
Por sua vez, os juros cobrados pela Apelante (faturizadoraendossatária) não podem exceder o disposto na Lei de Usura, pois as
empresas de factoring não são instituições financeiras. Nesse sentido é
o entendimento do STJ.
[...]
Assi sendo, e pedindo vênia pelo longo exposto, acompanho o
brilhante voto do Eminente e culto Relator, conhecendo do Recurso e
lhe DANDO PROVIMENTO, para declarar a validade das cláusulas
pro solvendo dos contratos de factoring. Porém, na forma do
artigo 297 do CC/02, limito a responsabilidade da Apelada
(faturizada-endossante) apenas ao valor que recebeu da Apelante
(faturizadora-endossatária), com os respectivos juros fixados de
acordo com a Lei de Usura.
É como voto.
3.2 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RECURSO ESPECIAL Nº 190.753 –
SP 1998/0073604-2 – RELATOR MINISTRO BARROS MONTEIRO (1089)
ÓRGÃO JULGADO – T4 – QUARTA TURMA
EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AVALISTA. DISCUSSÃO SOBRE
AORIGEM DO DÉBITO. INADMISSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA.
— O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a
discussão sobre a origem da dívida.
— Instruída a execução com título formalmente em ordem, é do
devedor o ônus de elidir a presunção de liquidez e certeza.
Recurso especial conhecido e provido.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:
José Eurico Guimarães opôs embargos à execução, fundada em
quatro notas promissórias, que lhe move “Credibel Factoring Fomento
Comercial Ltda.”, alegando que: a) o imóvel penhorado constitui bem
de família; b) os títulos não ostentam os requisitos de liquidez e
certeza; c) no mérito, a exeqüente pretende receber mais do que lhe é
devido.
64
Rejeitados os embargos em 1º grau, a Oitava Câmara Extraordinária –
A do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, à unanimidade, deu
provimento ao apelo do embargante para julgar procedentes os
embargos, declarando a empresa de factoring carecedora da
execução, em Acórdão assim ementado:
“AVALISTA. EXCEÇÃO SUBSTANCIAL. OPOSIÇÃO ADMISSÍVEL.
REGISTRO
DA
DOUTRINA
E
JURISPRUDÊNCIA.
NOTA
PROMISSÓRIA. EMISSÃO PARA GARANTIA DE EFICÁCIA DE
CRÉDITO NEGOCIADO EM SISTEMA DE FACTORING . FALTA DE
DEMONSTRAÇÃO DE INEFICÁCIA DO CRÉDITO. IMPLEMENTO DA
CONDIÇÃO DE EXIGIBILIDADE NÃO PROVADO. CARÊNCIA DA
EXECUÇÃO. EMBARGOS PROCEDENTES. RECURSO PROVIDO
PARA ESSE FIM” (fl. 60).
Eis os fundamentos do Acórdão no que ora interessa:
“O apelante, na condição de sócio-cotista da empresa Kleber
Montagens Industriais Ltda., prestou fiança a contrato de factoring
firmado com a apelada e, além disso, prestou aval nas notas
promissórias que instruem a inicial da execução. Tais cambiais,
segundo essa mesma peça processual (fls. 03 do apenso), foram
emitidas para garantir o negócio envolvendo duplicatas não honradas
pelos sacados porque sem origem. Pelas duas garantias, portanto, é
que se executa o embargado.
É de se registrar, num primeiro passo, que o embargante, na condição
de fiador e avalista, mesmo não dispondo das exceções pessoais que
o devedor principal possa opor ao credor, dispõe da exceção de
inexistência da obrigação.
De feito, no que pertine à fiança, é expresso o art. 1052 do Código
Civil. No tocante ao aval, embora haja resistência da doutrina e
jurisprudência, merece destaque o fato de que a inoponibilidade das
exceções pessoais não pode atingir o manifesto contra-senso de impor
o cumprimento de obrigação já inexistente. Por isso é que se deve
admitir a exceção do avalista, desde que inserida na categoria de
exceções objetivas ou absolutas, como lembrado por CARVALHO DE
MENDONÇA baseado na lição de Vivante e Goetzinger (TRATADO DE
DIREITO COMERCIAL, Freitas Bastos, V, 2ª parte, p. 428). ”
(...)
Admitido, pois, o questionamento da exigibilidade das cambiais em
execução, analisa-se o contexto em que foram produzidas.
A embargada, inegavelmente, dedica-se ao factoring como atividade
principal, tanto que a expressão consta de sua denominação social e
foi numa operação do gênero que negociou com a empresa de que é
sócio o embargante, como consta da inicial da execução. Ora, a
faturização 'representa um financiamento de empresa faturizada,
65
adquirindo o faturizador os créditos dessa, pagando-lhe e assumindo o
risco com a cobrança e o não pagamento das contas, sem ter o direito
de regresso contra o faturizado'.
(...)
Pois bem, desde que o risco pelos créditos adquiridos transfere-se à
adquirente, não se pode pretender recobrar, via garantia cambial
representada pelas promissórias em execução, o que não foi saldado
pelos devedores com débitos transferidos. Para que a faturizada
responda perante o faturizador é preciso que o próprio crédito padeça
de algum vício, como, aliás, já previa o contrato firmado entre as partes
(cf. cláusulas 2 e 4 – fls. 18/19 do apenso), e foi objeto de realce na
inicial da execução.
Ocorre que, apesar da referência na inicial, a exeqüente deixou de
apresentar as duplicatas enjeitadas, segundo diz, com fundamento na
inexistência do negócio subjacente, pelos sacados. Não apenas omitiu
informação e documentação que se impunha acompanhasse a
execução, como deixou, na verdade, de demonstrar o implemento de
condição de exigibilidade das cártulas. É nula se apresenta a execução
se instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrido o termo,
como proclamam as normas do art. 572 e 618, III, do Código de
Processo Civil' (cf. REsp. nº 1.680-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo).
Assim, em remate, desde que não houve desconto das promissórias
em execução, mas emissão para garantia de eficácia dos créditos
adquiridos pelo exeqüente, para que pudessem ser exigíveis, mesmo
do avalista, haveria de se demonstrar o implemento da condição, ou
seja, a ineficácia daqueles. Como isto não se fez, carece a embargada
da execução.
Nem se diga que resta o contrato de fiança. Este somente se
operacionaliza mediante a apresentação concreta de débito do
afiançado, evidentemente definindo-se, para que se possa processar a
execução, valor líquido, certo e exigível, condições também não
apresentadas pela embargada.
Daí, em suma, a procedência dos embargos, solução que se adota em
acolhimento do apelo, declarada insubsistente a penhora e invertida a
sucumbência” (fls. 61/63).
Inconformada, a exeqüente embargada manifestou este recurso
especial com arrimo nas alíneas “a” e “c” do admissor constitucional,
apontando negativa de vigência dos arts. 333, I, 515, 572, 585, I, 586,
618, III, e 740, parágrafo único, do CPC; 1.481 e 1.491 do Código
Civil/1916; e do Decreto nº 57.663, de 24.1.1966. Alegou, em síntese,
que:
a) o Acórdão impugnado recorrido incorreu em julgamento extra petita
e ofendeu o princípio do tantum devolutum quantum appelatum ao
66
concluir pela carência da execução, escopo não almejado pelos
embargos;
b) o v. Acórdão inverteu o ônus da prova; ao embargante incumbia
demonstrar que as duplicatas endossadas não eram simuladas;
c) era desnecessário à exeqüente acostar à inicial da execução outros
documentos que não os títulos de crédito que a embasam; inexiste no
caso condição ou termo;
d) os títulos objeto da execução são líquidos, certos e exigíveis;
e) a questão é de direito, e o embargante não cuidou de comprovar o
seu pretenso direito;
f) além das notas promissórias, há também a carta de fiança outorgada
pelo embargante.
Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (RELATOR) :
1. Permanecem subsistentes os fundamentos expendidos pela
sentença para indeferir a impenhorabilidade do bem constrito, na forma
da Lei nº 8.009/90: a) nenhuma demonstração de que aquele imóvel
constitua a residência da família do devedor; b) ele próprio –
embargante – abriu mão da proteção lançada pela referida Lei nº
8.009/90. Este último fundamento, por sinal, não chegou a ser
impugnado pelo apelante em suas razões.
2. O Acórdão ora combatido aduz de início não dispor o avalista das
exceções pessoais que teria a devedora principal. Entretanto, admite
possa ele opor a exceção relativa à inexistência da obrigação.
Em verdade, o aval é obrigação autônoma e independente em relação
àquela assumida pelo avalizado.
Consoante o escólio de José Xavier Carvalho de Mendonça, “o aval é
obrigação cambial assumida diretamente pelo avalista; a este não é
lícito opor ao credor que o acionar quaisquer exceções pessoais àquele
a favor de quem deu o aval ou anda a nulidade da obrigação do
avalizado ” (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, livro III,
parte II, pág. 331, ed. 1937).
Idêntica a lição de Magarinos Torres, para quem, “a responsabilidade
do avalista, uma vez definida, é sempre autonoma e independente das
outras, e prevalece ainda quando seja annullada a própria obrigação
garantida (vede nº 125). E tenha ou não interesse na nóta promissória,
o signatario da declaração cambial fica por Ella vinculado, e
solidariamente responsável pelo pagamento, sem embargo da
67
falsidade, da falsificação, ou da nullidade de qualquer outra assignatura
(art. 43). A causa da intromissão do avalista (vede nº 126) nenhuma
influencia tem sobre a natureza nem sobre a validade da obrigação
firmada” (Nota Promissória, pág. 180, 4ª ed., 1935).
Tal responsabilidade acha-se enunciada na Lei Uniforme, art. 32,
segunda alínea:
“A sua obrigação (do avalista) mantém-se, mesmo no caso de a
obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja
um vício de forma”.
O novel Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.1.2002) estabelece nos
mesmos termos, em seu art. 899, § 2º, in verbis:
“Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação
daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício
de forma”. A jurisprudência desta Quarta Turma orienta-se em igual
diapasão. Confiram-se os REsps nº. 3.594-SC, Relator Ministro Athos
Carneiro; 4.607-RJ, Relator Ministro Fontes de Alencar; 19.774-0/SC,
Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Do primeiro desses
precedentes colhe-se a expressiva ementa:
“EXECUÇÃO. AVALISTA.
O aval é obrigação autônoma e independente, afastadas assim
discussões sobre a origem do título”.
Ora, nos seus embargos, o avalista – ora recorrido – pretendeu debater
a origem do débito representado pelas notas promissórias em questão,
ou seja, a causa debendi. Não negou ele a existência da dívida. Argüiu,
sim, ser devedor de quantia muito inferior àquela cobrada, haja vista o
recebimento de duplicatas sacadas contra terceiros que se achavam
em poder da embargada, em razão do contrato de fomento mercantil
(fls. 5/6).
Tratando-se as notas promissórias em questão de títulos de crédito
formalmente perfeitos, são líquidos, certos e exigíveis, de acordo com o
que estatuem os arts. 585, I, e 586 do Código de Processo Civil.
Verifica-se, desde logo, que o julgado recorrido contrariou as duas
normas acima mencionadas, ao admitir a discussão pelo avalista sobre
a origem das cártulas.
Contudo, não é só. A despeito de vencidas e regulamente protestadas
as notas promissórias, a decisão objurgada considerou encontrarem-se
elas sujeitas à condição ou termo. Ocorre que, conforme se constata
claramente, não há nenhuma condição ou termo a que possa
subordinar-se a exigência dos referidos títulos.
Nesse ponto, nítida a transgressão dos arts. 572 e 618, III, da nossa lei
processual civil.
68
Na verdade, o Tribunal a quo simplesmente inverteu indevidamente o
ônus da prova, transferindo-o do devedor embargante à credora
embargada. Se se cuida, como na espécie, de embargos à execução
arrimada em notas promissórias, o encargo de provar o excesso de
cobrança, em face do alegado recebimento de duplicatas entregues à
“faturizadora” em cumprimento a contrato de “fomento mercantil”, é do
embargante. Primeiro, porque é ele quem alega o fato (art. 333, I, do
CPC); depois, sendo o autor dos embargos, compete-lhe elidir a
presunção de liquidez e certeza do débito ajuizado. Vale acentuar que,
na hipótese em exame, o embargante argüiu a ocorrência de
pagamento pelos respectivos sacados de duplicatas entregues à
credora por conta do aludido “contrato de fomento mercantil”. Para
comprovar a asserção, requereu a realização de perícia, a qual, porém,
não se efetivou.
“Instruída a execução com o título próprio, é do devedor o ônus de
elidi-lo” (REsp nº 154.565-PR, Relator Ministro Ari Pargendler). Na
mesma linha o REsp nº 488.439-RJ, Relator Ministro Fernando
Gonçalves.
O decisum recorrido malferiu aí a regra inserta no art. 333, I, do Código
de Processo Civil.
Nesses termos, em face da situação de fato existente nos autos e,
notadamente, diante dos termos inequívocos da lei, não há falar aqui
em carência da execução pelo motivo apontado. À falta de
comprovação das afirmativas constantes dos embargos, são eles
julgados improcedentes, tal como o fizera a decisão de 1ª instância.
Possível passar-se, desde já, ao julgamento do mérito, não só por
tratar-se de uma única questão aventada pelo v. Acórdão, mas também
diante do disposto no art. 515, parágrafo 3º, do CPC, com a redação
introduzida pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001.
Por derradeiro, tal como acentuou o decisório presidencial de fls.
145/146, a dissonância interpretativa acha-se suficientemente
evidenciada com a indicação do Aresto publicado na Revista dos
Tribunais, vol. 668, pág. 145, em consonância com o qual, “revestida a
nota promissória de todas as formalidades legais e constituindo o aval
obrigação formal, autônoma e independente, não pode o avalista
discutir a origem do título, que representa dívida líquida, certa e
exigível”.
3. Do quanto foi exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do
permissivo constitucional e dou-lhe provimento para restabelecer a
sentença (fl. 22).
É como voto.
69
Do que se pode depreender dos julgados trazidos à colação, vemos que há
ainda uma resistência grande em conceder às empresas de faturização o direitos
que qualquer cessionário obteria sem maiores questionamentos. No entanto, ainda
que haja alguma má vontade em se garantir direito tão elementar claramente
instituído em nosso Código Civil, a própria lei não dá margens para que os
julgadores se eximam de garanti-lo, razão que reforça nossa compreensão de que o
direito de regresso, assim como o pedido de garantias quando da celebração de
contrato de fomento mercantil, são institutos perfeitamente legais e justos.
De se notar, no julgado do STJ, que a questão fica adstrita ao instituto da
fiança e do aval como garantias autônomas, independentes da natureza do contrato
que lhes deu ensejo.
70
CONCLUSÃO
Como pudemos ver, a atividade de factoring, pouco conhecida do público
brasileiro em geral, porém responsável pelo fomento da atividade de inúmeras
pequenas e médias empresas, tem tido sua imagem transformada junto não só a
população em geral, mas também (e principalmente) entre os doutrinadores e
magistrados do nosso país.
Hodiernamente, ao se discutir acerca das garantias reais e pessoais no
factoring, devemos, obrigatoriamente, atentar-mo-nos para as situações que
envolvem o direito de regresso, em virtude de que, como vimos na coletânea de
jurisprudência demonstrada neste trabalho de pesquisa, não ser o referido direito
ainda pacificado na jurisprudência pátria.
Nada obstante, entendemos ter atingido o objetivo proposto, qual seja,
demonstrar que a exigência de garantias reais e pessoais na celebração de
contratos de fomento mercantil é tão possível, legal e comum como em qualquer
outro ramo de atividade, residindo a resistência em aceitar tal fato, seja por parte da
comunidade, seja por parte da doutrina e do judiciário, tanto do preconceito que a
atividade sempre instilou no imaginário popular, como também da indevida confusão
conceitual acerca de que o deságio praticado na atividade consistiria no comumente
chamado “preço do risco”.
De se notar, nesse tocante, que o spread, conceito típico das atividades de
instituição financeira, utilizado de forma a “precificar” o risco, até mesmo esse
indicador, quando aplicado nos contratos de crédito realizados pelos bancos, não
possui o condão de elidir das operações a exigência de garantias.
Não se encontra na lei obstáculos à contratação do direito de regresso, assim
como também não os há em relação ao uso das garantias reais e pessoais nos
negócios de factoring.
71
Como concluído pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a
exigência de garantias garante o equilíbrio entre as partes, fazendo com que o
contrato atinja seu fim social.
Acreditamos, também, termos demonstrado a importância da atividade de
faturização para o desenvolvimento econômico do país, atuando exatamente nos
nichos que não interessam às instituições financeiras.
Diante desse resultado, fazemos ainda outras constatações.
Primeiramente, o fato de que, no caso de vício, é pacífico o direito de
regresso, sendo assim efetivas as garantias.
Em segundo lugar, se for o caso de simples inadimplemento do crédito isento
de vícios, se a garantia foi dada em face do cedente, sua eficácia judicial poderá
ficar fragilizada em virtude de ser ainda controverso em nosso sistema judicial, o
direito de regresso.
Demais disso, mesmo que presente a controvérsia judicial, de se notar das
operações de factoring que boa parte dos inadimplementos podem ser recuperados
na esfera extrajudicial, atuando a garantia dada na esfera psicológica, aumentando,
por conseguinte o vínculo entre as partes.
Evidentes as singularidades da atividade de faturização, importante
considerar o risco legal implícito no negócio, e devendo, no nosso entendimento, ser
tal risco gerido de forma integrada com os riscos de crédito e com os demais riscos
envolvidos no factoring.
72
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74
Download

Bruno Stacciarini Rocha Oliveira