vida 7 EA GAZETA CUIABÁ, TERÇA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2010 Artigo Vida breve VIDA LEIDIANE MONTFORT DA REDAÇÃO Q uando morrem três pessoas em um acidente de carro isso não significa apenas o acréscimo de três no já inflado número de tragédias das estradas brasileiras. Significa entre outras coisas, que alguém (vivo) perdeu um ente querido: alguém que gostava de macarrão com pimenta e depois reclamava que tava muito ardido, de cantar Alcione tudo errado e Vanessa da Mata (tudo certo), de inventar apelidos pros amigos ou de fazer coisas bestas, bobas ou extremante importantes, todas com a mesma intensidade e paixão. No último fim de semana, uma dessas deliciosas pessoas se foi. Dyolen Emanuel Vieira de Souza, 23 anos, colega do Jornal AGazeta. O estagiário, radialista e estudante da jornalismo da UFMT, mestrando no núcleo de Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da mesma instituição e meu amigo (que fique claro), era tão, tão sensível e inteligente não merecia suportar por muito tempo esse mundão besta aqui não. Os bons morrem cedo, disse Renato Russo. E o mais surpreendente é que não era desses “sabidos” pedantes. Nada disso. Era capaz de gostar do filme mais noir ou nonsense, dos escritores mais densos e, ao mesmo tempo, defender com galhardia os primeiros anos do É o Tchan, grupo que influenciou nossa infância. (Desculpe aí, se alguém se sentiu ofendido). E a risada? Um dia peguei um ônibus bem, bem lotado mesmo. Tava lá no fundo sentada e ouvi um “projeto de gargalhada” vindo da parte da frente, sabia que era a dele. Sabia mesmo. E era. Quem conheceu a figura em questão sabe do que estou falando, a risada com folêgo entrecortado. E ainda tinha gente que achava que ele tinha cara de sério. Onde? Você, caro leitor, devia ter visto a cara dele quando descobriu que Alcione cantava “me leva na manha e ba-bau, leva meu coração”, ele jurava que os versos eram “me leva mamãe e papai, leva meu coração”. Hi-lá-rio. Quem nunca cantou um verso de música errado? Sabe a novela Caminho das Índias? Então, o Dyolen a classificava como “divertida” e “instrutiva” e por isso usava alguns palavreados apresentados na trama como Kajerare, Are Banguandi, etc. Isso tudo apesar de ter feito sérias ressalvas à cena em que Raj oferece uma rosa para Maya comer. “Gente, pelo amor de Deus, uma rosa? Rosa? Ah, não! Isso é muita humilhação pro artista!”, desabafava como se tivesse discutindo política internacional ou o conflito de terras na Amazônia. Dyolen era leitor compulsivo de autores de cibercultura e dos clássicos Machado de Assis, Ariano Suassuna, Manoel de Barros, Gustave Flaubert, entre tantos em uma lista infindável de referências. Participava da comunidade no orkut intitulada Jovens Idosos (é, ele era muito responsável apesar da pouca idade). Era fã de Vanessa da Mata, Marina Colassanti, da professora Lucia Helena Vendrúsculo Possari (L.H que sempre estava na jugular dele, e ele amava), Yuji Gushiken (queria ser ele quando crescesse), do irmão adolescente Manoel Junior (só reclamava dele ser mais alto e com voz mais grave que a dele, o que seria constrangedor para um irmão mais velho), e da cabeleireira Dimerci, mais conhecida como Morena, sua mãe, a quem desejava muito que sentisse muito orgulho de sua trajetória. Certamente ele tem. Doug Funnie, apelido de infância, mostrou seu talento por alguns meses no Jornal A Gazeta com textos que mostravam a sua criatividade e bagagem Arquivo Pessoal cultural, sempre em constante aprimoramento. No momento, ele estava feliz da vida (se bem que, nunca o vi reclamando da mesma), tinha acabado de conquistar o primeiro lugar no Prêmio de Jornalismo Universitário promovido pela Escola Superior do Ministério Público da União. Além disso, ele contou empolgado que estava fazendo autoescola e em fase de término do curso de mestrado. Tinha outros planos? Muitos! Morar no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, passar um tempo na Bahia, depois ir pra Londres e onde mais ele pudesse se matricular em trocentos cursos diferentes. Êeee Dyolen. Hoje o mundo inteiro, e o céu também, lhe pertencem de algum modo. E nós seus amigos também. Namastê, Dougdy! Te amamos. Tragédia Dyolen morreu num trágico acidente no município de Bandeirantes, na BR-163, a 80 km de Campo Grande (MS), na manhã de sábado (01), que também tirou a vida da amiga dele Helen Caroline Bastos da Costa (Carol) e do namorado da jovem, Jony da Costa Silva, 22, que conduzia o veículo. Os pais de Carol, Marcos Antônio Bastos e Ramona Moraes da Silva Costa, sobreviveram. Eles iam a Campo Grande (MS) para visitar uma amiga que se mudou para o estado vizinho a aproximadamente 1 mês.