O que sou e o que lembro que sou
Uma visão do trabalho de Roger Woolger
D.M.P ® - Deep Memory Process
(Restate de Memórias Profundas)
Quem sou eu?
Tenho sempre a ilusão de que sou o que tenho
Isto tem-me orientado,
Até perceber que estava perdida
Nada me pertence…
Nem a realidade a que tanto me apego
Quem sou eu?
Pergunto-me novamente,
Sou nada mais que a ausência de tudo,
O vazio e a consciência da criação a cada segundo
E da perda a cada segundo…
Quando, em terapia, falamos em vidas passadas, corremos o risco de nos depararmos
com dogmas religiosos dos nossos pacientes. No entanto, como bem está descrito no 4º
capítulo do livro “As Várias Vidas da Alma”, de Roger Woolger, a nossa abordagem não
deverá ser a de tentar convencer o paciente da veracidade das vidas passada, caso
contrário correríamos o risco de estarmos a nos afastar do objectivo principal da terapia,
que é levá-lo à sua cura.
Na verdade, quando estamos diante de um relato de vida passada de um paciente, o
nosso objectivo principal será o de levar o paciente, através do personagem em questão,
a olhar profundamente para as emoções que afloram neste relato guardado no
inconsciente, através desta história.
Ao contar-nos a sua historia, o paciente estará sentindo-a física e emocionalmente e
estará desbloqueando emoções há muito congeladas produzindo assim uma catarse,
que é um caminho para a cura.
Portanto, constatamos que esta abordagem terapêutica prende a sua atenção na cura, e
não na “catequização “ do paciente, nem na exploração histórica dos factos relatados
pelo mesmo, como o faria um estudioso em parapsicologia.
Para que a cura comece a acontecer, é necessário que o terapeuta saiba, em primeira
instância, “ouvir”, “ver” e até “ sentir” a memoria do personagem, que se encontra atrás
queixa do paciente. À medida que a prática terapêutica avança nesta abordagem, podese detectar que existe uma “história atrás da história”, trazida pelo paciente à consulta.
Por trás dos medos, das preocupações ou dos comportamentos compulsivos trazidos por
este, pode-se observar que há historias mais antigas, com eventos e factos muito mais
fortes e devastadores, do que os que o paciente relata do seu dia a dia.
Tenho também constatado, que é como se os sintomas trazidos pelo paciente
estivessem descontextualizados no tempo e no espaço. Este facto é de grande
sofrimento para o paciente, porque ele próprio não compreende o porquê de tanto
sofrimento. Isto faz com ele muitas vezes se feche na sua dor.
Dentro do espaço terapêutico de segurança, a causa real do sofrimento poderá emergir e
ser liberada e então o paciente poderá desligar a sua dor dos factos da sua vivência
diária. Assim que contextualiza a sua dor e a sua ansiedade, dentro de uma perspectiva
nova e diferente, o paciente passa a ficar livre para viver a sua vida.
Através desta técnica, tem-se vindo a constatar, que são vários os “gatilhos”no dia a dia
do paciente que fazem despertar esta memória. Esta memória observa-se em
comportamentos que se manifestam através de frases repetidas, sintomas de doenças,
posturas corporais e tomadas de posição. Por isso, na anamnese, ouve-se com cuidado
o histórico das doenças físicas, a linguagem corporal. Deve-se ter em atenção os
sintomas crónicos que resistem aos tratamentos médicos pois, se olharmos atentamente
para eles, podemos verificar a existência de uma história mais antiga.
Quando ouvia falar em “ regressão a vidas passadas “ imaginava um grande “portão
pesado ao fim de um caminho” e, uma vez transposto aquele portão, eu só sairia de lá se
alguém me tirasse, correndo o risco de nunca mais voltar.
O conceito de tempo e memória do tempo mudou para mim com este trabalho de
regressão.
Desta forma, comecei a tomar consciência que “ o tempo estava em mim e não eu no
tempo”, quando se fala de memórias. Ou seja, comecei a compreender que eu não tinha
que ir a lugar nenhum, que as memórias estavam em mim, e que, apesar do corpo físico
estar a ocupar um espaço no presente, aqui e agora, partes da minha alma ou da minha
consciência manifestavam-se, como se estivessem em outras épocas, a viver outras
realidades.
Muitos pacientes relatam algum facto da sua infância, ou algum acontecimento ocorrido
há muito tempo e comentam “ isto não me deve incomodar, já foi há tantos anos atrás…”
“Afinal, eu já superei isto, foi há tantos anos…”. A nossa concepção etimológica de
tempo encerra um tempo linear. À frente o futuro, atrás o passado, porque concebemos o
tempo espacialmente. Tempo é uma unidade que encerra o número de vezes que a
Terra roda em torno do Sol.
Com o surgimento das novas terapias (gestaltista), deu-se ênfase à importância do
“agora”. Estas terapias começaram a enfatizar cada vez mais a primazia da experiência
imediata e não o sintoma, o diagnóstico, o histórico familiar, etc.…
A focagem é no momento presente, no aqui e agora, “ o que sente? “. A verdade
constatada é que, quando começamos a falar de eventos, como se fossem reais, eles
provocam sensações muito próximas de experiências em tempo físico real. Percebemos
então que, o que nos distancia dos eventos, são as estruturas temporais construídas
pela nossa linguagem e o falso ponto de vista do acesso linear às recordações que as
acompanha. De acordo com o princípio homonomico, quando algo está regido pela
mesma lei, tudo na psique espelha todas as outras coisas. Não é relevante se o
terapeuta começa com a infância, com o corpo, com a situação da realidade actual ou
com o trauma de nascimento ou de vidas passadas. Qualquer destes aspectos pode
levar-nos ao sentimento, que é o núcleo da razão do complexo. Este processo
terapêutico nos pede sim, para estarmos atentos, sem preconceitos, a ouvir as
ressonâncias simbólicas da sua linguagem corporal e verbal. O que podemos entender
por ressonâncias simbólicas são partes do nosso corpo ou da nossa psique, que
carregam uma memória, como se algo ainda estivesse acontecendo naquele momento.
Muitas vezes o paciente pode nos mostrar um sintoma físico ou emocional “ como se
fosse… “. Por exemplo, “ sinto uma dor no peito…. (e o terapeuta pergunta -) como se
fosse o quê? Uma dor como uma bala perfurando o peito… Ou, sinto uma tristeza
imensa, e o terapeuta pergunta -como se fosse o quê? -Como se não fosse ver nunca
mais a minha família. Todas estas ressonâncias, se estivermos atentos, podem nos
fornecer “portas de entrada “ aos vários mundos do paciente. As formas de começarmos
são muito variadas. Podem ser um pensamento, uma lembrança fragmentada, uma
imagem de sonho, uma dor, uma forma de respirar, qualquer forma nos pode levar a
vários níveis de realidade. Numa única sessão de duas horas, podemos levar o paciente
a um incidente recente e difícil de recordar, a uma lembrança de nascimento ou mesmo a
algum nível de consciência transpessoal ou arquétipa.
Com este método começamos a compreender a noção tão bem descrita por Rogers de
complexo.
Criei para mim uma espécie de metáfora visual do que pode ser um complexo e como
ele atravessa a existência do Ser.
O complexo, conforme o meu entender, funciona como uma lente de um caleidoscópio
direccionada a um determinado ponto da existência do Ser. É como se pudesse ser
focalizado com uma “lupa” nas várias camadas do complexo, ou padrão de
comportamento. O grau de focagem corresponde ao nível que o indivíduo se permite e
lhe é confortável e seguro “olhar”. Não há tempo nem espaço neste caleidoscópio, há
sim a focagem que o paciente quer ou melhor deseja neste momento.
Durante o processo terapêutico é o subconsciente do paciente que o leva onde a
experiência vibra com maior intensidade. Terapeuta e paciente estão juntos nesta
jornada, como piloto e co-piloto numa nave através das estradas do tempo e do espaço.
Estas imagens vistas através da lente do caleidoscópio provocam a “ ressonância
simbólica” que referi acima, termo utilizado por Rogers que define claramente a ligação
vibracional destas imagens.
Rogers fala-nos de vários planos ou aspectos onde o complexo se manifesta:
Os aspectos Existencial, Somático, Biográfico, Perinatal, Vidas Passadas e o Aspecto
Arquétipo.
Oh Ser… Oh Filho…
Agora vês que a tua luz estava no fundo da escuridão,
O teu Céu estava no inferno,
O teu amor no ódio,
O teu dia na Noite Escura,
Estiveste a correr tanto,
Estás tão cansado
À procura de ti no desespero,
Na cegueira
E só quando as lágrimas surgiram
E verteram o bálsamo da cura,
O amor pôde jorrar livremente.
Então tu descansas…
Muitas vezes os pacientes queixam-se de que a emoção que sente, (dor, medo,
ansiedade, raiva…) não se encaixa na história de sua vida actual. Ao fazerem um
balanço da sua existência, não encontram motivo suficiente para tanto sofrimento nem
na qualidade, nem na intensidade.
Afirma-se hoje, mais do que nunca, que as maiorias das doenças psicológicas são
herdadas do plano psíquico. Rogers pondera que há possibilidade de um trauma ocorrer
pela primeira vez nesta vida, mas que isto cada vez mais explica uma porção diminuta
das perturbações psicológicas.
Realmente, o que observamos através deste trabalho, é que os traumas de infância são
reprises de episódios de outras vidas.
Na verdade, como foi dito acima, independentemente do ângulo por onde se comece a
olhar o complexo, ou do ângulo da existência actual, ou de uma vida passada, vamos
sempre encontrar uma correlação. Raramente será um facto isolado.
O que se passa então…
O que temos visto ocorrer é que existem factos na nossa vida actual, que activam
memórias de vidas passadas. Este facto tem maior incidência na primeira infância devido
à tenra estrutura emocional da criança. A memória activada começa a ser estimulada por
factos subsequentes, que muitas vezes não teriam nada de traumático, se não houvesse
este pano de fundo.
Já a terapia Gestalt ressalta que o indivíduo não terá uma apreensão plena da sua
realidade actual, se houver um pano de fundo que não esteja integrado, ou seja, a figura
para ser integrada terá que estar completa.
Jung afirma que um complexo surge “onde experimentamos uma derrota na vida”, como
refere Rogers mais adiante: Que vida? Qualquer vida… Tenho observado que, em
qualquer linha de trabalho terapêutico que se dedique ao trauma, se refere ao mesmo
como um “congelamento emocional daquele momento”, “como um mecanismo de defesa
que permite ao indivíduo continuar VIVO”. (Bem, aqui teremos que ampliar o nosso
conceito do que continuará vivo.)
Sempre que há um perigo iminente, onde eu não possa fugir nem lutar, entro em estado
de congelamento. Quando, por qualquer motivo, um facto faz vibrar esta memória
congelada, o quadro das emoções congeladas surge no corpo, mas o indivíduo não
reconhece nada na sua vida, ou no seu momento actual, que o faça viver assim.
ex. Maria João (nome fictício) era uma jovem que eu atendi na casa dos 28 anos.
Profissionalmente independente, no entanto ainda vivia na casa dos pais. Procurou-me,
porque se sentia muito ansiosa, quando tinha que sair da sua rotina diária,
principalmente sair da casa onde vivia. Este facto vinha agravando-se, mesmo porque
Maria João tinha decidido tirar um curso fora do país. Anteriormente, já havia desistido
de uma formação no estrangeiro, por esse mesmo motivo. Cada vez que pensava em
viajar, a sua ansiedade e o seu medo aumentavam.
Propus-lhe então que fizéssemos uma sessão de regressão, ao que ela acedeu
prontamente. Comecei por procurar junto da paciente uma frase que fosse
suficientemente forte, e a frase que surgiu era: “eu não quero estar aqui”. Esta frase
levou Maria João ao momento do seu nascimento, que fora traumático para a criança,
dado que a mãe sofrera um choque anáfilático devido à anestesia, para poder ter um
parto sem dor. A paciente então reviveu e entrou em contacto com a força de seu
nascimento e pôde constatar que a mãe sempre estivera ali e que ela estava segura. No
entanto, a memória era de abandono e medo existencial. Cada vez que saía de casa,
fora do seu ambiente seguro, a memória era estimuladas e a paciente manifestava a
ansiedade daquele bebé. Depois desta sessão, Maria João conseguiu finalmente acabar
o seu curso fora de casa e fora do país.
Se considerarmos a vida como um continuum, podemos verificar que o mecanismo para
fugir ao choque é sempre o mesmo – congelamento e, consequentemente, perda de
consciência. Este mecanismo, de uma forma ou de outra, nos fará repetir a experiência
semelhante à que nos causou o congelamento, como que na tentativa de encontrar uma
parte de nós que ficou perdida. Como se uma parte da nossa alma estivesse a sofrer.
Quando conseguimos ficar conscientes deste facto integramo-lo e integramos, assim,
uma parte de nós que esteve perdida.
Esta necessidade de encontrar uma parte de nós, que está perdida, leva-nos a tipos de
comportamentos ou a mudanças na nossa forma de vida, causados pelos resíduos das
questões inacabadas das vidas anteriores. Como temos podido verificar, ao longo da
nossa história, esta procura “cega”, esta necessidade compulsiva do resgate de uma
parte de nós, tem promovido toda a dinâmica da evolução da humanidade.
“O homem à procura de si mesmo tem escrito toda a sua história”
As religiões orientais como o Budismo, bem como os ensinamentos da disciplina
psicofísica do Yoga, há muito reconhecem a importância daquilo a que se chama
resíduos kármicos.
Tudo aquilo que nos acontece, que experimentamos, cria impressões na substância
mental (citta) do indivíduo que experimenta ou faz. Como se fosse uma marca ou um
relevo, desta forma há sempre uma tendência ou uma disposição para repetir a acção.
Independente da qualidade da acção (boa ou má), vamos criando o que os iogues
chamam de resíduos kármicos (karmaskaya). Estes resíduos kármicos têm um papel
fundamental nas compulsões, conforme descrito acima, que se traduzem na nossa vida,
como tendências ou disposições (samskara). O samskara é sempre acompanhado por
dois tipos de vestígios; um (vasana), quando activado produz uma recordação da acção
que originou, e o outro vestígio (klesa) produz certas aflições ou desconfortos. As klesas
são responsáveis pela prisão em que a pessoa se encontra, como se estivesse a cumprir
uma sentença. Em termos dos vestígios na alma, as vasanas podem se considerar como
um perfume que, deixado numa roupa evoca uma imagem, enquanto que as klesas são
como feridas, que evocam aflição e que passam de uma vida para outra sob a forma de
pensamento compulsivo, com forte carga emocional. (“ Nunca chego a tempo”, “ Não
sou capaz”, “Ninguém pode me salvar”…) As klesas são estimuladas pelas ressonâncias
simbólicas citadas acima.
O Amor na origem…
A compaixão pela solidão e pelo vazio
Faz com que as dores me acompanhem,
Que os medos estejam comigo
Que a raiva esteja em meu peito
Que a culpa me arraste.
Quando encontro comigo e não me sinto só,
Aí sou capaz de estar aqui
Agradeço a todas as dores, a todas as marcas
E então deixo-as ir,
E Fico …Aqui Agora
A repetição cega do padrão em várias vidas aprofunda o sulco da imagem impressa na
alma e a isso se denomina samskara, com as suas klesas e suas vasanas.
À medida que o tempo avança e os preconceitos são postos de parte, a Psicologia pode
lançar um olhar mais profundo a todo o material herdado, quando nascemos. Pelo olhar
materialista do mundo ocidental, temos vindo a aceitar a herança genética no plano
físico. Também aceitamos a herança da personalidade. Mas agora, com as novas
abordagens, começamos por aceitar os padrões sistémicos familiares e culturais.
Começamos a compreender que há uma ordem, que não obedece somente ao padrão
de herança genético, nem ao padrão de memória pessoal, mas sim a um padrão de
repetição emocional, comportamental e mental, que não era contemplado por nenhuma
abordagem científica, um padrão que se repetia, mas que fugia às explicações
convencionais. Jung chegou a abordar estes aspectos, referindo-se aos arquétipos que
povoavam o inconsciente colectivo.
Com o aparecimento das novas abordagens ocidentais que olham para “as vidas
passadas”, podemos encontrar o que Rogers cita como o “ elo perdido entre a psicologia
oriental e ocidental”. Rogers refere-se ao samskara como o complexo kármico ou
complexo de vida passada.
A força da alma que procura uma parte de si perdida e em sofrimento, traduz-se na
conclusão de um impulso inacabado. Esta procura faz com que o ser humano dirija a sua
vida à procura de si mesmo, até a integração total de todos os fragmentos de sua alma,
espalhados pelo Universo do Tempo e do Espaço.
A tomada de consciência e a contextualização da emoção faz com que o sofrimento
acabe, ao passo que o distanciamento cria repetição do padrão e a vida é conduzida
pelo samskara.
Morte…
O que será então a morte, senão um segundo congelado
Uma emoção não reconhecida
Uma consciência perdida
Uma alma em sofrimento
Vida…
O que será então a vida, senão a consciência de um segundo
Luz na verdade escondida,
Uma alma que se livra
Do eterno cativeiro
A nossa filosofia ocidental tem tratado o tema da morte com distanciamento e medo. A
causa deste facto deve-se ao facto de que o mundo ocidental tem visto a vida somente
do ponto de vista material e, se há alguma espiritualidade, fica para depois da morte -nunca e nunca é vivenciada em vida. A orientação dos objectivos de vida tem vindo a
estar ligado somente à sobrevivência, ao conforto e a valores puramente materiais.
Isto tem criado um distanciamento da morte, pelo facto de que esta ceifa e rouba todos
estes planos. Passa ela então a ser um inimigo.
O trabalho de vidas passadas tem contribuído em grande parte para uma nova
abordagem sobre o tema morte dentro do ambiente terapêutico, principalmente quando é
vista como um processo de evolução.
No trabalho de vidas passadas, como Roger o concebeu, a morte tem um papel
importantíssimo. Quando trabalhamos uma vida passada, há sempre um marco
importante a ser olhado, que é a situação mais traumática dessa existência.
Normalmente, as situações traumáticas ou se prendem a mortes violentas ou a situações
de abandono e rejeição. Quando estamos então conduzindo o paciente nessa jornada,
um dos meios usados para distanciá-lo da confusão que o trauma deixou, é faze-lo
passar pelo momento exacto da morte. Com isto o paciente pode ganhar consciência
através de um certo distanciamento. A clareza começa a vir quando o personagem do
paciente sente e traz a consciência de que já não está mais naquela existência. “ Fique
consciente de que você não está mais naquele corpo olhe o seu corpo como ficou…
fique consciente de que agora o sofrimento acabou, já ninguém mais o está torturando….
Estas frases trazem consciência ao paciente de que o sofrimento acabou e que agora é
seguro ver …sentir…. sair… etc. …
Quando há trauma, como já foi antes referido, há um congelamento emocional. A
memória fica a repetir o sofrimento, como num disco riscado, e o corpo não tem
consciência da passagem e do fim da agonia. Pode se dar também a ocorrência do
trauma num determinado momento da vida do personagem do paciente e, nesse
momento, ele “congela” e vive uma vida, completamente dissociado -- é o que
chamamos de morte emocional. A morte física nestes casos muitas vezes ocorre de
forma serena mas a situação traumática ocorreu antes. Então o personagem toma
consciência do momento da morte e poderá depois olhar para a situação traumática. “
Agora que tudo acabou você pode olhar… “ “ agora que você está no mundo espiritual,
tudo é possível… Vá e veja o que aconteceu quando você era apenas um menino de oito
anos…”
Este trabalho, após a consciência da morte, é realizado no Bardo, termo utilizado por
Roger e oriundo da filosofia budista.
No Bardo, que é o mundo espiritual, trabalham-se os aspectos inacabados que
pertencem a esta existência de vida passada.
Trabalhamos os aspectos físicos que ainda se manifestam “ veja o que ainda o prende a
esse corpo… é como se fosse o quê? É como uma corda. Experimente libertar-se dessa
corda no pescoço, agora você pode…
Trabalhamos os aspectos emocionais “Veja que emoções ainda o rendem nesta
existência… o que queria ter dito e não disse… o que queria ter feito e não fez…Agora
você pode… diga ao seu filho o quanto você lutou para protegê-lo… diga agora aos seus
pacientes o quanto você sente ao utilizá-los como cobaias…
A consciência expandida no exacto momento da morte cria uma impressão exagerada na
alma dos últimos pensamentos e sentimentos. Muitas vezes esta memória é reactivada
logo à nascença. Mesmo que não seja despertado no nascimento, este estado de
consciência ampliado imprime de alguma forma o sanskara na psique que transmigra.
Este trabalho espiritual feito no Bardo é altamente curativo e libertador e ajuda
grandemente a que o paciente amplie o espectro de consciência da realidade que vive
hoje na sua vida actual.
Para concluir este trabalho, desejo salientar o quão curativo ele se revelou na minha
própria vida. Pude alargar a perspectiva da minha realidade. Aos entrar em contacto com
os diversos dramas dos personagens das vidas passadas desenvolveu-se em mim um
sentimento de compaixão pela humanidade, porque o pude sentir por mim mesma. Isto é
altamente libertador e curativo. A vida já não se apresenta para mim, como uma
madrasta castigadora e implacável, mas sim como uma sábia mestra. Todos os
aspectos, que se apresentam no meu dia-a-dia, são verdadeiras experiências. Vou
experimentando o meu ser divino dentro da minha condição humana.
O olhar
Estou numa sala
Olho a perspectiva que tenho da sala
Não gosto
Tomo consciência, vejo que posso mover-me
Mudo de lugar
Posso então ver outra perspectiva
Gosto, sei que existe a antiga
Mas agora tenho outra
A perspectiva é a minha realidade
A sala…. a verdade
Silvana Ferreira
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