Weigert NM et al.
ARTIGO DE REVISÃO
Reabsorção idiopática do côndilo mandibular:
frequente e desconhecida
Idiopathic resorption of the mandibular condyle: common and unknown
Natália Marreco Weigert1, Nilesh Joriel Moniz2, Ronaldo Rodrigues de Freitas3
RESUMO
ABSTRACT
A reabsorção do côndilo mandibular está relacionada com
o aumento anormal de carga sobre a articulação temporomandibular (ATM) com subsequente reabsorção compressiva do
osso. Isto ocorre, normalmente, após tratamento ortodôntico,
cirurgia ortognática, disfunção temporomandibular (DTM),
trauma, parafunção e oclusão instável. É verificada maior
incidência em pacientes do gênero feminino, portadores de
má oclusão esquelética Classe II, associada à mordida aberta
ou não, com DTM e elevado ângulo do plano mandibular.
Entretanto, na maioria dos casos, não há fator predisponente,
sendo utilizado nestes casos o termo reabsorção condilar
idiopática. Clinicamente, o paciente apresenta retrognatismo
progressivo e aumento da mordida aberta anterior. Radiograficamente, são observadas alterações na morfologia e tamanho
dos côndilos mandibulares, além de aumento do ângulo do
plano mandibular e diminuição do ângulo SNB. O tratamento
ainda é controverso: o tratamento incruento e preservação,
cirurgia ortognática, condilectomia e reconstrução com enxertos
autógenos ou materiais aloplásticos são os mais descritos na
literatura.
Mandibular condyle resorption is related to an abnormal load on temporomandibular joint (TMJ) that causes
subsequent bone resorption due to compression. This
usually occurs after orthodontic treatment, orthognathic
surgery, temporomandibular disorders (TMD), trauma,
parafunction and unstable occlusion. This condition
occurs more frequently in female patients that have
skeletal Class II malocclusion associated or not with
anterior open bite, DTM and high mandibular plane
angle. However, in most cases there is not a predisposing
factor, these cases are described as idiopathic condylar
resorption. Clinically, the patient presents a progressive
retrognathism and an increase of anterior open bite.
Radiographically, there are changes in the morphology
and size of mandibular condyles, increase in mandibular
plane angle and a decrease in SNB angle. Treatment is
still controversial: closed treatment and follow up, orthognathic surgery, condylectomy and reconstruction with
autografts or alloplastic materials are oftenly described
in the literature.
Descritores: Côndilo mandibular. Mandíbula/cirurgia.
Reabsorção óssea. Incidência.
Key words: Mandibular condyle. Mandible/surgery.
Bone resorption. Incidence.
1.Residente do Setor de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
2.Chefe do Setor de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Irmandade da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
3.Assistente do Setor de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Correspondência: Ronaldo Rodrigues de Freitas
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Setor de Cirurgia Buco Maxilo Facial
Rua Dr. Cesário Motta Junior, 112 – Vila Buarque – São Paulo, SP, Brasil
– CEP: 01221-020
E-mail: [email protected]
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Reabsorção idiopática do côndilo mandibular: frequente e desconhecida
A RCI parece ter uma predileção por mulheres com DTM
preexistente, com ângulo do plano mandibular elevado e entre
15 e 35 anos3,13-16.
Wolford & Cardenas17 descreveram que a maioria dos casos
de reabsorção do côndilo mandibular ocorreu em jovens durante
a fase puberal e, devido a isto, os hormônios sexuais podem estar
envolvidos com as alterações bioquímicas na ATM, causando
a hiperplasia do tecido sinovial e estimulando a produção de
substratos destrutivos. Isto fez com que estruturas ligamentares,
que normalmente suportam e estabilizam o disco articular, se
tornassem frouxas, ocorrendo o deslocamento anterior do disco.
O tecido sinovial hiperplásico assume uma posição ao redor da
cabeça do côndilo mandibular, aumentando ainda mais sua exposição aos substratos responsáveis pelo processo de reabsorção.
Gunson et al.18 sugeriram que a hipoestrogenemia não
diagnosticada, associada à sobrecarga da articulação por DTM,
bruxismo ou tratamento ortodôntico, pode explicar a reabsorção
do côndilo mandibular. A maioria dos pacientes do gênero
feminino com reabsorção do côndilo mandibular grave deste
estudo apresentava sinais e sintomas de deficiência da citocina
17β-estradiol. A baixa circulação de 17β-estradiol parece tornar
impossível a capacidade de reparação fisiológica do côndilo
mandibular, sendo o mesmo mais susceptível a fatores inflamatórios. Isto resulta em lise do osso cortical e medular do
côndilo mandibular.
Fatores que contribuem para uma alteração na biomecânica da mastigação podem provocar mudanças na estrutura da
ATM. Desta forma, alterações na oclusão (ausências dentárias, cirurgia ortognática, ortodontia), hábitos parafuncionais
e alterações de posicionamento entre o disco articular e o
côndilo mandibular podem contribuir para a remodelação das
estruturas articulares da ATM. Os principais fatores mecânicos
capazes de iniciar alterações na estrutura da ATM são: terapia
oclusal, parafunção, macrotrauma e oclusão instável. Estes
fatores podem ocorrer isoladamente ou estarem interligados.
Quando dois ou mais fatores estão presentes, é mais provável
que mudanças morfológicas ocorram, ou caso o paciente apresente a capacidade de adaptação óssea limitada, as alterações
condilares serão mais acentuadas6.
Algumas doenças sistêmicas são capazes de diminuir a
capacidade de adaptação das superfícies articulares da ATM,
por meio de alterações no crescimento, maturação e remodelamento ósseo5. A esclerodermia, lúpus eritematoso sistêmico,
síndrome de Sjögren, espondilite anquilosante e miopatias
podem provocar a reabsorção do côndilo mandibular13,19.
A presença de artralgias foi observada em 20% a 50% dos
casos de miopatias e pode estar relacionada como uma manifestação da miopatia, indução por esteroides, estresse mecânico
ou combinação destes20,21.
Os glicocorticoides são agentes terapêuticos essenciais em
tratamentos de algumas doenças crônicas. Eles apresentam
ação antiinflamatória, imunossupressora e antineoplásica. No
entanto, apresentam uma série de efeitos colaterais. In vivo, a
administração destes fármacos tem uma relação direta sobre
a atividade osteoblástica, ocorrendo a sua inibição. A redução
na formação óssea durante a corticoterapia é refletida por meio
de baixos níveis séricos de osteocalcina e fosfatase alcalina22.
Ainda não existem evidências científicas que comprovem
que a DTM pode ser induzida pelo tratamento ortodôntico.
Entretanto, os seguintes fatores devem ser considerados em
INTRODUÇÃO
Os côndilos da mandíbula são duas eminências ósseas
elipsóideas, que medem em média de 20 a 22 mm de comprimento, de uma extremidade a outra, por 7 a 8 mm de largura,
no sentido ântero-posterior. O côndilo mandibular é bastante
convexo na direção ântero-posterior e ligeiramente convexo
no sentido médio-lateral. Sua morfologia modifica-se com a
idade, de acordo com as alterações que ocorrem na oclusão1. É
uma das faces articulares ósseas da ATM, além da eminência
articular e fossa mandibular do osso temporal2.
Na reabsorção do côndilo mandibular, ocorre a diminuição
do volume e altura dos côndilos, provocando alterações na
morfologia maxilofacial e na oclusão dentária3. De Bont &
Stegenga4 a dividiram em primária e secundária, em função
da presença ou não de fatores predisponentes. A reabsorção do
côndilo mandibular está relacionada a um aumento anormal de
carga na ATM e subsequente reabsorção como consequência
da pressão exercida, o que pode ocorrer após tratamento ortodôntico, cirurgia ortognática, desarranjos internos, parafunção
e trauma5,6.
Ainda são descritos idade, gênero, fatores hormonais5-7,
inclinação posterior do colo do côndilo mandibular8 e fixação
interna rígida ou osteossíntese com fio de aço e bloqueio
intermaxilar (BIM)9,10 como possíveis fatores etiológicos.
Segundo Arnett et al.5,6, os pacientes com reabsorção do côndilo
mandibular são, em sua maioria, mulheres (9:1), sendo a idade
de maior incidência entre a menarca e a menopausa (entre 11
e 45 anos). Entretanto, na maioria das situações, não há fator
predisponente, sendo utilizado nestes casos o termo “reabsorção
idiopática do côndilo mandibular” (RCI)11.
Alguns autores citam que, uma vez iniciado o processo de
reabsorção, o mesmo será progressivo independente do tipo
de tratamento escolhido7. Para outros, o tratamento deve ser
instituído o mais precocemente possível, visando à diminuição
do grau de reabsorção12.
A decisão pelo tratamento cruento ou incruento ainda é
controversa, e depende da gravidade dos fatores predisponentes, da deformidade esquelética e oclusal, da possibilidade
de compensação ortodôntica ou do tratamento restaurador
odontológico. Quanto ao tratamento cruento, a cirurgia ortognática, a condilectomia e a reconstrução do côndilo mandibular
com enxertos autógenos ou materiais aloplásticos são os mais
descritas na literatura13.
O presente trabalho tem como objetivo estudar a etiopatogenia da reabsorção do côndilo mandibular, os exames de
imagem utilizados para diagnóstico e os principais tipos de
tratamento descritos na literatura.
REVISÃO DE LITERATURA
Etiopatogenia
A etiopatogenia da reabsorção do côndilo mandibular
continua desconhecida, entretanto, acredita-se que está associada a osteomielite, osteólise, osteodistrofia renal, osteoartrite,
artrite reumatoide (AR), disfunção temporomandibular (DTM),
trauma, uso crônico de corticoides, lúpus eritematoso sistêmico,
esclerodermia, outras doenças vasculares do colágeno, tratamento ortodôntico e cirurgia ortognática7,13,14.
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Como resultado, a maioria dos pacientes apresenta redução
no desempenho mastigatório, dor muscular ou articular, movimentos mandibulares limitados, diminuição da altura facial
posterior, retrognatia e mordida aberta anterior progressiva,
além de redução do crescimento mandibular, quando ocorre
em pacientes jovens5,6,13.
Na RCI, o côndilo diminui nos 3 planos do espaço, no
osso subcondral, sem aparente destruição da fibrocartilagem
articular presente no côndilo mandibular e na fossa articular,
ao contrário do que ocorre na artrite, onde a fibrocartilagem
é destruída devido ao processo inflamatório. A reabsorção
do côndilo mandibular, eventualmente, pode estabilizar. No
entanto, se o côndilo da mandíbula e o tecido sinovial hiperplásico receberem carga excessiva (hábitos parafuncionais, trauma,
ortodontia, cirurgia ortognática), o processo de reabsorção pode
ser reiniciado17.
O processo de reabsorção pode tornar-se inativo após 1 a 5
anos, podendo ser reiniciado, sendo esta a distinção entre reabsorção condilar ativa e inativa. Após os 40 anos de idade, é raro
que ocorra a reativação da reabsorção condilar. A reabsorção
pode progredir e envolver todo o côndilo, restando apenas um
coto, próximo à incisura mandibular. O ramo mandibular abaixo
da incisura mandibular não é atingido11.
casos onde se suspeite da DTM ou em casos onde há risco
potencial de desenvolvimento durante o tratamento ortodôntico:
(1) observar cuidadosamente o paciente quando é diagnosticada
DTM durante o tratamento ortodôntico ativo; (2) avaliar eventuais doenças sistêmicas pré-existentes, como doenças reumáticas e hiperparatireoidismo; (3) realizar exame radiográfico de
rotina a cada 3 meses; (4) cessar ajustes ortodônticos adicionais
até que a etiologia de qualquer lesão óssea em desenvolvimento
seja determinada e (5) iniciar terapia com placa oclusal, a qual
pode ser considerada uma das melhores formas de estabilizar a
DTM ou qualquer remodelação óssea associada23,24.
Phillips & Bell25 foram os primeiros a relatarem a relação
entre a reabsorção do côndilo mandibular e cirurgia ortognática,
onde observaram atrofia bilateral dos côndilos mandibulares
após realização de osteotomia sagital para avanço da mandíbula, e descreveram o aumento da tensão muscular como o
principal responsável pelo fenômeno. A impactação maxilar,
auto-rotação mandibular, osteotomia bimaxilar e avanço
mandibular podem induzir, também, a reabsorção condilar11.
Algumas características podem tornar o paciente propenso
a desenvolver a reabsorção, são elas: mulheres com idades
entre os 20-30 anos, ângulo do plano mandibular elevado,
grandes avanços mandibulares e rotação no sentido antihorário do segmento proximal na osteotomia sagital bilateral
do ramo mandibular9,26. Entretanto, ainda não está claro se a
reabsorção do côndilo mandibular durante e/ou após o procedimento cirúrgico está associada ao tratamento ou a condições
pré-operatórias8.
A ATM é fundamental para a obtenção de resultados estáveis em cirurgias ortognáticas. A DTM preexistente também
foi associada à recidiva esquelética após realização de cirurgia
para avanço mandibular26. Ainda há controvérsia quanto ao
adequado tratamento em pacientes com DTM que requerem
cirurgia ortognática para a correção de má oclusões e deformidades esqueléticas. Alguns pesquisadores citam que a cirurgia
ortognática ajuda na redução da disfunção e seus sintomas, e
outros acreditam que o procedimento cirúrgico nestes pacientes
causa efeitos deletérios adicionais à ATM27.
A reabsorção do côndilo mandibular não ocorre exclusivamente em pacientes tratados com fixação interna rígida.
Todavia, existem poucos estudos publicados sobre a relação
entre osteossíntese com fio de aço e BIM e a incidência da
reabsorção9,10.
Alterações nos côndilos mandibulares foram observadas
após osteossíntese com fio de aço e BIM de 3 a 7 semanas28.
Entretanto, alterações osteoartríticas significativamente mais
graves, acompanhadas de reabsorção óssea, ocorreram em
todos os 13 pacientes analisados após a fixação interna rígida
de fraturas do côndilo mandibular com miniplacas, avaliadas
por meio de radiografias, com tempo médio de 18 meses de
acompanhamento29.
Na maioria dos casos, entretanto, não há fator desencadeador associado à reabsorção do côndilo mandibular, sendo
utilizado o termo RCI ou lise condilar idiopática. Os mediadores
inflamatórios responsáveis pela reabsorção do côndilo mandibular estão presentes na zona bilaminar do disco articular. Em
um estudo de 15 pacientes com RCI, foram encontrados hipertrofia e proliferação dos tecidos bilaminar e sinovial ao redor
do côndilo mandibular, sendo que a exposição do mesmo aos
mediadores destes tecidos criava o fenômeno da reabsorção17.
Exames complementares e diagnóstico
A reabsorção do côndilo mandibular é diagnosticada com
auxílio de exames de imagem convencionais, que é um método
capaz de reproduzir de forma fiel a forma e o volume do côndilo
mandibular30.
A radiografia panorâmica é considerada uma opção satisfatória para avaliação da ATM, embora sejam identificadas
apenas alterações radiográficas significativas30. É tido como
parâmetro a assimetria dos côndilos mandibulares entre os
dois lados diferindo em mais de 6% na dimensão vertical.
Com base nestas informações, uma mudança condilar vertical
que ocorre dentro desta margem de 6% seria considerada um
processo de remodelação, enquanto alterações para além deste
nível representariam a reabsorção do côndilo mandibular.
Contudo, definir uma forma radiográfica típica e distinguir a
remodelação funcional e não funcional é considerado ainda
bastante subjetivo15.
Alguns dos critérios descritos para diagnosticar a reabsorção
do côndilo mandibular após a realização da cirurgia ortognática
foram: (1) grande reabsorção óssea, com ou sem aposição óssea,
e redução do contorno e volume condilar; (2) altura do ramo
mandibular, medida por meio de radiografias, diferindo em
6% ou mais, entre os períodos pré ou pós-operatório imediato
e 1 ano após o procedimento cirúrgico ou a longo prazo de
acompanhamento e (3) perda do sobrepasse dos incisivos
antagonistas na radiografia cefalométrica8.
Em relação à radiografia cefalométrica lateral, será observado lenta retrusão, porém progressiva, da mandíbula durante
a fase de reabsorção ativa. Já a série de radiografias cefalométricas pósteroanteriores pode apresentar o agravamento da
assimetria facial17.
A tomografia computadorizada é superior aos filmes comuns
e ressonância magnética para demonstrar estruturas ósseas
específicas. Pode ser feita em vários planos e visualizada em
diferentes condições, que realçam tecido mole ou duro. Esta
imagem supera a distorção ou sobreposição encontradas na
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Reabsorção idiopática do côndilo mandibular: frequente e desconhecida
radiografia simples, mas pode apresentar artefatos no contorno
do côndilo mandibular, encontrados nas pequenas superfícies
curvas do osso cortical. Além disso, também pode fornecer cortes
de reconstrução tridimensional a partir de imagens originais30.
A imagem esquelética por meio de radioisótopos é conhecida por ser um indicador sensível de doenças ósseas, mas
não pode distinguir a reabsorção da remodelação do côndilo
mandibular. Contudo, a cintilografia óssea com o tecnécio-99
pode ser usada para identificar o estadiamento da doença e
para a avaliação da reparação óssea31. O isótopo tecnécio é
essencial para diagnóstico da diferenciação da reabsorção do
côndilo mandibular em ativa e inativa13.
A ressonância magnética é pouco útil para o diagnóstico da
reabsorção do côndilo mandibular, porém, pode ser utilizada
para avaliação do grau de deformação e alterações degenerativas do disco articular17.
Quando a reabsorção do côndilo mandibular é diagnosticada, a terapia com placa oclusal é indicada para diminuir a
incidência de carga nos côndilos, prevenindo a progressão da
doença e aliviando o desconforto e a hiperatividade muscular. É
mais indicado adiar o tratamento oclusal definitivo (reabilitação
protética, ortodontia ou cirurgia corretiva da mandíbula) até que
seja comprovado que a reabsorção do côndilo mandibular foi
interrompida. Apenas a cirurgia ortognática não é o tratamento
ideal. A literatura relata que os resultados a longo prazo não
são estáveis, e o processo de reabsorção pode ser agravado ou
reiniciado3.
A cirurgia ortognática, a ortodontia e a reabilitação protética
como tratamentos definitivos da má oclusão provavelmente
apresentarão resultados satisfatórios caso a reabsorção do
côndilo mandibular esteja estável por pelo menos 1 ano e se
houver cobertura cartilaginosa intacta na superfície condilar
reabsorvida3.
Ow & Cheung33 compararam a cirurgia ortognática e a
distração osteogênica em pacientes que foram submetidos a
avanços mandibulares entre 6 e 10 mm. A incidência de reabsorção do côndilo mandibular foi de 6,1% após a osteotomia
sagital do ramo mandibular, e os fatores de risco observados
foram DTM pré-existente, ângulo do plano mandibular elevado,
acentuada inclinação posterior do côndilo mandibular e grandes
avanços mandibulares. Esta complicação não é comum com a
distração osteogênica, tendo sido observada em apenas 1 (1,4%)
paciente, e os possíveis fatores desencadeadores ainda não estão
claros. Acredita-se que o deslocamento superior e posterior do
côndilo mandibular durante o processo de distração produz
carga desfavorável ao côndilo mandibular e disco articular,
resultado na reabsorção do mesmo, uma vez que excede sua
capacidade adaptativa. Nestes casos, o controle da taxa e do
ritmo da distração pode ser importante para permitir a adaptação
fisiológica do côndilo mandibular.
A condilectomia e a reconstrução com enxerto costocondral
autógeno ou material aloplástico representam outra modalidade
de tratamento. Há a hipótese de que a RCI cesse apenas quando
o côndilo mandibular é reabsorvido até a incisura sigmoide ou
quando é removido cirurgicamente. Assim, acredita-se que, em
pacientes que apresentam a doença inativa, mas com remanescente do côndilo mandibular no pré-operatório, pode ocorrer a
recidiva após o tratamento através da cirurgia ortognática13,34.
A condilectomia associada à reconstrução com enxerto costocondral em pacientes com pequena altura posterior do ramo
(menor que 35 mm) proporciona resultado mais estável do que
a cirurgia ortognática13.
Na fase final da reabsorção do côndilo mandibular, a deformidade maxilofacial pode afetar a função mastigatória, fonação,
respiração e selamento labial. Uma vez que a reabsorção do
côndilo mandibular tenha estabilizado, ou seja, não progressão
por 1 ano, qualquer outra alteração facial é improvável. Desta
forma, a ressecção preventiva da articulação e a utilização de
enxerto autógeno (costela) ou implante aloplástico (prótese
total articular) é raramente indicada3.
Pacientes que foram tratados por condilectomia e reconstrução com enxerto costocondral apresentaram menor índice de
recidiva em relação aos tratados através da cirurgia ortognática.
Dos 18 pacientes que se submeteram à cirurgia ortognática, 8
apresentaram recidiva da mordida aberta e rotação mandibular
no sentido horário ou sintomas da DTM no pós-operatório. Os
Tipos de tratamento
O tratamento da reabsorção do côndilo mandibular ainda é
controverso, devido à pouca informação disponível a respeito
do seu curso natural após o tratamento cruento ou incruento.
Esta decisão depende de fatores, como a gravidade da deformidade óssea e oclusal, expectativa do paciente e da possibilidade
de compensação ortodôntica ou de se obter estabilidade oclusal
razoável após ajuste oclusal ou reabilitação protética32.
Arnett & Tamborello15 propuseram um tratamento para
pacientes que apresentaram a reabsorção do côndilo mandibular
resultante de uma oclusão instável, que consistia na utilização
de medicamentos antiinflamatórios e placas oclusais, para
posterior preparo ortodôntico e cirurgia ortognática, sem que
ocorresse sobrecarga na ATM. Segundo estes autores, sem este
protocolo pré-cirúrgico, o processo de reabsorção do côndilo
mandibular poderia evoluir significativamente.
O tratamento da reabsorção do côndilo mandibular é triplo:
(1) controle ou erradicação do fator etiológico, (2) estabilização
da oclusão e ATM e (3) correção da deformidade oclusal15.
A cirurgia ortognática também é uma das formas de tratamento da reabsorção do côndilo mandibular. Entretanto, ocorre
recidiva caso a reabsorção esteja ativa no momento da operação
ou caso ocorra a reativação no pós-cirúrgico. A reabsorção
do côndilo mandibular pode ser reiniciada pela realização da
osteotomia sagital bilateral do ramo mandibular e osteotomia
Le Fort I8.
A realização da cirurgia maxilar isolada também foi descrita
para evitar a reativação do processo de reabsorção do côndilo
mandibular. Entretanto, acredita-se que a rotação do plano
oclusal no sentido antihorário pode aumentar a incidência de
forças compressivas, aumentando o risco de desenvolver a
reabsorção do côndilo mandibular15. Além disso, esta abordagem não forneceu resultados estéticos favoráveis na maioria
dos casos32.
Um estudo avaliou 18 pacientes que foram submetidos à
cirurgia ortognática para o tratamento da reabsorção do côndilo
mandibular inativa. Destes, 4 pacientes desenvolveram recidiva
do processo, com recorrência de mordida aberta e retrognatia.
Quatro apresentaram resultados estáveis no momento do estudo,
mas desenvolveram sintomas de DTM. Dez pacientes tiveram
um resultado estável, sem alteração na oclusão, na posição
mandibular e sem sintomatologia dolorosa na ATM após 2
anos de proservação13.
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5 pacientes que realizaram condilectomia e enxerto costocondral apresentaram-se estáveis e assintomáticos, com adequada
função mandibular, sem recidivas após 30 meses13. O enxerto
costocondral é uma técnica comum para a reconstrução da
unidade ramo-côndilo mandibular. Entretanto, é relatado o crescimento excessivo do enxerto, linear ou um sobrecrescimento
“tumor-like”, resultando em desvio do mento, prognatismo
mandibular ou anquilose da ATM35.
A reconstrução total aloplástica é uma solução biomecânica
utilizada, principalmente, no tratamento de articulações anatomicamente alteradas e não funcionais, resultantes de doenças
ortopédicas graves e debilitantes27,36,37. Entretanto, como esta
não é uma solução biológica, pode ser necessária uma reintervenção cirúrgica para a remoção do tecido cicatricial dos
componentes articulares do implante, para a substituição do
implante após longo período, ou por insucesso no tratamento
ou desgaste do material3,36,37.
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CONCLUSÕES
Esta revisão de literatura permitiu concluir que:
1. A etiopatogenia da reabsorção do côndilo mandibular ainda
é desconhecida, entretanto, acredita-se que está associada
a DTM, tratamento ortodôntico, cirurgia ortognática,
trauma, alterações hormonais, uso crônico de corticoides,
osteoartrite, AR e lúpus eritematoso sistêmico. Na ausência
de fatores predisponentes, é utilizado o termo reabsorção
condilar idiopática (RCI).
2. A RCI parece ter uma predileção por mulheres com DTM
preexistente, com ângulo do plano mandibular elevado e
entre 15 e 35 anos.
3. O diagnóstico geralmente é baseado na história pregressa,
avaliação clínica e exames de imagem do paciente, sendo
os mais utilizados a radiografia panorâmica, a tomografia
computadorizada e a cintilografia óssea.
4. Atualmente, não existe consenso de qual é o melhor tratamento para a RCI. O tratamento incruento e proservação,
cirurgia ortognática, condilectomia e reconstrução condilar
com enxertos autógenos ou materiais aloplásticos são os
mais descritos na literatura.
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Trabalho realizado na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Artigo recebido: 2/3/2011
Artigo aceito: 8/6/2011
Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2011; 14(2): 102-7
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