Ascensão e queda da civilização dos combustíveis fósseis
José Eustáquio Diniz Alves1
"We should leave oil before it leaves us"
(Devemos deixar o petróleo antes que ele nos deixe)
Faith Birol (Chief economist of the IEA)
Tudo que sobe cai. Esta verdade não vale apenas para a lei da gravidade, mas também para os diversos sistemas
econômicos-culturais da história da humanidade. A ascensão do império de Nabucodonosor desmoronou junto
com os jardins suspensos da Babilônia. Após a ascensão dos impérios Persa, Egípcio, Grego, além do império
progressista de Asoka na Índia e do império guereiro de Qin Shi Huang na China, houve um período de
plenitude, mas depois de um certo tempo todas essas civilizações colapsaram. O império Otomano calapsou. O
império Austro-Húngaro colapsou, assim como tantos outros.
O “Abismo de Sêneca” é uma teoria utilizada para descrever a tendência das civilizações entrarem em colapso
depois de ter atingido o seu pico máximo. O Império Romano gastou mais de 500 anos para chegar ao seu
apogeu mas desmoronou em pouquíssimo tempo. Por isto se diz que a evolução da riqueza é lenta, mas a ruina
é rápida. Mais recentemente o mundo assistiu a ascensão do império Soviético durante 70 anos e seu colapso
em menos de um ano. Há várias pessoas que falam também em um possível colapso americano.
Mas, para além dos colapsos específicos, o mundo pode assistir à uma transformação maior do que a
apresentada nos exemplos acima. Trata-se do colapso dos 250 anos da civilização dos combustíveis fósseis
(1768-2018). Antes da invenção da máquina a vapor, por James Watt, em 1768, eram utilizadas três fontes
básicas de energia: a força humana, a força animal e a energia da lenha (carvão vegetal obtido nas florestas).
Para plantar, a humanidade usava a enxada ou o arado puxado por algum animal. A locomoção era a pé, no
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Doutor em Demografia e Professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE. Apresenta seus pontos
de vista em caráter pessoal. E-mail: ([email protected]). Artigo publicado no dia 28/03/2014 em Aparte Inclusão
Social em Debate: http://www.ie.ufrj.br/aparte/
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lombo de cavalos, camelos, etc. ou em carroças. Não existiam prédios com elevadores. A luz vinha das fogueiras
ou da gordura de animais, como os óleos de baleia e tartaruga. A concentração de CO2 na atmosfera estava em
torno de 280 partes por milhão (ppm).
Todavia, tudo isso mudou com o início da Revolução Industrial e Energética que aconteceu no final do século
XVIII. O artesão foi substituído pela manufatura que, por sua vez, foi substituida pela grande industria. O
transporte foi revolucionado, primeiro pelas ferrovias e pelos navios a vapor, depois pelo automóvel, caminhão
e rodovias, transatlânticos (e transpacíficos), aviões, helicóperos, etc. A pequena agricultura foi substituida pela
grande produção agrícola na base de fertilizantes, agrotóxicos, tratores, colhedeiras, etc. As cidades que
abrigavam 5% da população mundial em 1800 passaram a abrigar 50% em 2008 e devem chegar a 70% em 2050.
A mortalidade infantil caiu e a esperança de vida ao nascer da população mundial chegou a 70 anos, em 2013.
Tudo isto foi possível graças ao uso da energia advinda do carvão mineral, petróleo e gás.
Os ganhos foram extraordinários. Considerando o período 1768 a 2018 (auge da utilização dos combustíveis
fósseis), a população mundial saltou de cerca de 740 milhões para 7,4 bilhões de habitantes (multiplicou por 10
vezes) enquanto a economia deve apresentar um crescimento de 130 vezes (números interpolados dos cálculos
de Angus Maddison). Assim, o pulo do gato na história do homo sapiens foi o uso da energia extrasomatica
(exterior ao corpo humano ou animal). A exploração dos combustíveis fósseis tornou possível à humanidade
libertar, para uso próprio e em curto intervalo de tempo, vastas quantidades de energia acumuladas durante
milhões de anos na forma de hidrocarbonetos. A humanidade deixou de temer a natureza e passou a controlá-la
e dominá-la. Entramos na Era do Antropoceno, que é a época em que a humanidade se torna capaz de mudar o
curso natural da vida no Planeta, sendo determinante para a extinção em massa de inúmeras espécies e pelo
aquecimento global e as mudanças climáticas.
Como calculou Price (1995), o uso dos combustíveis fósseis é equivalente à posse de 50 escravos por pessoa no
mundo. Sociedades altamente intensivas no uso do petróleo, como os Estados Unidos (EUA), teriam o
equivalente a 200 escravos per capita. Ou seja, seria com se os EUA tivessem 62 bilhões de “escravos fantasmas”
à disposição do país, sendo que estes escravos não fazem greve, nem revoltas e não precisam de comida, ao
contrário, ajudam a alimentar o “senhorio” humano.
Desta forma, pode-se dizer que o “santo” que propiciou o “milage” do crescimento da civilização humana nos
últimos 250 anos foi, sem dúvida, o combustível fóssil. É claro que a ciência e a tecnologia ajudaram o
crescimento econômico, o aumento da produtividade e a disponibilidade de alimentos. O crescimento
demográfico também foi fundamental para aumentar o número de trabalhadores e de consumidores. Mas sem
energia abundante não haveria oferta de meios de subsistência e nenhuma invenção científica e tecnológica
funcionaria. Desta forma, não é possível ignorar que oitenta por cento da matriz energética mundial advém do
petróleo, gás e carvão mineral. Porém, este “escravo barato e cheio de energia” não é eterno e nem ilimitado. O
“ouro negro” está ficando caro e cada vez mais escasso. Os problemas ambientais se avolumam e a demanda de
energia aumenta com o crescimento das atividades antrópicas.
O petróleo e demais combustíveis fósseis não vão acabar totalmente e de repente, mas a exploração de novas
reservas vai ficar economicamente muito cara, tornando-as inviáveis comercialmente. Um campo de petróleo é
uma jazida onde o petróleo ocupa o espaço poroso entre os grãos da rocha reservatório. A jazida é uma
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armadilha (no Brasil, costuma-se dizer "trapa", de trap, em inglês) que retém o petróleo no seu caminho
ascendente a partir da rocha geradora. Mas a jazida é difente de reserva, pois nem todo o petróleo de um
campo pode ser extraido. Reserva de petróleo é o volume que se pode extrair, comercialmente, de uma jazida,
pelos métodos de recuperação e produção conhecidos, sob as condições econômicas e regulamentares vigentes.
Além disto há custos crescentes no transporte, no armazenamento, no refino, etc.
Na primeira metade do século XX, a EROEI (energia retornada sobre energia investida) era alta. Atualmente
existe uma erosão da EROEI e muitos poços se tornam deseconômicos. Isto quer dizer que o limite máximo
(pico) para a produção de petróleo pode ocorrer muito antes do esgotamento das jazidas, talvez a partir de
2018. Por exemplo, o Estado da Califórnia era o maior produtor dos Estados Unidos há 100 anos. Mas os
campos foram se esgotando e agora a Califórnia está em terceiro lugar. A possibilidade de produzir gás de xisto
(hydraulic fracturing and horizontal drilling) está esbarrando na falta de água e nos perigos de contaminação dos
lençois freáticos. Entre o gás e a água parece que a Califórnia vai ter que optar pela água e buscar uma saída da
dependência dos combustíveis fósseis. O fato é que a produção de petróleo convencional está estagnada.
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O pico de Hubbert (Hubbert’s peak) é uma teoria que modela a produção de petróleo indicando que as
descobertas e a produção seguem, de início, a forma de uma curva logística – apresentando um crescimento
lento no começo, se acelerando em um estágio posterior e depois se desacelerando até se inverter e fazer o
movimento logístico para baixo. Ou seja, a produção de petróleo segue o comportamento de uma curva normal,
ou em forma de sino (curva de Gauss). A teoria foi desenvolvida pelo geofísico americano M. King Hubbert, que
em 1956, publicou um artigo mostrando que o pico (máximo da produção) de petróleo, no mundo, deveria ser
atingido em torno de 50 anos. Depois deste pico, a produção cairia rapidamente, podendo criar um grande
desequilibrio entre a demanda e a oferta, o que provocaria um grande aumento do preço dos combustíveis
fósseis.
De fato, a produção convencional de petr leo cru a ngiu seu pico em algo como 75 milhões de barris dia, por
volta do ano 2005, exatamente 50 anos depois das previsões de Hubbert. O que tem crescido nos últimos anos é
a extração do petróleo não convencional, como o gás de xisto, as areias betuminosas e o petróleo das
profundezas abissais do pré-sal. Assim mesmo, estas fontes não convencionais estão se mostrando incapazes de
compensar o declínio da produção convencional. A depleção dos hidrocarbonetos parece inevitável.
Diversos estudiosos e especialistas do tema, como Gail Tverberg, estão prevendo que o Pico do Petróleo (e dos
combustíveis fósseis) será atingido entre 2015 e 2020. A partir daí haverá um declínio rápido, o que poderá
provocar um grande aumento do preço dos combustíveis e uma crise econômica maior do que a “estagnação
secular” e de tudo que já se viu antes.
Sem energia barata e abundante, ou seja, sem os tais “escravos baratos e cheios de energia” o mundo deve
passar por uma grande crise econômica e social. O PIB deve cair e o desemprego deve aumentar. Pode ser o fim
do desenvolvimento como se conhece. Diversos países já passam por esta situação como os PIIGS (Portugal,
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Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) e diversos outros passam por crises econômicas, políticas e sociais: Tailândia,
Ucrânia, Siria, Egito, Argentina, Venezuela, Turquia, etc. Para agravar a situação, o preço dos alimentos vai subir,
pois grande parte da agricultura mundial é “petroficada” e não funciona sem os fertilizantes, agrot xicos e o
transporte, tudo dependente dos combustíveis fósseis.
O pico do petróleo está associado ao aumento do desemprego e do preço dos alimentos. Segundo Relatório do
NECSI (New England Complex Systems Institute) publicado em 2012, há uma correlação importante entre o
aumento do preço dos alimentos, calculados pela FAO (agência da ONU para a agricultura) e a ocorrência de
protestos em todo o mundo. Sempre que o índice da FAO sobe, ocorrem mais manifestações. Crise econômica e
crise ambiental, numa situação de enorme desigualdade social, pode ser um fator novo como nunca se viu nos
últimos 200 anos. Pode crescer as revoltas populares e não é improvável imaginar uma situação de “canibalismo
social”, desafiando as regras da civilização piramidal hierárquica.
Assim, o sonho do progresso civilizatório dos cornucopianos pode se transformar em colapso e no pesadelo do
fim da civilização dos combustíveis fósseis e do consumo ostentatório. Esta situação atinge os regimes capitalista
e socialista, ou seja, o modelo de sociedade urbana-industrial, independentemente de quem são os
proprietários dos meios de produção. Poderá ser o fim do desenvolvimento econômico, em suas formas liberal
ou estatal.
A entropia, ou degradação de energia, já havia sido prevista pelo economista romeno Nicholas GeorgescuRoegen, que nos anos de 1970, mostrou que a economia não pode igonorar a 2ª Lei da Termodinâmica. Uma
mesma fonte de energia não pode ser queimada duas vezes, muito menos ad infinitum. Antes do crescimento
da civilização do Homo Sapiens, ocorria a retenção da energia mais rapidamente do que a sua dissipação.
Atualmente, a sinergia está sendo substituida pela entropia. Georgescu-Roegen mostrou que, em algum
momento, a escala da economia teria que ser reduzida, tanto em termos de capital, quanto de força de
trabalho. Ou seja, ele mostrou que a alternativa para o declínio da civilização e a possível catástrofe econômica
e ambiental seria o decrescimento das atividades antrópicas, quanto mais cedo melhor.
Mas parece que a humanidade ainda não acordou do sonho de grandeza e, provavelmente, terá que pagar um
alto preço por ignorar uma verdade muito simples: que não pode haver crescimento infinito em um planeta
finito, com recursos naturais escassos e com declínio da exergia (energia disponível). O ajuste entre o consumo
humano e a biocapacidade do Planeta deve ocorrer, mais cedo ou mais tarde, e quem se preparar melhor
poderá sofrer menos com o fim da civilização dos combustíveis fósseis.
Referências:
Gail Tverberg - A Forecast of Our Energy Future; Why Common Solutions Don’t Work, 29/01/2014
http://ourfiniteworld.com/2014/01/29/a-forecast-of-our-energy-future-why-common-solutions-dont-work/
BIROL, Faith. We can't cling to crude: we should leave oil before it leaves us. Independent, 02/03/2008
http://www.independent.co.uk/news/business/comment/outside-view-we-cant-cling-to-crude-we-shouldleave-oil-before-it-leaves-us-790178.html
David Price. Energy and Human Evolution, Population and Environment: A Journal of Interdisciplinary Studies,
Volume 16, Number 4, March 1995, pp. 301-19
http://peakoilbarrel.com/energy-human-evolution-2/
Nicholas Georgescu-Roegen, O decrescimento: Entropia – Ecologia – Economia. Editora Senac, SP, 2013.
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Dave Lindorff. Growth is the Enemy of Humankind. 17/01/2013
http://www.nationofchange.org/growth-enemy-humankind-1358432599
Why The American Empire Was Destined To Collapse, Nomi Prins Interviews Morris Berman, March 9, 2012
http://peakoil.com/publicpolicy/why-the-american-empire-was-destined-to-collapse-nomi-prins-interviewsmorris-berman
Dmitry Orlov: US empire will fall due to lack of faith, January 28, 2011
http://peakoil.com/publicpolicy/dmitry-orlov-us-empire-will-fall-due-to-lack-of-faith
ALVES, JDE. Estagnação secular, fim dos emergentes e armadilha da renda média, Ecodebate, RJ, 17/01/2014
http://www.ecodebate.com.br/2014/01/17/estagnacao-secular-fim-dos-emergentes-e-armadilha-da-rendamedia-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Bolha de Carbono: crise ambiental ou crise financeira? Ecodebate, RJ, 05/02/2014
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http://www.theguardian.com/environment/earth-insight/2013/jun/21/shale-gas-peak-oil-economic-crisis
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Lars Boelen. PeakOil, end of story? 22/03/2014
http://stormglass101.wordpress.com/2014/03/22/peakoil-end-of-story/
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