INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL EM CRECHE: RELATO DE EXPERIÊNCIA Priscila Lage Ferreira1 Rodrigo Rocha Ribeiro Vítor2 Shyrlleen C. Assunção Alves3 Centro Universitário do Leste de Minas Gerais RESUMO: As práticas de intervenção psicossocial em grupos na área da saúde buscam trabalhar a prevenção e promoção de saúde com grupos específicos através de dinâmicas de grupo. Foi realizada uma oficina em uma creche visando o desenvolvimento da relação interpessoal entre as mães e as funcionárias. Essa prática foi de grande importância para o grupo, pois possibilitou criar um momento de troca de experiências e um espaço para que o grupo expusesse seus sentimentos e fantasias. Palavras-Chave: intervenção psicossocial – creche – relacionamento interpessoal. ABSTRACT: The practice of psychosocial intervention in groups in health work to seek prevention and health promotion with specific groups, through group dynamics, so a workshop was held in a nursery to develop the interpersonal relationship between the mothers and the officials. This practice was of great importance for the group because it allowed time to create an exchange of experiences and a space for the group exposing their feelings and fantasies. Key Words: psychosocial intervention - daycare - interpersonal relationships 1 Graduanda do Curso de Psicologia do UNILESTEMG. Graduando do Curso de Psicologia do UNILESTEMG . 3 Psicóloga, Mestre em Psicologia pela UFMG e professora do Curso de Psicologia do UNILESTEMG. 2 3 1. Introdução O presente artigo trata de um relato de experiência de estágio curricular realizado em uma creche do município de Timóteo - MG com as funcionárias e as mães. O estágio teve como objetivo desenvolver competências e habilidades envolvendo intervenções em grupo para o manejo de situação problema em diferentes contextos. Para o desenvolvimento das habilidades e competências os estagiários vivenciaram atividades práticas que dizem respeito ao atendimento com grupos. As atividades realizadas foram de planejamento e intervenção coerentes com referenciais teóricos e características da população alvo. A prática de intervenção psicológica em grupos aborda questões informativas, psicodinâmicas e psicossoais, não se caracterizando como atendimento psicoterápico. Porém, reconhece-se que qualquer intervenção elaborada e feita em relação ao grupo, pode gerar efeitos terapêuticos aos participantes, quanto ao próprio grupo. Assim, a demanda apresentada pela instituição foi promover a integração entre as mães e as funcionárias da creche, proporcionando uma implicação das mães no processo de desenvolvimento de seus filhos, consequenciando uma educação de qualidade para os mesmos. O objetivo da oficina foi melhorar o relacionamento entre mães e funcionários, buscando a conscientização do papel de ambos no desenvolvimento das crianças e possibilitar o envolvimento e a participação dos pais na organização e no funcionamento da creche, assim como incentivar os mesmos a assumirem posturas mais críticas quanto ao seu envolvimento com a instituição e com a comunidade. O que se tem observado nos últimos anos é um crescimento a nível nacional da rede de atendimento às crianças de 0 a 6 anos de idade. De acordo com as Leis de Diretrizes e Bases da Educação ( BRASIL,1996) a educação infantil foi colocada como a primeira etapa da educação básica. Define a lei que o atendimento de 0 a 3 anos será feito em creches e de 4 a 6 anos, em pré-escolas. As diretrizes estabelecidas estão fundamentadas no conhecimento atual tanto das ciências que se debruçam sobre a criança e seus processos de desenvolvimento e aprendizagem quanto nas indicações da melhor prática pedagógica. 4 Segundo Oliveira, Mello, Vitória e Rossetti Ferreira, 1995, apud Souza e Camposde-Carvalho (2005) várias são as causas da expansão da rede de atendimento às crianças, dentre elas: (1) aumento da participação das mulheres no trabalho fora do lar; (2) modificação na organização e na estrutura familiar e (3) avanços no conhecimento científico sobre desenvolvimento e educação infantil. O surgimento das creches está vinculado historicamente à saída da mulher para o mercado de trabalho, ou seja, sua origem está no trinômio mulher-trabalho-criança. As primeiras creches são datadas no século 18 com o advento da Revolução Industrial na Europa. Anteriormente e até nos anos iniciais à Revolução Industrial, adultos, homens, mulheres e crianças trabalhavam conjuntamente em mineradoras, indústrias têxteis, entre outras indústrias em condições precárias (Didonet, 2001). A industrialização deslocou o local de trabalho da casa para a fábrica, transformando, com isso, os espaços das casas e das cidades (Bock, Furtado e Teixeira, 2002). Os pais começaram a ficar mais tempo no trabalho e começaram a deixar os seus filhos em casa, o que ocasionou a preocupação com quem deixá-los. A modificação da organização familiar, segundo Didonet (2001, 12), está associada à transformação da família extensa para a família nuclear. Naquela, muitas pessoas podiam ocupar-se dos cuidados com a criança pequena: avó, tia, primos, irmãos maiores. Nesta, ao sair para o trabalho, os pais têm que deixar sua filha ou filho recém-nascido ou ainda bebê sozinho. Assim, elevada mortalidade infantil, desnutrição generalizada e acidentes domésticos chamaram a atenção e despertaram sentimentos de piedade e solidariedade de religiosos, empresários, educadores. E como um problema, a criança começou a ser vista pela sociedade e a ser atendida fora da família, em um sentimento filantrópico, caritativo, assistencial que as creches tornaram-se importantes na sociedade. Estudos em Psicologia do Desenvolvimento mostram que os primeiros anos de vida são aqueles em que o indivíduo aprende todas as habilidades básicas que determinarão as aprendizagens específicas ao longo de sua vida. Revela-se então a grande importância de familiares e creches/pré-escolas promoverem situações complementares e significativas de aprendizagem e convivência que realmente vão de encontro às necessidades e demandas das crianças. 5 Dessa forma Sylva e Lunt, 1982, apud Bhering e De Nez (2002) apontam três principais objetivos da creche: o objetivo social, o educacional e o político: O primeiro está associado à questão da mulher enquanto participante da vida social, econômica, cultural e política. Inserir-se nessa nova organização e atender às exigências do trabalho requer tempo que, para muitas mulheres também tem que ser divido na atenção nos cuidados aos seus filhos pequenos. Sem renunciar à função de mãe, cuidadora e educadora de seus filhos, ela precisa contar com uma instituição social que lhe dê suporte no comprimento da função materna. Do ponto de vista educacional a criança é considerada como o sujeito da educação, e tendo como referência o potencial dos primeiros anos de vida, a creche organizase para apoiar o desenvolvimento, promover aprendizagem, mediar o processo de construção de conhecimentos e habilidades por parte da criança, procurando ajudála a ir o mais longe possível nesse processo. Segundo o objetivo político, a educação infantil inicia a formação do cidadão. A criança é um cidadão desde que nasce e, formalmente, desde que tem um registro de nascimento. É na creche que as crianças aprendem as regras de auto-afirmação e de respeito ao outro; o direito de falar e ouvir, de esperar a sua vez e colaborar, de encontrar satisfação no que faz, o princípio da responsabilidade e da solidariedade. Existem objetivos comuns entre a creche/pré-escola e a família tais como criar condições, ambientes e atividades favoráveis para o desenvolvimento da criança. A família e a creche/pré-escola dividem e partilham suas responsabilidades no que diz respeito à educação e a socialização das crianças (Epstein, 1987 apud Bhering & De Nez 2002). Assim, o envolvimento de pais na creche/pré-escola é, atualmente, considerado um componente importante e necessário para o sucesso das crianças. Segundo Becker apud Cavalcante (1998) pais que estão envolvidos na escolaridade dos filhos desenvolvem uma atitude mais positiva com relação à escola e com relação a si mesmos, tornando-se mais ativos na sua comunidade e melhorando seu relacionamento com os filhos. A noção de parceria entre pais e creche constitui o cerne de qualquer programa de participação dos pais na vida diária da instituição e tem sido identificada como um componente essencial da reforma educativa, visando a melhoria da qualidade da escola e a igualdade de oportunidades para todos. 6 A iniciativa, porém, parece ser delegada à instituição, oportunizando o surgimento de laços de amizade, confiança, troca, ajuda e segurança até a cisão do envolvimento com os pais. Muitas vezes, a iniciativa para o envolvimento dos pais com a creche é desenvolvida sem levar em consideração que ambos podem traçar metas semelhantes e que o que uma parte faz pode compensar o que a outra não consegue fazer (Marques, 1993 apud Bhering e De Nez, 2002). A relação escola-família, segundo diagrama elaborado por Epstein apud Bhering e De Nez (2002), pode ser retratada por duas "esferas sobrepostas" onde ambas atuam em favor da criança, criando um modelo dinâmico de relacionamento entre pais e professores, que tanto pode se dar num processo contínuo, quanto com o surgimento de novas necessidades e, portanto, novas maneiras de participação e envolvimento. Qualquer mudança drástica ou um abandono das práticas e do contato entre a escola e a família significará uma quebra no sistema das esferas sobrepostas. O sistema das esferas sobrepostas ajuda-nos a compreender não só as possibilidades de envolvimento, como também instiga a utilização de maneiras e momentos variados para traçar planos e ações que envolvem os pais. Ao estudar o envolvimento dos pais em creches é importante também avaliar o relacionamento interpessoal entre pais e funcionários. A qualidade desse relacionamento pode favorecer ou prejudicar o envolvimento de ambos no desenvolvimento das crianças. Portanto, vê-se a necessidade de trabalho conjunto de pais e creches, primeiro na conscientização dos pais da importância do seu envolvimento nos trabalhos da creche para um desenvolvimento de qualidade de seus filhos, e segundo para um melhor envolvimento entre pais e funcionários, pois estes estão responsabilizados também pelo desenvolvimento psicossocial das crianças dentro da creche. 2. Metodologia O objetivo geral da oficina foi trabalhar o relacionamento interpessoal entre as mães e funcionárias da creche, buscando a conscientização da responsabilidade de ambos no desenvolvimento da criança. 7 A partir destes objetivos realizou-se uma intervenção psicossocial em grupos com mães e funcionárias de uma creche utilizando como método as oficinas de dinâmica de grupo proposta por Lúcia Afonso (2003). As oficinas de dinâmica de grupo são uma prática de intervenção psicossocial em contexto pedagógico, clínico, comunitário ou de política social. Segundo Afonso (2003) pode-se definir grupo como um conjunto de pessoas unidas entre si porque se colocam objetivos e/ou ideais em comum e se reconhecem interligadas por estes objetivos e/ou ideais. Assim para trabalhar o relacionamento interpessoal entre pais e funcionários de creches pensou-se em utilizar o grupo operativo como forma de intervenção psicossocial promotora de saúde. A demanda apresentada pela instituição foi a integração entre as mães e funcionárias de uma creche, para proporcionar uma implicação das mães no processo de desenvolvimento de seus filhos, consequenciando uma melhor educação dos mesmos. A oficina foi orientada para um grupo de 12 participantes (seis mães e quatro funcionárias) e realizada no espaço físico da própria instituição. Foram realizados oito encontros com duração variando de uma hora e meia a duas horas semanalmente. Os temas dos encontros foram escolhidos segundo demanda apresentada pelas próprias participantes e trabalhado através de dinâmicas de grupos, textos para discussão e reflexões sobre os temas geradores. Os temas trabalhados foram: identidade, relacionamento interpessoal entre mães e funcionárias, relacionamento das mães com o funcionamento da creche, comunicação, a importância da creche e relações familiares. 3. Resultados e Discussão O primeiro encontro tinha como temas a apresentação, integração e construção do contrato grupal, tendo como objetivo proporcionar um clima de descontração e integração dos participantes, favorecendo o processo de formação de identidade. No 8 segundo o tema trabalhado foi a integração entre elas,como também conhecer melhor umas as outras. Neste encontro as participantes se identificaram ao perceberem características em comum, o que proporcionou uma coesão maior do grupo. A dinâmica de grupo em que as participantes escreviam mensagens umas as outras permitiu um momento de emoção, ao descobrirem o que pensavam umas sobre as outras. Perceberam a importância da integração entre elas para que possam alcançar o objetivo de estarem trabalhando juntas pela creche. Nos dois primeiros encontros o grupo pareceu coeso, algumas participantes já se conheciam anteriormente à formação da oficina o que facilitou a criação de um clima de maior intimidade e descontração entre elas. Segundo Afonso (2003) um grupo pode passar por três fases: a de formação de sentimento e identidade de grupo; o surgimento de diferenças e construção de condições de produtividade do grupo; e fim de grupo. No decorrer das dinâmicas percebeu-se a interação existente entre as participantes, que algumas conheciam as habilidades de outras. O surgimento dessas diferenças, ainda segundo Afonso (2003), pode provocar o surgimento de sentimentos tais como: prazer, medo, angústia e defesas. Para esta é no surgimento dessas diferenças que o coordenador deve enfatizar o que trazem de produtivo para o grupo: as experiências e reflexões de cada um servem à experiência e reflexão do outro. Quando o grupo está enfrentando o desafio de suas diferenças, e aprendendo a usar os seus próprios recursos, também está formando uma “mentalidade grupal”, um consenso mínimo em torno da tarefa, e criando as condições para a sua produtividade, cooperação e aprendizagem. Para o terceiro encontro o grupo discutiu as falhas no processo de comunicação e os fatores que interferem neste. As integrantes relataram fatos de seu cotidiano, mas principalmente de situações vivenciadas com elas na creche, em que ocorreu uma falha de comunicação. Elas relacionavam as situações ocorridas umas com as outras, falando sempre que vivenciaram situações parecidas e com falhas de comunicação parecidas. As integrantes demonstraram interesse durante a realização da Oficina. Segundo PichonRivière (1986) o processo grupal está povoado por papéis prescritos ou estabelecidos que definimos em termos de pertença, afiliação, cooperação, pertinência, comunicação, 9 aprendizagem e tele, os quais, representados na forma de um cone invertido, convergem como papéis ou funções para provocar na situação da tarefa a ruptura do estereótipo. A afiliação é anterior à pertença, que é considerado o interesse dos participantes em estar no grupo, sendo expresso pela presença no grupo, a pontualidade, as intervenções, entre outros. No grupo atendido, na maioria das vezes, as participantes chegavam cerca de 10 minutos antes do início das atividades, demonstrando pontualidade e interesse. Em seguida a afiliação é convertida em pertença, que é uma maior integração ao grupo. Os sentimentos que são característicos neste momento é o de estar integrado ao grupo, de identificar-se com ele, de incluir-se e incluir os demais em seu mundo interno, como, por exemplo, pela fala da participante J dizendo que quando elas estão no grupo “a gente até esquece que tem marido em casa, antes a gente preocupava com o horário, e agora não preocupa mais”. Esses sentimentos podem ser notados pelo feedback das participantes que expressam estar gostando do grupo e que é um momento que elas se sentem melhores, de ser um momento dedicado a elas. A mobilização que as participantes fazem para estarem comparecendo aos encontros e estarem participando é um outro demonstrativo do pertencimento delas a este grupo. Ao perceber o desenvolvimento da integração entre as participantes iniciou-se a abordagem de temas específicos à demanda apresentada pelas integrantes do grupo. Dessa forma, no quarto encontro, o tema trabalhado foi relacionamento interpessoal entre mães das crianças e as funcionárias da creche, com o objetivo de sensibilizar as participantes sobre a importância de cada uma dentro do funcionamento da instituição. No decorrer do encontro percebeu-se que as participantes compreenderam a importância do papel de cada uma no funcionamento da creche, possibilitando uma ressignificação onde as funcionárias perceberam o valor educativo que a creche tem para as crianças, enquanto as mães compreenderam a atuação das funcionárias dentro do processo de educação de seus filhos. Neste encontro foi possível identificar o vetor de pertença que está ligado ao sentimento de estar integrado ao grupo, de identificar-se com ele. As integrantes A., M.H. e R. participam mais efetivamente dos encontros, trazendo contribuições e dando suas opiniões sobre os temas discutidos. Percebeu-se também uma maior afinidade entre elas e um maior envolvimento na tarefa, questionando quando não entendem. Estas no dia do 10 encontro haviam passado a tarde na creche realizando um trabalho voluntário, auxiliando as funcionárias nas atividades, demonstrando interesse pelo cotidiano da creche. Outro vetor presente no processo grupal foi o de cooperação que consiste na contribuição, ainda que silenciosa, para a tarefa grupal (Pichon-Rivière, 1986). Durante a realização das dinâmicas de grupo algumas participantes buscaram incentivar as outras a verbalizarem, chegando até mesmo a serem mais diretas. O tema do quinto encontro foi o relacionamento das mães com o funcionamento da creche. Durante a realização da tarefa as participantes levantaram a questão da construção da nova sede da creche e que elas estavam entusiasmadas com isso. Enquanto realizavam a tarefa da colagem de como seria a creche que gostariam de ter, elas sempre colavam algo que gostariam de ter na creche nova, visto que a construção da sede era uma possibilidade. O vetor presente neste encontro no processo grupal foi tele a que se refere ao clima afetivo que preponderou no grupo em diferentes momentos. Segundo este conceito o afastamento e a aproximação entre as pessoas de um grupo, não têm a ver com essa pessoa real presente, mas com a recordação de outras pessoas e outras situações que ela evoca. Esse vetor pode ser exemplificado pelos diversos momentos em que as participantes evocaram as funcionárias que já passaram pela creche, principalmente a figura da fundadora da creche. As participantes falaram que todos que já passaram pela creche sempre fizeram esforços para que a mesma não fechasse, pois esse foi um dos sonhos da fundadora que sempre fez de tudo para que a creche continuasse funcionando. Pichon-Rivière (1986) afirma que a tele se apresenta como uma rede de transferências e como um processo de atribuição de papéis ao outro a partir das expectativas inscritas na vida psíquica do sujeito. Outro vetor identificado foi a cooperação. Durante a realização da tarefa proposta, na formação dos subgrupos foi observado como as integrantes buscavam estar ajudando umas às outras, conversando sobre como poderiam realizar a tarefa. Algumas participantes contribuíam recortando as figuras para serem coladas e após ajudavam as outras nas colagens. Para o sexto encontro o tema foi relações familiares, que consistiu em discutir junto às participantes quais seriam os direitos e deveres delas em suas famílias. Elas 11 levantaram questões como: a educação dos filhos, de como educá-los para um mundo exigente; de respeito, como algo que parte dos pais para os filhos e dos filhos para os pais; e dos direitos delas enquanto mães. Algumas participantes levantaram questões pessoais, compartilhando umas com as outras fatos de suas vidas que as marcaram muito. A participante G. levantou questões sobre a criação de filhos, ao afirmar que se a mãe não quer que os filhos façam algo de errado, os pais devem dar o exemplo, colocando que os mesmos “devem ser um espelho para os filhos”. E que agora sendo avó, está tendo oportunidade de fazer coisas para os netos que não podia fazer para os filhos, devido a falta de tempo por causa do trabalho, o que diminuia sua participação na educação dos filhos. Relatou que foi na escolinha da neta em uma reunião e que quando chegou lá tinha um bilhetinho, e que ela havia gostado disso, que era uma coisa que na época dos filhos ela não teve oportunidade de passar. Durante o desenvolvimento deste encontro percebeu-se um comportamento mais autônomo do grupo em relação aos coordenadores. As discussões e reflexões, sobre o tema direitos e deveres na família, foram livres e conduzidas pelo próprio grupo. A coordenação ficou como “pano de fundo”, deixando o grupo mais à vontade, fazendo poucas intervenções nas questões levantadas. Foi percebida uma necessidade das integrantes de estarem partilhando suas experiências de vida, possibilitando um diálogo de trocas em que cada participante compreendia o que foi vivido pelas outras. O tema possibilitou levantar as histórias de cada participante, permitindo que falassem de suas próprias famílias e perceberem que os fatos que ocorreram em suas vidas também aconteciam com as outras participantes. Notou-se que elas não ficaram constrangidas ou envergonhadas com o que passaram, e sim que eram situações comuns que aconteciam com as outras pessoas. Nas abordagens com grupos operativos o coordenador não assume o papel do detentor do saber e da verdade ou de tomar qualquer decisão pelo grupo. O coordenador busca, ao contrário, facilitar para o grupo a realização de sua tarefa interna para que o grupo possa realizar os seus objetivos, tarefa externa (Afonso, 2003). Assim, neste encontro foi possível perceber a emancipação do grupo, a liberdade com que as próprias participantes conduziram o desenvolvimento da 12 atividade, demonstrando que estavam envolvidas com a realização da tarefa, não precisando da condução dos coordenadores. A coordenação neste encontro percebeu com clareza o desenvolvimento, integração e autonomia do grupo. Este encontro trouxe grande satisfação aos coordenadores uma vez que os efeitos da oficina de dinâmica de grupo emergiram com mais clareza durante o processo grupal, demonstrando como os temas geradores são eficazes para despertar reflexões mais profundas sobre o cotidiano. No sétimo encontro foi observado dois tipos de demandas levantadas pelo grupo: a preocupação com os filhos e a proximidade do fim de oficina. Durante a aplicação da técnica as participantes perceberam terem dedicado pouco tempo aos seus filhos e que gostariam de dedicar mais tempo a eles. Verbalizaram que o trabalho ocupa grande parte do tempo, mas que elas gostariam de diminuir esse tempo no trabalho e passá-lo com os filhos. Outra preocupação delas foi com o tempo que elas dedicam para si próprias e que elas deveriam dedicar mais tempo consigo mesmas. Pela discussão levantada pelas participantes no sétimo encontro, percebemos que o grupo encontrava-se na fase de fim de grupo, quando o mesmo elaborava o seu luto e avaliação do processo grupal. O final de grupo pode estar associado com sentimentos de satisfação ou insatisfação com a produtividade em torno da tarefa (Afonso, 2003). Algumas participantes expressaram que começaram a perceber mudanças em seus comportamentos e que estavam contentes em perceberem que haviam mudado. Assim, podemos compreender que a produtividade da Oficina passou a ser vivenciada como positiva pelo grupo e como algo que as participantes puderam levar para outras instâncias de seu cotidiano. Ao finalizar o encontro as participantes começaram a expressar o quanto elas estavam gostando e o quanto haviam aprendido com o que foi discutido dentro do grupo e que mudaram muito e que o grupo estava possibilitando um espaço de troca. Uma participante verbalizou que tem percebido mudanças em sua vida desde o início dos encontros, demonstrando que a oficina possibilitou a elaboração de conteúdos pessoais; em sua fala sempre enfatizava a importância que a creche tem na sua vida, demonstrando um vínculo bem forte. 13 No último encontro foi realizado o fechamento do processo da Oficina. As participantes verbalizaram que estavam tristes pelo fim. Quando foram solicitadas a realizar uma reflexão do aprendizado dentro da creche, algumas pareceram se emocionar, mas verbalizaram pouco sobre o assunto. Como estávamos finalizando o processo, elas tiveram dificuldades de estarem expressando seus sentimentos. Com o fim do encontro podemos notar ainda a presença de vetores do processo grupal que se formaram no grupo. O sentimento de pertença foi o mais apresentado pelas participantes. Este vetor foi identificado pela fala de umas das funcionárias que contou que uma das mães participantes do grupo chegou para pegar sua filha na creche, e que quando ela chegou, ela disse: “Você pode entrar, você já faz parte da família creche!”. Outro vetor identificado é o de aprendizagem. A aprendizagem é obtida pela somatória de informação dos integrantes do grupo, cumprindo-se, em dado momento, a lei da dialética de transformação de quantidade em qualidade. Segundo as participantes mudanças de comportamento ocorreram desde o início da Oficina que aprenderam a lidar melhor com os filhos, a ter mais paciência, a ter mais respeito pelos outros, a lidar melhor com elas mesmas. Uma das participantes colocou para a coordenação no momento da reflexão que: “Se o objetivo do trabalho era melhorar o relacionamento entre as mães, ele foi alcançado”. 4. Conclusão Durante os encontros pôde ser observado o forte vínculo existente por parte das funcionarias em relação à creche, que se demonstraram apegadas e preocupadas com a instituição. Outro ponto importante presente nas participantes é a noção da responsabilidade que as funcionárias têm em relação às crianças da creche, se preocupando com o bem-estar de todas, tratando-as com muito respeito e carinho. As mães demonstraram interesse e implicação no desenvolvimento e funcionamento da creche. Durante o encontro que abordou o tema de relações familiares as participantes trocaram experiências significativas, além de demonstrarem afeto e disponibilidade para dar apoio às integrantes e oferecer sugestões. 14 As participantes elogiaram o trabalho da oficina de dinâmica de grupo, pois foi um momento de reflexão sobre os assuntos, que geraram aprendizagem. Foi também um espaço para que elas dedicassem a si mesmas, pensaram em suas vidas e fizeram trocas de experiências. Verbalizaram que o trabalho foi muito produtivo e que tinham um grande interesse na continuidade no semestre seguinte. No retorno dado pelas participantes enfatizaram como os encontros mudaram seu cotidiano, suas relações interpessoais, decorrentes das mudanças ocorridas internamente após a participação na oficina, verbalizando que estavam usando as novas informações e reflexões em seu dia a dia e em seu auto-cuidado. Relataram que através da participação na oficina aprenderam a ter mais paciência com os seus filhos, aprenderam a respeitá-los mais, e que assim elas também conseguiram o respeito deles. Uma participante enfatizou que além de estar mudando o relacionamento com os filhos, mudou também com as companheiras de trabalho e que agora tinha mais respeito e paciência para lidar com elas. Através das trocas de experiências, as participantes puderam perceber como era o comportamento delas antes do processo grupal, assim como possibilitar mudanças em suas vidas, dando ao grupo um lugar ou instrumento apropriado para buscar melhorias para a qualidade de vida. Durante todo o processo a instituição demonstrou apoio para a realização do estágio, oferecendo os recursos materiais disponíveis para que os estagiários pudessem realizar o trabalho da oficina de dinâmica de grupo. Os resultados encontrados foram a satisfação de todas as participantes com as mudanças que ocorreram na vida de cada uma, e como os seus relacionamentos com os filhos melhoraram, principalmente relacionado com a paciência. Elas verbalizaram que aprenderam a importância de dedicar um tempo a elas mesmas. Os vínculos formados entre as funcionárias e a mães, que era o principal objetivo da oficina, foi alcançado, acarretando um maior envolvimento e participação das mães na creche, assim com uma liberdade maior das funcionárias de estarem lidando com as mães. A aprendizagem de um modo geral foi positiva assim como o retorno dado pelas participantes. 15 Referencias Bibliográficas AFONSO, Lúcia. Oficinas em Dinâmica de Grupos na área de Saúde. Belo Horizonte: Edições do Campo Social, 2003. BHERING, Eliana; DE NEZ, Tatiane Bombardelli. Envolvimento de pais em creche: possibilidades e dificuldades de parceria. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 18, n. 1, 2002. 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