Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIBIC/CNPq/IBMEC-RJ
Relatório Final
Aluno:
Mariana Macêdo Fernandes da Silva
Curso:
Direito
Orientador responsável:
Jorge Luís Rocha da Silveira – Professor Doutor
Título do Projeto:
O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro & a Ditadura Militar: memórias.
Três palavras-chave:
Memória, Justiça, Ditadura.
Julho - 2014
I - Introdução
Para lidar com o que diversos estudiosos da cultura jurídica brasileira já
associaram a um colapso na produção do sistema legal apresentou-se ao PIBIC, há
pouco mais de um ano, um projeto de pesquisa sobre um dos mais controversos
períodos da história brasileira, foco de polêmicas e interpretações díspares: a chamada
“Ditadura Militar”, que perdurou formalmente de 1964 a 1985. O resultado da pesquisa
é apresentado nesta oportunidade.
O Judiciário nacional sob seu jugo experimentou os devastadores efeitos de atos
jurídicos extremamente antidemocráticos, como o Ato Institucional n.º 2, de 27 de
outubro de 1965. Tal documento afetou especialmente esse Poder cujas atividades não
interessavam ao bloco que assumira o controle do poder político do país (CASTRO:
2010, 535). Afinal, formado por membros concursados oriundos do seio da sociedade
civil em geral, este órgão tem como principal objetivo a manutenção da lei e do Estado
de Direito.
O objetivo final deste trabalho de pesquisa foi apontar os múltiplos reflexos do
período que vai de 1965 a 79 sobre o Poder Judiciário e dos homens e mulheres que o
compõem e lidam com ele. Para tal debruçou-se sobre a história de vida daqueles que
vivenciaram essa conturbada fase da história brasileira para ouvir suas versões dos
acontecimentos e reapresentá-las à sociedade. Sua memória está se perdendo pelo
desaparecimento de seus protagonistas e o sobrepor-se de lembranças nem sempre leiais
àquele evento.
A pesquisa se concentrou primeiramente sobre os magistrados e, à medida que
os depoimentos se sucediam, outros agentes foram incluídos; como os advogados. Com
isso se construiu um panorama rico e sinuoso que procurou sempre fugir do “saber
formalista” ou das “formulações obscuras” (WOLKMER: 2012, 19) que certas áreas de
investigação histórico-jurídicas cultivam com seu discurso conservador e dogmático que
– pode-se assim dizer - visa apenas justificar a ordem social e jurídica existente. Ordem
que tal arenga tenta provar que está imersa “na tradição, no espírito nacional” ou que
resulta de um “paulatino progresso do espírito humano” (HESPANHA: 1978, 11).
II – Objetivos
Como já se adiantou o objetivo maior desta pesquisa foi apresentar um novo viés
à interpretação de importantes acontecimentos históricos relacionados à Ditadura CivilMilitar que se instalou em nosso país, entre 1964-1985, e seus múltiplos reflexos sobre
o Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro e seus membros, no período de 1965-79.
Além de tudo, o que se intentou, mais especificamente, foi recuperar um pouco
da história de vida daqueles que viveram essa fase da história brasileira; ouvir suas
versões dos acontecimentos e reapresentá-las à sociedade. A memória desse período
está sendo perdida pelo desaparecimento de seus protagonistas.
A história da Ditadura Militar é complexa e muito variada, com discussões e
polêmicas impares que precisam ser mais bem definidas pelos que se debruçam sobre
elas. Principalmente, quando o foco são as relações locais. Assim, é natural que o
estudo se prolongue e abranja diferentes pontos de vista. Principalmente para aqueles
que, iniciando suas atividades acadêmicas, ainda não têm experiência para abordar estes
mesmos debates. Por isso, o consideramos apenas uma primeira etapa de um
empreendimento muito maior.
Espera-se, assim, ter contribuído para o enriquecimento do processo de
conhecimento do passado recente da história política e social do país e do Estado
fluminense, ao mesmo tempo em que se tenha acrescentado novas perspectivas às
técnicas e métodos da pesquisa histórica das instituições jurídicas do país.
III - Metodologia utilizada
Fontes
Ciro Cardoso recomendava como uma das condições de realização da pesquisa
histórica a sua viabilidade (1983, 74). O aspecto, talvez, mais difícil da pesquisa ora
proposta - a tomada de depoimentos dos atores das passagens a serem abordadas -, já se
encontra realizada. Em 1998, o Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro lançou o
Programa de História Oral & Visual com o objetivo de resgatar e preservar a memória
história da Justiça estadual. Este programa criou um acervo com mais de cento e
cinquenta depoimentos.
Do acervo constituído a partir das entrevistas daquele programa (MUSEU DA
JUSTIÇA: 2000), mais de uma centena de depoimentos têm o tema da Ditadura Militar
entre seus tópicos. São magistrados, advogados, funcionários e políticos que
testemunharam os acontecimentos relativos a ela e deixaram suas opiniões e
lembranças. Nos chamaram a atenção setenta e cinco destas pela sua qualidade.
Outras fontes importantes são constituídas por documentos oficiais como os
livros de atas das sessões do Tribunal Pleno e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro e das associações de magistrados, que podem nos oferecer
um panorama dos conflitos. Além disso, temos, também, diversos órgãos da Imprensa
como O Fluminense, O Globo, o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil. Através deles
é possível acompanhar os acontecimentos mais gerais.
Procedimentos
À exemplo da pesquisa realizada pela historiadora Marly Silva da Motta,
utilizou-se as noções de “enquadramento da memória” e de “memória dividida”. Tais
conceitos estão baseados nas propostas de Michael Pollak (1992) e Alessandro Portelli
(FERREIRA & AMADO: 2002). Segundo estes, a memória coletiva é um campo de
disputa e, assim, a necessidade de enquadrar e manter a memória enquanto quadro de
referência “capaz de estabelecer a coesão e a identificação de um grupo”. Com este
parâmetro se pretende orientar a abordagem que se fará aos documentos orais em busca
dos efeitos da Ditadura Militar sobre o Judiciário estadual.
No entanto, apesar de ser extremamente rica, a metodologia da história oral é
insuficiente para dar conta de todas as necessidades da pesquisa proposta. Por isso, se
confrontará o discurso dos entrevistados com as informações advindas da análise dos
documentos que demonstram as ações dos agentes históricos - decisões, acórdãos, atas
etc.
Como já afirmou o historiador francês Jacques Le Goff (1996, 547), os
documentos são resultado de uma colagem, consciente ou não, “da história, da época, da
sociedade que os produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais
continuou a viver (...)”. Assim sendo, a subjetividade não é característica exclusiva da
história oral, pois também está presente nas fontes escritas, iconográficas e tantas
outras. Isto não deve ser encarado como obstáculo ao conhecimento. Pelo contrário, ao
desvendarmos o código que constitui essa subjetividade, “os esquecimentos”, os
“silêncios”, dos entrevistados tornar-se-ão - eles mesmos -, fonte de novos
conhecimentos.
Acreditamos que, ao lançar mão de novos enfoques e metodologias, foi possível
romper – por um lado – com os pressupostos tradicionais que orientam as pesquisas
histórico-jurídicas sobre a Ditadura. Por outro, ajudar a construir uma abordagem que
permitiu ampliar o entendimento do sistema jurídico brasileiro como um produto
cultural; ligado ao processo histórico, econômico e social.
IV – Desenvolvimento da pesquisa
Atividades
Meses
Coleta e
Correções e
crítica
adaptações
de
no projeto
dados
Redação
do
relatório
parcial
Correções
Nova coleta
gerais e
e crítica de
avaliação da
dados
pesquisa
Redação
do
relatório
final
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Junho
Julho
O cronograma apresentado foi seguido com alguns ajustes que se fizeram
necessários para comportar outras atividades correlatas à pesquisa. No final pode se
considerar que o mesmo foi satisfatoriamente cumprido.
Foram analisadas, como fontes primárias:
a) Entrevistas do Programa de História Oral & Visual do Poder Judiciário.
Museu da Justiça. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
b) Entrevistas do Programa de História Oral. Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil. Fundação Getúlio Vargas.
Rio de Janeiro.
c) Coleção de jornais. Seção de periódicos. Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro.
Já como fontes secundárias:
a) ALBERTI, Verena. História oral: a experiência do CPDOC. Rio de janeiro:
Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1990.
b) ARANTES, Rogério. Ministério público e política no Brasil. São Paulo:
Sumaré/Educ, 2002, 327 p.
c) ARAÚJO, Rosalina C. O estado e o poder judiciário no Brasil. 2.ª ed. Rio de
janeiro: Lúmen Júris, 2004.
d) CASTRO, Flávia L. História do direito: geral e do Brasil. 8.ª Ed. Rio de
Janeiro; Editora Lúmen Júris, 2010.
e) FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia A. N. (org.) O tempo da ditadura:
regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 2.ª Ed. Rio de
Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2007.
f) HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Nova Centauro,
2006.
g) MEIHY, José C. S. B. Manual de história oral. 2.ª Ed. São Paulo: Ed. Loyola,
1998.
h) PEREIRA, Antony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de
direito no Brasil, no Chile e na Argentina. São Paulo: Paz & Terra, 2010.
i) HESPANHA, António M. A história do direito na história social. Lisboa:
Livros Horizonte, 1978.
j) LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ª ed. São Paulo: Ed. UNICAMP,
1996.
k) POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Em: Revista Estudos
Históricos. Rio de Janeiro: S/ed., 1992, n.º 3, p. 3-15.
l) SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz &
Terra, 1988.
V – Resultados alcançados
Ao lado dos cinquenta depoimentos de magistrados analisados juntaram-se
outros vinte e cinco de advogados. Assim se percebeu os elos de relação entre os
diferentes grupos que viveram a “Ditadura Militar” e como, cada um, construiu suas
memórias.
Os documentos, quer escritos quer orais, foram examinados em conjunto, de
forma sistemática. Pois, nenhum documento vale por si mesmo: ele só tem sentido para
o pesquisador quando este os relaciona entre si e com as análises conjunturais sobre a
época abordada. Somente assim, e travando um diálogo constante com os pressupostos
teóricos que deram alicerces à construção de seu objeto, estaremos contribuindo para a
criação de novos conhecimentos acerca do tema.
Acreditamos que, ao lançar mão de novos enfoques e metodologias, é possível
romper – por um lado – com os pressupostos tradicionais que orientam as pesquisas
histórico-jurídicas sobre a Ditadura. Por outro, ajuda a construir uma abordagem que
permita ampliar o entendimento do sistema jurídico brasileiro como um produto
cultural; ligado ao processo histórico, econômico e social.
Foram encontradas dificuldades diversas relacionadas a “extração” de
informações relevantes sobre a Ditadura Militar dos entrevistados, pois muitos falaram
sobre a sua trajetória profissional, mas não responderam as questões atinentes ao que
realmente estava sendo perguntado.
Outro ponto relevante foi à dificuldade em realizar uma pesquisa sobre um tema
tão complicado para a História do Brasil sem perder o objetivo de trazer um enfoque
atual e crítico para a pesquisa. Percebemos também que seria de fundamental
importância à inclusão de outros operadores do Direito, como o Ministério Público, pois
desta forma conseguiríamos obter diversos enfoques sobre a Ditadura Militar. Talvez
em outra oportunidade.
O resultado final que se pretendeu atingir com a pesquisa foi a elaboração de um
texto monográfico que reunisse, sobre o período focado, tanto a discussão conceitual
como a histórica. Um material que destacasse a memória dos que participaram dos
eventos mencionados, no âmbito dos chamados operadores do Direito. Apresentar os
reflexos da arbitrariedade na vida dos indivíduos que compunham a Justiça, resgatando
através das memórias dos mesmos, as lembranças desse período.
Nossa democracia sempre excluiu do poder amplos contingentes da população
brasileira, através de mecanismos excludentes e autoritários: patrimonialismo,
clientelismo, racismo (ARAÚJO, 2006, 153).
VI - Conclusão
Para estudar como as memórias coletivas são montadas, desmontadas e
remontadas é preciso considerar o processo de enquadramento das memórias de seus
agentes e suas linhas concretas. Ou seja, é forçoso entender os mecanismos que
conduziram certos indivíduos, e consequentemente suas memórias, a se adaptarem aos
de outros.
Essa questão, embora tenha limites impostos pelas relações humanas, que
estabelecem fronteiras à reprodução do grupo e do próprio sistema social, alimenta a
formação da história que se quer contar. O Poder Judiciário, como toda organização
política, por exemplo, propaga seu próprio passado e as imagens que forja de si. Esta
memória veiculada envolve a identidade individual e do grupo judiciário, mas é criada
pela negociação, através da hegemonia.
Alessandro Portelli (2002, 12) argumentou que a pressão da memória coletiva
sobre a individual se materializa no domínio social, “na pressão para não esquecer e
para extrair memórias de um único grupo”. O poder da noção de pertencimento como
elemento formador da lembrança, não deve ser menosprezado. Ecleá Bosi (op. cit., 462)
afirmou: “a identificação nasce de uma comunidade afetiva e ideológica entre
indivíduos e o grupo local dominante, comunidade que a ação conjunta só poderia
reforçar”.
A partir da presente pesquisa realizada por meio de livros e, principalmente,
fichamentos das entrevistas, chega-se a conclusão que, de maneira geral, para os
integrantes do Poder Judiciário e os operadores do Direito - ainda hoje - falar sobre o
período da Ditadura Militar é praticamente um “tabu”. É um assunto que requer cautela,
e exatamente por isso, certos “esquecimentos” se fazem necessários.
Poderia parecer pretensioso fazer tal afirmação. No entanto, quando nos
deparamos com o material da pesquisa e o analisamos percebemos que o mesmo, apesar
de precioso para a história, pode-se acreditar, num primeiro momento, na falsa ideia que
tratar-se de depoimentos superficiais. Ao lidarmos com o passado, ainda mais através da
história oral, se faz crucial saber ler nas entrelinhas. Faz-se imperioso saber relacionar o
discurso com o autor, e estar atento para o lugar de onde se diz o discurso o
correlacionando com o contexto dos fatos. Por isso, diante de tudo o que foi pesquisado
pode se afirmar que não haveria Ditadura Militar se não tivesse existido o apoio de
diversas áreas da sociedade civil, entre elas a área jurídica.
Até porque o regime tinha ao seu dispor um aparato de mecanismos legais
discricionários para reprimir quem o contestasse. Isto pode ser exemplificado quando da
edição do AI n.º 5, em treze de dezembro de 1968. Sob o pretexto do recrudescimento
dos movimentos de resistência ao regime político imposto uma ditadura “sem disfarces”
foi implantada no país. Seguido de mais seis atos institucionais e diversos
complementares, o documento legal permitia ao presidente fechar os poderes
legislativos federal, estaduais e municipais, intervir nos estados e municípios e nomear
interventores, confiscar bens, suspender a garantias constitucionais etc. (ROCHA: 2004,
29).
Mesmo quando, durante o governo do general Ernesto Geisel, o Brasil passou a
experimentar um período de pretensa distensão política, os instrumentos jurídicos
repressivos estavam a seu dispor – respaldavam a ação dos aparelhos de Estado - e a
lembrança das ações interventivas e punitivas perpetradas ainda estavam vívidas. Um
exemplo, disto foi a Lei de Anistia, decretada pelo governo sem discussão e sem
permitir que os militares envolvidos na repressão fossem julgados (SILVA: 2007, 270).
Esta pesquisa foi fundamental para esclarecer se existiu ou não resistência ao
Golpe Militar por parte do Poder Judiciário. Parte das entrevistas analisadas eram de
pessoas relativamente autônomas do Poder Judiciário. Tal fato trouxe para a pesquisa
outro olhar: a visão de quem não é representante do Estado e não se confundi com o
próprio.
Existiram magistrados e advogados contrários a Ditadura Militar, porém hoje
tais vozes estão silenciadas pelo discurso, outrora vencedor e criador de uma estrutura
que se mantém até os dias atuais sem maiores modernizações de comando. Vemos que
de todas as estruturas, a mais fechada para mudanças sejam elas estruturais, ideológicas
ou políticas, é o Poder Judiciário, que é o mesmo desde a Ditadura Militar.
Logicamente, algumas mudanças, ainda não tão significativas, já vêm ocorrendo no
Poder Judiciário e espera-se que, cada vez mais, boas ideias tomem espaço e voz dentro
do mundo jurídico.
A entrevista do desembargador Abeylard Pereira Gomes (1998) pode ser
considerada curiosa pelo fato dele dizer que, na época da Ditadura Militar, tinha
independência para julgar. Tanto que chegou a condenar um general do Exército. Disse
que não tinha relação com os militares, mas admitiu que, aconselhado por um colega,
foi uma vez à residência de um oficial da Marinha que queria informações sobre o
famoso esquadrão da morte. Termina dizendo que em sua vida não houve interferência
direta dos militares.
A questão da independência funcional do magistrado também foi mencionada
pelo juiz aposentado Carlos Augusto Lopes Filho (2003):
Eu nunca recebi pressão para nada, nunca. Nem como promotor, nem como
juiz. Não sei... Tem um ditado que diz que as pessoas encostam e sabem em
quem podem encostar... Não é? Eu sei que comigo nunca encostaram para
fazer: "olha, eu quero que você faça isso. Eu quero que você faça aquilo”.
Pedido se recebe sempre. Aceita-se, atende-se ou deixa-se de atender. Esse é
outro problema, mas pressão eu nunca recebi. Olha que eu peguei uma época
até meia... A palavra é vulgar, mas eu acho que é a que melhor define: “meiobraba”.
Ao ler esta entrevista pode-se pensar que, talvez, a Ditadura Militar não tivesse
pressionado tanto assim as pessoas influentes da época para apoiá-la. Mas, sim, tenha
juntado os que, antes mesmo do Golpe, já a apoiavam. É um dado curioso o fato se
considerar que há liberdade em uma Ditadura.
Ainda nesse sentido, a entrevista do Desembargador Dalmo Silva (1998) é
bastante reveladora da interferência militar nas atividades profissionais do magistrado:
Eu disse, anteriormente, que essa foi a parte mais marcante, porque acho que
o cerne da dignidade da magistratura repousa na independência do juiz. Aí é
que está tudo. Sem independência não há magistratura. E, não havendo
magistratura boa, não há nem democracia... Bom, um temperamento como o
meu, de juiz independente, como tantos colegas bons que tem por aí... Mas eu
me tinha como um juiz dos mais independentes a vida inteira. Com isso, tive
que dar um tropeço, um esbarrão com os militares, evidentemente. Porque eu
não admitia que se intrometessem na minha independência, no meu livre
convencimento. E eles quiseram se intrometer no meu livre convencimento.
Para mim é tudo - a independência do juiz. Aí eu tive que dar uma trombada,
eu tive que ser chamado até para depor. Evidentemente que, para mim, o
período militar não foi bom, porque dei uma trombada. Mas me saí muito
bem, porque eles não tiveram como me pegar. Eu fui até o final. Tudo bem.
O entrevistado foi um dos poucos a dizer que sofreu interferência em sua vida
profissional por parte dos militares. Em razão de uma sentença desfavorável aos
militares, inclusive, chegou a ser chamado para depor:
É, o problema é que tinha dado uma sentença contra um oficial da Marinha
ligado ao CENIMAR. Ele era um homem de prestígio, o irmão era Secretário
de Estado. Eu fui chamado a depor.
Eu passei a ser acompanhado - vamos dizer... - por um funcionário que era do
serviço secreto dos militares.
Então, me chamaram para depor e lá cheguei e fiquei revoltado de ver um
juiz, porque deu uma sentença contrária a um oficial da Marinha, ser tratado
daquela maneira. Tratado daquela maneira, não. Eles me respeitaram, mas
querendo me colocar no CENIMAR e até, possivelmente, me cassar... Eu sei
lá o que eles queriam? Porque eu tinha dado uma sentença e na sentença eu
citei um grande juiz - que se chamava Aguiar Dias. Eles disseram que esse
grande juiz era comunista e que eu era comunista também. Tem umas coisas
que acontecem na vida da gente! Aquilo lá me irritou. Eu fui encima desse
comandante Baltazar, que foi o autor da denúncia ... Esse Comandante
Baltazar era Secretário e deu uma denúncia anônima. Eles permitiam, eu
soube no CENIMAR, que eles permitiam o anonimato na época da
Revolução. Até isso aconteceu. Eu, então, entrei com uma representação no
Conselho da Magistratura contra esse Comandante, dizendo que ele tinha
envergonhado a farda, pedindo que a conclusão dessa apuração fosse levada à
Marinha; para ele ser cassado na Marinha. Lá tem outro termo que eles usam,
né?
Mas aconteceu isso e acabou que não houve nada comigo e ele teve que
arranjar um pistolão para não perder a patente na Marinha. Graças a Deus,
também nessa eu me saí bem, defendendo a dignidade da magistratura.
É também a opinião do desembargador Luiz Fernando Withaker Tavares da
Cunha (2002), que em seu depoimento destacou:
Foi um período difícil, porque as garantias da Magistratura foram suspensas e
outras garantias constitucionais foram suspensas. Os juízes foram cassados
injustamente como o Aguiar Dias, como o Carlos Aroldo Porto Carreiro de
Miranda... E então, evidentemente, lutamos contra esse período de exceção...
Depois tinha uma coisa: essas cassações não eram produtos de reflexão, de
pesquisas. Às vezes eram vinganças pessoais, não é? Muitos políticos foram
cassados por vinganças pessoais! Evidentemente, as acusações contra o Porto
Carreiro, que era um homem admirável. (...) Era professor de Economia
Política, livre docente da Faculdade Nacional de Direito, autor de livros
importantíssimos! Eu tive a honra, quando ele voltou à Magistratura, de
recebê-lo no Tribunal de Alçada...
Evidentemente, em período de exceção todos nós sofremos perigo do alfanje,
do facciosismo em cima de nossas cabeças. Eu, várias vezes, estive ameaçado
de ser cassado. Inclusive, quando absolvi o jornalista Hélio Fernandes de um
crime de grande repercussão, crime contra a honra. Mas... É como dizia um
poeta: "ao juiz, não importa a posteridade, importa é a sua consciência”. O
julgamento dos pósteros para ele pouco interessa. Nós julgamos no momento
histórico, nós julgamos numa época. Se tem nas mãos a rosa da consciência
não interessa nada. Não interessa o julgamento do futuro ou do presente ou
até de pessoas que não compreendem isso.
Já a percepção do golpe e do regime por alguns magistrados pode ser
exemplificada pelo trecho do depoimento que se segue:
Olha, eu teria que abordar a coisa sob dois aspectos: político e jurídico.
Quero dizer, a influência política e a jurídica. No ponto de vista político, eu
realmente me envergonho muito dessa fase da história do Brasil. Eu lecionei
nessa época na faculdade e vi, eu soube, não assisti fisicamente, mas vi muito
aluno ser tirado de sala de aula porque havia militares ou alguns traidores
denunciantes dentro da sala de aula e que fazia com que esses colegas que
eventualmente tivessem se manifestado contra o regime militar, fossem
afastados, presos, execrados e por isso mesmo antidemocraticamente atingida
a faculdade. Eu tenho duas lembranças muito fortes que posso relatar: uma de
magistrado, quando foi preso o juiz da vara criminal, Porto Carreiro, que era
considerado comunista e foi preso em casa e o presidente do tribunal, o (...)
Murta Ribeiro, foi procurado pelos colegas para dar apoio moral e jurídico e
o Murta Ribeiro, lamentavelmente, se esquivou dizendo que o problema não
era do tribunal, mas era problema pessoal das ideias dele e deixou vilmente o
desembargador, aliás, na época não era desembargador era juiz ou
magistrado, ficar acorrentado numa jaula da polícia política e social sem dar
a ele o menor socorro, a menor atenção, o menor apoio. Foi um ato de
extrema covardia, não só da parte da polícia como da parte do próprio
presidente do tribunal (...) Mas eu realmente do ponto de vista institucional,
eu tenho pra mim que a revolução foi altamente danosa pra todos, sobretudo
porque nós estamos vendo agora e essas eleições, mais uma, refletem bem
isso. Ela ceifou da geração toda uma liderança política. Hoje nós não temos
líderes políticos, quem são nossos líderes políticos que estão aí nas eleições?
Há uma defasagem entre os antigos e os novíssimos. Você vê Antônio Carlos
Magalhães e outros estão lá na estratosfera da antiguidade e outros
novíssimos como Aécio Neves e outros de vinte e poucos anos de idade que
estão surgindo agora. Então, nesse interregno, nesse entremeio, não existem
líderes políticos formados na labuta, na liderança diária, na movimentação
diária da política, porque eles foram mortos pela revolução. Eu acho que a
revolução fez muito mal a esse país (MAGALHÃES: 2002).
VII - Referências bibliográficas usadas
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004.
BOSI, Ecleá. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 10.ª ed. São Paulo: Cia. das
Letras, 2003.
CARDOSO, Ciro F. Uma introdução à história. 3.ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.
CASTRO, Flávia L. História do direito: geral e do Brasil. 8.ª Ed. Rio de Janeiro;
Editora Lúmen Júris, 2010.
CUNHA, Luiz F. W. T. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral &
Visual do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 12 de ago. 2002.
Entrevista n.º 84.
FERREIRA, Marieta M. & AMADO, Janaína (org.) Usos & abusos da história oral.
5.ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002.
HESPANHA, António M. A história do direito na história social. Lisboa: Livros
Horizonte, 1978.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 4.ª ed. São Paulo: Ed. UNICAMP, 1996.
LOPES FILHO, Carlos A. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral &
Visual do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 16 de abr. 2003.
Entrevista n.º 95.
MAGALHÃES, Jorge M. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral &
Visual do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 10 de out. 2002.
Entrevista n.º 86.
MUSEU DA JUSTIÇA. Subsídios para a história da justiça do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro: Gráfica do TJERJ, 2000.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Em: Revista Estudos Históricos. Rio
de Janeiro: S/ed., 1992, n.º 3, p. 3-15.
PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho
de 1944): mito, política, luto e senso comum. Em: AMADO, J. & FERREIRA, M. M.
Usos e abusos da história oral. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002, pp. 103-130.
ROCHA, Jorge L. História da Defensoria Pública e da Associação dos Defensores
Públicos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.
SILVA, Dalmo Silva. Depoimento Prestado ao Programa de História Oral & Visual
do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Museu da Justiça, 31 de ago. 1998. Entrevista n.º
16.
SILVA, Evandro L. O salão dos passos perdidos. São Paulo: Nova Fronteira, 1997.
WOLKMER, Antônio C. História do direito no Brasil. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2010.
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Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC