JUSTINO PINTO DE ANDRADE (30/09/05)
PALESTRA EM BENGUELA –
COLÓQUIO DO SINDICATO DOS JORNALISTAS
O PAPEL DOS MÍDIA NA EDUCAÇÃO ELEITORAL
1. Pediram-me que falasse sobre o papel da comunicação social no
processo eleitoral. É claro que não me posso furtar a falar de uma
questão tão importante, em princípio, pelos laços de amizade que me
ligam à classe jornalística, depois, pelo sentido de oportunidade de
que o tema se reveste (estamos já a viver o clima «tórrido» das
eleições). Por isso, e de passagem, vou reportar algumas situações
que considero fundamentais, neste momento:
i) Quero realçar o esforço e a dedicação da maior parte dos nossos
jornalistas no desmantelamento da mentalidade de guerra que
prevaleceu entre nós.
ii) Muitos dos movimentos sociais que temos conhecido,
invariavelmente, têm no seu seio um jornalista, o que atesta que os
nossos jornalistas não se limitaram a observar o fenómeno social e
político. Os jornalistas têm sido intervenientes activos, envolvendose, não poucas vezes até, com demasiada paixão.
iii) A primeira geração de jornalistas angolanos do pósindependência exercitou-se na crítica dos factos políticos e sociais,
pois testemunhou fenómenos ímpares que antecederam, que
acompanharam e que se seguiram ao advento da independência
nacional. Nessa época especial e muito envolvente, ganharam uma
maturidade precoce.
iv) Um número significativo da classe é hoje constituído por jovens
já recentemente formados, uns no Instituto Médio de Jornalismo,
outros até em escolas superiores fora do país.
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v) O advento do multipartidarismo e a abertura do mercado da
comunicação social abriu novas perspectivas para a classe.
2. Mas, é bom que o diga: o desenvolvimento da profissão não tem
sido muito fácil, quer porque os poderes públicos ainda olham com
desconfiança para alguns profissionais, quer porque o ritmo de
crescimento do sector não tem conseguido absorver toda a força de
trabalho disponível, quer porque as exigências de qualidade não vão
encontrando uma resposta adequada. Como, por vezes, se desafiam
interesses instalados, dos fortes e dos poderosos, a profissão ganha
uma imagem de risco. De tal modo que houve quem já tenha perdido
a liberdade; outros, inclusivamente, pagaram tal «ousadia» com as
suas próprias vidas. É justo que se reconheça: os jornalistas vão
deixando marcas de sangue nos alicerces da nossa incipiente
democracia.
3. Nem todos, infelizmente, têm sido tão corajosos e tão resolutos na
defesa do princípio da liberdade de expressão do pensamento, assim
como das normas de convivência democrática. Há aqueles que
sobrevalorizam os seus interesses imediatos, perdendo de vista o
escopo fundamental da sua actividade. Estes não informam bem nem
ajudam a criar uma consciência sã e democrática.
4. Em todo o mundo, são raros os jornalistas que são ricos. Também
em todo o mundo, a classe jornalística sofre enormes sacrifícios e
conhece demasiados riscos. Amiúde, assistimos à morte de
profissionais, quase sempre por acções violentas, ficando uns
amputados, outros estropiados. Sobre eles se descarregam os mais
sofisticados instrumentos de repressão. Isto sucede mais quando os
jornalistas estão engajados em actividades de investigação, quando
desmascaram situações ilícitas envolvendo políticos e grandes
interesses económicos. Vejamos os fartos exemplos vindos do
Brasil, um país que nos está muito próximo, ou o que sucedeu nos
últimos dias no Líbano, no atentado contra a viatura de um jornalista
que investigava os segredos que levaram ao assassinato do ex2
primeiro-ministro Hariri, supostamente abatido pelos serviços
secretos sírios.
5. Hoje, já nenhum político dispensa os serviços dos órgãos de
comunicação social. Os agentes económicos também já não podem
dirigir e prosperar sem comunicar. Reconhecida a sua relevância
social, os jornalistas devem agir de uma forma ponderada e
equilibrada. Não podem atear levianamente qualquer fagulha que
incendeia a pradaria…
6. Atentemos no que aconteceu no Ruanda. Aí, produziram-se
acusações contra jornalistas e órgãos de comunicação social. Diz-se
que eles incitaram ao ódio e à intolerância. Sabe-se agora que o
genocídio do Ruanda foi preparado e estimulado, que teve a
cumplicidade de poderosos órgãos da comunicação social. Nesse
caso, alguns deles esqueceram-se da sua função eminentemente
social e até pedagógica. Foi assim, de facto, no Ruanda. Não deverá
ser assim em Angola. Não podemos, de modo algum, esquecer
certos comportamentos havidos no ano de 1992. São, por vezes,
visíveis tentações de se repetir aquele perigoso cenário.
7. Aproximando-se as segundas eleições gerais, teremos que reflectir
sobre o papel da comunicação social, como é lógico. Os meios de
comunicação social são chamados a realizar tarefas de enorme
importância, no quadro da educação dos cidadãos para as eleições.
8. É lícito exigir-se o máximo de contenção a todos os actores, sem
que isso ponha em causa a dinâmica democrática. Os políticos,
afinal, os principais responsáveis, devem ser comedidos na sua
acção. Mas os mídia não podem embarcar em muita da lógica que
anima certos actores políticos. Os mídia não podem contribuir para
aumentar o «ruído» que geralmente acompanha os momentos de
acalorada discussão política.
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9. Todos os cidadãos têm o sentimento de que as eleições visam a
escolha dos futuros dirigentes do país, por isso eles devem ser
informados sobre o significado preciso desses órgãos, também sobre
o papel dos titulares desses órgãos. Em alguma medida, os órgãos da
comunicação social podem e devem prestar o seu contributo para
esse esclarecimento. Podem fazê-lo através dos textos que elaboram.
10. Muitos dos nossos compatriotas alimentam uma forte
expectativa sobre uma possível «mudança» resultante das eleições.
Compete à nossa comunicação social ajudar esse entendimento, não
criando, por exemplo, «fantasmas» em torno dessa matéria. Uma
eventual «mudança» e sempre uma possibilidade, e não um
cataclismo, como o fim do mundo...
A «mudança» pode apenas resultar na alteração de algumas formas
de comportamento, no modo de gerir a política. A «mudança» é um
elemento intrínseco dos processos democráticos. Os mídia têm a
obrigação de passar essa ideia, assim como outros conceitos, como
alternância democrática, de oposição, etc.
11. Se alguns pensam em «mudança», outros preferirão continuar tal
qual como se está hoje; ou, no mínimo, não enfrentar grandes
alterações. Compete também à comunicação educar neste sentido,
preparar os cidadãos para qualquer resultado, ajudando-os a afastar o
espectro do revanchismo.
12. Os órgãos da comunicação social devem motivar, por todas as
formas, os cidadãos para o voto, para um voto consciente, sem
manipulações nem intimidação.
13. Para haver uma boa consciência cívica e eleitoral, será desejável
que a nossa comunicação social obedeça a alguns preceitos:
- Não cair na tentação de funcionar como «retaguarda» de qualquer
formação política. A função de «retaguarda» das formações políticas
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é para os órgãos e as publicações estritamente partidários. Um órgão
de comunicação social, seja público seja privado, que desvirtue o
seu papel, perde credibilidade e respeitabilidade, e, sobretudo, presta
um péssimo serviço à democracia.
- Os órgãos de comunicação social do Estado deverão funcionar
como verdadeiros órgãos públicos: serem isentos e imparciais; não
interferir na contenda; são obrigados a dar cobertura aos actos
relevantes dos diversos participantes.
- Não confundir, por exemplo, notícia com opinião e análise. O
espaço da análise deve ser reservado aos analistas, e todos os
analistas deverão ser tratados com a mesma dignidade, com as
mesmas oportunidades.
- A área de opinião, numa publicação ou órgão, deverá estar
perfeitamente identificada, assim como os seus autores – para que
não subsistam quaisquer dúvidas sobre quem a emite.
14. Hoje, já há um razoável leque de analistas e comentaristas. Até
às próximas eleições, surgirão certamente mais analistas e mais
comentaristas, com boa qualidade, cobrindo todo o espectro político
nacional. Haverá, porém, a tentação para se «inundar» o mercado da
análise e do comentário com vozes de um só tom… Isso em nada
ajuda a pluralidade e o debate contraditório, intrínsecos às
democracias.
15. Que se abram debates protagonizados por «opinion makers»
identificados com as diversas correntes de pensamento. Aos
jornalistas competirá moderar tais debates, sem tomarem partido por
qualquer dos litigantes. Isso será pedagógico e educativo.
16. O domínio directo ou indirecto dos órgãos privados da
comunicação social será muito tentador. Tentar-se-á aproveitar as
fragilidades financeiras de uns, e até algumas venalidades de outros.
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Vencendo esta lógica perversa, prevalecerá o desequilíbrio
mediático e cairemos na «diabolização». E a «diabolização» nunca é
educativa, nem alguma vez ajudou a democracia. Temos uma vasta
memória de «diabolização», utilizando-se a comunicação social,
com os resultados que bem conhecemos. Haverá certamente ganhos
aparentes, apenas de curto prazo. Perderá a política e o país.
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Primeiro que tudo, vale a pena tentar entender alguns pormenores