SOBRE GESTÃO *
A Definição de Gestão
Chegar a acordo sobre definições de qualquer tipo pode ser uma tarefa de pôr os cabelos
em pé, e um desperdício de tempo. Normalmente requer compromissos por parte de
todos, e frequentemente produz resultados que não agradam a ninguém. Definir gestão
não é excepção.
Há certamente tantas definições diferentes de gestão como autores que escreveram
sobre o assunto e gestores que a praticam. Estas diferenças surgem por uma variedade
de razões. Por vezes surgem a partir do debate irrelevante sobre se a gestão é uma arte
ou uma ciência; outras vezes reflectem os diferentes pontos de vista a partir dos quais
este assunto é abordado; e outras vezes ainda resultam dos diferentes propósitos a que a
definição se destina.
Dois livros clássicos fornecem exemplos interessantes sobre estas diferenças. Por um
lado, Drucker1, naquilo que é reconhecido como um dos textos padrão sobre gestão,
gasta três capítulos inteiros a explorar “a natureza da gestão”. As várias facetas da
gestão são discutidas e descritas, e ainda que seja dada grande ênfase à performance
económica (“pode haver grandes resultados não económicos ... (mas) ... a gestão tem
sempre que pôr, em cada decisão e acção, a performance económica em primeiro
lugar”), nenhuma definição simples e concisa de gestão é de facto apresentada. Em
contraste, Dexter e Barber2, ao escreverem um livro sobre gestão agrícola, numa
perspectiva de consultores, e escrevendo principalmente para agricultores, sentiram
necessidade de uma definição clara; de uma base a partir da qual pudessem trabalhar:
“A gestão agrícola (escrevem eles) preocupa-se com a organização e emprego dos
recursos ao serviço do negócio agrícola – terra, trabalho e capital, e aquele bem de
extrema importância, ou seja, as capacidades e habilidades do agricultor. Não está,
na nossa opinião (continuam eles), preocupada com os aspectos meramente
técnicos da actividade agrícola nem, por outro lado, está preocupada com a
melhor maneira de dar ordens ao pessoal às sete horas da manhã. Estas questões
de facto existem, mas subordinam-se à questão principal da organização da
empresa no sentido da obtenção de lucros mais altos.”
Estes dois livros foram escritos a partir de pontos de vista muito diferentes, e com
diferentes propósitos e audiências em mente. Mesmo assim, eles evidenciam
concordância sobre uma tarefa fundamental da gestão: a de “pôr a performance
económica primeiro” e “organizar a empresa para a obtenção de lucros mais altos”. A
nossa opinião sobre a importância dos lucros é clara. Os lucros permitem e encorajam a
sobrevivência. Eles não são a única coisa que importa mas, sem eles, a falência pode
ocorrer e então é tarde de mais para que qualquer outra coisa importe. É também nossa
convicção de que é grande a probabilidade das empresas serem geridas com sucesso e
1
Drucker, P. F. (1968) The Practice of Management. London: Pan Books.
Dexter, K e Barber, D. (1961) Farmig for Profits. West Drayton, Middlesex: Penguin Books.
_____________________________
2
* - Traduzido e adaptado de:
Giles & Stansfield (1980), The Farmer as Manager , pp. 9 a 15.
gerarem lucros, se alguns princípios gerais de gestão forem compreendidos e aplicados
ao negócio agrícola, tal como deveria acontecer para qualquer outro negócio ou
organização. Isto não quer dizer que desejemos minimizar a importância de boas
práticas agrícolas e de fazer as coisas tecnicamente bem feitas. Pelo contrário, é muito
importante “fazer as coisas bem”, e tal, de facto, raramente entrará em conflito com
fazer as coisas de forma lucrativa. Faz parte da sabedoria popular o conhecimento de
que são os últimos poucos ovos, leitões, litros de leite ou quilos de milho que produzem
o lucro.
O que queremos deixar aqui sublinhado é a nossa crença de que demasiada preocupação
com questões puramente técnicas e relacionadas com o dia a dia pode ser perigoso, se
feito à custa dos aspectos mais estratégicos, comerciais e humanos da gestão. Pode
mesmo ser discutível a utilidade de se pensar em “gestão agrícola” como uma disciplina
por direito próprio. Poderá ser mais compensador pensar simplesmente em termos de
gestão aplicada à agricultura, com os problemas agrícolas devidamente enquadrados
com os demais.
Com estes pensamentos em mente, a nossa própria definição de gestão é, portanto,
despida de quaisquer conotações agrícolas:
Gestão é uma actividade complexa, envolvendo a combinação e a
coordenação de recursos humanos, físicos e financeiros, por forma a que se
produzam bens ou serviços que sejam simultaneamente procurados e que
possam ser oferecidos a um preço que possa ser pago, tornando ao mesmo
tempo agradável e aceitável o ambiente de trabalho de todos os envolvidos.
Esta definição pode ser um pouco longa, sendo-o contudo de uma forma deliberada,
para servir os nossos propósitos. Ela chama a atenção para uma quantidade de aspectos
que julgamos importantes, e que uma definição curta não poderia abarcar.
Primeiramente, mostra que a gestão não pode ser concebida como tendo fronteiras
apertadas. Dependendo da dimensão da organização, a delegação de vários aspectos da
gestão poderá ou não ser possível. Na maioria dos negócios pequenos – como a maioria
das explorações agrícolas – as oportunidades de delegação são limitadas. Mas com
delegação ou não, a responsabilidade de tudo o que se passa pertence à gestão. A gestão
não pode ser, portanto, menos do que um processo complexo.
Em segundo lugar, a gestão preocupa-se com combinação: com a combinação de um
número de factores de produção diferentes e independentes – terra, trabalho e capital –
numa unidade viável e eficiente de produção. As questões económicas clássicas sobre a
produção – o que produzir, em que combinações e através de que métodos – estão no
centro deste aspecto das tarefas do gestor.
Em terceiro lugar, a nossa definição aponta para a necessidade de os gestores se
orientarem para o mercado. A atenção deve ser claramente focada no produto final, no
conhecimento de que esse produto (ou serviço) tem de ser procurado pelos
consumidores, e tem de ser fornecido a um preço que eles desejem pagar. Assim, a
nossa mente é imediatamente focada não apenas na produção, mas na produção
eficiente em termos económicos, o que significa a sobrevivência de longo prazo da
empresa numa base financeira sólida.
E finalmente é posta ênfase no factor humano. Acreditamos que em qualquer tipo de
empresa, a existência de condições de trabalho aceitáveis e agradáveis pode constituir
um elemento tão importante para a sua sobrevivência, como o próprio lucro.
Completar a Definição
Se uma definição é um ponto de partida necessário para a discussão de um qualquer
assunto, é igualmente necessário passar além dela, desenvolvendo e completando a
afirmação inicial. É muito bonito usar frases que soam a pensamento académico como
“a coordenação de recursos humanos, físicos e financeiros”, mas o que é que isso quer
dizer – ou talvez ainda mais importante, o que é que isso deveria querer dizer – em
termos da gestão real de uma organização ? Que imagem da gestão, como tarefa prática,
emerge da nossa definição ?
As tentativas para descrever o trabalho dos gestores tendem a cair normalmente em duas
categorias: a normativa e a descritiva.. A primeira destas duas perspectivas concentra-se
principalmente naquilo que os gestores deviam fazer, e a segunda naquilo que eles de
facto fazem. O nosso ponto de vista encontra-se entre aquelas duas perspectivas, e inclui
uma combinação de princípios e prática. Aqui estamos contudo mais preocupados com
os princípios e, quando nos deslocamos para além da nossa definição, o quadro da
gestão que nos ocorre à mente é o apresentado no esquema seguinte:
O sucesso na
GESTÃO
deve começar com
a DEFINIÇÃO DE OBJECTIVOS
e isso então envolve
PLANEAR
para alcançar
os objectivos
IMPLEMENTAR
para converter os
planos em acção
CONTROLAR
num esforço para
atingir os objectivos
Estes processos são aplicados às seguintes áreas da empresa
PRODUÇÃO
MARKETING
FINANÇAS
E tudo tem de ter lugar num
ambiente económico, político, social e legal.
PESSOAL
Nenhum diagrama deste tipo pode ser considerado como definitivo. Ele é apenas um
ponto de vista pessoal sobre como, de uma forma útil, se pode olhar para as tarefas do
gestor. Se assumirmos que ele representa tudo o que pode ser dito sobre o assunto, então
o seu uso será mesmo prejudicial. O mesmo acontece se dele se concluir que quer os
processos principais que dele se retiram (definição de objectivos, planeamento, tomada
de decisão e controlo), quer os sectores principais da empresa (produção, marketing,
finanças e pessoal), se encontram tão separados e independentes uns dos outros como o
diagrama sugere. Todos os que estão envolvidos em gestão agrícola sabem que isto não
é verdade. Contudo, aquele diagrama tem o mérito de identificar as áreas chave de
responsabilidade e actividade para as quais o gestor de qualquer negócio deve dirigir a
sua atenção. Além disso, serve o propósito de manter cada uma daquelas
responsabilidades e actividades em perspectiva, sem se perder de vista a complexidade
das tarefas do gestor.
O diagrama visa mostrar ao leitor que a gestão eficiente deve começar com uma cuidada
definição de objectivos, e que sem eles nenhuma direcção clara pode ser seguida, e
nenhuma avaliação significativa da evolução pode ser feita. Assumindo que é possível
identificar e, preferivelmente, quantificar certos objectivos, então certos rumos tornamse claramente necessários se aqueles objectivos são mesmo para ser atingidos. Em
primeiro lugar, planos devem ser desenvolvidos para cada área relevante da organização
ou empresa em causa, o que permitirá aos objectivos definidos serem então alcançados.
Esses planos têm então de ser postos ou mantidos em prática, implementados, em
resultado das decisões que os gestores têm de tomar. Sem dúvida, muitos autores e
gestores têm-se inclinado no sentido de considerarem a tomada de decisões como a
tarefa central da gestão. Contudo as coisas não acabam aí. Definir objectivos,
desenvolver planos e tomar decisões, tudo pode ser pura perda de tempo se não houver
o cuidado de assegurar que aquilo que é suposto acontecer aconteça de facto. Se assim
não for, então as razões para tal devem ser conhecidas e compreendidas e sempre que
possível uma determinada acção correctiva deve ser tomada. Por outras palavras, devese exercer uma acção de controlo.
Em grande medida, é o ter a responsabilidade sobre estes assuntos – definir objectivos,
planear, tomar decisões e controlar – que caracteriza o papel do gestor. A ele se exigirá
que exerça aquelas responsabilidades relativamente a cada área ou sector da empresa, e
para muitos negócios isto quer dizer: produção, marketing, finanças e pessoal. Se, em
tudo isto, o gestor que temos em mente não for o dono da empresa, ele deverá assumir a
condução da mesma em nome dos donos. Mas em contrapartida, se ele for o dono, então
estará também a assumir o risco final pelo capital que está em jogo.
Julgamos que esta breve visão sobre as tarefas da gestão pode representar mais ou
menos a “história completa” para muitas empresas, particularmente para algumas
agrícolas. Na pequena exploração de um homem só, por exemplo, sem qualquer outra
mão de obra para além da fornecida pelo próprio agricultor, não haverá problemas de
recrutamento de pessoal, mas haverá sempre problemas com a organização do trabalho.
Do mesmo modo, em certas grandes empresas agrícolas pode haver uma secção de
investigação e desenvolvimento, perfeitamente separada de qualquer uma das quatro
áreas atrás referidas. Para muitas situações, contudo, acredita-se que aquela divisão em
quatro áreas é a mais apropriada.
Julgamos também que há uma interacção estreita entre cada uma daquelas áreas. Elas
não são tão independentes como o esquema pode sugerir. Decisões relativas ao que
produzir, e quando e como produzir, têm repercussões óbvias e imediatas nas estratégias
de marketing, nas necessidades em capital e no número e qualidade da mão de obra
empregue. De forma semelhante, as decisões que se relacionam principalmente com as
questões do fornecimento de capital ou da disponibilidade de mão de obra, terão uma
influência importante nas possibilidades de produção. Exemplos destes tipos de
interacções podiam ser dados indefinidamente.
Finalmente, neste esboço sobre a gestão, é preciso dizer que nenhuma empresa, e
portanto nenhuma empresa agrícola, existe ou opera no vácuo. Restrições sociais,
legais, políticas e económicas, muitas vezes impostas por forças (especialmente
económicas) localizadas bem para lá das fronteiras nacionais, afectam constantemente a
liberdade do gestor para gerir de uma forma perfeitamente autónoma. Cada vez mais, a
função do gestor é também tentar compreender e adaptar-se a estas forças de mudança.
A análise detalhada destas forças está para além dos objectivos deste texto, mas
questões como a influência dos mercados internacionais nos preços e custos, a política
de crédito bancário, o efeito das restrições legais no campo do emprego, as
responsabilidades sociais respeitantes a questões como a poluição, e a influência de
aspectos puramente políticos, nacionais e internacionais, de política agrícola, são apenas
alguns dos exemplos mais óbvios das várias influências que se combinam para criar o
ambiente em que o gestor tem de gerir. Qualquer crença por parte dos agricultores de
que estão sozinhos nestes aspectos é puro erro. Estas influências afectam a globalidade
da comunidade empresarial. Poucos empresários precisarão de ser relembrados de que
estas influências são reais, são normalmente inevitáveis, e de que temos de aprender a
viver com elas. No fim de contas, o que há a fazer, é continuar a gerir.
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