A terceirização na era do subemprego Rodrigo de Lacerda Carelli Procurador do Trabalho no Rio de Janeiro O Jornal “O Globo” recentemente publicou uma série de reportagens denominada “A Terceirização que mata”, demonstrando por fatos o que os operadores do mundo do trabalho já sabiam: a precarização do ser humano trabalhador por meio da má utilização desse instituto. A Terceirização, indiscutivelmente, tornou-se a vilã dos trabalhadores, por eles tão temida e tão amaldiçoada, por um motivo bem simples: a retirada do único “status” concedente de cidadania que o trabalhador detinha, que é o de “empregado”. Hoje os trabalhadores em uma determinada empresa se dividem em castas, cujo nível mais alto é o de empregado, passando por diversas formas precárias, que também têm uma hierarquia entre elas: terceirizado celetista, estagiário, cooperado. Realmente a terceirização mata. Ela mata ao destruir as condições mínimas de trabalho, ao impor jornadas absurdas cuja saúde do trabalhador já não agüenta. Mata ao manter os trabalhadores semanas sem descanso semanal remunerado, direito previsto inclusive na Bíblia. Mata ao criar dentro do ambiente do trabalho uma segregação entre os que têm direitos, os empregados, e os que nada têm, os “terceirizados”. Mata ao transportar o vínculo empregatício, e todas as obrigações trabalhistas, para empresas às vezes sem qualquer idoneidade financeira, que, premidas a oferecer o menor preço, caso contrário não conseguem vencer a licitação, oferecem um preço impraticável, passando a não pagar as verbas trabalhistas, ou a não fornecer os equipamentos de proteção individual. Mata porque, se não sobra dinheiro nem mesmo para o pagamento das verbas trabalhistas, quem dirá para fornecer aos trabalhadores o treinamento necessário. A Organização Internacional do Trabalho, em sua Constituição, instituída pela Declaração de Filadélfia de 1949, já observava como primeiro princípio da proteção ao trabalho moderno que “o trabalho não é uma mercadoria”. Esse princípio foi reafirmado recentemente pelo Programa “Trabalho Decente”, onde busca a dignidade do trabalhador em todos os países do mundo. Mas a terceirização, da forma como é atualmente realizada no Brasil, mata não só o trabalhador, mas a própria economia. Trabalhadores que eram empregados das empresas são dispensados e retornam por meio de “empreiteiras”, ganhando muito menos do que antes. O que isso significa? Encolhimento do mercado interno, o que gera menos divisão de riquezas, gerando mais concentração de renda, arrefecimento do consumo, diminuição da demanda, diminuição da produção, “downsizing”, fechamento de empresas, desemprego. O círculo é vicioso, e se não for quebrado não há economia que suporte. Aqui devemos acabar com mais uma falácia: a geração de empregos pela terceirização. Na verdade, a terceirização, como fornecimento de mão-de-obra, não gera nem mesmo um só emprego. O que ela faz é simplesmente ocupar postos de trabalho já existentes, que eram ocupados por empregados com salários dignos e “status” de empregados, e repassados a empresas de idoneidade econômica duvidosa, com trabalhadores com baixos salários e estatutos precarizados. E a razão por não criar empregos é simples: a terceirização não gera riqueza, não agrega valor, pois, em sua maioria, trata-se de mero fornecimento da mão-de-obra precária. Outro ponto deve ser realçado: as pequenas empresas, quem realmente emprega neste País, não se utilizam da terceirização. A terceirização, como fornecimento de mão-de-obra, é do exclusivo 1 interesse e é utilizada em massa pelas grandes empresas, que, ao utilizar esse instituto, buscam na verdade lucro maior para seus acionistas. Não são pequenas empresas que buscam sobreviver que se utilizam da terceirização, e sim essas grandes empresas que precarizam o trabalho para atingir insanamente a lucratividade. A terceirização, que deveria ser buscada para melhorar os serviços, como originariamente foi idealizada, passou a ser utilizada como forma de barateamento da mão-de-obra, precarizando o trabalho, bem como o próprio produto. Basta observar que as campeãs de reclamações nos PROCONs são as que mais terceirizam. Hoje a Justiça do Trabalho está assoberbada de processos, que em sua maioria envolve a terceirização. O mais incrível é que nesses processos, em sua grande parte, não há litígio, somente tratando de falta de pagamento das verbas trabalhistas pelas empresas fornecedoras da mão-de-obra, entre salários atrasados, horas extraordinárias não pagas e verbas rescisórias inadimplidas. Os trabalhadores têm ido à Justiça para receber salários, o que não pode ser aceito. O Governo Federal deveria aproveitar a oportunidade de discussão nacional, implantada pelo Fórum Nacional do Trabalho, e regulamentar a questão, proibindo a terceirização não somente na atividade-fim das empresas, mas vedando expressamente sua utilização como mero fornecimento de mão-de-obra. Deve-se buscar também a responsabilização solidária das empresas contratantes, e a diminuição do prazo do trabalho temporário aos três meses originários, já que a extensão do prazo em nada contribui com as funções dessa forma de trabalho. O desemprego deve ser combatido com o incentivo à produção e ao empresariado nacional, e também com o crescimento do poder econômico do trabalhador, criando condições de trabalho estável e digno. Os estudos de Sociologia e Direito nos países desenvolvidos já demonstraram que a diminuição do custo laboral não gera empregos, provocando até diminuição no nível de emprego no médio prazo, pelos motivos acima expostos, como comprovam os casos recentes da Espanha e da Inglaterra. Um país não se faz somente de uma elite rica, que mora em Ipanema, com o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, mas também da periferia das grandes cidades, com índices africanos de desenvolvimento. A distribuição de renda passa pelo trabalho, mas por um trabalho decente e seguro, inevitável para o nosso progresso, sob pena de amargarmos o título de “país em desenvolvimento” por mais alguns séculos. Fonte: http://www.pgt.mpt.gov.br/noticias/2003/09/n337.html (Acesso em 09.04.04) 2