XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
FORMAÇÃO CONTINUADA E FAZER DOCENTE: REFLEXÕES SOBRE OS
EFEITOS DO PRÓ-LETRAMENTO PARA AS PRÁTICAS DE PROFESSORAS
QUE ATUAM NA ÁREA DE ALFABETIZAÇÃO E LINGUAGEM
Lucimara De São José
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar alguns resultados de uma pesquisa de
Mestrado sobre os efeitos do Pró-Letramento, curso de formação continuada, para as
práticas de alfabetização dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Trata-se de analisar a
proposta do Governo Federal (Secretaria de Educação Básica do Ministério da
Educação - SEB/MEC) desenvolvida, desde 2006, em pareceria com Universidades
Federais e Estaduais e as redes públicas de ensino do País. Esclarecemos que a
concepção de formação continuada do Pró-Letramento apoia-se na ideia de uma “rede
de formação”, cujo princípio é o de formar tutores pelas Universidades parceiras do
Programa para que, simultaneamente, realizem o mesmo curso nas suas redes de ensino.
A investigação foi realizada por meio do levantamento e análise de relatos, obtidos em
entrevistas desenvolvidas com dez professoras participantes do Programa e a tutora
responsável pela condução da proposta formativa, implementada entre outubro de 2008
e dezembro de 2010, na cidade de Conselheiro Lafaiete, localizada no estado de Minas
Gerais. Além das entrevistas, utilizamos outros procedimentos para a coleta de dados,
dentre os quais o estudo dos documentos que organizaram e orientaram a execução do
Pró-Letramento, tais como Guia Geral do Programa, Fascículos de orientação para os
tutores e Coleção didática da área de Linguagem destinada aos cursistas. Foram
analisadas as condições de implementação e desenvolvimento da estratégia de formação
no município de Conselheiro Lafaiete, tendo em vista uma melhor compreensão de suas
implicações para o trabalho docente. Os resultados iniciais acerca dos efeitos do
Programa revelam uma restrita e modesta contribuição do mesmo para as práticas das
professoras e evidenciam a importância de se considerar as lógicas docentes na
apropriação de conteúdos didáticos dos cursos de formação.
Palavras-chave: Políticas de formação continuada; Formação continuada do(a)
alfabetizador(a); Formação docente
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Introdução
Neste artigo apresentamos algumas evidências e constatações acerca dos efeitos
de um programa de formação continuada na área de Alfabetização e Linguagem na
prática de professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O texto se
organiza a partir de resultados parciais de uma pesquisa de Mestrado desenvolvida com
participantes do Pró-Letramento, em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, após o
encerramento das ações formativas.
O Pró-Letramento - desenvolvido pelo Governo Federal desde 2006 junto a
escolas públicas de todo o País - é composto de dois cursos: um direcionado à
Matemática e outro ao campo da Alfabetização e Linguagem (objeto de interesse deste
artigo e do estudo do qual ele se originou). O seu principal objetivo é o de oferecer
suporte à ação pedagógica dos docentes, contribuindo para elevar a qualidade do ensino
e da aprendizagem nas duas áreas curriculares. Seu projeto de formação continuada está
fundamentado na constituição de uma rede que prevê a formação de professores
orientadores/tutores que participam dos cursos oferecidos por Universidades e, de forma
simultânea, passam a implementá-los junto a outros professores do sistema de ensino. O
Programa também se apoia no modelo semipresencial de formação onde se efetivam
encontros presenciais entre cursistas e tutores e etapas de estudo à distância.
Cabe ressaltar que esse é um dos projetos criados no âmbito da Rede Nacional
de Formação Continuada de Professores da Educação Básica, constituída por diversos
Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação de universidades federais,
estaduais e comunitárias que devem se articular com os sistemas de ensino público para
promover ações ampliadas de formação, contando com a participação e coordenação da
Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação – SEB/MEC.
Metodologia
A coleta de dados dessa investigação foi efetuada durante o ano de 2011,
particularmente por meio de entrevistas semiestruturadas e abertas, realizadas a partir de
um questionário preliminar, com 10 professoras e com a tutora que desenvolveu o curso
de Alfabetização e Linguagem. Também nos valemos da análise documental dos
materiais oficiais relacionados à implementação do Programa, como Guia Geral do PróLetramento (BRASIL, 2007), os Fascículos destinados a formação de tutores,
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produzidos pelo MEC e pelo Ceale - Centro de Alfabetização Leitura e Escrita da
UFMG (BRASIL, 2007a; SILVA, C. S. R.; FRADE, 2006) e o Fascículo que contém a
coleção didática para os professores (BRASIL, 2008). Uma breve observação em sala
de aula de uma das professoras que compunha o grupo de entrevistadas também foi
realizada, bem como a análise dos cadernos de Língua Portuguesa e de Para Casa de um
de seus alunos.
A pesquisa se desenvolveu em duas etapas.
Na primeira, mediante relatos das professoras e da tutora, tornou-se possível
conhecer melhor o processo de implementação do Pró-Letramento no município de
Conselheiro Lafaiete, bem como os limites e as possibilidades de uma proposta
formativa que se constituíram durante a sua realização. Apoiados em Santos, E. O.
(2010) partimos do pressuposto de que é na organização e na concretização das ações de
formação que os princípios, finalidades e especialmente o alcance das políticas e
propostas formativas verdadeiramente se revelam e se consolidam.
Nessa fase inicial da pesquisa identificamos algumas evidências sobre as
contribuições e os efeitos do Pró-Letramento nas práticas docentes, considerando,
principalmente, os aspectos que se destacaram nos depoimentos dos sujeitos da pesquisa
sobre as condições de participação em cursos de formação continuada promovidos pelas
secretarias de educação, seja no âmbito municipal e/ou federal.
Em um segundo momento, com a finalidade de aprofundar a análise realizada e
investigar, de forma mais específica, a natureza dos efeitos do Programa nas práticas de
alfabetização das professoras, elegemos uma temática que aparece de forma
significativa nos relatos docentes como aquela que mais contribuiu para a sua
aprendizagem, tendo em vista sua participação no curso, pois trouxe mudanças para o
trabalho desenvolvido em sala de aula: a avaliação diagnóstica da alfabetização. Para
compreendermos melhor esses efeitos no trabalho das escolas, tomamos para
investigação a prática de uma das professoras participantes da pesquisa. Nosso interesse
foi levantar indícios sobre o processo de apropriação e construção de saberes que os
docentes efetivam diante dos conteúdos – como pressupostos teóricos e metodológicos
que devem fundamentar as práticas de ensino e aprendizagem das escolas – socializados
durante o Pró-Letramento e identificar relações entre as estratégias avaliativas
desenvolvidas em sala de aula e o que é apresentado pelo Programa de Formação nos
seus materiais didáticos.
Quanto à revisão bibliográfica que fundamentou o planejamento e a execução
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desse trabalho, orientamo-nos principalmente pelos estudos do campo da formação de
professores (FREITAS, 2002; GATTI e BARRETO, 2009; NÓVOA, 1995;
ZEICHNER, 2008) e da área dos saberes docentes (CHARTIER, 2007; TARDIF, 2002;
SCHON, 2000), os quais evidenciam de forma colaborativa o protagonismo docente nos
processos formativos e na construção de sua profissionalidade.
Neste artigo apresentaremos algumas considerações sobre os resultados obtidos
na primeira etapa da pesquisa.
A implementação do Pró-Letramento em Conselheiro Lafaiete
No que diz respeito às questões estruturais de implantação e desenvolvimento da
proposta, chama a atenção as condições de formação da tutora responsável pela
orientação dos grupos de estudo do Curso de Alfabetização e Linguagem. Nesse
processo se destacam a ausência de informações sobre o Pró-Letramento no momento
de sua adesão ao programa e o cumprimento de reduzida carga horária de formação
(apenas 16, dentre as 40 horas previstas), tendo em vista sua inserção durante o
desenvolvimento das ações formativas destinadas aos tutores, devido à desistência de
outra profissional selecionada para essa atribuição.
Uma possível consequência desse fato pode ser encontrada na concepção de
tutoria manifestada pela professora durante os seus relatos. A tutora considera não ser
necessário dominar os conhecimentos socializados no curso da mesma maneira que os
professores que conduziram a sua formação. Entende que o seu lugar não é o de quem
domina os conteúdos estudados, mas o de quem orienta o colega a estudá-los. Contudo,
para esclarecer possíveis dúvidas dos cursistas, favorecer a interpretação, o
questionamento, a crítica e o confronto de experiências e saberes, estimular a exposição
de diferentes pontos de vista e, sobretudo, conduzir situações de discussão e reflexão,
articulando teoria e prática - atribuições do tutor segundo o fascículo de orientação do
Programa – será possível prescindir de uma consistente formação teórica e o domínio
dos conhecimentos propostos no curso de formação? Assim, embora não tenhamos a
pretensão de evidenciar objetivamente os efeitos de tal concepção para o trabalho da
tutora, pode-se ao menos prever uma dificuldade inicial para a concretização da
proposta de formação anunciada pelo Programa, ou ainda a configuração de um modelo
de formação diferente daquele pretendido.
A falta de informações sobre a estrutura e organização do Pró-Letramento
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também é evidenciada nos depoimentos das professoras. Segundo tais relatos, não
foram disponibilizadas às docentes informações sobre agendas, carga horária e
propostas curriculares dos cursos no momento em que deveriam decidir sobre sua
participação. Esse tipo de comunicação ocorreu somente no início do curso.
Consideramos que esse tipo de socialização não possibilita aos interessados uma
decisão autônoma e consciente sobre sua participação, bem como o planejamento de
estratégias de organização pessoal que garantam sua permanência ao longo do curso.
Desconsiderou-se, dessa maneira, o investimento necessário para que o professor
participasse de um programa de formação que, contrariando as recomendações
expressas nas diretrizes do Programa, foi realizado fora do horário de trabalho, onde há
diversos interesses e necessidades a serem inseridos em uma agenda pessoal.
Depoimentos das professoras cursistas revelaram que a realização dos encontros
presenciais aos sábados exigiu o sacrifício de outros tempos, especialmente daqueles
dedicados à família. Evidenciaram também o cansaço em decorrência dos
compromissos de trabalho assumidos durante a semana, aliados à extensa duração do
Programa de formação, onde também estavam previstas atividades a serem realizadas à
distância (nas salas de aula ou em casa).
Durante a implementação do Pró-Letramento, em Conselheiro Lafaiete, foi
estabelecido um tipo de gestão individual dos tempos de formação, assumido
exclusivamente pelos educadores. A eles foi delegada a atribuição de organizarem e
adequarem suas agendas às datas dos encontros. Até mesmo quando se verificou a
ocorrência simultânea de encontros de formação e reuniões ou dias letivos, definidos
pelo estabelecimento escolar, coube ao professor negociar com a direção da escola a sua
participação no evento formativo. Nesse sentido Arroyo (2007) chama a atenção sobre a
constituição da formação continuada como direito dos docentes. Segundo ele, inúmeras
vezes, a participação em ações formativas se constitui, contraditoriamente, como um
dever, diante da ausência de condições favoráveis oferecidas aos professores pelo poder
público para aderirem às estratégias formativas.
Ainda com relação à execução do Pró-Letramento em Conselheiro Lafaiete,
contatamos que as etapas de formação foram implementadas de forma fragmentada, isto
é, os encontros presenciais se realizaram com intervalos de tempo irregulares e
distanciados, o que propiciou um aumento significativo do tempo dedicado a
concretização do Programa. Nesse sentido, é necessário salientar que os cursos de
formação continuada oferecidos pelo Pró-Letramento têm duração de 120 horas
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distribuídas em momentos presenciais (84 horas) e não presenciais (36 horas). Assim,
caso os encontros de formação se realizem, rigorosamente, conforme o previsto, o
Programa é concluído em aproximadamente 16 meses. (BRASIL, 2007).
No município em questão, a agenda de encontros do Pró-Letramento foi
cumprida em dois anos e dois meses - as atividades formativas que se iniciaram em
outubro de 2008 só foram concluídas em dezembro de 2010.
O conjunto dos relatos obtidos revelou que as frequentes alterações das agendas
de formação e as longas pausas entre os encontros presenciais dificultaram a retomada
de temas estudados e de discussões sobre as práticas em sala de aula.
Consequentemente, esses problemas repercutiram negativamente para a construção de
um tratamento mais orgânico dos conteúdos abordados durante os encontros com a
tutora.
Os depoimentos indiciaram ainda a quebra da unidade interna entre os encontros
e da própria sistematicidade do Programa. Entendemos que, desse modo ficou
prejudicada a perspectiva de formação continuada do Pró-Letramento, uma vez que os
encontros passaram a se constituir como eventos isolados e a formação passou a ser
episódica. A dimensão de continuidade amplamente defendida na proposta pedagógica
do Programa ficou restrita a duração dos cursos que se estenderam sobremaneira. Um
outro resultado desse modelo de formação fragmentado foi a evasão de cursistas,
nitidamente percebida na etapa de revezamento. Embora esse fato possa ser explicado
pela própria natureza do Programa de Formação, uma vez que contém dois cursos (de
Matemática e Alfabetização e Linguagem) que se realizam, um após o outro, sob a
forma de revezamento; entendemos que essa ocorrência se intensificou devido às
características que o Programa assumiu em Conselheiro Lafaiete.
Antes de prosseguirmos com a análise sobre a implementação do Programa e
mais particularmente sobre a realização do Curso de Alfabetização e Linguagem, faz-se
necessário apresentar, ainda que de forma breve, o material de formação dessa área
constituído de sete fascículos que contemplam, respectivamente, as seguintes temáticas:
(i) Capacidades linguísticas da alfabetização e letramento; (ii) Alfabetização e
letramento: questões sobre avaliação; (iii) A organização do tempo pedagógico e o
planejamento de ensino; (iv) Organização e uso da biblioteca escolar e das salas de
leitura; (v) O lúdico na sala de aula: projetos e jogos; (vi) O livro didático em sala de
aula: algumas reflexões; (vii) Modos de falar/modos de escrever.
Integra a coleção um fascículo complementar, o qual apresenta relatos de
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professores alfabetizadores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
As professoras e a tutora do referido curso evidenciaram em seus relatos que, ao
longo dos encontros, cada um desses fascículos foi lido integralmente. Essa ocorrência
nos permite inferir que grande parte do tempo disponível para a formação presencial foi
destinada a essa tarefa.
Os depoimentos caracterizaram um tipo de leitura linear e pouco instigante,
marcada pelo cansaço e desinteresse das cursistas, ainda que mediada por discussões e
troca de experiências entre as professoras. Não foi possível identificar por meio dos
relatos uma significativa interação entre teoria e prática efetivada durante esses
momentos. Ao contrário, as docentes apontaram certa superficialidade nas discussões e
a falta de entendimento sobre questões trabalhadas, especialmente referentes ao
Fascículo 1, que é a parte mais conceitual e teórica da Coleção de Alfabetização e
Linguagem.
Ressalta-se também, entre os fatores que influenciaram a apropriação das
professoras dos conhecimentos mobilizados durante o curso, a dimensão assumida pelas
denominadas atividades de aplicação – expressão usada no Guia de Formação do Ceale
(SILVA; FRADE, 2006) para identificar atividades a serem desenvolvidas pelas
docentes em sala de aula com seus alunos. Análise e intervenção constituem os
objetivos centrais dessas estratégias formativas que, ora propiciam a reflexão dos
professores sobre temáticas desenvolvidas nos encontros presenciais, associando os
conteúdos tratados às questões vivenciadas no cotidiano escolar, ora oferecem aos
docentes procedimentos metodológicos a serem utilizados com os alunos.
As considerações apresentadas pelas professoras revelam que as atividades de
aplicação não se integraram às práticas pedagógicas das salas de aula, mas se efetivaram
como um trabalho extra a ser realizado. Os relatos indicam que tais instrumentos tinham
um fim em si mesmos e não eram utilizados como oportunidades de ensinoaprendizagem junto aos alunos, apenas como uma tarefa a ser cumprida. Os
depoimentos revelam que a relação das cursistas com as atividades de aplicação era
análoga àquela vivenciada pelos estudantes com os exercícios escolares que devem ser
feitos em casa. Uma das professoras inclusive nomeia as atividades à distãncia de “Para
Casa”. Desse modo, constatamos que, mesmo sendo a parte mais propositiva e prática
do material, as atividades de aplicação não se destacaram de forma positiva no
programa de formação porque não foram utilizadas como oportunidades de aprendizado
e reflexão, mas como lições a serem cumpridas e posteriormente avaliadas pela tutora.
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Principais efeitos da proposta formativa para as práticas docentes
Encontramos em alguns depoimentos afirmações pouco específicas que apontam
a contribuição do curso de maneira geral e evidenciam os benefícios da formação
continuada em si mesma. Outros depoimentos apresentam algumas avaliações sobre a
estratégia formativa; todavia, as epxressões utilizadas pelas professoras - “o curso
contribui muito”, “o livro ajuda muito”, “o curso é muito bom”, “alguma coisa a gente
sempre utiliza nas aulas” - para qualificar positivamente a formação recebida não são
seguidas de informações que evidenciam efeitos mais consistentes nas práticas
pedagógicas. Uma significativa fragilidade na indicação de práticas resultantes,
condicionadas ou mediadas por algum conteúdo estudado durante o curso de
Alfabetização e Linguagem é evidente na maioria dos depoimentos. Assim, as
professoras falam do uso de conhecimentos disponíveis no curso, mas não explicitam
como e em que situações isso ocorre.
Constatamos que, em grande parte dos relatos das professoras, afirmativas mais
superficiais e amplas sobre a contribuição do Curso de Alfabetização e Linguagem
foram muito frequentes, contudo, foi possível identificar algumas evidências sobre
efeitos do curso em suas práticas pedagógicas. Os depoimentos revelam formas de
apropriação de conteúdos e de orientações metodológicas do Programa.
Uma primeira apropriação que se destaca é a referente ao trabalho com a leitura
literária. A experiência de serem leitoras e, especialmente, ouvintes de textos literários,
vivenciada pelas cursistas durante os encontros presenciais, foi bastante significativa e
trouxe efeitos imediatos para as práticas de sala de aula. Essa estratégia formativa,
desenvolvida no início de cada encontro presencial, com o objetivo de provocar nos
docentes o gosto pela leitura literária, trouxe resultados mais amplos, uma vez que foi
assumida por algumas professoras em sala de aula a fim de favorecer uma relação de
prazer dos seus alunos com a Literatura.
Duas outras formas de apropriação do material didático do curso de
Alfabetização e Linguagem foram encontradas nos relatos de duas professoras
alfabetizadoras.
A primeira delas indica em seus relatos a utilização das capacidades linguísticas
da alfabetização descritas no Fascículo 1 para avaliar a aprendizagem dos seus alunos. A
professora explica que elabora relatórios que caracterizam o desempenho dos estudantes
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tendo em vista o desenvolvimento dessas capacidades. Ela considera que a
discriminação das habilidades linguísticas possibilita um relato mais sintético sobre os
processos de aprendizagem efetivados e garante um melhor entendimento, por parte dos
leitores, das informações registradas nos relatórios. A professora também identifica tais
capacidades com os descritores utilizados nas avaliações sistêmicas e explica que a
partir do curso passou a entender os boletins enviados a escola com os resultados desse
tipo de avaliação. Constatamos que a avaliação da aprendizagem começa a se realizar
considerando-se a aquisição de capacidades linguísticas pertinentes ao processo de
alfabetização, todavia, a partir dos depoimentos da professora, não é possível afirmar
que os processos de ensino se organizem segundo essa perspectiva. Configura-se dessa
forma, um uso limitado e incoerente das orientações metodológicas presentes no
material de formação do Pró-Letramento, claramente influenciado pelas políticas de
avaliação externa implementadas atualmente no País. Esclarecemos, todavia, que essa
apropriação se efetivou de maneira restrita, pois aconteceu apenas durante o tempo de
realização do Pró-Letramento.
A outra docente informa que utiliza o material do curso como ferramenta de
apoio para o seu trabalho, especialmente no que diz respeito à elaboração de exercícios
para os alunos, tomando do Fascículo de Alfabetização e Linguagem, sugestões de
atividades e textos para utilização em sala de aula e para a elaboração de testes de
avaliação da aprendizagem. No que se refere à elaboração de estratégias avaliativas, esta
professora informa ainda que ao utilizar atividades disponíveis na coleção do PróLetramento ou elaborar questões semelhantes àquelas constantes no Fascículo 2, realiza
simultaneamente com seus alunos um “preparatório para a Provinha Brasil” - avalição
sistêmica realizada pelos alunos no segundo ano do Ensino Fundamental. O material do
curso se transforma assim, em ferramenta didática, destinada a oferecer respostas mais
instrumentais para o cotidiano de trabalho da professora.
Em suma, constatamos que as apropriações efetivadas pelas professoras, de
modo geral, apresentam duas características centrais: Procuram responder a
necessidades imediatas decorrentes da prática e se adequam aos modos de alfabetizar já
constituídos nas escolas, não implementando nesse espaço modificações relevantes de
ordem didático-metodológica.
Quanto ao primeiro aspecto, constatamos, por exemplo, que o conteúdo do
Curso de Alfabetização e Linguagem referente à avaliação da alfabetização serve
principalmente como referência para a construção de estratégias avaliativas semelhantes
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àquelas dos exames externos. O efeito desse conteúdo para as práticas pedagógicas se
efetiva em um contexto específico onde os docentes são chamados a oferecerem
respostas para melhorar o desempenho dos alunos em avaliações que se organizam
segundo uma lógica diferente daquela utilizada por eles em suas práticas pedagógicas.
Aos docentes se apresenta um novo formato de avaliação da alfabetização que
traz implicações imediatas para o seu fazer. Para as professoras desta pesquisa,
apropriar-se dos conteúdos do Curso de Alfabetização e Linguagem significa também
apropriar-se de um certo modo de avaliar, prescrito pelas políticas públicas de avaliação
da aprendizagem escolar. Retirar do material didático do curso questões semelhantes
àquelas das avaliações sistêmicas, ou modificar os modos de registrar o desempenho
dos alunos por meio da discriminação de capacidades linguísticas do Fascículo 1 são
apropriações que acontecem para atender a demandas de uma outra política pública, que
por sua vez contém elementos de regulação do trabalho docente.
Com relação ao segundo ponto, verificamos, por exemplo, que as professoras
utilizam atividades e textos presentes no material de formação, realizam leitura literária
em sala de aula com mais frequência, entretanto, não alteram a organização de suas
práticas pedagógicas a partir do conhecimento e da análise consistente das capacidades
linguísticas que devem ser desenvolvidas durante a alfabetização. Assim, as novas
práticas se entrelaçam às lógicas de ensino e aprendizagem já consolidadas, na cultura
escolar, pois é a coerência pragmática que organiza e define os modos de apropriação
dos professores dos saberes didáticos presentes nos cursos de formação. (CHARTIER,
2007)
Considerações finais
Apresentamos a seguir algumas hipóteses que ajudam a compreender os efeitos
restritos e modestos do Curso de Alfabetização e Linguagem para a prática pedagógica
dos docentes, evidenciados pelos participantes do Pró-Letramento, em Conselheiro
Lafaiete.
Consideramos que as condições de implementação e desenvolvimento do
Programa de Formação no município foram determinantes para os resultados
evidenciados nos relatos das professoras. Certamente o processo de inserção da tutora e
das professoras no projeto formativo; a realização dos encontros presenciais fora do
horário de trabalho, segundo uma programação irregular e extensa; e a própria dinâmica
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de realização das atividades formativas no interior do Curso de Alfabetização e
Linguagem; trouxeram implicações para o processo de aquisição de conhecimento das
professoras cursistas.
Entretanto, deve-se também considerar que as oportunidades de formação, quase
sempre ficam restritas ao tempo dos cursos, seminários e palestras. Ainda não se
constituem, de maneira efetiva, nas escolas, espaços para estudo, reflexão, e debates,
tendo em vista o desenvolvimento profissional dos docentes. Assim, ficam reduzidas as
possibilidades
de
implementação
individual
das
recomendações
e
propostas
apresentadas em um Programa de Formação. Ainda que o Pró-Letramento tenha como
um de seus propósitos contribuir para a construção de uma cultura de formação
continuada nas escolas, verificamos que o formato que o Programa adquire em cada
município nem sempre é capaz de garantir a concretização desse objetivo.
Outro aspecto que merece ser levado em conta na proposição de políticas de
formação continuada é a ausência de mecanismos institucionais de avaliação dos
resultados e do próprio desenvolvimento dos programas, o que impede a promoção de
ajustes necessários à sua melhor execução. Desse modo, segundo Rabelo e Farias
(2010), as políticas educativas acabam tendo o seu êxito identificado apenas pelo
cumprimento do programa e pela efetivação de certo número de docentes certificados.
Para finalizar, lembramos que os modos de apropriação de conhecimentos
evidenciados nos relatos das docentes revelam que as informações e conhecimentos
teóricos disponibilizados ao professor são por ele permanentemente reinterpretados
como saberes para a ação, ou seja, são utilizados e mobilizadas em função de uma
situação prática que precisam atender (TARDIF, 2002; CHARTIER, 2007). No caso das
professoras de Conselheiro Lafaiete, conteúdos do Curso de Alfabetização e Linguagem
se colocaram particularmente a serviço das demandas que chegam à escola em
decorrência da realização das avaliações em larga escala.
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