XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 FORMAÇÃO CONTINUADA E FAZER DOCENTE: REFLEXÕES SOBRE OS EFEITOS DO PRÓ-LETRAMENTO PARA AS PRÁTICAS DE PROFESSORAS QUE ATUAM NA ÁREA DE ALFABETIZAÇÃO E LINGUAGEM Lucimara De São José RESUMO Este artigo tem como objetivo apresentar alguns resultados de uma pesquisa de Mestrado sobre os efeitos do Pró-Letramento, curso de formação continuada, para as práticas de alfabetização dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Trata-se de analisar a proposta do Governo Federal (Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação - SEB/MEC) desenvolvida, desde 2006, em pareceria com Universidades Federais e Estaduais e as redes públicas de ensino do País. Esclarecemos que a concepção de formação continuada do Pró-Letramento apoia-se na ideia de uma “rede de formação”, cujo princípio é o de formar tutores pelas Universidades parceiras do Programa para que, simultaneamente, realizem o mesmo curso nas suas redes de ensino. A investigação foi realizada por meio do levantamento e análise de relatos, obtidos em entrevistas desenvolvidas com dez professoras participantes do Programa e a tutora responsável pela condução da proposta formativa, implementada entre outubro de 2008 e dezembro de 2010, na cidade de Conselheiro Lafaiete, localizada no estado de Minas Gerais. Além das entrevistas, utilizamos outros procedimentos para a coleta de dados, dentre os quais o estudo dos documentos que organizaram e orientaram a execução do Pró-Letramento, tais como Guia Geral do Programa, Fascículos de orientação para os tutores e Coleção didática da área de Linguagem destinada aos cursistas. Foram analisadas as condições de implementação e desenvolvimento da estratégia de formação no município de Conselheiro Lafaiete, tendo em vista uma melhor compreensão de suas implicações para o trabalho docente. Os resultados iniciais acerca dos efeitos do Programa revelam uma restrita e modesta contribuição do mesmo para as práticas das professoras e evidenciam a importância de se considerar as lógicas docentes na apropriação de conteúdos didáticos dos cursos de formação. Palavras-chave: Políticas de formação continuada; Formação continuada do(a) alfabetizador(a); Formação docente Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004240 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 Introdução Neste artigo apresentamos algumas evidências e constatações acerca dos efeitos de um programa de formação continuada na área de Alfabetização e Linguagem na prática de professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O texto se organiza a partir de resultados parciais de uma pesquisa de Mestrado desenvolvida com participantes do Pró-Letramento, em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, após o encerramento das ações formativas. O Pró-Letramento - desenvolvido pelo Governo Federal desde 2006 junto a escolas públicas de todo o País - é composto de dois cursos: um direcionado à Matemática e outro ao campo da Alfabetização e Linguagem (objeto de interesse deste artigo e do estudo do qual ele se originou). O seu principal objetivo é o de oferecer suporte à ação pedagógica dos docentes, contribuindo para elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem nas duas áreas curriculares. Seu projeto de formação continuada está fundamentado na constituição de uma rede que prevê a formação de professores orientadores/tutores que participam dos cursos oferecidos por Universidades e, de forma simultânea, passam a implementá-los junto a outros professores do sistema de ensino. O Programa também se apoia no modelo semipresencial de formação onde se efetivam encontros presenciais entre cursistas e tutores e etapas de estudo à distância. Cabe ressaltar que esse é um dos projetos criados no âmbito da Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica, constituída por diversos Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação de universidades federais, estaduais e comunitárias que devem se articular com os sistemas de ensino público para promover ações ampliadas de formação, contando com a participação e coordenação da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação – SEB/MEC. Metodologia A coleta de dados dessa investigação foi efetuada durante o ano de 2011, particularmente por meio de entrevistas semiestruturadas e abertas, realizadas a partir de um questionário preliminar, com 10 professoras e com a tutora que desenvolveu o curso de Alfabetização e Linguagem. Também nos valemos da análise documental dos materiais oficiais relacionados à implementação do Programa, como Guia Geral do PróLetramento (BRASIL, 2007), os Fascículos destinados a formação de tutores, Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004241 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 produzidos pelo MEC e pelo Ceale - Centro de Alfabetização Leitura e Escrita da UFMG (BRASIL, 2007a; SILVA, C. S. R.; FRADE, 2006) e o Fascículo que contém a coleção didática para os professores (BRASIL, 2008). Uma breve observação em sala de aula de uma das professoras que compunha o grupo de entrevistadas também foi realizada, bem como a análise dos cadernos de Língua Portuguesa e de Para Casa de um de seus alunos. A pesquisa se desenvolveu em duas etapas. Na primeira, mediante relatos das professoras e da tutora, tornou-se possível conhecer melhor o processo de implementação do Pró-Letramento no município de Conselheiro Lafaiete, bem como os limites e as possibilidades de uma proposta formativa que se constituíram durante a sua realização. Apoiados em Santos, E. O. (2010) partimos do pressuposto de que é na organização e na concretização das ações de formação que os princípios, finalidades e especialmente o alcance das políticas e propostas formativas verdadeiramente se revelam e se consolidam. Nessa fase inicial da pesquisa identificamos algumas evidências sobre as contribuições e os efeitos do Pró-Letramento nas práticas docentes, considerando, principalmente, os aspectos que se destacaram nos depoimentos dos sujeitos da pesquisa sobre as condições de participação em cursos de formação continuada promovidos pelas secretarias de educação, seja no âmbito municipal e/ou federal. Em um segundo momento, com a finalidade de aprofundar a análise realizada e investigar, de forma mais específica, a natureza dos efeitos do Programa nas práticas de alfabetização das professoras, elegemos uma temática que aparece de forma significativa nos relatos docentes como aquela que mais contribuiu para a sua aprendizagem, tendo em vista sua participação no curso, pois trouxe mudanças para o trabalho desenvolvido em sala de aula: a avaliação diagnóstica da alfabetização. Para compreendermos melhor esses efeitos no trabalho das escolas, tomamos para investigação a prática de uma das professoras participantes da pesquisa. Nosso interesse foi levantar indícios sobre o processo de apropriação e construção de saberes que os docentes efetivam diante dos conteúdos – como pressupostos teóricos e metodológicos que devem fundamentar as práticas de ensino e aprendizagem das escolas – socializados durante o Pró-Letramento e identificar relações entre as estratégias avaliativas desenvolvidas em sala de aula e o que é apresentado pelo Programa de Formação nos seus materiais didáticos. Quanto à revisão bibliográfica que fundamentou o planejamento e a execução Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004242 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 desse trabalho, orientamo-nos principalmente pelos estudos do campo da formação de professores (FREITAS, 2002; GATTI e BARRETO, 2009; NÓVOA, 1995; ZEICHNER, 2008) e da área dos saberes docentes (CHARTIER, 2007; TARDIF, 2002; SCHON, 2000), os quais evidenciam de forma colaborativa o protagonismo docente nos processos formativos e na construção de sua profissionalidade. Neste artigo apresentaremos algumas considerações sobre os resultados obtidos na primeira etapa da pesquisa. A implementação do Pró-Letramento em Conselheiro Lafaiete No que diz respeito às questões estruturais de implantação e desenvolvimento da proposta, chama a atenção as condições de formação da tutora responsável pela orientação dos grupos de estudo do Curso de Alfabetização e Linguagem. Nesse processo se destacam a ausência de informações sobre o Pró-Letramento no momento de sua adesão ao programa e o cumprimento de reduzida carga horária de formação (apenas 16, dentre as 40 horas previstas), tendo em vista sua inserção durante o desenvolvimento das ações formativas destinadas aos tutores, devido à desistência de outra profissional selecionada para essa atribuição. Uma possível consequência desse fato pode ser encontrada na concepção de tutoria manifestada pela professora durante os seus relatos. A tutora considera não ser necessário dominar os conhecimentos socializados no curso da mesma maneira que os professores que conduziram a sua formação. Entende que o seu lugar não é o de quem domina os conteúdos estudados, mas o de quem orienta o colega a estudá-los. Contudo, para esclarecer possíveis dúvidas dos cursistas, favorecer a interpretação, o questionamento, a crítica e o confronto de experiências e saberes, estimular a exposição de diferentes pontos de vista e, sobretudo, conduzir situações de discussão e reflexão, articulando teoria e prática - atribuições do tutor segundo o fascículo de orientação do Programa – será possível prescindir de uma consistente formação teórica e o domínio dos conhecimentos propostos no curso de formação? Assim, embora não tenhamos a pretensão de evidenciar objetivamente os efeitos de tal concepção para o trabalho da tutora, pode-se ao menos prever uma dificuldade inicial para a concretização da proposta de formação anunciada pelo Programa, ou ainda a configuração de um modelo de formação diferente daquele pretendido. A falta de informações sobre a estrutura e organização do Pró-Letramento Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004243 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 também é evidenciada nos depoimentos das professoras. Segundo tais relatos, não foram disponibilizadas às docentes informações sobre agendas, carga horária e propostas curriculares dos cursos no momento em que deveriam decidir sobre sua participação. Esse tipo de comunicação ocorreu somente no início do curso. Consideramos que esse tipo de socialização não possibilita aos interessados uma decisão autônoma e consciente sobre sua participação, bem como o planejamento de estratégias de organização pessoal que garantam sua permanência ao longo do curso. Desconsiderou-se, dessa maneira, o investimento necessário para que o professor participasse de um programa de formação que, contrariando as recomendações expressas nas diretrizes do Programa, foi realizado fora do horário de trabalho, onde há diversos interesses e necessidades a serem inseridos em uma agenda pessoal. Depoimentos das professoras cursistas revelaram que a realização dos encontros presenciais aos sábados exigiu o sacrifício de outros tempos, especialmente daqueles dedicados à família. Evidenciaram também o cansaço em decorrência dos compromissos de trabalho assumidos durante a semana, aliados à extensa duração do Programa de formação, onde também estavam previstas atividades a serem realizadas à distância (nas salas de aula ou em casa). Durante a implementação do Pró-Letramento, em Conselheiro Lafaiete, foi estabelecido um tipo de gestão individual dos tempos de formação, assumido exclusivamente pelos educadores. A eles foi delegada a atribuição de organizarem e adequarem suas agendas às datas dos encontros. Até mesmo quando se verificou a ocorrência simultânea de encontros de formação e reuniões ou dias letivos, definidos pelo estabelecimento escolar, coube ao professor negociar com a direção da escola a sua participação no evento formativo. Nesse sentido Arroyo (2007) chama a atenção sobre a constituição da formação continuada como direito dos docentes. Segundo ele, inúmeras vezes, a participação em ações formativas se constitui, contraditoriamente, como um dever, diante da ausência de condições favoráveis oferecidas aos professores pelo poder público para aderirem às estratégias formativas. Ainda com relação à execução do Pró-Letramento em Conselheiro Lafaiete, contatamos que as etapas de formação foram implementadas de forma fragmentada, isto é, os encontros presenciais se realizaram com intervalos de tempo irregulares e distanciados, o que propiciou um aumento significativo do tempo dedicado a concretização do Programa. Nesse sentido, é necessário salientar que os cursos de formação continuada oferecidos pelo Pró-Letramento têm duração de 120 horas Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004244 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 distribuídas em momentos presenciais (84 horas) e não presenciais (36 horas). Assim, caso os encontros de formação se realizem, rigorosamente, conforme o previsto, o Programa é concluído em aproximadamente 16 meses. (BRASIL, 2007). No município em questão, a agenda de encontros do Pró-Letramento foi cumprida em dois anos e dois meses - as atividades formativas que se iniciaram em outubro de 2008 só foram concluídas em dezembro de 2010. O conjunto dos relatos obtidos revelou que as frequentes alterações das agendas de formação e as longas pausas entre os encontros presenciais dificultaram a retomada de temas estudados e de discussões sobre as práticas em sala de aula. Consequentemente, esses problemas repercutiram negativamente para a construção de um tratamento mais orgânico dos conteúdos abordados durante os encontros com a tutora. Os depoimentos indiciaram ainda a quebra da unidade interna entre os encontros e da própria sistematicidade do Programa. Entendemos que, desse modo ficou prejudicada a perspectiva de formação continuada do Pró-Letramento, uma vez que os encontros passaram a se constituir como eventos isolados e a formação passou a ser episódica. A dimensão de continuidade amplamente defendida na proposta pedagógica do Programa ficou restrita a duração dos cursos que se estenderam sobremaneira. Um outro resultado desse modelo de formação fragmentado foi a evasão de cursistas, nitidamente percebida na etapa de revezamento. Embora esse fato possa ser explicado pela própria natureza do Programa de Formação, uma vez que contém dois cursos (de Matemática e Alfabetização e Linguagem) que se realizam, um após o outro, sob a forma de revezamento; entendemos que essa ocorrência se intensificou devido às características que o Programa assumiu em Conselheiro Lafaiete. Antes de prosseguirmos com a análise sobre a implementação do Programa e mais particularmente sobre a realização do Curso de Alfabetização e Linguagem, faz-se necessário apresentar, ainda que de forma breve, o material de formação dessa área constituído de sete fascículos que contemplam, respectivamente, as seguintes temáticas: (i) Capacidades linguísticas da alfabetização e letramento; (ii) Alfabetização e letramento: questões sobre avaliação; (iii) A organização do tempo pedagógico e o planejamento de ensino; (iv) Organização e uso da biblioteca escolar e das salas de leitura; (v) O lúdico na sala de aula: projetos e jogos; (vi) O livro didático em sala de aula: algumas reflexões; (vii) Modos de falar/modos de escrever. Integra a coleção um fascículo complementar, o qual apresenta relatos de Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004245 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 professores alfabetizadores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As professoras e a tutora do referido curso evidenciaram em seus relatos que, ao longo dos encontros, cada um desses fascículos foi lido integralmente. Essa ocorrência nos permite inferir que grande parte do tempo disponível para a formação presencial foi destinada a essa tarefa. Os depoimentos caracterizaram um tipo de leitura linear e pouco instigante, marcada pelo cansaço e desinteresse das cursistas, ainda que mediada por discussões e troca de experiências entre as professoras. Não foi possível identificar por meio dos relatos uma significativa interação entre teoria e prática efetivada durante esses momentos. Ao contrário, as docentes apontaram certa superficialidade nas discussões e a falta de entendimento sobre questões trabalhadas, especialmente referentes ao Fascículo 1, que é a parte mais conceitual e teórica da Coleção de Alfabetização e Linguagem. Ressalta-se também, entre os fatores que influenciaram a apropriação das professoras dos conhecimentos mobilizados durante o curso, a dimensão assumida pelas denominadas atividades de aplicação – expressão usada no Guia de Formação do Ceale (SILVA; FRADE, 2006) para identificar atividades a serem desenvolvidas pelas docentes em sala de aula com seus alunos. Análise e intervenção constituem os objetivos centrais dessas estratégias formativas que, ora propiciam a reflexão dos professores sobre temáticas desenvolvidas nos encontros presenciais, associando os conteúdos tratados às questões vivenciadas no cotidiano escolar, ora oferecem aos docentes procedimentos metodológicos a serem utilizados com os alunos. As considerações apresentadas pelas professoras revelam que as atividades de aplicação não se integraram às práticas pedagógicas das salas de aula, mas se efetivaram como um trabalho extra a ser realizado. Os relatos indicam que tais instrumentos tinham um fim em si mesmos e não eram utilizados como oportunidades de ensinoaprendizagem junto aos alunos, apenas como uma tarefa a ser cumprida. Os depoimentos revelam que a relação das cursistas com as atividades de aplicação era análoga àquela vivenciada pelos estudantes com os exercícios escolares que devem ser feitos em casa. Uma das professoras inclusive nomeia as atividades à distãncia de “Para Casa”. Desse modo, constatamos que, mesmo sendo a parte mais propositiva e prática do material, as atividades de aplicação não se destacaram de forma positiva no programa de formação porque não foram utilizadas como oportunidades de aprendizado e reflexão, mas como lições a serem cumpridas e posteriormente avaliadas pela tutora. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004246 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 Principais efeitos da proposta formativa para as práticas docentes Encontramos em alguns depoimentos afirmações pouco específicas que apontam a contribuição do curso de maneira geral e evidenciam os benefícios da formação continuada em si mesma. Outros depoimentos apresentam algumas avaliações sobre a estratégia formativa; todavia, as epxressões utilizadas pelas professoras - “o curso contribui muito”, “o livro ajuda muito”, “o curso é muito bom”, “alguma coisa a gente sempre utiliza nas aulas” - para qualificar positivamente a formação recebida não são seguidas de informações que evidenciam efeitos mais consistentes nas práticas pedagógicas. Uma significativa fragilidade na indicação de práticas resultantes, condicionadas ou mediadas por algum conteúdo estudado durante o curso de Alfabetização e Linguagem é evidente na maioria dos depoimentos. Assim, as professoras falam do uso de conhecimentos disponíveis no curso, mas não explicitam como e em que situações isso ocorre. Constatamos que, em grande parte dos relatos das professoras, afirmativas mais superficiais e amplas sobre a contribuição do Curso de Alfabetização e Linguagem foram muito frequentes, contudo, foi possível identificar algumas evidências sobre efeitos do curso em suas práticas pedagógicas. Os depoimentos revelam formas de apropriação de conteúdos e de orientações metodológicas do Programa. Uma primeira apropriação que se destaca é a referente ao trabalho com a leitura literária. A experiência de serem leitoras e, especialmente, ouvintes de textos literários, vivenciada pelas cursistas durante os encontros presenciais, foi bastante significativa e trouxe efeitos imediatos para as práticas de sala de aula. Essa estratégia formativa, desenvolvida no início de cada encontro presencial, com o objetivo de provocar nos docentes o gosto pela leitura literária, trouxe resultados mais amplos, uma vez que foi assumida por algumas professoras em sala de aula a fim de favorecer uma relação de prazer dos seus alunos com a Literatura. Duas outras formas de apropriação do material didático do curso de Alfabetização e Linguagem foram encontradas nos relatos de duas professoras alfabetizadoras. A primeira delas indica em seus relatos a utilização das capacidades linguísticas da alfabetização descritas no Fascículo 1 para avaliar a aprendizagem dos seus alunos. A professora explica que elabora relatórios que caracterizam o desempenho dos estudantes Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004247 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 tendo em vista o desenvolvimento dessas capacidades. Ela considera que a discriminação das habilidades linguísticas possibilita um relato mais sintético sobre os processos de aprendizagem efetivados e garante um melhor entendimento, por parte dos leitores, das informações registradas nos relatórios. A professora também identifica tais capacidades com os descritores utilizados nas avaliações sistêmicas e explica que a partir do curso passou a entender os boletins enviados a escola com os resultados desse tipo de avaliação. Constatamos que a avaliação da aprendizagem começa a se realizar considerando-se a aquisição de capacidades linguísticas pertinentes ao processo de alfabetização, todavia, a partir dos depoimentos da professora, não é possível afirmar que os processos de ensino se organizem segundo essa perspectiva. Configura-se dessa forma, um uso limitado e incoerente das orientações metodológicas presentes no material de formação do Pró-Letramento, claramente influenciado pelas políticas de avaliação externa implementadas atualmente no País. Esclarecemos, todavia, que essa apropriação se efetivou de maneira restrita, pois aconteceu apenas durante o tempo de realização do Pró-Letramento. A outra docente informa que utiliza o material do curso como ferramenta de apoio para o seu trabalho, especialmente no que diz respeito à elaboração de exercícios para os alunos, tomando do Fascículo de Alfabetização e Linguagem, sugestões de atividades e textos para utilização em sala de aula e para a elaboração de testes de avaliação da aprendizagem. No que se refere à elaboração de estratégias avaliativas, esta professora informa ainda que ao utilizar atividades disponíveis na coleção do PróLetramento ou elaborar questões semelhantes àquelas constantes no Fascículo 2, realiza simultaneamente com seus alunos um “preparatório para a Provinha Brasil” - avalição sistêmica realizada pelos alunos no segundo ano do Ensino Fundamental. O material do curso se transforma assim, em ferramenta didática, destinada a oferecer respostas mais instrumentais para o cotidiano de trabalho da professora. Em suma, constatamos que as apropriações efetivadas pelas professoras, de modo geral, apresentam duas características centrais: Procuram responder a necessidades imediatas decorrentes da prática e se adequam aos modos de alfabetizar já constituídos nas escolas, não implementando nesse espaço modificações relevantes de ordem didático-metodológica. Quanto ao primeiro aspecto, constatamos, por exemplo, que o conteúdo do Curso de Alfabetização e Linguagem referente à avaliação da alfabetização serve principalmente como referência para a construção de estratégias avaliativas semelhantes Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004248 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 àquelas dos exames externos. O efeito desse conteúdo para as práticas pedagógicas se efetiva em um contexto específico onde os docentes são chamados a oferecerem respostas para melhorar o desempenho dos alunos em avaliações que se organizam segundo uma lógica diferente daquela utilizada por eles em suas práticas pedagógicas. Aos docentes se apresenta um novo formato de avaliação da alfabetização que traz implicações imediatas para o seu fazer. Para as professoras desta pesquisa, apropriar-se dos conteúdos do Curso de Alfabetização e Linguagem significa também apropriar-se de um certo modo de avaliar, prescrito pelas políticas públicas de avaliação da aprendizagem escolar. Retirar do material didático do curso questões semelhantes àquelas das avaliações sistêmicas, ou modificar os modos de registrar o desempenho dos alunos por meio da discriminação de capacidades linguísticas do Fascículo 1 são apropriações que acontecem para atender a demandas de uma outra política pública, que por sua vez contém elementos de regulação do trabalho docente. Com relação ao segundo ponto, verificamos, por exemplo, que as professoras utilizam atividades e textos presentes no material de formação, realizam leitura literária em sala de aula com mais frequência, entretanto, não alteram a organização de suas práticas pedagógicas a partir do conhecimento e da análise consistente das capacidades linguísticas que devem ser desenvolvidas durante a alfabetização. Assim, as novas práticas se entrelaçam às lógicas de ensino e aprendizagem já consolidadas, na cultura escolar, pois é a coerência pragmática que organiza e define os modos de apropriação dos professores dos saberes didáticos presentes nos cursos de formação. (CHARTIER, 2007) Considerações finais Apresentamos a seguir algumas hipóteses que ajudam a compreender os efeitos restritos e modestos do Curso de Alfabetização e Linguagem para a prática pedagógica dos docentes, evidenciados pelos participantes do Pró-Letramento, em Conselheiro Lafaiete. Consideramos que as condições de implementação e desenvolvimento do Programa de Formação no município foram determinantes para os resultados evidenciados nos relatos das professoras. Certamente o processo de inserção da tutora e das professoras no projeto formativo; a realização dos encontros presenciais fora do horário de trabalho, segundo uma programação irregular e extensa; e a própria dinâmica Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004249 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 de realização das atividades formativas no interior do Curso de Alfabetização e Linguagem; trouxeram implicações para o processo de aquisição de conhecimento das professoras cursistas. Entretanto, deve-se também considerar que as oportunidades de formação, quase sempre ficam restritas ao tempo dos cursos, seminários e palestras. Ainda não se constituem, de maneira efetiva, nas escolas, espaços para estudo, reflexão, e debates, tendo em vista o desenvolvimento profissional dos docentes. Assim, ficam reduzidas as possibilidades de implementação individual das recomendações e propostas apresentadas em um Programa de Formação. Ainda que o Pró-Letramento tenha como um de seus propósitos contribuir para a construção de uma cultura de formação continuada nas escolas, verificamos que o formato que o Programa adquire em cada município nem sempre é capaz de garantir a concretização desse objetivo. Outro aspecto que merece ser levado em conta na proposição de políticas de formação continuada é a ausência de mecanismos institucionais de avaliação dos resultados e do próprio desenvolvimento dos programas, o que impede a promoção de ajustes necessários à sua melhor execução. Desse modo, segundo Rabelo e Farias (2010), as políticas educativas acabam tendo o seu êxito identificado apenas pelo cumprimento do programa e pela efetivação de certo número de docentes certificados. Para finalizar, lembramos que os modos de apropriação de conhecimentos evidenciados nos relatos das docentes revelam que as informações e conhecimentos teóricos disponibilizados ao professor são por ele permanentemente reinterpretados como saberes para a ação, ou seja, são utilizados e mobilizadas em função de uma situação prática que precisam atender (TARDIF, 2002; CHARTIER, 2007). No caso das professoras de Conselheiro Lafaiete, conteúdos do Curso de Alfabetização e Linguagem se colocaram particularmente a serviço das demandas que chegam à escola em decorrência da realização das avaliações em larga escala. Referência Bibliográficas ARROYO, Miguel Gonzáles. Condição docente, trabalho e formação. In: SOUZA, João Valdir Alves de. (Org.) 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