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O Iluminado
Há 3.000 anos começaram a se formar as principais filosofias e religiões que organizaram as
visões de mundo do homem contemporâneo. Alguns filósofos, como o alemão Karl Jaspers, dão a
essa época o nome da Era Axial. Axial diz respeito a eixo. Foi, portanto, quando o homem começou
a buscar o seu eixo. Ou, segundo Jaspers, quando passamos a prestar atenção em nós mesmos. A
Era Axial estende-se entre os séculos VIII e II a.C. "Nessa época, as pessoas discutiam sobre
espiritualidade com o mesmo entusiasmo com que hoje se discute futebol", diz a escritora inglesa
Karen Armstrong, uma das mais respeitadas estudiosas da religião, autora de best-sellers como
Maomé e Buda. Os historiadores ainda não sabem o que causou esse despertar para a religião e
para a filosofia, nem porque ele se concentrou na China, Mediterrâneo Oriental, na Índia e no Irã.
Acredita-se que com as sociedades agrícolas, mais estáveis, o homem ganhou tempo extra para
dedicar-se à contemplação. O certo é que todos os sábios desse período parecem seguir um
caminho comum quando conclamam seus contemporâneos a radicais mudanças em suas vidas. Do
século VIII ao VI a.C. os profetas de Israel reformaram o antigo paganismo hebreu. Na china dos
séculos VI e V a.C., Confúcio e Lao-Tsé chacoalhavam as velhas tradições religiosas. Na pérsia, o
monoteísmo desenvolvido por Zoastro expandiu-se e influenciou outras religiões. No século V a.C.,
Sócrates e Platão encorajavam os gregos a questionar até mesmo as verdades que pareciam mais
evidentes. Tudo acontecendo mais ou menos junto. E é bem no meio dessa era, no século VI a.C.,
que surge o criador do Budismo, uma das mais influentes religiões do mundo, hoje com quase 400
milhões de adeptos.
No caldo da primeva Era Axial, a Índia também passou por grandes transformações. Sua cultura
foi dominada pelos arianos, antigos povos nômades que teriam migrado da Ásia Central 4.000 anos
antes. A sociedade ariana dividia-se em castas: brahmins, os sacerdotes; ksatriyas, os guerreiros e
governantes; vaisyas, os camponeses e criadores de gado; e sudras, os escravos ou marginais. O
que determina a inclusão em uma dessas classes é a hereditariedade - ou seja, somente aquele
que nasceu da mãe da casta bramânica podia realizar rituais e curas. Para os brâmanes, a essência
do universo está em Brahman, deus primordial que se expressa em uma infinidade de outras
deidades.
Sua rígida espiritualidade é expressa nas escrituras sagradas conhecidas como Vedas. Na Índia
dessa época, os sacerdotes tinham uma espécie de reserva de mercado. E, assim como acontecia
em outras regiões, surgiu a revolta contra esses sacerdotes e seus rituais - que incluíam sangrentos
sacrifícios de animais. Mas novos movimentos reinterpretavam as antigas tradições, procurando
afastar-se desses rituais e buscar outro tipo de sacrifício, mais interno, de renúncia às coisas do
mundo - aquela atenção a si mesmo descrita por Jaspers. É nessa índia em ebulição espiritual que
surge Sidarta Gautama, o Bula. Ele :nasceu em 563 a.C.. em Lumbini, aos pés do Himalaia, em
uma região que hoje pertence ao Nepal. Era um aristocrata, da casta ksatrya, a dos guerreiros e
governantes. Seu pai, Shudodhana, era o rei do clã dos sakyas. Vem daí o outro nome pelo qual
Sidarta se tomaria conhecido: Sakvamuni, ou "o sábio silencioso dos sakyas". O pai de Sidarta,
temendo que se cumprisse uma profecia segundo a qual ele se tornaria um homem santo, cercou-o
de luxos e prazeres, acreditando que se o mantivesse ignorante sobre o sofrimento do mundo, iria
afastá-lo do caminho espiritual. Sídana tinha um palácio para o inverno, no, outro para o verão e
um terceiro para a época das chuvas. Na adolescência, vivia cercado por belas moças, ocupadas
em diverti-lo em seus aposentos decorados com sugestiva arte erótica. Aos 16 anos, escolheu-se
urna noiva para ele, a bela Yashodhara, com quem teria um filho, Rahula.
Pouca coisa mudaria na sua vida até os 29 anos. Apesar de todo o luxo, Sidarta sentia-se infeliz.
Certo dia, contra a vontade do pai, saiu para passear fora do palácio e se surpreendeu com quatro
cenas que o tirariam para sempre daquela vida de prazeres. Primeiro, viu um velho arqueado, de
pele enrugada, movendo-se com dificuldade. Depois, avistou um doente que sofria dores terríveis.
Mais tarde, cruzou seu caminho um cortejo fúnebre. Um morto era carregado por amigos e
parentes que choravam sua perda. Foi um choque e tanto para alguém que sempre vivera
protegido, sem se dar conta de que tudo que nasce também se degenera, envelhece e morre. "A
imagem que temos de Sidarta Gautama -pelas antigas escrituras é a de um jovem às voltas com
problemas existenciais, angustia do por questões ligadas ao mistério da vida", diz o monge
brasileiro Nissin Cohen, que traduziu para o português o Dhammapada, uma das mais importantes
escrituras budistas.
A quarta visão do passeio de Sidarta foi um mendigo errante, esmolando por comida. Apesar da
sua pobreza, tinha porte ereto, feições radiantes e expressão de profunda serenidade. Sidarta
determinou-se a também abraçar uma vida santa e a buscar uma resposta para o sofrimento que
viu no mundo. Uma decisao como essa nao era tao incomum na Índia daquela época. Acreditava-se
que somente quando se abandona a vida doméstica e os laços afetivos para tornar-se um eremita
ou andarilho é que se conseguem as respostas para a busca espiritual. Essa busca tinha um
objetivo específico. A maioria da população indiana acreditava em alguma forma de renascimento
ou transmigração, em um ciclo interminável que começa no nascimento, passa para a velhice, a
morte e recomeça em novo nascimento. O ideal que todos desejavam era algo capaz de pôr fim a
esse ciclo, que pudesse libertar o espírito desse movimento circular.
Sidarta abandonou o palácio enquanto todos dormiam. Saiu de fininho, sem ao menos se
despedir da mulher e do seu pequeno filho. O príncipe logo aprendeu a dormir no chão e a esmolar
por comida. Além da mendicância, a vida de filósofo-andarilho (ou sramana) incluía práticas de
meditação. Na sua busca, ele se aproximou de dois famosos mestres e rapidamente chegou aos
últimos estágios de absorção contemplativa propostos por eles. Mas ainda não atingira a suprema
realização que busca ação. Dedicou-se então à automortificação. As práticas ascéticas são comuns
às formas primitivas da maior parte das religiões, inclusive no Judaísmo, Cristianismo e islamísmo.
O que está por trás da autoflagelação é a idéia de que um rígido controle dos sentidos desenvolve
a autodisciplina e transfere o máximo de energia corporal para a atividade mental.
Durante seis anos, Sidarta experimentou privações e dores. Mudou radicalmente a alimentação,
ampliando o período entre as refeições. De -ma por dia, passou a uma a cada dois dias, três,
quatro, até alimentar-se somente a cada 15 dias. Depois, diminuiu a quantidade até chegar à ração
diária de um único grão de arroz. Simultaneamente, fazia experiências psicológicas, analisando em
si mesmo certas emoções que, acreditava, só poderia eliminar completamente se as observasse em
profundidade. Para analisar o medo e meditar sobre a impermanência, passava noites deitado entre
cadáveres e esqueletos num cemitério. Ainda assim, não alcançara sua realização final. O próprio
Sidarta descreve os efeitos dos jejuns: "Quando eu pensava estar tocando a pele do meu
abdomem, era a minha coluna que eu segurava". Abandonou essas práticas quando já era quase
só pele e ossos. Sua experiência provou que a auto flagelação embota a mente em vez de
favorecê-la. Ele intuiu, então, que o caminho para a libertação não estava nos excessos de
ascetismo, nem nos da sensualidade, mas ponto de equilíbrio entre eles. Vem daí a expressão
"caminho do meio'", um dos pilares do Budismo.
Sidarta voltou a comer. Segundo conta-se, uma porção de arroz e leite oferecida por uma jovem
que o encontrou Quase morto à beira de um rio. Dias depois, recuperado, preparou um assento de
capim sob uma figueira - que ficaria conhecida como a árvore bodhi, ou árvore da iluminação - na
região de Bodhgaya, no norte da índia. Decidiu então que ou atingiria a iluminação ali ou morreria.
Mesmo para um alto praticante como ele, surgiram obstáculos. Alguns relatos os descrevem na
forma de tentações e demônios, como Mara, deus indiano da morte. São imagens que simbolizam
os obscuros medos reprimidos, fragmentos de memória, dúvidas, fantasias e outros conteúdos
mentais tão persistentes e familiares a quem já tenha tentado alguma prática meditativa. Sidarta
transpôs esses obstáculos e, serenamente, dominou todos os estágios de meditação. Como fez
isso? As escrituras dizem apenas que ele permaneceu imóvel diante das investidas de Mara. Mas há
uma pista nas técnicas para lidar com esses conteúdos mentais. Uma delas é a meditarão de ponto
único. Nela, a observação concentra-se e n um objeto específico (a respiração, por exemplo),
controlando ou suspendendo temporariamente o fluxo dispersivo de pensamentos.
Assim, Sidarta tornou-se um Buda numa noite de lua cheia no mês de maio, quando tinha 35
anos. Buda não é um nome próprio, mas urna palavra em sânscrito que significa "o Desperto" ou
"o Iluminado". Esse título passou a definir a condição de Sidarta Gautama e ficou ligado ao seu
nome, da mesma maneira como o título de Cristo ("Salvador') associou-se ao nome de Jesus.
O detalhamento dessa experiência sob a figueira tomou-se o corpo dos seus ensinamentos, cuja
essência é não fazer o mal, praticar o bem e purificar a mente. Buda ampliou o conhecimento sobre
a mente humana e acreditava ter descoberto uma verdade profunda que lhe permitiu viver grande
transformação interior e conquistar a imunidade ao sofrimento. Depois da sua iluminação, passou
45 anos ensinando outras pessoas a fazer o mesmo e organizou comunidades de monges só
homens. No início, o próprio Buda não era favorável à admissão de mulheres em sua ordem.
Parece que sua preocupação era com a dispersão que a presença delas pudesse representar em
uma comunidade que tinha como um de seus pilares o total controle dos desejos. Mas acabou
mudando de idéia.
A grande novidade trazida por Buda em sua época foi a idéia de que a vida espiritual, como
capacidade de conhecer a si mesmo, não tem nada a ver com as restrições de casta impostas pelos
brâmanes. Foi um salto e tanto para a estrutura social da índia, que aceitou prontamente essa'
religião tolerante. Buda diz que todos os seres humanos têm vislumbres de iluminação. Isso
acontece nos momentos em que aquele insistente e auto-referente "eu" não interfere, quando a
mente não se prende ao passado, não sonha com o futuro e se envolve apenas com o momento
presente. Esses vividos momentos de ligação com o aqui e agora contrastam cone a mente
habitual. Eles surgem corno relances fugidios, mas podem também ser voluntariamente induzidos
pelo processo meditativo. Aí está o fim do sofrimento, a iluminação, o nirvana.
A essência dos ensinamentos budistas está nas práticas meditativas, que se fundam em tradições
anteriores ao próprio Buda. Na meditação busca-se cessar a atividade mental ininterrupta, na qual
pensamentos e fantasias bloqueiam a experiência direta e intuitiva. Na maior parte do tempo
alimentamos pensamentos que podem nos deixar ansiosos, frustrados, cone mágoa, raiva,
ressentimento ou medo. Tragada por esse vórtice de sensações, nossa atenção perde o foco. É por
isso que, muitas vezes, comemos sem sentir o sabor do alimento, olhamos uma pessoa sem vê-Ia
de fato. Por quase meio século, Buda viveu cercado de multidões quais receitava antídotos para
essa dispersão, como a chamada "atenção plena", prática que consiste em dispensar o máximo...
de atenção a tudo o que se faz - e que está na base de várias técnicas meditativas.
Buda morreu por volta de 483 a.C., depois de um acesso de disenteria que teria sido causado
pela ingestão de carne de porco. Há algo menos divino - ou tão demasiadamente humano do que
morrer de dor de barriga? Sua doutrina foi transmitida através de numerosas linhagens de mestres
que se espalharam por vários países. Quando morreu, seus ensinamentos estavam bem
estabelecidos na região central da índia. Havia muitos seguidores leigos, tuas o coração da
comunidade eram os monges mendicantes, os bhiksus. Sua doutrina se espalhou por uma poderosa
rede de mosteiros e tomou diversas formas, adaptando-se a diferentes situações históricas e
culturais. Essa característica flexível do Budismo seria determinante para sua difusão. Por ser ele
mesmo mutável e impermanente, o Budismo tem um mecanismo interno que barra o
fundamentalismo – risco presente em outras religiões, cuja história está manchada de sangue.
“Não deveis aceitar nada por ouvir falar, tampouco porque está nas escrituras”, disse Buda em um
discurso. Como sua ênfase é a compaixão, o Budismo não define a si mesmo como solução melhor
que qualquer outra. O Budismo primitivo, a rigor, nem era uma religião, mas um conjunto de
práticas morais e mentais, no que diz respeito à meditação, essas práticas podem ser vistas como
simples técnicas, que não implicam em compromisso com nenhum tipo de religiosidade.
Como resultado da sua expansão, certa de 300 anos depois da morte de Buda, o Budismo já se
dividia em 18 escolas. Seus ensinamentos, mantidos por transmissão oral, agora estavam escritos.
Vários concílios foram organizados para dar homogeneidade às escrituras das diversas escolas. Um
deles, chamado cânone Páli, o registro mais antigo dos ensinamentos budistas. Pouco depois, o
Budismo dividiu-se em duas tradições, cada uma delas afirmando-se como possuidora do
verdadeiro sentido da palavra Buda. A tradição Theravada, ou “à maneira dos antigos”, que se
baseava exclusivamente nos textos escritos na língua páli, espalhou-se pelo sudeste da Ásia. Para o
praticante Theravada, Buda não era um deus, mas sim um grande sábio. O objetivo do caminho
Theravada é a iluminação individual.
A outra tradição é a Mahayana (Literalmente “Grande Veículo”), que se instalou sobretudo na
China, Coréia e Japão. A base de seus ensinamentos também está na prática da meditação. No
Budismo Mahayana, porém, Buda já não é apenas um sábio, mas uma divindade reverenciada.
Assim como os chamados bodhisatvas, seres considerados iluminados, que adiam sua entrada no
nirvana para poder ajudar na iluminação de outros. Foi no âmbito das escolas Mahayana que mais
se desenvolveram os aspectos sobrenaturais e imaginários do Budismo. Sidarta, ou Buda
Sakiyamuni, jamais se apresentou como um enviado, salvador ou reencarnação de quem quer que
fosse. Nos seus discursos não há referência sequer ao fato de que existe reencarnação. Ele não
disse palavra a favor ou contra a idéia de Deus.
O conceito de Buda já não se restringia a Sidarta, o Buda Sakyamuni. Passou a definir um
princípio fundamental de iluminação espiritual. Sakyamuni já não era mais “o” Buda, mas sim “um”
Buda. As tradições orientais sustentam que houve muitas budas no passado e que ainda haverá
muitos outros no futuro. Ampliando o conceito de que há tantos budas quanto grãos de areia, esse
Budismo pop expandiu-se amigavelmente pelo Oriente, incorporando uma infinidade de arquétipos
ou divindades locais. (Ao contrário das religiões abraâmicas, que demonizaram os deuses das
culturas dominadas) Isso explica por que existem tantas imagens diferentes do Iluminado.
Quando ele é representado como um asceta esquelético, refere-se ao Sidarta da fase pré-buda.
Quando mostrado como um meditador sereno, é o Buda Sakyamuni. Se a figura for a de um sujeito
gorducho e sorridente, quase sempre trata-se de uma divindade local, geralmente símbolo de
prosperidade, na China e no Japão. O mesmo ocorre com os dhianybudas, ou budas da meditação,
aos quais se atribuem significados ocultos. Ou com as 21 belas figuras da jovem Tara –
representação do aspecto feminino e compassivo de Buda, cultuada na tradição tibetana. Também
vem do Tibete as famosas imagens de budas em abraços sexuais com suas consortes, um símbolo
da unidade entre iluminação e sabedoria.
Apesar do grande florescimento que teve em sua terra natal, o Budismo foi varrido da Índia em
decorrência das invasões dos hunos nos séculos XII e XIII. A corrente que mais se expandiu foi a
Mahayana, por ser menos ortodoxa que a Theravada. O maior desenvolvimento do Budismo
aconteceu na China, onde chegou no século I d.C., e, depois, na Coréia e no Japão. Seu encontro
com as tradições chinesas deu origem à escola de meditação Ch`na e, mais tarde, no Japão, ao
Zen Budismo. “Zen” é uma palavra japonesa derivada do chinês ch`na, que vem do sânscrito
dhyana – técnica que, segundo a psicóloga do yoga, conduz a um elevado estado de consciência
em que o homem une-se com o universo. Os chineses preferiram encontrar essa união no trabalho
cotidiano, em vez de na meditação solitária numa floresta, como o próprio Sidarta.
O Zen é um dos mais importantes herdeiros da vertente Mahayana – só equiparado pela corrente
Vajrayana, que se desenvolveu no Tibete. Chamado de “Caminho do Diamante”, o Vajrayana tem
suas origens encravadas em textos budistas do século II, registrados nos chamados tantras,
escrituras esotéricas sobre a transformação da mente através de meditações, visualizações e ritos.
Essa linha surgiu no norte da Índia há cerca de 2.000 anos e hoje é seguida pela tradição tibetana.
O Budismo só penetraria no Ocidente a partir do século XIX, com o estudo das culturas da Índia
e a publicação de O mundo como Vontade e Idéia. Nesse livro, o alemão Arthur Schopenhauer
(1788-1860), que influenciaria muitos outros filósofos, como Friederich Nietzsche, mergulha nos
ensinamentos budistas. O Budismo também chegou à Europa e à América junto com os imigrantes
chineses e, depois, japoneses. Mas foi somente com a chegada de mestres Zen, nos anos 30 do
século XX, que algumas das principais idéias budistas começariam a ter maior difusão ocidental.
Para a mentalidade judaico-cristã, que tem sua solução religiosa na pessoa externa de um pai
divino, um grande motivo de estranhamento – e de fascínio – causado pelo Budismo talvez seja a
idéia de um caminho espiritual que depende, em última instância, apenas do esforço de cada
pessoa. O Budismo sustenta que o mundo é uma projeção da mente e que, portanto, o homem não
poderá encontrar no exterior aquilo que não possua dentro de si mesmo.
Nos anos 40 e 50, os livros sobre Zen escritos pelo inglês Alan W. Watts (1915-1973)
influenciaram os escritores da geração beat, como Jack Kerouac e Allen Ginsberg, gurus dos
movimentos que iriam chacoalhar os anos 60, como a contracultura e os hippies. Com a invasão do
Tibete pela China, em 1959, e a guerra do Vietnã, nos anos 60, mestres budistas desses países
migraram para o Ocidente, onde abriram vários centros de meditação. Estava traçado o caminho
que levaria o Budismo para a Califórnia e os estúdios de Hollywood, atraindo adeptos de classe
média alta, além de muitos artistas e terapeutas. Diferentemente do que aconteceu na primeira
metade do século XX, quando Zen era sinônimo de Budismo no Ocidente, nas últimas décadas o
ramo que mais se difundiu foi o Budismo tântrico do Tibete. Algo que ajudou muito nessa
divulgação foi a figura sorridente do Dalai Lama, líder do Tibete no exílio, que já era famoso bem
antes de ganhar o premio Nobel da paz em 1989, de dançar no palco com a banda de punk-rap
Beastie Boys em shows pela libertação no Tibete, ou de percorrer o mundo falando de
espiritualidade. Inclusive no Brasil, onde um dos organizadores de suas visitas é o gaúcho Alfredo
Aveline, ou Lama Padma Santem (Lama é a palavra em tibetano para “mestre espiritual” ).
Aveline dá uma pista de como essa linha espiritual pode ajudar o homem do século XXI, ao falar
da importância do desapego como uma forma de evitar o sofrimento: “A impermanência paira
sobre sua cabeça nas relações, no emprego, na sua saúde, no seu endereço, no seu celular, na sua
aparência, nas suas aptidões , no afeto. Essa é a vida a que todos estão submetidos. No Budismo,
o objetivo é ultrapassar essas limitações. Não estamos dizendo que buscamos distância dessa
experiência limitada, mas nosso objetivo é libertarmo-nos dos processos sutis que a criam para
ajudar os outros seres a fazer o mesmo e superar as frustrações inevitáveis do processo”.
Dizem que Buda previu que sua ordem duraria muito mesno se tivesse a participação de
mulheres. Se realmente fez isso,, talvez esteja ai um raro equívoco cometido pelo Iluminado. Hoje
o que se vê é uma presença cada vez maior de mulheres na pregação da sua doutrina. Às vezes,
numa mesma semana na capital paulista, quatro mulheres budistas de diferentes escolas e
linhagens costumam atrair grande público para suas palestras: a inglesa Lama Caroline, da escola
Tibetana Gelupa; a americana Lama Tsering, da escola tibetana Ningma; a monja chinesa chueh
chen, da escola Ch`na; e a brasileira monja Coen, formada nas tradições japonesas do soto Zen.
Quem quiser entender por que o Budismo exerce tanta atração no Ocidente precisa ver como elas
conquistam sua audiência, geralmente de jovens, em torno da idéia da compaixão. “Houve uma
geração que quebrou todos os seus valores e hoje mergulha na busca espiritual”, diz a monja
Cláudia Coen, que todos os dias orienta grupos de meditação em São Paulo. “Como as técnicas
funcionam independentemente da religião de quem as pratica, tem despertado o interesse também
de judeus, cristãos e muçulmanos.”
Mas, afinal, o que fez o Budismo ser tão bem-aceito no Ocidente? Numa palavra, poder-se-ia
dizer que é seu caráter de auto-ajuda, conceito que, nesse caso, nada tem a ver com manuais de
comportamento, mas sim com a certeza de que todas as respostas para os problemas do homem
estão dentro dele mesmo.
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