COMENTÁRIO
BIBLIOGRÁFICO
Human Geography - an essential
anthology
Organizado por
John Agnew, David Livingstone e Alisdair Rogers.
Oxford e Cambridge, Blackwell Publishers,
1996, 696 pp.
A partir da segunda metade do
século XIX a história do pensamento geográfico passa a apresentar
crescente complexidade, que reflete as diversas concepções que os
geógrafos têm do mundo, isto é, da
vida econômica, social, política e cultural em sua complexa e mutável
espacialidade diferenciada. No âmbito das diversas versões do positivismo do século XIX, do historicismo.
do positivismo lógico. do materialismo histórico e dialético e das denominadas filosofias do significado, alguns conceitos-chave foram estabelecidos segundo diversas acepções,
assim como numerosos temas foram
abordados pelos geógrafos. O debate interno, de maior ou menor intensidade e vigor, marcou rupturas em
que uma dada concepção era estabelecida entre os geógrafos sem,
contudo, eclipsar definitivamente as
outras.
A rica trajetória geográfica foi
descrita e interpretada por autores
como HARTSHORNE (1939), com o
seu clássico
"The Nature
of
Geoqraphy", JAMES (1972), CLA-
VAL (1974), CAPEL (1981). L1VINGSTONE (1992) e GOMES (1996),
que escreveram compêndios sobre
o assunto, ou como MENDOZA et alii
(1982), que organizaram coletânea
de artigos de autores clássicos e
modernos.
A literatura sobre a história do
pensamento geográfico é enriquecida com a antologia organizada por
Agnew, Livingstone e Rogers. Trata-se de obra fundamental que, com
41 artigos ou trechos de obras, resgata textos clássicos que são, ao
longo de suas cinco partes, acompanhados por textos de geógrafos
modernos.
A coletânea apresenta, ao final, um quadro organizado
por
Rogers com a cronolog ia (18591995) dos principais eventos envolvendo eminentes geógrafos, da criação de periódicos e entidades geográficas e das publicações importantes dos geógrafos, os quais estão
associados cronologicamente
aos
principais eventos históricos.
Cada parte é precedida por
uma introdução que contém uma
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Revista TERRITÓRIO,
breve visão panorâmica de seu conteúdo. Cada um dos textos, por sua
vez, é também precedido por um breve comentário sobre o texto e seu
autor, inserindo-os no contexto histórico-geográfico em que o texto foi
produzido.
A primeira parte de Human
Geography procura recontar a história da geografia. Aí estão os clássicos textos de John K. Wright "A Plea
for the History of Geography", de
1926, o manifesto materialista histórico de David Harvey de 1984 e a
história da institucionalização da geografia de Horacio CapeI. Na segunda, referente às principais propostas
sobre a natureza da ciência geográfica, estão presentes a clássica proposição de Kropotkin, datada de
1885, e textos de Mackinder, de
1887, Franz Boas e Vidal de la
Blache, seguidos
de propostas
humanista e de reavaliação do significado da expressão diferenciação
de áreas, assinalados respectivamente por David Ley e Derek
Gregory.
As outras três partes dizem
respeito aos conceitos adotados pelos geógrafos ao longo da história da
geografia: natureza, cultura e paisagem, na terceira parte, região, lugar
e localidade, na quarta, e espaço,
tempo e espaço-tempo na quinta.
A terceira parte inclui textos
clássicos de autoria de Clarence
Glacken, Ellen Semple e Carl Sauer
("Morphology
of Landscape"),
ao
lado de contribuições, entre outras,
de Karl Butzer, John B. Jackson e
Aldo Leopold. Este último através de
importante posicionamento, publicado em 1949, sobre a necessidade de
ano 11,nº 3, jul./dez.
1997
uma "ética da terra", antecipando
assim muitas das preocupações ecológicas atuais. A quarta parte nos
traz estudos clássicos
de A. J.
Herbertson e J. Fleure e um capítulo do "The Nature 01 Geography", relativos às concepções sobre região.
Seguem-se, entre outras, as contribuições de Doreen Massey, Yi-Fu
Tuan e Edward Said.
A última parte inclui um texto
de Friedrich Ratzel, publicado em
1896, o clássico "The Geographical
Pivot of History" de Halford J.
Mackinder, de 1904, o antológico
artigo de Fred K. Schaefer sobre o
excepcionalismo em geografia, a leitura de David Harvey sobre a acumulação capitalista e os estudos de
Allan R. Pred sobre a "Timegeography" de Hàqerstrand e de
Nigel Thrift sobre o controle do tempo e a uniformização de sua contagem sob a égide do capitalismo.
A história dos eventos pode
ser contada de diferentes maneiras
e a partir de diversos ângulos. Cada
história reflete aquele que é o seu
intérprete. A história do pensamento
geográfico está, naturalmente, sujeita a isto. A que nos é contada aqui,
através da seleção dos 41 textos e
da própria contribuição dos organizadores à coletânea, tem vários
méritos que devem ser ressaltados.
Em primeiro lugar, ressalta-se
ter sido admitida pelos organizadores a pluralidade de interpretações
da geografia e de sua história a partir de paradigmas distintos, o que
permite colocar numa mesma parte
autores epistemologicamente distintos como, por exemplo,
Anne
Buttimer e David Harrey, Ellen
Comentário bibliográfico
Semple e Carl Sauer, John Nystuen
e Edward Soja.
Em segundo lugar, ressalta-se
a estrutura da antologia que está assentada na própria pluralidade das
posições nas duas primeiras partes
e na discussão dos conceitos chaves nas outras três partes. É apenas no interior de cada uma das cinco partes que se estabelece uma
relativa cronologia dos textos selecionados. Essa estrutura não-cronológica deriva da forte coetaneidade
das diversas leituras que os geógrafos fizeram do mundo.
A antologia, por outro lado,
reúne textos de autores deterministas como Ellen Semple, de eminentes geógrafos
pol íticos como
Friedrich Ratzel e Halford Mackinder,
de Sauer, o pai da geografia cultural
norte-americana,
e de Stephen
Daniels, membro do grupo da nova
geografia cultural. A geografia crítica está representada
por David
Harvey, enquanto a geografia que
emerge da revolução Teoréticoquantitativa da década de 1950, pelo
autor do texto sobre o excepcionalismo em geografia,
Fred K.
Schaefer, e por John Nystuen. A geografia humanista tem nos textos de
Yi-Fu Tuan e David Ley, a sua devida expressão. A antologia introduz
também a visão feminista através
dos artigos de Donna Haraway,
Gillian Rose e da dupla Linda M.
Dowell e Doreen Massey. Outro mérito da antologia reside na seleção
pertinente dos textos de importantes
geógrafos das diversas escolas de
pensamento geográfico.
Mas cada história é contada
de acordo com o seu contador. Na-
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turalmente não é tarefa fácil, como
os organizadores reconhecem, preparar uma antologia. Para cada momento da história da disciplina e para
cada escola existem inúmeras possibilidades de seleção. A seleção foi
extremamente feliz se considerarmos que Human Geography - An
Essential Anthologytem como público alvo os futuros geógrafos de língua inglesa, para quem a história da
geografia é contada como se a disciplina, em suas múltiplas interpretações, tivesse origem e desenvolvimento nos Estados Unidos e na
Inglaterra.
Dos 41 textos, poucos são
aqueles redigidos por profissionais
que exerçam ou tenham exercido
suas atividades fora dos Estados
Unidos e Inglaterra. Reconhece-se
aqui a proeminência da produção
geográfica daqueles dois mencionados países. Mas, por que não aparecem textos de Otto Schlüter, Alfred
Hettner, Jean Brunhes, Maximilien
Sorre, Augustin Berque, Milton Santos e tantos outros que, efetivamente, contribuiram para o pensamento
geográfico?
O reparo feito, no entanto, não
desmerece a monumental antologia
organizada por Agnew, Livingstone e
Rogers. Apenas nos faz lembrar que
nós, brasileiros, que também produzimos geografia, somos responsáveis
em contar uma história que também é
nossa, tal como fizeram, entre outros,
Milton Santos, Antonio Carlos R.
Moraes, Ruy Moreira, Paulo Cesar C.
Gomes e Lia O. Machado.
Roberto Lobato Corrêa
Departamento
de Geografia - UFRJ
Revista TERRITÓRIO,
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Referências
Capei,
Horacio
(1981):
Filosofía
y
Ciencia en la Geografía Contemporánea. Barcelona, Barcanova.
Claval,
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Geografia Humana. Barcelona,
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1997
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Gomes, Paulo Cesar da Costa (1996):
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Livingslone,
David
(1992):
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Geographical
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Contested Enterprise.
Oxford,
Basil Blackwell.
Hartshorne, Richard (1939): "The Nature
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Mendoza,
Josefina
G. et alii (org.)
(1982): EI Pensamienfo
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