A Política Nacional de Mobilidade Urbana no cenário contemporâneo Antônio A. Lima Publicado em 08/2014. Elaborado em 08/2014. EMENTA: ANÁLISE LEGISLATIVA. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO AOS ENTES FEDERATIVOS. PRAZO ESTABELECIDO PARA 2015. AUSÊNCIA DE REGRAMENTOS DELINEADOS. NECESSIDADE. I. INTRODUÇÃO: Em análise preliminar observou-se que existe a premente necessidade de se adequar a legislação às exigências sociais na escala evolutiva, todavia existe uma carência de sintonia dos entes federativos neste sentido. Há muito foi detectada a deficiência na organização dos estados e principalmente dos municípios nestas questões, suscitando um estudo mais apurado desta entidade. A Constituição Federal de 1988 já havia imposto a união que cuidasse de instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, incluindo nessa responsabilidade a habitação, o saneamento básico e os transportes (art. 21, XX). Neste sentido, a Carta Magna dedicou especial atenção ao desenvolvimento urbano, visando ordenar o pleno incremento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus cidadãos (art. 182). Instituiu assim que o plano diretor para as cidades com mais de 20 mil habitantes seria o instrumento básico de desenvolvimento e expansão urbana (art. 182, § 1º). Objetivando regulamentar a política urbana inserta na Carta Maior, o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01) estrutura as obrigações acessórias ao planejamento diretor. Em que pese a lei mencionada não adentrar profundamente nas questões atinentes à mobilidade urbana, faz a ressalva de que o transporte é indispensável ao pleno desenvolvimento das funções sociais e da propriedade urbana (art. 2º, I e V) e salienta que deverá existir um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido (art. 41, § 2º). Muito embora o plano diretor seja obrigatório às cidades com população superior a 20 mil habitantes e a exigência acima seja adstrita a cidades com mais de 500 mil habitantes, entende-se absolutamente recomendável sua aplicação abrangente, haja vista que é essencial ao planejamento e organização referendados como de suma importância ao bem-estar dos cidadãos. Melhor explicando, na concepção atual não se pode tratar de desenvolvimento urbano isoladamente, visto que a mobilidade, o saneamento e tantos outros fatores interferem diretamente, seja positivamente, seja negativamente. Feitas as explanações acima, é nítido que o tema “mobilidade urbana” influencia de forma intrínseca no desenvolvimento econômico, social e ambiental razão pela qual a sanção da lei 12.587/12 que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana vem a oxigenar o enfrentamento dessa emblemática questão. II. DOS PROCEDIMENTOS LEGISLATIVOS As pesquisas iniciais mostram que o legislador, a bem da verdade nos 22 (vinte e dois) anos seguintes à promulgação da constituição - ou mesmo após o estatuto das cidades – não permaneceu inerte. Um estudo do IPEA evidencia que ao longo destas duas décadas foram apresentados em torno de 09 (nove) Projetos de Lei, porém o tema tinha grande foco no transporte coletivo. No entanto a partir da criação do Ministério das Cidades foi onde, com a participação do Conselho das Cidades, iniciou-se uma discussão mais abrangente sob a denominação “mobilidade urbana”. Assim percebe-se que apesar de demorada, houve uma longa construção a qual oferece hoje o título “Política Nacional de Mobilidade Urbana”. Segundo o estudo do IPEA, após a criação o Ministério das Cidades produziu e publicou no caderno MCidades nº 6, linhas mestras que na oportunidade foram denominados Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável, as quais importa mencionar: acessibilidade universal; desenvolvimento sustentável; equidade no acesso ao transporte público coletivo; transparência e participação social no planejamento, controle e avaliação da política; segurança nos deslocamentos; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes meios e serviços; equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; integração da política de mobilidade com a de controle e uso do solo; a complementaridade e diversidade entre meios e serviços (intermodalidade); a mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e bens; o incentivo ao desenvolvimento tecnológico e ao uso de energias renováveis e não poluentes; a priorização de projetos de transporte coletivo estruturadores do território, entre outras. Associado à discussões governamentais em conjunto com a sociedade civil, bem como seminários regionais realizados em algumas capitais brasileiras e consubstanciado nesses princípios o executivo encaminha o Projeto de Lei 1687/07. Com as modificações da câmara especialmente criada para análise, no Senado Federal recebeu a designação de PLC 166/10, a qual foi aprovada ao final de 2011 entrando em vigor no ano de 2012. A promulgação da lei perfectibiliza a segurança jurídica às medidas necessárias que devem ser adotadas pelos municípios, em especial no que se refere a priorização do transporte alternativo e o transporte público sobre o privado ao passo que impõe obrigações que devem ser criteriosamente observadas. III – DA ANÁLISE DE LEI 12.587/12 A lei traz em seu bojo um objetivo claro: a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município (art. 1º), contribuindo assim para o acesso universal à cidade e o fomento e a concretização das condições que possibilitem a aplicação dos princípios e diretrizes com o consequente planejamento e gestão adequados (art. 2º). Avaliando os primeiros artigos da lei é perceptível a utilização de termos previstos no Código de Trânsito Brasileiro, no sentido de organização da nomenclatura, que determina o modo (motorizados e não motorizados) e sua classificação, assim subdividida: quanto ao objeto (passageiros e/ou cargas); quanto a característica (coletivo ou individual); quanto a natureza (pública ou privada) Também estabelece no art. 3º, § 3º quais são as infraestruturas de mobilidade urbana existentes, como sendo: § 3o São infraestruturas de mobilidade urbana: I - vias e demais logradouros públicos, inclusive metroferrovias, hidrovias e ciclovias; II - estacionamentos; III - terminais, estações e demais conexões; IV - pontos para embarque e desembarque de passageiros e cargas; V - sinalização viária e de trânsito; VI - equipamentos e instalações; e VII - instrumentos de controle, fiscalização, arrecadação de taxas e tarifas e difusão de informações. Segue em seu contexto a traçar as definições de transporte e acessibilidade, bem como define taxativamente sobre os princípios, as diretrizes e objetivos da política nacional de mobilidade urbana. A exemplo delas, podemos destacar entre outras: acessibilidade; o desenvolvimento sustentável; gestão democrática; segurança; equidade no uso dos espaços públicos; integração de políticas e modos de serviços; mitigação dos custos ambientais; política tarifaria justa. No que tange a política tarifária justa, foi dado especial ênfase às diretrizes, ao qual o art. 8º foi fracionado em nove incisos e doze parágrafos definindo uma eficácia limitada e programática ao plano de execução, quando do estabelecimento do transporte público coletivo. Determinada como limitada e programática soe ser simplesmente porque não caberia à esta lei determinar sobre tema que seria de competência e autonomia federativa distinta. No entanto busca repassar aos municípios a segurança jurídica na contratação do transporte coletivo, decretando as observâncias imprescindíveis para licitação e contrato administrativo. Por conseguinte, um dos grandes avanços foi a salvaguarda dos direitos do usuários dentro do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana, com consequente estipulação das atribuições dos entes federativos para que tais direitos permaneçam preservados. Assim a lei em tratativa traz em seu bojo princípios, diretrizes e instrumentos para orientar os municípios a planejar o sistema de transporte e de infraestrutura viária para circulação de pessoas e cargas, capaz de atender à população e contribuir para o desenvolvimento urbano sustentável. Para isso, prevê mecanismos para garantir preços acessíveis no transporte coletivo, vias exclusivas para ônibus e bicicletas, restrição de circulação de veículos privados em determinados horários e cobrança de tarifa para utilização de infraestrutura urbana, como estacionamentos públicos. No entanto evidencia-se uma carência, haja vista que não há menção específica à circulação de motocicletas, que hoje é componente preponderante a ser considerado na malha viária. Por fim, instrumentaliza procedimentos de gestão e planejamento dos sistemas de mobilidade aos quais os entes federativos deverão observar, sempre com a premissa de atender as carências da população. Importante enaltecer que os municípios com mais de 20 mil habitantes devem elaborar o Plano de Mobilidade Urbana – em princípio até abril/2015 - de forma integrada ao plano diretor previsto pelo Estatuto da Cidade sob pena de impedimento para receber recursos federais destinados à mobilidade urbana. IV – O ESTADO DE SANTA CATARINA A Constituição do Estado de Santa Catarina, promulgada em 05 de outubro de 1989 e com alterações via emendas em 1999 e 2013 não trouxe qualquer inovação sobre os temas de transporte e mobilidade. Os temas encontrados sobre transporte são mais voltados para questão tributária, no que concerne a instituição de tributos dentro da competência derivada da própria Constituição Federal. Outro ponto que merece destaque é a atenção que o texto oferece ao idoso, lhe garantindo a gratuidade na utilização do transporte coletivo, seja em linhas urbanas municipais, como intermunicipais. No que se refere à legislação ordinária, em pesquisa foram encontrados alguns projetos de lei que sugerem de forma singela o tema de mobilidade. Alguns deles são: PL./0025.0/2011 - Estabelece a obrigatoriedade dos parques de diversões, públicos e privados, terem brinquedos e equipamentos para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. PL./0036.2/2013 - Dispõe sobre a implantação de bicicletários junto aos prédios em que funcionem órgãos e entidades da Administração Pública Estadual Direta e Indireta. PL./0042.0/2010 - Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida - Art. 141, inciso IV, da Constituição do Estado de Santa Catarina. PL./0048.6/2012 - Torna obrigatória a disponibilização de cadeiras adaptadas em estabelecimentos de ensino no âmbito do Estado de Santa Catarina e adota outras providências. PL./0070.4/2009 - Dispõe sobre a reserva de lugares e a adaptação de cinemas e teatros para acesso e uso de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. PL./0098.5/2011 - Dispõe sobre a implantação do sistema de acessibilidade às praias aos portadores de necessidades especiais no Estado de Santa Catarina e adota outras providências. PL./0107.0/2013 - Cria a Semana Estadual de Mobilidade Urbana. PL./0259.4/2013 - Altera a Programação Físico-Financeira do Plano Plurianual para o quadriênio 2012-2015, aprovado pela Lei n° 15.722, de 2011. PL./0262.0/2013 - Altera a Programação Físico-Financeira do Plano Plurianual para o quadriênio 2012-2015, aprovado pela Lei 15.722, de 2011. PL./0287.8/2012 - Dispõe sobre a prestação do serviço público de transporte de passageiros por táxi à pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e adota outras providências. PL./0428.3/2003 - Dispõe sobre a infra-estrutura viária, equipamentos, planejamento e gestão das formas de mobilidade não-motorizadas e adota outras providências. PL./0488.4/2007 - Dispõe sobre a obrigatoriedade dos estabelecimentos de diversões públicas destinarem lugares especiais e ou adaptados para uso exclusivo de espectadores portadores de deficiente e ou mobilidade reduzida. PL./0502.7/2007 - Institui a obrigatoriedade de todos os empreendimentos de interesse turístico nos municípios manterem adaptações e acessibilidade a pessoas portadoras de deficiências ou com mobilidade reduzida no âmbito do Estado de Santa Catarina. ------------------------------------------------------------------ Regime de PRIORIDADE - RQS/1183.5/2007 PL./0534.4/2007 - Dispõe sobre a infra-estrutura e equipamentos de segurança e acessibilidade para as formas de mobilidade não-motorizadas e adota outras providências. ------------------------------------------------------------------ Regime de PRIORIDADE - RQS/1183.5/2007 Dentro deste projeto foi apensado o PL./0139.8/2008 Pela ementa percebe-se que não abordam o assunto de forma substancial, ou seja, são conservadores na necessária menção das transformações necessárias acerca da infraestrutura. V – CONCLUSÃO Ficou evidente durante as pesquisas que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 o poder legislativo não ficou parado e buscou aprimorar a abordagem sobre transportes. Em paralelo, mas não menos importante, o Código de Trânsito Brasileiro também evoluiu de forma a regulamentar a efetiva utilização de tráfego nas vias, fiscalização do trânsito, nomenclatura e classificações, entre outras matérias. No entanto, somente a partir da criação do Ministério das Cidades em 2003 que surgiu o conceito de “mobilidade”, considerando assim sua importância na dinâmica das cidades. As diretrizes originárias foram aproveitadas para delinear um plano mais adequado, que culminou com a edição da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Todavia a lei federal, fruto de progressivas e melhoradas evoluções legislativas, deixou legados e obrigações aos entes federativos, os quais não podem ser acanhados nas metamorfoses que por iniciativas próprias necessariamente devem adotar, aperfeiçoando assim suas políticas públicas. Deve-se reconhecer que existem desafios extremos sobre esse requerido desenvolvimento, que ao nosso ver que circundam nos quesitos: gestão pública; coordenação técnica de acordo com as competências; superação de vaidades políticas; encontro das soluções oferecidas pelo ente público com aquelas oferecidas pela sociedade civil organizada; investimentos; infraestrutura; alterações legislativas; atrativo da atividade privada para atender a demanda; altivez no enfrentamento das mudanças radicais perquiridas. Ainda que seja uma tarefa árdua, é um caminho necessário e sem volta, que deve ser encarado e enfrentado de frente, sem o qual a mobilidade seguirá para um colapso, com problemas reflexos dos mais variados, afetando a essência da população, melhor dizendo, o íntimo de cada indivíduo que continuará sôfrego sem a solução para esse dilema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm http://www.alesc.sc.gov.br/portal/pesquisa.php http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120106_comunicadoipe a128.pdf http://www.alesc.sc.gov.br/portal/legislacao/constituicaoestadual.php http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm ANTÔNIO DE ARRUDA LIMA é advogado, especialista em direito empresarial, com ênfase em planejamento urbano voltado à mobilidade urbana; presidente da Comissão de Transportes e Mobilidade Urbana da OAB/SC gestão 2013-2015.