Uma Análise Sócioambiental do Rio Murucupi em Barcarena-Pa Flávia Adriane Oliveira da Silva (PPGEO-UFPA) Professora da rede pública da Secretária de Educação do Estado do Pará (SEDUC) e aluna do curso de mestrado do PPGEO/UFPA ([email protected]). Carlos Alexandre Leão Bordalo (PPGEO-UFPA) Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia ([email protected]) Resumo O presente artigo procura traçar uma análise preliminar sobre as modificações sócioambientais no médio curso do rio Murucupi, onde situa-se o “Sítio São Lourenço”, como também uma discussão sobre as possíveis gestões ambientais desenvolvidas no município de Barcarena-PA onde o rio Murucupi está localizado. Dessa forma, visa destacar os usos que os moradores fazem da água do rio e do solo. A princípio o artigo buscou fazer uma contenda preliminar sobre gestão ambiental para posteriormente tratar, desta questão no município de Barcarena. Introdução O presente artigo visa fazer uma análise preliminar sobre as mudanças sócioambientais geradas com a atividade industrial e a expansão urbana no médio curso do rio Murucupi que corresponde as terras do “Sítio São Lourenço”1, localizado no município de Barcarena-Pa. Além disso, procurou-se estabelecer uma discussão sobre as gestões possíveis e capazes de conciliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade sócioambiental no médio curso desse corpo d’água. O município de Barcarena apresenta destaque no contexto local do estado do Pará, em função dos projetos industriais e atividades portuárias. A instalação de empresas de transformação mineral na Vila do Conde (décadas de 1980 e 1990) ocasionou o crescimento populacional que veio se dando de forma intensa, justamente por esses projetos desenvolvimentistas disporem de atrativos, os quais vêm causando diversos problemas sócioambientais. Segundo o Relatório do Laquanum: 1 O assentamento bairro do Laranjal causou inúmeros problemas desde sua criação. O estado inicialmente desapropriou as terras no município para abrigar o projeto, e em seguida, assentou 64 famílias na localidade, conhecida na região como “Sítio São Lourenço”. Entretanto, esta área já era ocupada por grupos familiares também nascidos no município. Com a ocupação efetiva, através da criação do bairro do Laranjal, os moradores do sítio São Lourenço perderam parte de suas terras, onde mantinham roçados de mandioca, milho, arroz e outros cultivos destinados ao consumo familiar. O eventual excedente era comercializado no próprio município, visando a obtenção de renda complementar para aquisição de outros produtos necessários. A destruição das roças e a perda de grande parte das terras dos moradores de São Lourenço, afetou diretamente a forma de auto-sustentação existente. Os moradores do sítio São Lourenço permaneceram na localidade após as primeiras ocupações de suas terras. Eles continuam desenvolvendo práticas produtivas nas terras que lhe restaram, mas setem-se constantemente ameaçados pela CODEBAR (VASCONCELOS, Ana Maria de Albuquerque. 1996: 39-40). No rio Murucupi os parâmetros que estiverem em não conformidade com o CONAMA 357/05 foram o oxigênio dissolvido, a turbidez, o cloreto, alumínio, ferro, cádmio e cobre. A conclusão deste estudo foi que o vazamento de efluentes da empresa Alunorte no rio Murucupi e consequente espalhamento pela área em estudo foi o responsável pelas alterações verificadas e a redução do oxigênio dissolvido causou a mortandade dos peixes no rio em questão e em outros corpos hídricos próximos ao local do vazamento. Além dos peixes e répteis, outros animais, inclusive animais terrestres, também sofreram com o aporte do material tóxico. Alterações no pH do rio Murucupi, a presença de grandes quantidades de cloreto e sua excelente correlação com o sódio, apontam para o uso de ácido clorídrico, um ácido forte, como agente neutralizante. (PEREIRA, 2009: p. 09). Fundamentado nesta informação elegemos o vale do Murucupi como análise de caso, numa pesquisa que possui por objeto de estudo as explicações a cerca das mudanças ocorridas no município, em geral, e no vale do rio Murucupi, em específico. Segundo Coelho (2000) no que se refere à atividade mineral na Amazônia, a formulação de políticas públicas carece de coerência e efetividade no trato com as questões ambientais. Ainda, para a autora, a diversidade de interesses que atuam sobre a região é incompatível com as necessidades locais e dificultam o processo de gestão territorial e ambiental do desenvolvimento, evidenciando as sequelas dessa relação para as comunidades. Devem ser então, desenvolvidas algumas reflexões a cerca da problemática ambiental inserida na atividade mineradora em Barcarena, a fim de situá-la no contexto das políticas ambientais assumidas no país nos últimos anos. Para isso é necessária uma discussão buscando definições claras quanto à noção de gestão ambiental, suas limitações e aplicabilidade no contexto local. Gestão Ambiental e Recursos Hídricos: Uma Discussão Preliminar Os apelos ambientalistas assumem grandes proporções no cenário internacional a partir da conferência sobre o Habitat Humano (1972), entretanto, no nível nacional podemos destacar como mecanismo de gestão ambiental a criação da Secretaria do Especial do Meio Ambiente e Agências Estaduais (1973) que se baseavam no Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras. Essas iniciativas denotam uma tentativa de desfazer a imagem negativa do Brasil em Estocolmo, em função da sua postura assumida em priorizar o desenvolvimento econômico em detrimento das preocupações ambientais (MAIMON, 1995a). As preocupações ambientais tiveram maiores repercussões no cenário nacional a partir da década de 1980 com a definição da Política Nacional do Meio Ambiente (1981) e a Constituição de 1988. A política ambiental se caracterizou pela valorização do aspecto biótico da questão ambiental omitindo os aspectos antrópicos dessa problemática, uma vez que a sua definição quanto ao Meio Ambiente considera as interações física, química e biológica não mencionando aos aspectos sociais nessa relação, (MAIMON, 1995b). A Legislação Ambiental (1986) cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente/SISNAMA e o Conselho Nacional de Meio Ambiente/CONAMA de onde se originou o Estudo de Impactos Ambientais/EIA e o Relatório de Impactos Ambientais/RIMA. É criado também o Programa Nossa Natureza e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente/IBAMA. A partir do início dos anos de 1990 é criado o Programa Nacional do Meio Ambiente que tem como finalidade executar e conduzir ações de Gestão Ambiental (BECKER, 1996). Aqui seguiram as ações mais significativas em torno das questões que se referem às políticas ambientais. Entretanto, os resultados concretos de toda essa evolução no campo institucional implicam no aprofundamento do debate quanto à execução de tais políticas. É com esse debate que se pretende compreender a natureza da gestão ambiental como prática política capaz de propiciar o desenvolvimento sustentável, aqui entendido como a associação do crescimento econômico à equidade social e sustentabilidade ambiental (LANNA, 1995). As abordagens que envolvem a gestão ambiental apresentam uma grande variedade de enfoques e significados em que figuram noções como controle, poder, propriedade (GODARD, 1997) o autor atribui a essas concepções uma noção de administração de bens materiais. O conceito de gestão compreende procedimentos aplicados à administração empresarial no qual o elemento ambiental vem imprimir um novo conteúdo que configura instrumentos de ordenamento territorial e participação, em que são estabelecidas negociações que incluem a tomada de decisão por vários atores (PIRES DO RIO, 1996). Para esta autora a gestão ambiental pressupõe a participação de diferentes atores no encaminhamento das ações voltadas a disponibilização e utilização dos recursos naturais. A Gestão Ambiental resulta da articulação entre diferentes atores no sentido de viabilizar a utilização dos recursos naturais de forma adequada à especificidade do local de acordo com os interesses comuns de cada seguimento da sociedade (LANNA, 1995). A Gestão Ambiental está totalmente associada á concepção de Desenvolvimento Sustentável e tem como instrumento norteador uma base jurídica muito recente no Brasil. Mesmo assim, a aplicabilidade dessas políticas carece de uma iniciativa mais contundente, por parte dos segmentos sociais, no sentido de fomentar uma política de gestão em que a participação da sociedade seja efetiva. Como é o caso das atividades de tratamento mineral em Barcarena. A redução de entropia produzida pela extração e transformação mineral requer institutos ou aparatos (legais e sociais) que viabilizem formas ambientalmente não danosas tanto na extração quanto de transformação de recursos naturais (COELHO, 2000, p.125). Considerando a concepção de interação entre diversos atores sociais, os aspectos que implicam nos mecanismos de gestão requerem uma redistribuição do poder de decidir e assim possibilitar a negociação entre os segmentos envolvidos ou interessados na questão. “O conceito de Gestão guarda similaridades com as diversas formas de cooperação e, consequentemente, com o conceito de autogestão” (COELHO 2001, p. 41,). Neste sentido, apenas os aparatos legais não definem uma mudança nas formas de gestão ambiental. Antes, é necessário uma tomada de consciência a fim de construir uma cultura ambiental que vá além dos seus aspectos normativos, mas que também compreenda o ambiente como meio de reprodução da vida social e cultural da humanidade. Não se trata de negligenciar esses mecanismos disponíveis, mas de imbuí-los de elementos subjetivos que dão forma e identidade aos seguimentos que deles se apropriam. Para tratar mais especificamente da gestão ambiental dos recursos hídricos no Brasil ações iniciais se manifestaram por volta da década de 1930 com criação do Código das Águas, o qual foi implementado pelo decreto federal 24.643 de julho de 1934. O Código das águas traz uma abordagem ampla, isto é, além do uso da água trata de questões ligadas à ocupação de margens, à origem e supressão de ilhas, aos efeitos de enchentes, analisa as águas pluviais e a navegação e conjetura a necessidade de ordem administrativa para atividades agrícolas e industriais no que se refere aos seus rejeitos. No entanto, não alcançou a plenitude na efetivação de seus aparatos legais, pois o princípio do usuário-pagador não foi praticado (Almeida, 2009). Seis décadas depois, por volta de 1997 foi criada a Lei 9.433 que estabelece a Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH), com intuito de promover “processos participativos e instrumentos econômicos que promovam a utilização mais eficiente deste bem” (ALMEIDA, 2009, p.98). A PNRH passa então a estruturar toda e qualquer ação de planejamento e gestão das águas no Brasil. A gestão da água pode ser abrangida como: A atividade analítica e criativa voltada à formulação de princípios e diretrizes, ao preparo de documentos orientadores e normativos, à estruturação de sistemas gerenciais e a tomada de decisões que tem por objetivo final promover o inventário, uso, controle e proteção da água (LANNA apud MAGALHÃES JR., 2010, p. 66). Sendo assim, a gestão das águas permite equilibrar e deliberar os problemas ligados a carência de água, proporcionando o uso apropriado desse recurso e, consequentemente, a consonância entre demanda e oferta numa determinada região. A gestão da água envolve o processo de planejamento, o qual compreende uma sistemática de organização e compatibilização dos usos múltiplos da água, visando a tomada de decisões em um contexto de trabalho permanente de acompanhamento e avaliação das ações realizadas (NETO apud MAGALHÃES JR., 2010, p 66). Um dos fundamentos da PNRH quanto a gestão das águas é a adoção da bacia hidrográfica como unidade territorial básica de planejamento e gestão. Além deste princípio estabelece a gestão descentralizada, contando com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades, dentre outros. O gerenciamento de Bacias Hidrográficas2 está inserido no planejamento ambiental como um dos instrumentos de gestão que confere ao poder público, econômico e sociocultural, em áreas de bacias hidrográficas (LANNA, 1995) e a sociedade o controle do uso dos recursos naturais, este mecanismo apresenta, em sua definição atribuições que dizem respeito a sociedade no sentido de participação, assim como outros instrumentos legais de gestão. Portanto, esses instrumentos estão baseados em princípios que orientam as ações integradas visando a apropriação e exploração dos recursos ambientais com vistas ao desenvolvimento. O uso da Bacia hidrográfica, como unidade de estudo e gestão ambiental, para o gerenciamento das diferentes formas de ocupação e uso das diversas potencialidades ambientais, tais como, os recursos minerais, florestais, agropecuários, hídricos, pesqueiros, energéticos e etc, tem como objetivo, planejar, coordenar, executar e manejar as melhores formas de apropriação e exploração desses recursos ambientais, proporcionando o desenvolvimento sócioeconômico das suas respectivas populações e a sustentabilidade dos recursos ambientais, diminuindo ou evitando a degradação da qualidade de vida (BORDALO, 1998). O que se coloca para a sociedade em termos de políticas ambientais é uma gama de possibilidades e veículos de participação na tomada de decisão, trata-se de mecanismos legais permeados de elementos de princípios democráticos que estão a disposição daqueles que deles sabem se servir. A qualidade de vida que se pretende, a partir da apropriação, exploração e proteção dos recursos naturais, requer não só medidas de intervenção e fiscalização, mas, também de cooperação com as camadas que tem nesses recursos a sua forma mais elementar de reprodução e manutenção da vida. Gestão Ambiental e Modificações Socioambientais no Médio Curso do Rio Murucupi- Barcarena/PA. O município de Barcarena apresenta atrativos de localização e de investimentos que justificam os interesses de grupos privados nacionais e estrangeiros na apropriação e exploração de recursos naturais, no entanto, essa exploração traz em seu bojo várias conseqüências negativas ao meio físico, biótico e sociocultural, interferindo diretamente na relação desenvolvida entre as populações e os recursos naturais existentes. Relações estas baseadas no uso comum dos atores através da ancestralidade na ocupação do espaço. O rio Murucupi estende-se desde a área correspondente ao distrito industrial Albrás/Alunorte, passando pela área da Vila dos Cabanos, bairro do Laranjal, São Lourenço, Boa Vista desembocando até o furo do Arrozal. 2 Bacia Hidrográfica definida por Pema apud Mascarenhas (2003) consiste em: uma área drenada por um determinado curso d’água e seus tributários, limitada perifericamente pelo divisor de água, constitui-se em unidade física bem caracterizada, que integra um espaço de domínio do ciclo da água, de forma aberta que compõe um sistema maior, sua bacia de contribuição, vindo a ser um subsistema deste que por sua vez será subsistema de outro mais abrangente e complexo. As nascentes do rio Murucupi estão situadas às proximidades da bacia de rejeito da empresa Alunorte (RELATÓRIO IEC – SAMAM 001/2009: p. 4). O que caracteriza a sua fragilidade e a necessidade de políticas de gestão compartilhada por todos os atores sociais e o poder público local e estadual, dividindo responsabilidades sobre esse recurso hídrico em questão. Nos últimos trinta anos da indústria mineradora no estado do Pará, o aspecto ambiental desta atividade vem ganhando fortes proporções, ao longo de seu desenvolvimento. O passivo ambiental, causado com esta atividade, se caracteriza em uma demanda por políticas de caráter institucional no qual se baseia em mecanismos legais e políticos capazes de dar suporte e garantia de qualidade de vida nessa região. Os rejeitos sólidos e líquidos produzidos com o processo industrial das empresas Albrás/Alunorte devem ser acompanhadas, sob o risco de contaminação dos cursos d’água e da água subterrânea causados por acidentes. Além do problema das chuvas ácidas devido a emissão de gás carbônico no processo de redução do alumínio nas cubas eletrolíticas. (SOUZA et. al, 2003) Na realidade amazônica se observa com facilidade as consequências desses projetos de exploração mineral na vida da população. E principalmente em Barcarena, por ser um Pólo Industrial que abriga muitas empresas desenvolvendo atividades de transformação mineral, como no caso da Albrás/Alunorte, vem sendo palco de diversos acidentes ambientais que expõem a fragilidade da gestão sobre os recursos hídricos, assim como expõem os órgãos ambientais estaduais e municipais frente aos desafios na vida da população situada no entorno do rio Murucupi que se utiliza do mesmo em suas atividades de subsistência. O transbordamento da bacia de rejeito da Albrás/Alunorte e despejo de esgoto doméstico no rio Murucupi, acaba comprometendo a sobrevivência do rio e das populações que residem em sua margem e entorno como é o caso da comunidade que vive no “Sítio de São Lourenço” (no bairro do Laranjal). Esses problemas vêm sendo acrescidos de um processo de contaminação do qual a sua verdadeira causa apresentam controvérsias e desencadeiam uma conjuntura de embates políticos, sociais, econômicos e culturais, envolvendo os segmentos da sociedade local como: sindicatos, Albrás/Alunorte, secretarias de meio ambiente (municipal e estadual) e a população local do entorno do rio. Antes da instalação do complexo do alumínio, as áreas que margeiam o rio Murucupi já constituíam uma ocupação efetiva. Entretanto, parte dessa população passou por um processo de desapropriação liberando a área para as instalações do Complexo Albrás/Alunorte. Ao longo do curso do rio Murucupi se desenvolveu uma ocupação, decorrente do processo de urbanização promovido com o empreendimento do alumínio. Entretanto, essa ocupação que inicialmente teria um caráter de planejamento por parte da Companhia de Desenvolvimento de Barcarena - CODEBAR, acabou por adquirir proporções desordenadas em função do processo de desapropriação e de migração ocorridos nesse período no município (ROCHA, 2001). O resultado dessa ação foi uma ruptura com a forma de organização sócio – espacial original da área e de alteração de algumas formas de relação da população com o rio, uma vez que a maior parte de seu curso passou a constituir-se de uma ocupação caracteristicamente urbana. O rio Murucupi é margeado, a sua esquerda pelo núcleo urbano de Vila dos Cabanos e a sua direta pelos bairros do Pioneiro e do Laranjal, no entanto, ainda resistem algumas comunidades ribeirinhas que tentam sobreviver na área, como é o caso da população que vive nas terras do “Sítio São Lourenço”. FIGURA 01- MAPA DE LOCALIZAÇÃO DA ÁREA EM ESTUDO Modificações Sócioambientais no Médio Curso do Rio Murucupi: o caso do “Sítio são Lourenço” Segundo relatos de antigos moradores do “Sítio São Lourenço”, após a instalação das empresas de mineração, como Albrás/Alunorte no Município de Barcarena, mudanças sócioambientais passaram a se configurar no local. Dentre destas mudanças, foi exposto a situação de degradação que o rio Murucupi se encontra diante do despejo de esgoto doméstico, liberado diretamente no rio, e dos acidentes ambientais que já ocorreram na região, como o transbordamento do rejeito da bauxita (lama vermelha). Essa problemática tem interferido na forma de organização social e econômica dos moradores do “Sítio São Lourenço”, que localiza-se no médio curso do rio Murucupi. Através de observações em trabalho de campo e dos depoimentos foi verificado o desenvolvimento de atividades, como o manejo do açaí (principalmente na área de várzea do rio) e criação de animais (galinha, porcos e outros), visando gerar renda e possibilitar o sustento da família embora a área esteja sendo incorporada pela expansão urbana com a criação e crescimento do bairro do Laranjal. Com a criação deste bairro, as terras do “Sítio São Lourenço” foram sendo reduzidas e apenas uma rua separa o referido bairro da comunidade (VASCONCELOS, 1999). Além do extrativismo (figura 02) outros usos foram identificados na faixa do rio Murucupi onde se encontra as terras do “Sítio São Lourenço”, tais como: a criação de gado (figura 03), pequeno trapiche – que serve como porto para os moradores - (figura 04) e uma estância (figura 05). No entanto, esses usos apresentam pouca expressividade em relação ao plantio e colheita do açaí. Figura 02 - Plantio de açaí na área de várzea – Sítio São Lourenço. Fonte: Trabalho de campo2010. Figura 03 - Criação de gado Sítio São Lourenço. Fonte: Trabalho de campo-2010. Figura 04 - Pequeno trapiche – Sítio São Lourenço. Fonte: Trabalho de campo-2010. Figura 05 - Estância situada próximo ao pequeno trapiche-Sítio São Lourenço. Fonte: Trabalho de campo-2010. Pressupõe-se que os distintos usos do solo e da água nas margens do rio Murucupi são comprometidos quando o rio é exposto a um processo de contaminação incorrendo com a mortandade dos peixes e na coloração avermelhada da água. Segundo o exposto pelos antigos moradores do “Sítio São Lourenço” verifica-se uma redução gradativa na produção de açaí desde 2003 até os dias atuais. Situação referida por uma das moradoras antigas do sítio quando expõe que os frutos de açaí ainda não amadurecidos caem demasiadamente, e os que resistem ao amadurecerem ficam deteriorados impossibilitando o consumo. Acredita-se que essa problemática esteja relacionada com a poluição do rio Murucupi, quando recebe os efluentes domésticos da Vila dos Cabanos (figura 06), despejados pela rede de esgoto em seu leito e com os transbordamentos da lama vermelha retida nas bacias de rejeitos da Alunorte, fato este que ocorreu em 2003, 2006 e 2009. Em decorrência disso a lama vermelha ficou depositada no fundo do leito do rio. Na vazante do rio Murucupi prolifera-se um odor forte e desagradável, principalmente no seu médio curso, fruto do quadro de degradação que está sujeito. Em decorrência da poluição que o rio Murucupi vem sendo exposto ocorreram mudanças na relação da população local com esse curso d’água. A prática de colocar a mandioca nos braços do rio Murucupi deixou de ser adotada e a Albrás/Alunorte e a Secretaria de Meio Ambiente do Município de Barcarena (SEMMAB) local passaram a distribuir caixas d’água para os moradores colocarem de molho a mandioca. Além de deixarem de utilizar os braços do rio para esse tipo de atividade verificouse que os moradores do “Sítio São Lourenço” foram impossibilitados de continuarem a fazer o uso doméstico do rio, como: beber água, cozinhar, lavagem de louça e roupa e banho. Uso que antigamente realizavam diariamente. Além Figura 06 - Ponto de poluição no rio Murucupi as proximidades da área urbana da vila dos cabanos. Fonte: Trabalho de campo-2010. dessa situação, os moradores deixaram de pescar e fazer a coleta de camarão nesse rio, atividade de subsistência que garantia a base alimentar da família. Os moradores organizados em associações denunciaram a degradação do rio Murucupi pelas empresas de transformação mineral em Barcarena. Como fruto dessa denúncia os órgãos ambientais fiscalizadores foram acionados a cumprirem com suas atribuições e os meios de comunicação passaram a destacar o ocorrido. Assim, a empresa Alunorte foi multada, no entanto, não se sabe no que foi aplicado o dinheiro e ainda não foi verificado a existência de projetos em parceria com a Albrás/Alunorte e nem com a SEMMAB, quanto a questão da poluição do rio. O rio Murucupi outrora fora usado para várias atividades socioeconômicas como: a pesca artesanal, lazer e vias de circulação entre as comunidades que sobrevivem parcialmente dessas atividades em seu entorno. Contudo, o rio Murucupi é usado atualmente como mero depositário dos dejetos produzidos pelos esgotos domésticos e industriais devido a forte expansão urbana aliada ao processo de industrialização de Barcarena. Sendo assim, fica evidente a fragilidade desse corpo d’água ao longo do seu percurso, em especial a montante onde as nascentes encontram-se próximas a bacia de rejeito da bauxita. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS Mesmo diante de todas as modificações sócioambientais existentes no rio Murucupi, ainda há uma carência de políticas sócioambientais pensadas para essa área, tanto pelas empresas privadas quanto pelos órgãos públicos no município de Barcarena, comprometendo assim a qualidade socioambiental desse recurso hídrico e das comunidades em seu entorno que estabelecem relação direta com o rio. Relação essa fragilizada por motivo já exposto nessas reflexões. As formas de uso dos recursos naturais em Barcarena, em particular na bacia do rio Murucupi, evidenciam as mudanças que hoje se configuram no município. No caso dos recursos hídricos essas mudanças refletem a falta de uma política adequada que garanta acessibilidade do recurso para seus usuários, a sua integridade ambiental e a manutenção da importância sóciocultural que o envolve, em sua característica tradicional, que é a de uso coletivo de subsistência e, portanto, de necessidade básica de reprodução social. Pensar o município de Barcarena, com todo o seu conjunto de dinâmicas, sejam estas: econômicas, sociais, culturais, ambientais e políticas é um exercício que necessita da elaboração de ações que interfiram no processo de desenvolvimento. Devem, portanto, ser estabelecidos mecanismos que permitam a participação e interferência de todos os segmentos da sociedade na elaboração conjunta de políticas públicas, voltadas para a geração da qualidade de vida para a população e sustentabilidade dos recursos hídricos, desenvolvendo assim uma política de Gestão ambiental que seja compatível com as necessidades do município, assim como de seus habitantes. A Compreensão dos problemas sócioambientais que vem se intensificando em Barcarena, não só nas áreas de abrangências do complexo Albrás/Alunorte, mas em todo o seu entorno, vão além de fatores econômicos e naturais, mas também, estão associados aos mecanismos de regulamentação das políticas de utilização dos recursos nesse município, por isso se faz necessário então, estabelecer critérios que possibilitem o desenvolvimento das atividades de forma sustentável para o ecossistema local, que não agrida a qualidade de vida da população e nem tampouco altere as características do quadro natural da área. REFERÊNCIA ALMEIDA, F. G. de; PEREIRA, L. F. M.. O Papel da Distribuição e da Gestão dos Recursos Hídricos no Ordenamento Territorial Brasileiro. In: ALMEIDA, F. G. e SOARES, L. A. (Orgs.). Ordenamento Territorial: Organizando e Racionalizando Áreas com bases Sustentáveis. Rio de Janeiro: BERTAN BRASIL, 2009. BECKER, K. Bertha. 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