revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais
julho | agosto | setembro 2010 | v. 76 — n. 3 — ano XXVIII
Tribunal reforma decisão denegatória
de registro de ato de aposentadoria
RECURSO DE REVISÃO N. 734.672
EMENTA: Recurso de revisão — Autarquia estadual — Servidor ocupante
de função pública — Registro de aposentadoria por invalidez negado
por ausência de documentos comprobatórios do direito ao benefício.
I. Falta de informação sobre a natureza da doença ensejadora da
incapacidade. Concessão da aposentadoria apoiada no art. 36, I, da
CE/89 c/c o art. 108, alínea e e art. 110, II, da Lei n. 869/52. Verificação
de incapacidade insuscetível de reabilitação para outra atividade.
Improcedência da irregularidade apontada na decisão recorrida. II.
Ausência de certidão do INSS referente ao tempo de serviço prestado.
Indicação da data de admissão pelo IEF na Certidão de Contagem de
Tempo de Serviço. Presunção de veracidade e legitimidade do ato
concessório. Aplicabilidade do princípio da proteção da confiança.
Ausência de apontamento de má-fé pelo orgão técnico — Recurso
provido — Registro do ato de aposentadoria.
[...] a meu juízo, aplica-se o princípio da proteção da confiança, que tem o objetivo de
proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nascem do cidadão, que confiou na
postura e no vínculo criado pelas normas prescritas no ordenamento jurídico. O princípio da
proteção da confiança promove a previsibilidade do direito a ser cumprido, assegurando que
a fé na palavra dada não é infundada. É notório e devido que o cidadão tenha a convicção
de que pode confiar na estabilidade e eficácia dos atos jurídicos.
RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA
RELATÓRIO
Cuidam os autos de Recurso de Revisão interposto por Regina Célia Nonato, Procuradora
do IEF, em face da decisão prolatada em sessão da Quarta Câmara, datada de 19/06/06,
nos autos do Processo de aposentadoria n. 350.598 (autos em apenso) que negou
o registro do ato de aposentadoria de José Moreira de Aguiar, ocupante da função
pública de auxiliar de serviços, por entender-se que a aposentadoria foi concedida
sem a observância das normas legais que regem a matéria.
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Foi dado ciência da decisão ao jurisdicionado, intimado por meio do oficial instrutivo,
a fls. 13, e ao aposentado por via postal, a fls. 18-19 dos autos n. 350.598.
Em suas razões recursais, a fls. 02-06, o jurisdicionado assevera ser cabível e
tempestivo o Apelo, alegando em síntese: a) incidência do prazo decadencial ao
caso em exame, porquanto a decisão proferida quando já decorriam mais de 15
anos após a remessa do ato de aposentadoria à apreciação desta Corte; b) a boa fé
dos agentes públicos na interpretação da legislação que embasou o ato concessório;
c) a natureza alimentar dos proventos, já incorporados à vida do servidor; d) que
o exercício da autotutela pela Administração, neste caso, deve ser precedido do
contraditório, por envolver interesse de terceiros.
O órgão técnico em seu relatório a fls. 13-16 informa que a decisão recorrida foi
proferida, tendo em vista o fato de que o processo não se encontra devidamente
instruído, considerando que não foi esclarecido se a doença que provocou a invalidez
assegura o direito à aposentadoria integral ou proporcional (laudo a fls. 4 do Processo
n. 350.598); ausência da certidão do INSS referente ao tempo de serviço prestado
pelo aposentando no regime celetista.
Nos termos do despacho a fls. 18, foi concedida a abertura de vista dos autos ao
interessado. Todavia, conforme se infere dos documentos a fls. 29 e 30, o recorrente
examinou os autos em 05/09/07, por meio de sua procuradora, mas não se manifestou
nos autos.
A douta Auditoria, em sua manifestação a fls. 31-32 informou que, em face da
novel Lei Complementar n. 102/08, exclui-se dos auditores a atribuição de emitir
parecer em processo desta natureza. Entretanto, trouxe à colação recente decisão
do Supremo Tribunal Federal, na qual fora acolhida a tese da decadência, em face
da inércia do Tribunal de Contas decorridos sete anos.
O douto Ministério Público por sua vez, em seu pronunciamento a fls. 33-35, esclarece
que o ato concessivo de aposentadoria a fls. 01 dos autos n. 350.598, datado de
14/10/1991, foi publicado em 22/10/1991, a fls. 06, o que demonstra que, quando
ocorreu o exame inicial dos autos em 13/06/2005, a fls. 03-04 do Processo n. 350.598,
já havia decorrido mais de 13 anos da data da concessão efetiva do benefício.
Informa, ainda, que a decisão que negou o registro do ato de aposentadoria foi
proferida em 19/09/06, a fls. 12 dos autos n. 350.598, isto é, decorridos mais de
quatorze anos da data do ato concessório.
Esclarece, ainda, que a aplicação do instituto da decadência nos atos de registro
de aposentadoria já é matéria sumulada no âmbito deste Tribunal onde restou
estabelecido que:
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nas aposentadorias, reformas e pensões concedidas há mais de cinco anos,
bem como nas admissões ocorridas em igual prazo, contado a partir da entrada
em exercício, o Tribunal de Contas determinará o registro dos atos que a
Administração já não puder anular, salvo comprovada má-fé.
Salientou também que, na Sessão Plenária de 11/06/08, este Tribunal definiu que
os marcos iniciais para a contagem do prazo de cinco anos são aqueles previstos no
§ 1° do art. 1° da Instrução Normativa n. 04/07.
O douto Ministério Público observa afinal que o órgão técnico em seu relatório não
apontou a existência ou configuração da má-fé no caso sob comento, subsumindo-o
integralmente aos termos da Súmula n. 105 desta egrégia Corte de Contas, razão
pela qual entende que o Tribunal Pleno deve reconhecer, de plano, a aplicação
do instituto da decadência ao caso em exame, determinando o registro do ato de
aposentadoria, nos termos em que fora concedida.
Pareceres e decisões
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Nesse sentido, conclui sua manifestação pela aplicabilidade do instituto da decadência
ao caso ora analisado, com fulcro no § 7° do art. 76 da Constituição Estadual de
1989, com a redação dada pela EC n. 78/07; no art. 65 da Lei Estadual n. 14.184/02
e no art. 118 da Lei Complementar n. 102/08 e, em eventual seguimento da análise
recursal, pelo conhecimento do Recurso de Revisão e, no mérito, pelo provimento
do apelo para registrar o ato de aposentadoria de José Moreira de Aguiar, nos termos
em que foi concedida.
É o relatório.
PRELIMINAR
Preliminarmente, sou pela admissibilidade do presente Recurso de Revisão oposto por
Regina Célia Nonato, Procuradora do Instituto Estadual de Florestas, à negativa do
registro de aposentadoria de José Moreira Aguiar, tendo em vista a legitimidade da
parte e a tempestividade do recurso, com fundamento no art. 264 da Resolução TC n.
10/96, Regimento Interno, vigente, naquela oportunidade, e aplicável, na espécie, haja
vista o disposto no art. 389, da Resolução TC n. 12/2008 (atual Regimento Interno).
MÉRITO
Inicialmente cumpre esclarecer que em sessão da Quarta Câmara, datada de
19/06/06, nos autos do Processo de aposentadoria n. 350.598 foi decidido pela
negativa do registro do ato de aposentadoria de José Moreira de Aguiar, ocupante
da função pública de auxiliar de serviços, por entender-se que a aposentadoria foi
concedida sem a observância das normas legais que regem a matéria.
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Pelo que se infere das notas taquigráficas, a fls. 10-11 dos autos n. 350.598, os
apontamentos da Diretoria Técnica indicavam que não foi esclarecido, no laudo
médico, se a doença que provocou a invalidez asseguraria o direito à aposentadoria com
proventos proporcionais ou integrais e que não constou da certidão do INSS o tempo de
serviço prestado ao IEF, no regime celetista, no período de 14/08/78 a 31/07/90.
Entretanto, compulsando os autos e conforme observou o douto Ministério Público,
no verso do Laudo para Inspeção Médica, expedido pelo INSS, a fls. 04 da pasta
anexa ao Processo n. 350.598, consta, no item 2° do referido formulário, que a
incapacidade do servidor José Moreira de Aguiar era definitiva para o trabalho,
insuscetível de reabilitação para outra atividade, fazendo constar no item 8° o
código do diagnóstico provável.
Como bem salientou o douto Ministério Público, a indicação de tratar-se ou não
de aposentadoria integral ou proporcional cabe ao Órgão concedente, em face do
diagnóstico e informações complementares do laudo médico, e não à junta médica,
conforme determinado em diligência ao jurisdicionado.
Pelo exposto, verifico que, com base nessas informações a área administrativa do
IEF, analisando os dados apresentados pelo setor médico do INSS, concluiu pelo
fundamento para a concessão do ato, tendo indicado que a referida aposentadoria
estava apoiada no art. 36, I, da Constituição Estadual, combinado com os arts.
108, alínea e e 110, II, da Lei n. 869/52, que prevê a aposentadoria com proventos
integrais, legislação vigente à época. Nesse sentido, não procede a irregularidade
então apontada.
Quanto ao tempo de serviço questionado, em que pese não constar dos autos a
certidão do INSS, verifica-se que a data de admissão autenticada pelo IEF, na Certidão
de Contagem de Tempo, a fls. 07 da pasta anexa ao Processo n. 350.598, indica a data
de admissão em 14/08/78. Observa-se, ainda, que não há pronunciamento do órgão
técnico quanto à existência ou quanto à configuração de má-fé no caso sob análise.
Nesse sentido, considerando a informação da autarquia estadual e o fato de não
ter sido caracterizada má-fé, entendo que se presume a veracidade da informação
exarada pelo Órgão público.
Cumpre destacar, ainda, que da decisão que negou o registro do ato de aposentadoria
até a presente data passaram-se mais de 14 anos.
Por todo o exposto, no caso concreto, a meu juízo, aplica-se o princípio da proteção
da confiança, que tem o objetivo de proteger prioritariamente as expectativas
legítimas que nascem do cidadão, que confiou na postura e no vínculo criado pelas
normas prescritas no ordenamento jurídico. O princípio da proteção da confiança
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promove a previsibilidade do direito a ser cumprido, assegurando que a fé na palavra
dada não é infundada. É notório e devido que o cidadão tenha a convicção de que
pode confiar na estabilidade e eficácia dos atos jurídicos.
O ato administrativo desfruta de uma propensa imutabilidade traduzida pela
autovinculação da administração na qualidade de autora do ato e como consequência
da obrigatoriedade de tal ato e pela tendência da irrevogabilidade, a fim de proteger
e salvaguardar os interesses dos indivíduos destinatários dos atos, atendendo à
proteção da confiança, bem como à segurança jurídica.
Nesse diapasão, Rafael Maffini, In: Princípio da proteção substancial da confiança
assevera que
[...] mesmo que a conduta não seja ela mesma legítima, a confiança que nela
foi depositada há de ser qualificada como tal, porquanto não se pode exigir
dos administrados destinatários ou terceiros em relação a tais atos que deles
desconfiem. Ao contrário, há uma espécie de induzimento a que todos quantos
forem alcançados pelas mais variadas formas de atividade pública nelas
depositem confiança (MAFFINI, Rafael. Princípio da proteção substancial da
confiança. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 187).
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No caso em tela, o Sr. José Moreira de Aguiar, de boa-fé, ingressou na inatividade,
amparado no ato concessório deferido pela Administração, revestido de atributos
de presunção de veracidade e legitimidade, o que a meu juízo, garante ao servidor
a estabilidade do ato concessório.
Assim, com fulcro nos princípios inerentes à Administração Pública,
especificadamente o da proteção da confiança, dou provimento ao recurso para
reformar a decisão recorrida e registrar o ato de aposentadoria do servidor José
Moreira de Aguiar.
O Recurso de Revisão em epígrafe foi apreciado pelo Tribunal Pleno na sessão do dia
16/06/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Elmo Braz,
Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade, Conselheiro Sebastião
Helvecio e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram o voto exarado pelo
relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa.
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