Prédica Dia Internacional da Mulher
EST- 06/03/2013
Pa. Marcia Blasi
Em uma bela manhã de sol elas se enchem de coragem.
Não haviam dormido bem nas noites anteriores.
Na verdade, não haviam dormido bem há muitas noites.
Primeiro, foi o pai que morreu, no deserto, a caminho da terra
prometida.
E com a morte veio a incerteza, o medo.
Medo de ficarem sem nada.
Medo de terem que viver com pessoas estranhas, ou da bondade de
parentes.
Medo de estarem pensando que poderia haver outro jeito.
Medo da sua própria coragem.
Medo de pensarem que poderiam ir até Moisés e reivindicar os
direitos de sua família.
E assim...
Ao amanhecer, preparando a refeição, elas conversavam...
Durante o dia, fazendo suas tarefas, elas conversavam...
À noite, ao redor do fogo, elas conversavam...
E continuavam conversando, na calada da noite, nas suas tendas...
Conversavam sobre o que havia passado. Conversavam, e lá no
fundo, elas tinham uma suspeita:suspeitavam que talvez a vida
pudesse ser diferente, e que esse diferente não era contra a
vontade de Deus, e sonhavam com o que poderia vir
Macla, Noa, Hogla, Milca e Tirza
Cada uma com sua fraqueza e sua força.
Cada uma com seus medos e sua coragem.
Mulheres humildes, agricultoras, pedindo terra para trabalhar. Elas
estavam dispostas a trabalhar e produzir seu próprio sustento e não
queriam depender da caridade do povo e, muito menos, ser um
peso para seus parentes.
Num certo dia, com pernas trêmulas, mãos suando, elas se enchem
de coragem, falam com Moisés, o sacerdote, as autoridades e todo
o povo.
São jovens mulheres, na iminência de se tornarem pessoas sem
terra, sem teto, sem nada.
Essas jovens, sem experiência, fazem uma opção radical,entre
ficarem caladas e aceitar seu destinoou quebrarem o silêncio e
reivindicar seus direitos.
Sem muito a perder, elas arriscam.
Sem saber no que vai dar, elas ousam.
Elas confiam que Deus está do lado delas.
Elas confiam que há mais na vida do que leis injustas.
Talvez, na hora, elas nem soubessem tudo o que essa atitude
significou e o que significa ainda hoje.
Na época, o atrevimento dessas jovens possibilitou que elas
herdassem a terra que seria do seu pai.
Mas foi mais do que isso.
A partir do pedido delas, Deus falou a Moisés mudando a lei,
permitindo que no caso de não haverem filhos homens, as filhas
pudessem herdar a propriedade do pai.
Além de elas terem garantido seu futuro, elas auxiliaram para que
outras jovens também não ficassem sem nada, como era a lei até
então.
A mesma coragem que fez aquelas jovens lutar, também continua
agindo no mundo de hoje, onde, na teoria e no nosso contexto, as
leis são iguais para todas as pessoas. Mas a gente sabe que não é
assim.
Pelo menos a grande maioria das mulheres sabe e já sentiu na pele.
Em nosso mundo e nosso contexto há exclusão, há diferenças entre
salários, há cobranças em ser a mulher perfeita, ou seja, bonita,
sensível, doce, dedicada, disponível, auxiliadora. Não me entendam
mal, não tenho nada contra tais qualidades, desde que sejam
esperadas de homens e mulheres, e desde que sejam uma escolha,
e não uma obrigação.
Cabe a nós, como àquelas jovens, quebrar o silêncio.
Quebrar o silêncio frente à injustiça.
Quebrar o silêncio frente ao preconceito.
Quebrar o silêncio frente à discriminação qualquer que seja.
Quebrar o silêncio frente à violência.
Como igreja essa também é nossa tarefa.
Porque quebrar o silêncio não é só uma questão de lei, mas é uma
profunda questão de fé.
As jovens do texto confiaram que Deus estava do lado delas.
As mulheres que conheceram Jesus, sentiram seu carinho e seu
amor e se as parábolas que Jesus contou querem nos mostrar como
é o Reino de Deus, então Deus, como aquela mulher, está varrendo,
procurando, cada moeda que se perdeu, que foi perdida, cada
mulher, cada homem, cada criança, cada pessoa que sofre, perdida
na dor imposta, no corpo machucado, no coração ferido.
Deus está varrendo...
Procurando.
Esperando.
Deus está oferecendo novas possibilidades, novas interpretações...
Assim como a mulher, nós também perdemos uma preciosa moeda.
Moeda de dignidade, direitos, respeito.
E juntas e juntos nos varremos, e com Deus nós varremos, varremos
e procuramos e lutamos...
...
E a cada encontro nós celebramos.
Celebramos quando as igrejas luteranas do mundo se unem na
oração e na luta para eliminar a violência contra a mulher
Celebramos quando nesta semana as igrejas luteranas da América
Latina e Caribe se unem numa liturgia preparada pela rede de
mulheres e justiça de gênero, como nós fazemos hoje.
Celebramos quando as comunidades da IECLB se unem em oração e
luta, como conclama o P. Nestor Friederich, pastor presidente da
IECLB:
“Diante de qualquer ato de violência cabe-nos não reagir com
violência, mas também não podemos acobertar a violência ou
silenciar diante dela. A violência deve ser denunciada... a
Presidência da IECLB convida suas comunidades a assumirem sua
parcela de responsabilidade em relação à superação de todas as
formas de violência.”
Tudo isso é motivo de celebração neste Dia Internacional da Mulher
Isso e muito mais.
Celebramos a vida presenteada por Deus.
Celebramos a coragem de quebrar o silêncio.
Celebramos a ousadia de dizer sim e de dizer não.
Celebramos a suspeita de que as coisas podem ser diferentes.
Que novas interpretações bíblicas e da realidade são possíveis e
orientadas por Deus.
Celebramos a luta que continua por um mundo bom, justo e digno
para todas as pessoas.
E
assim,juntos
e
juntas,
conversamos,
lutamos,
ousamos,suspeitamos,varremos,encontramos,perdemos,sonhamos.
..
... e continuamos celebrando.
Amém.
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