FORUM ABEL VARZIM, LOC/MTC - Movimento de Trabalhadores
Cristãos e CSCRAV - Centro Social Cultural e Recreativo Abel Varzim
COMEMORAÇÕES do 50.º ANIVERSÁRIO da MORTE do
PADRE ABEL VARZIM
Celebrações Nacionais
«CERIMÓNIAS de ABERTURA»
16 de março de 2014
LISBOA - Igreja de N.ª S.ª da Encarnação
Lançamento da 3.ª Edição do livro do Padre Varzim
«PROCISSÃO dos PASSOS»
Apresentação pelo Dr. Juan Francisco Garcia Ambrosio
A apresentação que vou fazer, do
livro «PROCISSÃO dos PASSOS», é o
resultado de um testemunho do que
foi a minha leitura na primeira vez
que tive a oportunidade de ler este
livro, e depois da releitura que fiz,
para
preparar
o
texto
de
apresentação deste livro e que agora
partilho convosco.
Eu não vou falar da vida do Padre
Abel Varzim, nem sequer da sua
obra. Há outras pessoas aqui nesta
sala, muitíssimo mais bem preparadas para fazer isso. Vou falar de algo de fascinante, que
me perece estar por detrás das linhas, que é o itinerário deste homem.
O que é que terá acontecido, para ele fazer a leitura que fez, e o caminho que fez e,
depois o que o levou a fazer a obra toda?
Começo por uma afirmação que vos vai parecer muito geral, mas que para mim faz todo o
sentido. E essa afirmação, é a seguinte: Toda a experiência humana é uma experiência de
encontros e desencontros. Esse é o sistema base de todo o viver humano, experiências de
encontros, muitas vezes configurando desencontros, mas é sobre isto que se faz a história.
Por tudo isto, o Cristianismo, porque tem que ser uma experiência humana, não pode
deixar de ser também uma experiência de encontro. É óbvio que o Cristianismo é mais do
que uma experiência humana, mas não pode ser menos que uma experiência humana.
Mais sim, Menos não. E por isso ele tem de se fundar numa experiência de encontro e
muitas deves de desencontro. Sabemos disso tudo pela nossa experiencia pessoal.
É verdade que ao longo da sua história, mais de 2.000 anos, o Cristianismo teve
obrigatoriamente de ser configurado em doutrinas, normas, ritos, celebrações, não pode
ser de outra maneira, mas estas doutrinas, estas normas, este ritos, estas celebrações,
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toda este estrutura só têm verdadeiro sentido quando olharmos a partir da Fé, quando
vividos a partir da Fé. São fundamentais as normas, as doutrinas, os ritos, não há
Cristianismo sem eles, mas o que enquadra e sustenta isso, é a experiência da Fé, uma
experiência de Fé.
Quando nós olhamos a sério para a experiência da Fé, o que encontramos na sua base é,
uma vez mais, uma experiência de encontro. Uma vez mais vamos encontrar como
sustento, como raiz, como identidade, é uma experiência de encontro. E é por isso que no
Cristianismo, o testemunho pessoal da vida das pessoas é fundamental. É por isso que o
Cristianismo se transmite de geração em geração, se gesta que é talvez a expressão mais
correcta, que é o que brota do interior das pessoas, ainda que seja pelo testemunho dos
outros, se transmite de geração em geração, como uma experiência de encontro que é
testemunhada e que leva de novo ao encontro.
Vou-me atrever a citar um pequenino texto da Encíclica “Lumen Fidei”, escrita como
sabemos a quatro mãos pelos Papas, Bento XVI e Francisco, onde isto aparece de maneira
lapidar. Diz o texto «a Fé nasce do encontro com o Deus vivo que nos chama e revela o seu
Amor. O Amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir
solidamente a vida. Transformados por esse Amor recebemos olhos novos e
experimentamos que há nele uma grande promessa de plenitude, e isso nos abre a visão
de futuro».
Meus amigos, o que este texto trata - «PROCISSÃO dos PASSOS» - é o de nos testemunhar uma
experiência de encontro e um exercício de olhar. E é essencialmente sobre isso que
gostaria agora de vos dizer duas ou três indicações sobre esta experiência de encontro e
este exercício de olhar.
O Padre Abel Varzim é nomeado Pároco da Encarnação em 1951. E, como sempre, faz a
sua leitura da realidade, como estava a fazer a leitura da realidade, que ele sabe que o
Cristianismo exige uma leitura da realidade. Está para pastorear o seu rebanho. Assim que
aqui chega, já conhecia a realidade, mas vai senti-la e percebe que o seu rebanho corre
um grande perigo. E esse perigo são «ELAS». E toda a gente sabe do que é que eu estou a
falar, que era assim que ele chamava “elas”.
“Elas” punham em perigo a vida do rebanho, põem em perigo esta coesão do rebanho,
põem em perigo o próprio projeto de Deus, neste território, neste espaço, neste tempo,
que era o Chiado, ainda hoje igual do ponto de vista geográfico e físico, mas muito
diferente do ponto de vista humano.
O perigo são “Elas”, e elas não fazem parte do rebanho. Missão do Padre Abel Varzim:
expulsá-las, afastá-las do rebanho, para que o rebanho possa ter a sua vida com
tranquilidade. O Texto vai decorrendo de uma maneira cada vez mais dramática, cada vez
mais densa, e eu gostaria de destacar o que a mim me (…) . Há até uma frase muito dura
deste primeiro olhar do Padre Abel Varzim para a realidade. Ele abomina estas
“mulheres”, a vida que elas têm, o perigo que elas representam, e porque o seu olhar as
revela isso, ele odeia-as – diz o texto – decide que Deus também as deve odiar.
E por isso tudo o que vai fazer dali para a frente, é que se concretize esta expulsão do
próprio rebanho.
As coisas vão-se sucedendo a dada altura o Padre Abel Varzim, neste exemplo que gosto
de referir (embora pudesse escolher muitos outros), é chamado para dar o Sacramento da
Cerimónias de Abertura das Comemorações do Cinquentenário da morte do Padre Abel Varzim Lançamento da 3.ª edição de «Procissão dos Passos»
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Santa Unção a uma jovem “rapariga”. Dizem-lhe que ela está no vão de uma escada e ele
recusa-se a ir dar o Sacramento a esta rapariga, porque um vão de escada não é um lugar
digno para Deus. “Se querem que eu vá, levem-na para uma casa” e então ele irá.
Essa rapariga é levada para uma casa, e de novo vêm chamar o Padre Abel Varzim. Ele
então vai. Pelo caminho, diz ele, vai dialogando com o seu Deus, porque Deus fazia parte
dessa procissão, vai dialogando com Ele, vai-se preparando para o que vai acontecer.
Chega à casa, vê que a rapariga está muito fraca, quase já não tem força para falar, e
prepara tudo para celebrar o Sacramento. O texto vai-se tornando cada vez mais denso. E
o Padre Abel Varzim ajoelha-se e prepara-se para dar a bênção, e quando se levanta dá-se
conta que está num lupanar. Está numa casa de prostituição, rodeado por prostitutas,
prestes a dar a bênção de Deus a uma prostituta. O que se passa no seu interior, não sou
capaz de perceber na sua totalidade, o texto não revela, mas é bem fácil de perceber que
só poderia ser uma enorme convulsão. Ele tinha vindo para a Paróquia para as expulsar, e
agora estava aos pés de uma, prestes a invocar a Bênção de Deus. O que acontece
naquele momento tem que ser uma experiência de encontro. Uma experiência com Deus
que o enviou lá, uma experiência de encontro com aquela rapariga, uma experiência de
encontro que inunda o olhar. Ele já não olha para ela (claro que isto não é imediato) a
partir do seu olhar, mas sim a partir do olhar de Deus. Ele já não olha para ela a partir do
seu projeto pessoal, mas sim a partir do projeto de Deus. O olhar deste homem mudou. E
ele, ainda com enorme tensão, celebra o Sacramento e dá a bênção de Deus a esta
mulher.
Sabemos depois que o Padre Abel Varzim voltou várias vezes aos lupanares, ele nesta
primeira vez não sabia ao que ia, mas foi e fê-lo. Nas vezes seguintes ele já sabia ao que ia
e continuou a ir, é que o seu olhar já tinha mudado. Ele já não olhava para elas,
simplesmente a partir da sua visão, ele olhava para elas já a partir do olhar do próprio
Deus.
No início desta exposição citei um texto da Lumen Fidei. Esta experiência de encontro com
Deus faz com que nós usemos um novo olhar, um olhar a partir do próprio amor de Deus.
Há aqui uma transição, num primeiro momento ele olha para “elas” – sabem quem são
elas? – e centra-se no pecado em que elas vivem, que elas praticam que elas
proporcionam. Depois, ele aprende a olhar para “elas” como pessoas, e descobre nelas
pessoas amadas por Deus. E por isso há aqui uma transição que é brutal. No primeiro
momento disse-vos “ele olha para elas, odeia-as e decide que Deus também as odeia”.
Agora, ele olha para elas e descobre o Amor de Deus e percebe que também ele é
chamado a amá-las. E há uma frase que vem também no texto, e que nos revela esta
mudança. Diz o Padre Abel Varzim, percebeu agora claramente algo que a sua formação já
lhe dizia mas que ele não tinha tido a coragem de fazer. É que ele é chamado a aborrecer
o pecado e a amar o pecador. Ele é chamado a denunciar e a lutar contra o pecado, mas a
acolher o pecador. E tudo isto se passa na experiência do encontro com Deus, encontro
com os outros, encontro de Deus nos outros. E tudo isto parte do exercício de um novo
olhar. Ele encontrou-se com “elas” olhou-as de uma outra maneira, a partir do próprio
Deus, escutou-as e descobriu que elas fazem parte do rebanho. Já não podem ser só
“elas”, fazem parte de um rebanho.
Cerimónias de Abertura das Comemorações do Cinquentenário da morte do Padre Abel Varzim Lançamento da 3.ª edição de «Procissão dos Passos»
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Poderíamos escolher muitos outros episódios, basta-me este. E o quero salientar, e
termino, é este testemunho de nos situarmos no essencial. E o essencial do Padre Abel
Varzim foi, o encontro com Deus nos outros, e neste caso, os outros mais necessitados.
E esta ousadia de olhar a partir do próprio olhar de Deus. É o olhar com estes olhos, que
nos ajuda a descobrir um futuro, e um futuro com plenitude. É um olhar com estes olhos
que nos ajuda a ousar construir um futuro diferente. É a partir da Fé. Foi assim com o
Padre Abel Varzim, e tem de ser assim com todos os Cristãos. É a partir da Fé que temos
de descobrir qual é verdadeiramente o horizonte de Deus para a Humanidade, porque
todo o futuro é possível.
Nós estamos a viver de facto uma situação social tremenda, onde parece que não há
outro futuro possível, mas há. É possível a partir da Fé.
E termino com esta citação, até parece quase uma ousadia falar em Fado. E cito o último
texto. Que o Fado afinal – é do destino que se fala aqui – não passa de triste e detestável
dimensão, pois, “se tudo isto existe, se tudo isto é triste, nada disto é fado”.
Texto retirado de gravação. Editado
Cerimónias de Abertura das Comemorações do Cinquentenário da morte do Padre Abel Varzim Lançamento da 3.ª edição de «Procissão dos Passos»
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