I ntrodução à H IstórIa e à e volução da n eurocIêncIa PrIncIPaIs fatos e eventos HIstórIcos sobre o estudo do cérebro Cogito, ergo sum. se dedica ao estudo da realização física do processo de informação no sistema nervoso humano e animal. É um termo que reúne disciplinas biológicas que estudam o cérebro, especialmente a anatomia e a fisiologia, e os fenômenos a ele relacionados, como memória, pensamento, cognição, dor, visão, Essencialmente é uma área interdisciplinar, resultado da interação de diversos ramos do conhecimento como a neurobiologia, neurofisiologia, neuropsicologia, área clínica, e sua aplicações extendendo-se à na distintas especialidades médicas como neuropsiquiatria, neuroendocrinologia, e passar dos anos, não só houve o fortalecimento transformações, de algumas áreas da Neurociência como obrigaram a uma radical mudança acerca dos também ocorreu a incorporação de outros dogmas científicos das décadas passadas. campos do conhecimento como a Computação Uma história tão antiga quanto a história da e a Engenharia no estudo do cérebro. Graças humanidade... A neuropatologia, neurofisiologia neurofarmacologia as sofreram quais profundas pertinentemente forma mais abrangente, incorporando conceitos Neurociência é a área do conhecimento que neurofarmacologia aconteceu. tão complexo como o sistema nervoso. Com o décadas, passamos a enxergar o cérebro de INTRODUÇÃO etc. surgimento da neuroimagem moderna muita coisa as melhores formas de se abordar um sistema ao formidável avanço tecnológico das últimas René Descartes 1596-1650 movimentos, muito se tem pesquisado sobre quais seriam neuroepidemiologia, psiconeuroimunoendocrinologia, dentre outras. Há muitas maneiras de se ver o cérebro. Desde os estudos pioneiros de Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) até a moderna Neurociência atual, e elaborando protocolos de experimentação cada vez mais interessantes. Considera-se hoje a multidisciplinaridade fator indispensável para se responder perguntas que há muito os neurocientistas vem pesquisando. “O que é a Consciência?”, “Como distinguimos rostos conhecidos em meio a uma multidão?”, “De onde vem a criatividade dos artistas?”, “Como as crianças aprendem sobre o mundo que as rodeia?”, etc. A história da Neurociência é repleta de revelações e de surpresas. Grandes descobertas que ao longo dos séculos foram tidas como dogmas, hoje são literalmente “coisas do passado”. Neste primeiro módulo do curso on line de neurociência básica, apresentaremos as diversas correntes filosóficas e as escolas que formaram cientistas responsáveis pela grande explosão das descobertas em Neurociência atualmente. Desde os tempos de Galeno, Erasistratus e dos manuscritos egípcios até o OS REGISTROS SUMÉRIOS: 4000 a.c A Suméria pode ser considerada a civilização mais antiga da humanidade. Localizava-se ao sul da Mesopotâmia (onde hoje corresponde ao Iraque). Conhecidos pela criação da escrita cuneiforme, o povo sumério e sua cultura influenciaram diversas civilizações ao longo de milênios. Os sumérios eram grandes cultivadores da papoula (Planta da Família das Papaveráceas) a qual utilizavam para curar doenças e celebrar rituais religiosos. Ao se fazer cortes na cápsula da papoula, quando ainda verde, obtém-se um suco leitoso, o ópio (em grego quer dizer suco). Quando seco, este suco passa a se chamar pó de ópio. Diversas substâncias sabidamente conhecidas na atualidade são derivadas da papoula, como a morfina, a heroína e o já citado ópio. É nos registros sumérios que se encontram as primeiras referências ao cérebro e seus fenômenos. Relatos de autores anônimos datados de 4000 a.c descrevem alterações comportamentais associadas á ingestão da papoula. Sintomas como euforia, sedação associada a sensação de bem-estar, depressão do sistema nervoso central, sonolência e constipação intestinal eram relatados. Considerada a “planta da alegria”, os Curso on line de Neurociência Básica - Todos os Direitos Reservados http://neurocurso.com sumérios a utilizavam para invocar deuses e para membros realizar tratamentos, como nos casos de diarréia. descritas no caso de número 8. Dos 48 casos (paresias e hemiplegias), como Hoje sabemos que todas as drogas tipo opiáceo descritos no papiro de Edwin Smith, 27 eram ou opióide têm exatamente os mesmos efeitos sobre traumatismo cranioencefálico e 6 sobre no Sistema Nervoso Central: são inibidores traumatismo raquimedular. Dessas 27 lesões, 4 ou depressores. Apesar de apresentarem delas descreviam graves ferimentos no crânio basicamente os mesmos efeitos sobre o cérebro, com exposição do tecido cerebral, e 11 apenas essas substâncias possuem potências distintas. relatavam fraturas. O caso 31 contém a primeira Elas são hipnóticas (por induzirem o sono) descrição da incontinência urinária, quadriplegia, e analgésicas, e por isso são chamadas de priaprismo e de distúrbios de ejaculação após narcóticos que significa exatamente as drogas deslocamento de uma vértebra cervical. capazes de produzir estes dois efeitos. As Apesar da riqueza de detalhes e relatos tradições sumérias perpetuaram-se por milênios, “neurológicos“, os egípcios consideravam o mesmo após a extinção de seu povo e de sua coração como o órgão mais importante do corpo, cultura, sendo a papoula ainda utilizada para os sendo reconhecido como o centro da inteligência, mesmo fins pelos babilônios, egípcios dentre da bondade e da força da vida. Nos rituais de outros. mumificação, ele era mantido no lugar, mas o cérebro era retirado através das narinas e desprezado. O cérebro tinha pouca importância nessa época e era visto como secundário. O “cardiocentrismo”, uma herança da medicina egípcia, apesar de combatido duramente pelo médico grego Alcmaeon em 450 a.c (veja adiante), voltou a ter sua expressão máxima com Aristóteles por volta de 335 a.c. Somente em 170 a.c, com a publicação da obra do respeitado médico grego Galeno, de usu partium, é que o cérebro teve seu lugar de destaque como a sede das faculdades mentais. FIG.1 Flores da Papoula Utilizada pelos povos sumérios para realização de tratamentos e cultos religiosos. PAPIROS EGÍPCIOS: 2.500 a.c O primeiro grande tratado médico da história da humanidade foi encontrado no Egito na cidade de Tebas. O papiro, que foi chamado de “O papiro cirúrgico de Edwin Smith”, foi adquirido por Edwin Smith, um egiptólogo, em 1862, na cidade de Luxor. O Papiro de Edwin Smith, conservado na Academia de Medicina de Nova York, nos dá as primeiras informações sobre o cérebro na antiguidade. Ele continha detalhadas descrições anatômicas, fisiológicas e patológicas das mais diversas doenças, incluindo casos de dano cerebral e sua correlação anatômica, além das primeiras descrições das “suturas cranianas”, das “meninges”, da superfície externa do cérebro, do “líquido cérebro-espinhal”, e das “pulsações cerebrais”. Os egípcios também descreveram lesões traumáticas no cérebro e as associaram à mudanças no funcionamento de outras partes do corpo, em especial os Outras obras a respeito da medicina egípcia já foram encontradas. É o caso do o Papiro de Ebers, assim denominado em homenagem ao egiptólogo alemão Georg Ebers, responsável por sua tradução, em 1873. Organizado entre 1536 e 1534 a.C., o papiro é o mais representativo e completo documento sobre a antiga medicina egípcia. Nele estão descritas diversas terapias, informações sobre anatomia, descrição de doenças, prescrições e centenas de plantas usadas pelos médicos desde então. Foi escrito no antigo Egito por Imotep, um renomado médico e físico, que na época era aclamado como um “Deus” da cura. A decadência do império egípcio teve início por volta do século XII a.c, com as sucessivas invasões de diversos povos como assírios, persas e macedônios. As tradições médicas da época foram sofrendo profundas transformações ao longo dos milênios, com uma tendência ao “neurocentrismo“. Apesar da pouca importância do cérebro no império egito, os papiros de Edwin Smith e de Ebers são considerados verdadeiros tratados médicos e marcos inaugurais do que conhecemos hoje como neurociência. FIG.2 Primeira referência á palavra “cérebro”. Palavra “cérebro“ em egípcio encontrada no papiro cirúrgico de Edwin Smith A TREPANAÇÃO E OS POVOS SULAMERICANOS: 2000 a.c Evidências arqueológicas datadas de 2000 a.c revelam que os povos antigos dominavam uma espécie de cirurgia neurológica, chamada de trepanação. A trepanação (do grego trupanon que significa broca) consiste em remover uma placa de osso do crânio com o objetivo de se ter acesso ao cérebro. Cirurgias modernas de alta complexidade como as de aneurismas cerebrais, tumores do sistema nervoso central, hidrocefalia dentre outras usam a trepanação como parte do tempo cirúrgico. Civilizações antigas, como mostram crânios encontrados em diversos sítios arqueológicos, usavam a trepanação para diversos fins. Existem registros de utilização dessas técnicas no antigo Egito, na Grécia, no Império Romano, no Oriente Médio e entre tribos célticas, na China (antiga e recente), na Índia, entre os Maias, Aztecas e Incas e até mesmo entre os índios brasileiros. As razões para a realização de trepanações em praticamente todas as civilizações antigas ainda não são claras. Estudiosos acreditam que elas eram executadas como “tratamento” para dor de cabeça, epilepsia, para “expulsar maus espíritos“ e por motivos mágicos e religiosos com o objetivo de trazer sorte e oferecer sacrifício, aos deuses. Muitas culturas usavam a placa redonda de osso retirada de crânios como um amuleto. A trepanação podia ser feita de duas maneiras: por abrasão de osso (usando uma pedra afiada ou uma faca de vidro vulcânico) ou serrando (usando trépanos semicirculares que cortavam por meio de um movimento circular constante, como era feito pelas civilizações de América Central e do Sul). Os egípcios inventaram o trépano circular, constituído por um tubo com bordas dentadas, capaz de cortar por meio de rotação, e que foi usado extensivamente na Grécia e Roma, dando origem ao “trépano de coroa”, usado na Europa entre o séculos 1 e 19. Todo o processo de abertura e retirada da calota de osso era realizado sem anestesia ou anti-sepsia!! 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