SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VII Colóquio do Supremo Tribunal de Justiça sobre Direito do Trabalho Lisboa, 21 de outubro de 2015 Sessão de Encerramento INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DA SECÇÃO SOCIAL, JUIZ CONSELHEIRO MANUEL PINTO HESPANHOL 2 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Senhoras e Senhores Preletores. Colegas. Minhas Senhoras e Meus Senhores. * Chamar a atenção. Chamar a atenção para um tema ou problema é o desafio mais ingente do nosso tempo, caracterizado por múltiplos feixes irradiantes de informação, que se cruzam nos computadores pessoais, smartphones e tablets, fruto da evolução das tecnologias de informação e comunicação. O certo é, porém, que o VII Colóquio sobre Direito do Trabalho conseguiu interessar um elevado número de magistrados, advogados, docentes universitários e juristas, o que terá resultado, certamente, da atualidade dos temas eleitos e da qualidade dos preletores. Foi, assim, cumprido o desígnio que a Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça e a Associação Portuguesa de Direito do Trabalho (APODIT) partilharam na elaboração conjunta do desenho temático do colóquio e na escolha dos preletores. É claro que a consecução deste projeto alicerçou-se numa ampla dinâmica de muitas boas vontades, sendo devido realçar o pertinaz labor do Gabinete da Presidência do Supremo Tribunal de Justiça, do Senhor 3 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Administrador e de inúmeros Senhoras e Senhores Funcionários deste Supremo Tribunal, bem como do Secretariado da APODIT, o interesse manifestado pelos Senhores Presidentes dos Tribunais da Relação e das respetivas Secções Sociais na participação em colóquio que consideram «seu», o empenho da «Nossa» Biblioteca e das Editoras seleccionadas, que tornaram possível a realização de uma expressiva mostra das mais recentes publicações no âmbito do Direito do Trabalho, a viva atenção de todos os participantes e a generosa colaboração dos preletores e músicos convidados, que prescindiram da salvaguarda de algum tempo de lazer. Mas este VII Colóquio não é, apenas, um mero evento. É também um ponto de encontro entre magistrados que exercem funções nos Tribunais do Trabalho e nas Secções Sociais dos Tribunais da Relação e deste Supremo Tribunal, e de magistrados com advogados, docentes universitários, juristas especializados em Direito do Trabalho, organizações de trabalhadores e de empregadores e, este ano, com uma representação notável da Autoridade para as Condições do Trabalho e do Escritório da OIT, em Lisboa, dirigindo, a todos, uma afetuosa saudação. Juntos, fomos capazes de alcançar uma notável partilha de vastos conhecimentos jurídicos, que importa, agora, desenvolver e divulgar. Neste sentido, as comunicações produzidas, cujo texto nos seja disponibilizado, serão publicadas, de imediato, no item «Colóquios», da página da internet do Supremo Tribunal de Justiça. 4 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Senhoras e Senhores Preletores. Colegas. Minhas Senhoras e Meus Senhores. * O VII Colóquio sobre Direito do Trabalho elegeu para debate dois temas de grande importância: a liberdade contratual e os problemas de qualificação do contrato de trabalho e as perplexidades geradas pela ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. De facto, no labor diário dos tribunais de trabalho, são invocados, com muita frequência, (i) contratos simultaneamente denominados como contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço e (ii) contratos de prestação de serviço subscritos por advogados, engenheiros, arquitetos e professores universitários, que, em sede de impugnação de pretenso despedimento, vêm alegar que, afinal, ajustaram um verdadeiro e próprio contrato de trabalho, sendo devido realçar que, (iii) no âmbito da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, os empregadores e alguns dos prestadores de atividade que figuram como partes nos contratos de prestação de serviço propugnam, com frequência, que os mesmos representam a sua vontade real. Na sessão da manhã, examinou-se o sempre aliciante e atual tema do relevo da autonomia da vontade das partes na celebração do contrato de trabalho, assinalando-se as pertinentes singularidades, e detalharam-se os critérios para a distinção entre os contratos de trabalho e de prestação 5 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de serviço, destacando-se a interpretação da vontade real das partes, o método tipológico e o método indiciário, sem esquecer os temas do ónus da prova e da presunção de laboralidade. Na sessão da tarde, dedicou-se atenção às perplexidades geradas pela nova ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho e, neste plano de consideração, aos efeitos ligados à receção da participação elaborada pela Autoridade para as Condições do Trabalho, ao prazo para propositura da ação, à intervenção do trabalhador na ação, aos termos posteriores aos articulados, ao julgamento e ao recurso. Do labor reflexivo levado a cabo no VII Colóquio sobre Direito do Trabalho, destacaria, em jeito de síntese, as proposições seguintes: – A ideia de contrato é a matriz organizadora da sociedade, do Direito e da própria economia de mercado, havendo fundado suporte constitucional para a admissão de uma intervenção do Estado, através do Direito do Trabalho, tendente a equilibrar a desigualdade das partes caraterística do contrato de trabalho; – O conceito de trabalhador subordinado no Direito da União Europeia não é unívoco, antes variando segundo o domínio de aplicação em causa, consoante o respetivo escopo e a técnica utilizada para a obtenção do mesmo, sendo que, na falta de definição por via legislativa, coube ao Tribunal de Justiça da União Europeia desenvolver este conceito, seguindo percursos argumentativos nem sempre lineares, orientado pela interpretação teleológica que caracteriza a sua jurisprudência; 6 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – A construção jurisprudencial de um conceito de subordinação stricto sensu, próprio do Direito europeu da União Europeia (uniformização concetual vinculativa para os Estados-membros), teve a sua origem no atual artigo 45.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, referente à livre circulação de trabalhadores, com a finalidade de salvaguardar a livre concorrência de trabalhadores no mercado de trabalho comum, objetivo que justifica a amplitude com que o Tribunal de Justiça da União Europeia definiu o conceito; – Neste domínio, o Tribunal de Justiça da União Europeia afirma que a «característica essencial da relação de trabalho é a circunstância de uma pessoa realizar, durante certo tempo, em beneficio de outra e sob sua direção, as prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração», identificando três critérios objetivos, que são depois objeto de interpretação extensiva, ampliando a qualificação tradicional realizada pelos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros: (i) caráter económico «real e efetivo» da prestação realizada pessoalmente; (ii) sujeição ao poder de direção do beneficiário da prestação (utilizando aqui vários elementos do método indiciário); (iii) caráter oneroso da prestação; – Segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, a utilização de critérios objetivos exclui, de forma bem mais categórica do que é admitido em qualquer ordenamento jurídico nacional, a disponibilidade do tipo contratual quer em sede legislativa, quer por vontade das partes; 7 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – Este conceito de trabalhador subordinado tem vindo a assumir a pretensão de generalização e consequente aplicação a contextos diversos daqueles que estiveram na sua origem (liberdade de circulação de trabalhadores), traduzindo a vis expansiva do conceito europeu de subordinação que vai incidir agora no núcleo «duro» da proteção social, seja em matéria de direito primário (v.g., princípio da igualdade e não discriminação), seja na interpretação do direito derivado quando as Diretivas não remetem expressamente para o conceito de trabalhador dos ordenamentos jurídicos nacionais; – As relações constituídas no âmbito da chamada economia on demand entre prestadores (ditos) independentes e empresas que criam e gerem aplicações e plataformas online que propiciam o encontro entre a procura e a oferta num dado mercado de serviços (transporte, limpeza, etc.) representam um desafio em matéria de qualificação do contrato de trabalho, que obriga a repensar e a redefinir, à luz das realidades surgidas da evolução tecnológica, o elenco tradicional de indícios de subordinação, bem como aqueles, de entre estes, que irão, doravante, assumir maior protagonismo; – Na ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o Ministério Público representa o Estado e defende os interesses de ordem pública que a Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, lhe determina, estando por ela legitimado para ser o autor e parte principal na ação, onde não representa, nem patrocina, o prestador de trabalho; 8 SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – O intuito defraudatório no recurso indevido ao contrato de prestação de serviços, que a dita ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho visa perseguir, pode não ser apenas do dador de trabalho, não sendo possível sustentar que a tutela do interesse do fictício trabalhador independente também é objeto desta ação ou que releva sequer para a interpretação do respetivo regime; – Mesmo não estando expressamente contemplada a intervenção do Ministério Público após a apresentação da petição inicial, ela resulta necessariamente dos princípios gerais do processo civil, designadamente dos princípios do contraditório e da igualdade substancial das partes. Termino, expressando a convicção de que a elevada participação verificada neste VII Colóquio sobre Direito do Trabalho irá certamente incentivar o Supremo Tribunal de Justiça e a Associação Portuguesa de Direito do Trabalho a prosseguirem a realização, em parceria, de debates sobre temas jurídico-laborais, em cuja delimitação se pretende um amplo envolvimento das Secções Sociais dos nossos Tribunais da Relação. Em nome do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, declaro encerrado o VII Colóquio sobre Direito do Trabalho, pedindo, tal como é tradição, que me acompanhem num aplauso a todos quantos o tornaram possível e nele participaram, assim os felicitando pelo labor desenvolvido. Muito obrigado.