MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE ITAPEVA – SP EXCELENTÍSSIMO SENHOR DR. JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ITAPEVA – ESTADO DE SÃO PAULO ICP n. 1.34.001.003984/2011-06 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador da República signatário, com fundamento nos documentos constantes do inquérito civil público em anexo e nos artigos 129, incisos II e III, da Constituição Federal; artigos 5º, inciso III, “e”, 6º, inciso VII, “c” da Lei Complementar n.º 75/93; artigos 1º, inciso II, 3º, 5º, inciso I, e 19 da Lei 7.347/85, vem respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com base no quadro fático e nos fundamentos jurídicos abaixo apontados, em face da: ASSOCIAÇÃO CULTURAL E EDUCACIONAL DE ITAPEVA - ACITA, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, não beneficente, inscrita no CNPJ/MF sob n. 02.104.766/0001-41, com endereço na Rodovia Francisco Alves Negrão (SP 258), km 285, Bairro Pilão D´água, Itapeva/SP, mantenedora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva - FAIT Rua Zita Ferrari, 18 – Jardim Ferrari – Itapeva/SP CEP 18405-050 (15) 3526-9800 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 1. DOS FATOS Conforme apurou-se no inquérito civil público n. 1.34.001.003984/2011-06, que tramitou nesta Procuradoria da República em Itapeva, cujos originais seguem em anexo, a Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva – FAIT, efetua a cobrança indevida aos alunos de diversas taxas por serviços inerentes às atividade acadêmicas, tais como taxa de requerimento de matrícula (R$250,00 a R$350,00), taxa de requerimento de atestado de matrícula (R$27,00), taxa de requerimento de carteirinha estudantil (R$22,00), taxa de requerimento de histórico escolar (R$50,00), como taxa de requerimento de atestado de conclusão de curso (R$50,00), taxa de requerimento de colação de grau (R$45,00), taxa de requerimento de grade curricular (R$14,00), taxa de requerimento e de recurso de revisão de nota (R$50,00 e R$235,00), taxa para a defesa oral do TCC (R$14,00), taxa para requerer carta de estágio (R$30,00), taxa de requerimento de revisão de falta (R$50,00) inclusive dos alunos beneficiados pelo Programa Universidade para Todos – PROUNI (fls. 108/109). Além disso, a instituição pratica multa moratória abusiva, dissimulada por expediente que designa “Desconto Premiação/Antecipação” (f. 111). A instituição justificava a cobrança de taxas extras aduzindo estar prevista no contrato de prestação de serviços de ensino firmado com o estudante, bem como no fato de a regulamentação do PROUNI permitir a cobrança de taxas para a expedição de documentos (fls. 26/37). O Ministério da Educação instaurou, em relação ao pagamento de taxa de requerimento de matrícula, por meio da Portaria n. 122, de 11/07/2012, procedimento administrativo n. 23000.002466/2012-97, para apurar a responsabilidade 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL da FAIT por descumprimento das normas regulamentadoras do PROUNI, cuja decisão, publicada em 30/07/2014, aplicou-lhe a penalidade de acrescer às vagas disponibilizadas ao PROUNI, no primeiro semestre de 2015, o percentual de 1/5 de bolsas de estudo (fls. 66/68 e 93/94). 2. DO PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS – PROUNI O PROUNI é um programa de estado, criado pela Lei n. 11.096/2005 e regulamentado pelo Decreto n. 5.493/2005, gerido pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, que concede bolsas de estudos integrais e parciais, em instituições privadas de ensino superior, a alunos compreendidos nas faixas de renda familiar per capta de até 1,5 e 3 salários mínimos e que tenham cursado o ensino médio completo na rede pública ou como bolsistas integrais de instituições particulares, que sejam deficientes, ou que sejam professores da rede pública de ensino em efetivo exercício. A pré-seleção é realizada por meio do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, que é complementada pelo processo seletivo peculiar a cada faculdade. A manutenção da bolsa, ao longo do período do curso, depende do cumprimento de requisitos de desempenho acadêmico, de frequência mínima de 75% Podem aderir ao programa instituições que ofereçam 1 bolsa integral para cada 10,7 alunos pagantes que tenha no período letivo anterior, ou bolsas integrais na proporção de 1:22, mas tantas bolsas parciais quantas forem necessárias para atingir o equivalente a 8,5% da receita da instituição. Será desvinculado o curso considerado insuficiente, segundo avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Como contrapartida, a instituição de ensino recebe a isenção de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. O acompanhamento e controle social do programa são exercidos por comissão nacional e também por comissão de acompanhamento de âmbito local, a quem cabe acompanhar, averiguar e fiscalizar a implementação do programa. 3. DA ILEGALIDADE DAS COBRANÇAS DE TAXAS A Lei nº 8.170/91 previa a existência e o modo de fixação dos “encargos educacionais” nos estabelecimentos particulares de ensino de nível préescolar, fundamental, médio e superior, estipulava a forma de reajuste e autorizava a intervenção da Delegacia Regional do MEC. Tal lei, porém, foi integralmente revogada pela Lei nº 9.870/99 (cf. art. 12), a qual passou a prever, como única hipótese de remuneração das Instituições de Ensino Superior, as “anuidades e semestralidades” (art. 1º, caput). Confira-se: Art. 1o O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável. [...] § 5o O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos parágrafos anteriores. Veja-se que foi abolida a regra que autorizava a cobrança de encargos. Em seu lugar, veio a lume o comando normativo que prevê apenas a exigência de anuidades ou semestralidades divididas em parcelas mensais, de modo 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL que nestas já estão incluídos os serviços inerentes a atividade educacional prestada pela Instituição de Ensino Superior. E observe-se que a Lei n. 11.096/2005, em seu artigo 1º, §3º, expressamente prevê que as bolsas do PROUNI englobam os valores das anuidades ou semestralidades escolares fixadas com base na Lei n. Lei nº 9.870/99: Art. 1º. § 3o Para os efeitos desta Lei, bolsa de estudo refere-se às semestralidades ou anuidades escolares fixadas com base na Lei no 9.870, de 23 de novembro de 1999. Além disso, a Resolução nº 1/83 do extinto Conselho Federal de Educação (atual Conselho Nacional de Educação), em seu art. 2º, § 1º, dispunha que a anuidade escolar, desdobrada em duas semestralidades, constitui a contraprestação pecuniária correspondente à educação ministrada e à prestação de serviços a ela diretamente vinculados, tais como a matrícula, estágios obrigatórios, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, 1ª via de documentos para fins de transferência, certificados ou diplomas (modelo oficial) de conclusão de cursos, de identidade estudantil, de boletins de notas, de cronogramas, de horários escolares, de currículos, e de programas. Por sua vez, a Resolução nº 3/89 do extinto Conselho Federal de Educação (atual Conselho Nacional de Educação), em seu art. 4º, § 1º, determina que as mensalidades remuneram todos os custos correspondentes à educação ministrada e à prestação de serviços a ela diretamente vinculados, tais como matrícula, estágios obrigatórios, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, de certificados de conclusão de cursos, de identidade estudantil, de boletins de notas, cronogramas, de horários escolares, de currículos e de programas. 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Dessome-se daí que as expedições de certidões, atestados, certificados, históricos escolares, boletins e outros documentos da mesma natureza são custeadas pelos próprios acadêmicos em decorrência da prestação pecuniária paga às instituições privadas de ensino superior, na forma de mensalidades, anuidades e semestralidades durante o transcurso dos serviços educacionais prestados. As referidas resoluções, apesar de terem sido expedidas em outro momento histórico no que tange às relações consumeristas educacionais, já sinalizavam a existência de equívoco na cobrança desmesurada de taxas escolares. Quanto à aplicação da Resolução nº 03/89 do Conselho Federal de Educação, confira-se o entendimento consolidado nos Tribunais Regionais Federais: AGRAVOS LEGAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TAXAS PARA EXPEDIÇÃO E REGISTRO DE DIPLOMAS. ILEGALIDADE. 1. Da ilação do art. 4º, parágrafos 1º a 3º c/c o art. 11 da Resolução n.º 01/83 do então Conselho Federal de Educação, modificada pela Resolução n.º 03/89, infere-se que os custos da expedição da maior parte dos documentos em questão estão abrangidos pelo valor pago a título de mensalidade. 2. Afigura-se abusiva a cobrança de taxas específicas para as finalidades em comento, nos termos do art. 51 do CDC, sendo de rigor a restituição dos valores indevidamente pagos a esse título, sob pena de enriquecimento sem causa. 3. Inegável é a competência da União para fiscalizar as instituições de ensino superior. No entanto, não é possível condená-la a fiscalizar especificadamente determinada instituição, visto que esse tipo de determinação adentra à esfera de competências do Poder Executivo. 4. Não há elementos novos capazes de alterar o entendimento externado na decisão monocrática. 5. Agravos legais improvidos. (TRF3, AC n. 001488835.2007.4.03.6102/SP, Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA, J. 10/04/2014) ADMINISTRATIVO - ENSINO SUPERIOR - EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA - COBRANÇA DE TAXA - DESCABIMENTO – VALOR INCLUÍDO NA ANUIDADE - RESOLUÇÃO Nº 1/83 DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 1. NOS TERMOS DA RESOLUÇÃO Nº 1/83, REFORMULADA PELA RESOLUÇÃO Nº 03/1989, AMBAS DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, OS CERTIFICADOS E DIPLOMAS ESTÃO INCLUÍDOS COMO CONTRAPRESTAÇÃO À ANUIDADE ESCOLAR, SENDO CABÍVEIS APENAS AS COBRANÇAS DE TAXAS REFERENTES À REMUNERAÇÃO DE SERVIÇOS EVENTUAIS OU EXTRAORDINÁRIOS. DE MODO QUE A COBRANÇA DE TAXA PARA A EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA É VEDADA, UMA VEZ QUE O REFERIDO SERVIÇO NÃO É EVENTUAL OU EXTRAORDINÁRIO, ESTANDO SEU CUSTO JÁ ENGLOBADO NO VALOR PAGO PELO ALUNO, NA ANUIDADE ESCOLAR. PRECEDENTE DESTA EGRÉGIA CORTE: (TRF 5 AMS 96323/PE - 1ª T. REL. DES. FED. JOSE MARIA LUCENA DJU 14/02/2007 - PÁGINA: 633). 2. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA. (TRF5, Primeira Turma, REOMS nº 100586/CE, Relator o Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, unânime, julgado em 13/12/2007, publicado em 28/02/2008) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE "AD CAUSAM". ADMISSIBILIDADE. DIREITO À EDUCAÇÃO. ENSINO SUPERIOR. EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PAGAMENTO DE TAXA. DESCABÍVEL. (RESOLUÇÕES 01/83 e 03/83 DO CFE) 1. Patente a legitimidade "ad causam" do Ministério Público para postular através da Ação Civil Pública, Direito que diz respeito à Educação, porquanto, ainda que homogêneo, é devidamente tutelado pelo Estado. 2.A taxa exigida pela Universidade para a concessão do Diploma de nível superior é ilegal e abusiva, vez que não está respaldada na legislação vigente. 3.Agravo de instrumento improvido. (TRF3, AGTR nº 200703001044404, Relator o Desembargador Federal Roberto Haddad, Quarta Turma, unânime, julgado em 18/09/2008, publicado em 25/11/2008). E assim realmente deve ser. O ato de matrícula e, por consectário lógico, o ato de requerer a matrícula, tal como previsto em lei, é elemento intrínseco à formalização da relação instituição-aluno. Como tal, necessariamente está incluído nos custos relacionados à atividades de ensino, por intrínseco a ela, de modo que nada justifica sua cobrança bis in idem. 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E diga-se o mesmo em relação a qualquer taxa/custo/emolumento cobrado dos alunos por serviços que tenham relação com a atividade de ensino e não sejam eventuais ou extraordinários, como taxa de requerimento de atestado de matrícula, taxa de requerimento de carteirinha estudantil, taxa de requerimento de histórico escolar, como taxa de requerimento de atestado de conclusão de curso, taxa de requerimento de colação de grau, taxa de requerimento de grade curricular, taxa de requerimento e de recurso de revisão de nota, taxa para a defesa oral de trabalho de conclusão de curso, taxa de requerimento carta de estágio, taxa de requerimento de revisão de falta, entre outras. Uma vez mais, existe vedação legal expressa à cobrança dessas taxas de estudantes beneficiados pelo PROUNI. Vejamos a Portaria MEC n. 15, de 27/11/2009: Art. 5º As instituições de educação superior que aderirem ao ProUni, bem como as já participantes, deverão: I - considerar, nas bolsas oferecidas por meio do processo seletivo regular do ProUni, todos os encargos educacionais praticados a partir do primeiro semestre de 2010, inclusive a matrícula e aqueles relativos às disciplinas cursadas em virtude de reprovação ou de adaptação curricular, observados os requisitos de desempenho acadêmico do bolsista; 4. DA LESÃO AO DIREITO DOS CONSUMIDORES 4.1 COBRANÇA DE TAXAS JÁ ADIMPLIDAS PELAS MENSALIDADES É indubitável a existência de uma relação de consumo entre a Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva - FAIT, instituição de ensino superior, que presta serviços educacionais e, portanto, ocupa a função de fornecedora; e os seus alunos, na qualidade de consumidores dos aludidos serviços. 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Em se tratando de relação consumerista, nos termos do art. 39, V, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços – in casu, serviços educacionais – exigir do consumidor/aluno vantagem manifestamente excessiva e desproporcional aos limites do objeto pactuado, verbis: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva. Ainda que haja previsão contratual expressa da cobrança dessas taxas, tais cláusulas contratuais são nulas de pleno direito por conterem obrigações abusivas que colocam o consumidor em desvantagem exagerada. Assim é que é absolutamente nula eventual cláusula em contrato de adesão feito pela FAIT que preveja a cobrança de serviços especiais e taxas escolares, tais como requerimento de matrícula, histórico escolar, segunda chamada, revisão de provas, programa de disciplinas, declarações em geral, certidões e outros serviços eventualmente prestados. Além de abusiva, cláusula desse tipo contém obrigações incompatíveis com a boa-fé e a equidade, deixando sempre um flanco para que possa ser incluída toda a sorte de serviços, os quais deveriam estar abrangidos também pelos valores pagos a título de mensalidades, semestralidades ou anuidades. E, não se perca de vista, ademais, que são taxas expressamente vedadas pela legislação de regência. Veja-se o que dispõe o art. 51, I e IV, do CDC: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL [...] § 1°. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que : […] I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar o seu objeto ou o equilíbrio contratual. Não se sustenta a tese de que os valores cobrados decorrem de avença contratual de prestação de serviços educacionais firmada pelo alunato ou que estes estariam devidamente cientificados dos valores praticados quando do ingresso na IES. Afinal, como é possível atribuir plena validade a contrato que autoriza o fornecedor/instituição a cobrar por quaisquer serviços por ele prestados, atribuindo os valores que ele entende devidos, tão somente pelo fato de terem aposto tal permissão em contrato de adesão? Além de ser ilegal e abusiva a cobrança das mencionadas taxas, pelo que já foi largamente explicitado na presente exordial, é inválida qualquer previsão contratual que autoriza indiscriminadamente a cobrança por serviços aprioristicamente indeterminados representa afronta a direitos consumeristas mínimos consagrados em nossa legislação, a exemplo da boa-fé objetiva, provocando evidente desequilíbrio em desfavor do vulnerável (consumidor/discente). São, portanto, nulas e abusivas as cláusulas contratuais que permitam ao fornecedor variar livremente os preços dos bens e serviços: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral. 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Nula também é a cláusula contratual que restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato. Assim, a cobrança de taxas por serviços que são inerentes ao objeto contratual avençado é indevida, em função da restrição indevida efetuada ao direito à educação e por já se encontrar quitada por meio das mensalidades, semestralidades ou anuidades pagas pelo consumidor/discente. Sendo assim, é dever do fornecedor restituir em dobro as quantias indevidamente cobradas, acrescidas de correção monetária e juros moratórios, incidentes desde a data do pagamento indevido até a data da efetiva restituição. Nesse sentido o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil: CDC. Art. 42. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. CC/02. Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição. 4.2 MULTA MORATÓRIA ABUSIVA - “DESCONTO PONTUALIDADE” Tal como previsto no §7º, do art. 8º, do contrato de prestação de serviços escolares, “a data de vencimento do serviço educacional prestado é no 30º dia de cada mês acordado, entretanto será oferecido um desconto aos pagamentos antecipados para o 5º dia útil de cada mês, em forma de Desconto Premiação/Antecipação, em valor fixado no atendo a este contrato. Vencido o prazo da premiação da antecipação, os valores das mensalidades retornaram (sic) aos reais” (f. 111). 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Esse expediente fraudulento acarreta uma cobrança abusiva de multa moratória em valores de 6,69% sobre o valor real da mensalidade, além dos 2% sobre o valor total da mensalidade, máximo permitido pela legislação, que também são cobrados, perfazendo a verdadeira multa moratória de 8,69% (f. 108). Tal expediente abusivo consiste em criar um fictício valor da mensalidade escolar, no qual já está embutida a multa moratória abusiva. Havendo pagamento até a data do vencimento, procede-se a um “desconto”, que resulta no valor real da mensalidade. Havendo mora, sobre o valor fictício, faz-se incidir ainda nova multa moratória de 2% (dois por cento), esta explícita para efeito de emprestar aparência — mera aparência — de legalidade à prática comercial abusiva. Além do que já dissemos no tópico anterior quanto à lesão dos direitos dos consumidores pela adoção de práticas e cláusulas abusivas, aqui igualmente aplicáveis, em relação aos patamares das multas moratórias, existe limitação legal expressa no Código de Defesa do Consumidor: Art. 52. § 1º. As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação. Essa prática dissimulada, ademais, afronta o princípio da boa-fé objetiva, que deve lastrear a celebração e a execução dos contratos em geral, tal como previsto no art. 4º, III do CDC e art. 422 do Código Civil. Nesse sentido, reconhece a jurisprudência a evidente fraude à lei cogente: APELAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. COBRANÇA. ALEGAÇÃO DAS RÉS DE QUE A COBRANÇA É IRREGULAR, POIS EM VALOR DIFERENTE DO CONSTANTE DO CONTRATO. PERDA DO DESCONTO PONTUALIDADE E 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO, JUROS E MULTA DE 2%. CUMULAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. É inadmissível a cumulação de multa moratória com a perda do desconto pontualidade, pois ambos possuem o mesmo fato gerador, ou seja, a mora do contratante. O consumidor não pode ser penalizado duas vezes. A retirada do desconto concedido em razão do atraso no pagamento da mensalidade constitui, a rigor, verdadeira multa para o caso de pagamento após a data estipulada, contrariando o disposto nos arts. 51, IV, e 52, § 1º, ambos do CDC. (TJ-SP Apelação : APL 00316855920138260005 SP 003168559.2013.8.26.0005, Rel. Des. Adilson de Araujo, J. 31/03/2015 ) DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. MULTA MORATÓRIA. LIMITAÇÃO. DOIS POR CENTO. DESCONTO PONTUALIDADE. CLÁUSULA PENAL AO INVERSO. 1. O Código Civil , com a previsão contida no já referido art. 1.336 , § 1º , pôs termo a uma infindável controvérsia acerca da possibilidade de limitação da multa moratória incidente sobre débitos condominiais em atraso. Pela nova disciplina, o encargo não pode ser estipulado em patamar superior a 2% (dois por cento). 2. Adoutrina aponta que, após o disciplinamento da matéria, o sistema das administrações condominiais criou a chamada "cláusula penal ao inverso", a que se refere Sílvio de Salvo Venosa. Helder Martinez Dal Col: "A concessão do 'desconto' de pontualidade é, em verdade, pena disfarçada, multa exorbitante camuflada, posto que o valor normal da despesa de condomínio (ou do aluguel, no que pertine às relações locatícias) realmente pactuado é, na generalidade dos casos, aquele previsto para pagamento pontual com desconto e não o valor cheio". Se a lei, em norma de ordem pública, limitou a 2% (dois por cento) o valor da multa moratória, não é lícito o agravamento do encargo. 3. À vista dessa constatação, a única solução possível, do ponto de vista legal, é a desconsideração da penalidade dissimulada, a esse propósito, na cobrança empreendida, devendo ser considerado o valor da mensalidade, com o desconto, como base de cálculo para a incidência da multa, em caso de atraso no pagamento ou de inadimplemento. 4. Recurso de apelação parcialmente provido. (TJ-DF - APC 20140110685294 DF 001626605.2014.8.07.0001, Rel. Des. FLAVIO ROSTIROLA, J. 1º/10/2014) 5. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL Caracterizado o direito à educação como direito eminentemente social, para atingir a amplitude necessária ao alcance dos seus fins, a Constituição 13 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Federal admitiu que o ensino fosse livre à iniciativa privada, desde que atendido o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, consoante preconiza o art. 209 da CF/88. Note-se que, para funcionar regularmente, a instituição de ensino superior (IES) depende de autorização e avaliação do Ministério da Educação, devendo ainda se sujeitar às regras impostas pela União, a quem cabe também fiscalizar e supervisionar (ou deveria) os comandos normativos que instituiu (art. 209, I da CF/88). Assim dispõe o art. 211 da Constituição Federal: Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; Deveras, a Constituição Federal estabeleceu como condição imprescindível à incursão da iniciativa privada no ensino o cumprimento das normas gerais da educação (art. 209, I, CF/88). Coube, então, à Lei 9.394/96 disciplinar a quem compete fiscalizar estas normas gerais. Desse modo, nos termos do art. 16 da referida lei, a União é responsável pela fiscalização das instituições de ensino superior, integrantes do sistema federal de ensino: Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I - as instituições de ensino mantidas pela União; II - as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III - os órgãos federais de educação. Logo, uma vez que a demandada, instituição de educação superior da iniciativa privada, integrante do sistema federal de ensino, tem agido em 14 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL dissonância com o ordenamento jurídico, burlando a competência fiscalizatória da União, inequívoco o interesse federal, nos termos do art. 109, I da Constituição Federal: Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I – As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Nesse mesmo diapasão, o interesse federal neste feito é justificado por defendermos a regular execução do Programa federal Universidade para Todos – PROUNI, que é gerido pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e custeado por recursos públicos da União, nos termos da Lei n. 11096/2005 e do Decreto n. 5.493/2005, como já expusemos. 6. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Dispõe o art. 273 do Código de Processo Civil, na esteira do art. 12 da Lei nº 7.347/85, que poderá ser antecipada a tutela pretendida existindo prova inequívoca acerca da verossimilhança das alegações e, entre outras hipóteses, havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. O fumus boni iuris temos como robustamente demonstrado acima, já que evidenciada a contrariedade entre as ações da FAIT frente aos regramentos constitucional, legal e infralegal aplicáveis. O periculum in mora decorre do fato de nos aproximarmos do período de matrículas para o segundo semestre de 2015, momento em que os direitos transindividuais nesta via tutelados sofrerão novas lesões se tardar o provimento jurisdicional pleiteado. 15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL À semelhança, o perigo da demora é também incontrastável. Lembra MARINONI1 que “quando a inibitória é proposta para impedir a continuação ou a repetição do ilícito, não há muita dificuldade para se demonstrar o perigo do ilícito. Quando um ilícito anterior já foi praticado, da sua modalidade e natureza se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou repetição no futuro”. E depois arremata: “...o “periculum in mora” é inerente à própria probabilidade de o ilícito ter sido praticado”. Desse modo, necessária decisão judicial liminar que imponha à ASSOCIAÇÃO CULTURAL E EDUCACIONAL DE ITAPEVA – ACITA, mantenedora da FAIT: 1. que se abstenha de cobrar de todos os alunos quaisquer taxas/custos/emolumentos por serviços e bens inerentes às atividades de ensino, aqueles que não sejam eventuais e extraordinários, tais como requerimento de matrícula, matrícula, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, de certificados de conclusão de cursos e colação de grau, de identidade estudantil, de boletins de notas, cronogramas de horários escolares, de currículos e de programas, de requerimento e de recurso de revisão de nota, de defesa oral de TCC, de carta de estágio, de requerimento de revisão de falta, de documentos de transferência. Em caso de taxa pela expedição de segunda via de documentos, que limite a cobrança ao valor de custo, tendo em vista tratar-se de ressarcimento e não remuneração; 1 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 48 e 283. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 2. que considere, para todos os efeitos, o valor da mensalidade como sendo aquele contratualmente previsto para o “pagamento antecipado”, vale dizer, aquele valor da mensalidade já descontado o “Desconto Premiação/Antecipação/Pontualidade”, independentemente da data em que ocorra o efetivo pagamento, limitando as cominações de natureza moratória aos valores estabelecidos no art. 52, §1º do CDC. 3. dever de restituir em dobro, no prazo de 5 (cinco) dias da efetivação da cobrança, quaisquer quantias dessa natureza que vierem a ser cobradas em desacordo com esta decisão, nos termos do art. 42 do CDC e 940 do CC/02; e 4. multa de 10 (dez) vezes o valor cobrado indevidamente incidente em cada episódio de descumprimento desta decisão, nos termos do art. 461, §4º do CPC, art. 12, §2º da LACP e observando-se o disposto na Súmula nº 410 do Superior Tribunal de Justiça, cujos valores deverão reverter ao Fundo de Direitos Difusos. 7. CONCLUSÃO Com base em todo o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do art. 129, III da Constituição Federal, requer: 1. Seja recebida esta petição inicial juntamente com o Inquérito Civil Público nº 1.34.001.003984/2011-06 que a instrui. 2. A citação dos demandados, para, querendo contestarem a 17 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL presente demanda no prazo legal. 3. A intimação da União para, querendo, integrar o feito na condição de assistente, nos termos do art. 54 do CPC; 4. Caso a parte ré manifeste interesse, seja designada audiência preliminar de conciliação, nos termos do art. 331 do CPC. 5. Seja julgada procedente a presente ação, confirmando-se a medida antecipatória ASSOCIAÇÃO de tutela CULTURAL E e condenando-se EDUCACIONAL a DE ITAPEVA – ACITA, mantenedora da FAIT: 5.1 à obrigação de não fazer, consistente em não cobrar, de todos os alunos, quaisquer taxas/custos/emolumentos por serviços e bens inerentes às atividades de ensino, aqueles que não sejam eventuais e extraordinários, tais como requerimento de matrícula, matrícula, utilização de laboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, material destinado a provas e exames, de certificados de conclusão de cursos e colação de grau, de identidade estudantil, de boletins de notas, cronogramas de horários escolares, de currículos e de programas, de requerimento e de recurso de revisão de nota, de defesa oral de TCC, de carta de estágio, de requerimento de revisão de falta, de documentos de transferência. Em caso de taxa pela expedição de segunda via de documentos, que limite a cobrança ao valor de custo, tendo em vista tratar-se de ressarcimento e não remuneração; 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 5.2 à obrigação de fazer, consistente em considerar, para todos os efeitos, o valor da mensalidade como sendo aquele contratualmente previsto para o “pagamento antecipado”, vale dizer, aquele valor da mensalidade já descontado o “Desconto Premiação/Antecipação/Pontualidade”, independentemente da data em que ocorra o efetivo pagamento, limitando as cominações de natureza moratória aos valores estabelecidos no art. 52, §1º do CDC; 5.3 a apresentar em juízo, no prazo de 30 (trinta) dias, relação que contenha o quantitativo de alunos que foram matriculados na instituição, por semestre, nos últimos 5 anos, discriminando o quantitativo de beneficiários do PROUNI; 5.4 a fixar cartazes informativos, por 6 (seis) meses, sobre o direito de restituição dos valores indevidamente cobrados, mencionados nos itens 5.1 e 5.2, em locais da instituição de grande fluxo de alunos, tais como cantinas, secretaria, pátios, etc; 5.5 a restituir em dobro, com juros e correção monetária, no prazo de 5 (cinco) dias da solicitação, quaisquer quantias indevidamente cobradas, mencionados nos itens 5.1 e 5.2, nos últimos 5 anos anteriores ao ajuizamento desta ação, nos termos do art. 42 do CDC e 940 do CC/02; 5.6 dever de restituir em dobro, no prazo de 5 (cinco) dia s da efetivação da cobrança, quaisquer quantias previstas nos itens 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 5.1 e 5.2 que vierem a ser cobradas, desde a intimação das decisão deste feito, nos termos do art. 42 do CDC e 940 do CC/02; 5.7 Decorrido 1 ano do trânsito em julgado da decisão, seja determinado que apresente relação pormenorizada de todas as restituições de valores efetuadas, nos termos do art. 100 do CDC; 6. Seja cominada multa de 10 (dez) vezes o valor cobrado indevidamente, incidente em cada episódio de descumprimento dos itens 5.1 e 5.2, desde o deferimento da antecipação de tutela, nos termos do art. 461, §4º do CPC, art. 12, §2º da LACP e observando-se o disposto na Súmula nº 410 do Superior Tribunal de Justiça, cujos valores deverão reverter ao Fundo de Direitos Difusos. 7. Seja cominada multa diária, para o caso de descumprimento dos itens 5.3 a 5.7, em valor fixado ao prudente arbítrio do Magistrado, que desestimule o descumprimento da sentença, também nos termos do art. 461, §4º do CPC, art. 12, §2º da LACP e observando-se o disposto na Súmula nº 410 do Superior Tribunal de Justiça, cujos valores deverão reverter ao Fundo de Direitos Difusos. 8. Dispensa do pagamento das custas, emolumentos e outros encargos, em vista do disposto no artigo 18, da Lei n.º 7.347/85. 9. Embora o Ministério Público Federal já tenha apresentado 20 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL provas pré-constituídas do alegado, protesta, outrossim, pela produção de prova documental, testemunhal, pericial e, até mesmo, inspeção judicial, que se fizerem necessárias ao pleno conhecimento dos fatos, inclusive no transcurso do contraditório que se vier a formar com a apresentação de contestações. 10. Demais medidas de efetividade porventura julgadas pertinentes no curso do processo. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Nesses termos, aguarda deferimento. Itapeva/SP, 20 de maio de 2015. RICARDO TADEU SAMPAIO PROCURADOR DA REPÚBLICA 21