Observações_ Boletim Epidemiológico 2013 numero: 04 2ª série artigos breves_ n. 6 _As microcistinas são hepatotoxinas e têm sido implicadas em episódios de intoxicação humana (3) . A baixas concentrações atuam como promotores tumorais e estão classificadas pela Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC) como agentes potencialmente cancerígenos para o Homem (4) . No Decreto-Lei 306/2007 está estabelecido o valor paramétrico de referência para as microcistinas de 1ug.l-1 de microcistina-LRequiv em águas de consumo (5). _Importância da monitorização de cianobactérias em albufeiras portuguesas Catarina Churro, Elsa Dias, Sérgio Paulino, Elsa Alverca, Paulo Pereira Departamento de Saúde Ambiental, INSA. _Cerca de 60 % da população portuguesa consome água potável proveniente de reservas superficiais (1). Segundo o Instituto Nacional da Água (INAG), 42 % das albufeiras portuguesas estão eutrofizadas e muitas outras apresentam sinais de progressiva degradação do estado trófico (2). _As cianobactérias são constituintes naturais do fitoplâncton que em águas eutrofizadas se desenvolvem excessivamente constituindo populações muito densas denominadas florescências (Figura 1). Estas florescências são por vezes acompanhadas pela produção de toxinas (cianotoxinas), constituindo um risco para a saúde pública. Figura 1: www.insa.pt Cianobactérias mais comuns nas albufeiras portuguesas. A B D E C _O Laboratório de Biologia e Ecotoxicologia (LBE) do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) assegura, desde 1996, a monitorização de cianobactérias e toxinas associadas em vários reservatórios de água doce superficial, de norte a sul do país. Exemplificamos seguidamente os resultados dessa monitorização numa albufeira que tem como uso primário a produção de água para consumo humano, abastecendo uma população de cerca de 20 mil pessoas. Nesta albufeira foram colhidas amostras com uma periodicidade mensal ou quinzenal, em cinco pontos de colheita: na albufeira, à entrada da Estação de Tratamento de Água (ETA) (água bruta não tratada), ao longo das fases sucessivas de tratamento (decantação e filtração) e à saída da ETA (água tratada). Cada amostra foi analisada para identificação e quantificação de fitoplâncton ao microscópio e quantificação de microcistinas por ensaio imunoenzimático (ELISA). _Os dados apresentados (Gráfico 1) revelam a presença de densidades elevadas de fitoplâncton ao longo de todo o período analisado (2009-2010), com predomínio de cianobactérias filamentosas do género Planktothrix. Associada a esta presença constante e massiva de cianobactérias, observou-se também a contaminação persistente da água bruta com microcistinas, em valores significativamente elevados. Nas amostras em que a densidade fitoplanctónica na água bruta foi extremamente elevada, a eficiência da ETA ficou comprometida, observando-se a presença de um número elevado de cianobactérias na água tratada (Gráfico 2). continua F A Woronichinia, B Microcystis, C - Planktothrix, D- Dolichospermum, E Aphanizomenon, F Cuspidothrix. 18 Observações_ Boletim Epidemiológico 2013 numero: 04 2ª série artigos breves_ Gráfico 1: www.insa.pt n. 6 Densidade de fitoplâncton e cianobactérias e concentração de microcistinas ao longo de dois anos (2009 e 2010) na água da albufeira. Fitoplâncton total 4.500.000 40,00 Cianobactérias totais Planktothrix 4.000.000 35,00 Microcistinas (ug/L) 30,00 3.000.000 Microcistinas mg.L-1 nº Células.mL-1 3.500.000 25,00 2.500.000 20,00 2.000.000 15,00 1.500.000 10,00 1.000.000 5,00 Gráfico 2: Dezembro Novembro Outubro Novembro Outubro Setembro Agosto Setembro Julho 2009 Agosto Maio Julho Maio Abril Março Janeiro Fevereiro Dezembro Novembro Outubro Novembro Setembro Setembro Agosto Setembro Julho Agosto Julho Junho Maio Junho Abril Maio Abril Março Janeiro 0 Fevereiro 500.000 0 2010 Densidade de cianobactérias totais nas amostras provenientes das várias fases de tratamento da água da ETA ao longo de dois anos de monitorização (2009 e 2010). 5.013.000 Entrada da ETA 4.513.000 Decantação 4.013.000 Filtração 3.513.000 Saída da ETA 3.013.000 2.513.000 2.013.000 1.513.000 513.000 13.000 12.000 11.000 99,82% 10.000 9.000 99,96% 99,96% 99,98% Dezembro Novembro Outubro Outubro Novembro 99,89% 99,79% 99,69% Setembro Setembro 99,96% 99,86% 99,26% Agosto Agosto 99,98% Julho 99,99% Maio Julho Abril 99,99% Maio 99,99% Março 99,90% 99,78% _Os valores percentuais representam a percentagem de remoção celular à saída da ETA. Janeiro 99,98% 99,88% 2009 Fevereiro 99,87% Dezembro 99,99% Novembro 99,95% 99,80% Novembro Setembro Outubro 99,86% 99,87% 99,85% Setembro Agosto Setembro Agosto 99,93% 99,95% Julho Junho Junho 99,98% Maio Abril Abril 99,99% Março 0 Janeiro 1.000 99,99% 2.000 Maio 3.000 99,70% 99,87% 4.000 Julho 5.000 99,72% 99,79% 6.000 99,45% 99,70% 7.000 99,77% 8.000 Fevereiro nº Células.mL-1 1.013.000 2010 continua 19 Observações_ Boletim Epidemiológico 2013 numero: 04 2ª série artigos breves_ www.insa.pt n. 6 _Os dados apresentados mostram que a presença de cianobactérias e cianotoxinas pode ser persistente em águas doces superficiais, havendo riscos de exposição prolongada a compostos com efeitos crónicos ainda mal conhecidos. Destacam-se também as grandes oscilações na densidade celular e na concentração de toxinas (microcistinas), em que a ausência de padrão sazonal ou de regularidade revela o caracter imprevisível destas ocorrências e a necessidade de monitorização sistemática. O acompanhamento destas situações, associado a informação epidemiológica, constitui um contributo importante para o conhecimento, ainda muito limitado, acerca dos efeitos para saúde decorrentes da exposição humana a cianotoxinas. Importa também referir que a eficiência e custos do tratamento da água dependem essencialmente da qualidade da água na captação pelo que é fundamental preservar os recursos hídricos, minimizando as fontes de poluição a que esses sistemas estão sujeitos. _Referências bibliográficas: (1) Instituto da Água. Plano Nacional da Água - Usos, consumos e necessidades de Água [Em linha]. Lisboa: INAG, 2010. Vol. 1, cap. 2. [consult. 14-3-2013]. Disponível em: http://www.inag.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=9: Plano%20nacional%20da%20água&catid=4:pna&Itemid=21 (2) Instituto da Água. Plano Nacional da Água Conservação da natureza, ecossistemas e qualidade biológica [Em linha]. Lisboa: INAG, 2010. Vol. I, cap.7. [consult. 14-3-2013]. Disponível em: http://www.inag.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=9: Plano%20nacional%20da%20água&catid=4:pna&Itemid=21 (3) Jochimsen EM, Carmichael WW, An JS et al. Liver failure and death after exposure to microcystins at a hemodialysis center in Brazil. N Engl J Med. 1998 Mar 26;338(13):873-8. (4) International Agency for Research on Cancer. Cyanobacterial peptide toxins [Em linha]. Lyon: IARC, 2006. [consult. 14-3-2013]. Disponível em: http://monographs.iarc.fr/ENG/Monographs/vol94/mono94-7.pdf (5) Decreto-Lei nº 306/2007, DR 1.ª Série, n.º 164 [Em linha]. Disponível em: http://dre.pt/pdf1s/2007/08/16400/0574705765.pdf [consult. 14-3-2013]. 20